TRECHOS DE LIVROS - Literatura






“Tudo começa quando se é muito moço. Dizem-nos coisas que não são verdadeiras. Querem que acreditemos que o homem é por si mesmo uma coisa valiosa, que sua identidade é sagrada e que ele poderá ir tão longe, fazer tanto e ganhar tantos prêmios quanto puder. Para isso, só precisa de energia, coragem e honestidade.
É uma bela história. Irresistível mesmo. Especialmente para quem nada tem. Aprende-se isso desde cedo, do mesmo modo que os pais e os avós aprenderam antes. Precisam de acreditar e, por isso, acreditam.
Todo homem é livre. O seu destino lhe pertence. É isso o que ensinam. Ensinam também que é errado pôr essas coisas em dúvida.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Já que estava lá, resolvi seguir as regras do jogo. Sei quando perco a parada e tenho de aceitar as regras dos outros.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“A ideia de meu pai era que, se dependíamos dos outros para viver, estávamos na obrigação de dar aos outros o que eles quisessem. Dizia ele: 'Quando um freguês faz uma pergunta, a única resposta que podemos dar-lhe é 'Sim, cavalheiro' ou 'Sim, senhora'. Estamos servindo ao público e, se não servirmos direito, vai aparecer logo alguém para servi-lo em nosso lugar. (...) Quando o professor falar, você tem de escutar. Pouco importa que você goste dele ou não. Ele sabe alguma coisa que você não sabe e você está na escola justamente para aprender essa coisa'.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Pergunte a qualquer soldado, seu idiota. Matar é como andar com uma mulher. Só é difícil a primeira vez.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Para lhe dizer a verdade, não quero saber mais do que já sei. E o que eu sei é nada, compreendeu?”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Não vou dizer que goste de viver preso, mas também não gosto de viver solto lá fora. Não há nenhuma época em que eu tivesse prazer em viver de novo se pudesse. Não há nenhum lugar a que eu gostaria de voltar. Nunca tive tudo de uma só vez em qualquer tempo. Foi sempre uma bosta tudo, de um jeito ou de outro. E vou lhe dizer mais uma coisa: não creio que seja nisso muito diferente dos outros. Quase ninguém faz uma ideia de como está vivendo. Acabam sempre com os costados numa prisão - casamento, emprego ou seja o que for que esperam deles. Vivem presos muitos anos, fingem que gostam e até se alegram com os progressos que julgam estar fazendo, mas tudo isso é asneira. Vivem tão presos como nós. A única diferença é que nós sabemos que estamos fora de circulação e eles não sabem.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Se deixassem de fazer batatas fritas e refrigerantes, metade da população deste país morreria de fome. Sabia disso? Já ficou algum dia perto do caixa de um supermercado para ver o que é que as pessoas compram? Tudo porcaria. Compram, em geral, trinta dólares de coisas inúteis e três dólares de comida, toda ela salgada ou açucarada, artificialmente colorida e tão cheia de conservantes que poderia dar câncer em toda a população do Texas.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Era uma casa silenciosa, e eu e Enid éramos crianças caladas. Não sei bem o que nossos pais nos deram, mas não nos deram instrumentos de sobrevivência. Nem palavras, nem armas.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“— Tudo isso é tão importante para nós quanto é para você.
— Pode ser. Mas, se começarem a atirar, quem vai levar as balas sou eu.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Tempo havia de sobra. Não tinha para onde ir e nenhuma pressa de chegar lá.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“O problema é esse. Não podiam dispensar o homem porque ele era honesto. Agora, porém, estão vendo que ele é honesto demais. Não quer deixar mais ninguém roubar. (...) Virou então um perigo, uma ameaça. (...) Já começaram a dizer que ele não está bem de saúde. Quando menos se esperar, irá para o hospital. E então morrerá. Ouça bem o que eu estou dizendo: é um homem liquidado.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Fiz um trato com Tagge e não vou fugir do combinado. Mas não pensem que me embrulharam e puseram no bolso. Darei exatamente o que receber. Se tentarem comigo a força bruta, responderei com a força bruta. Podem me matar, mas não me dominar.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“É muito difícil arrancar da vida da gente pessoas que trazem boas recordações. É sempre uma operação duvidosa. Mesmo quando não é possível lembrar as coisas más, mesmo quando a gente se convence de que as coisas más nunca existiram, lá bem no fundo, quando se procura muito, há sempre um resíduo amargo.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“O que não falta no mundo são as boas intenções. O difícil é dar continuidade às boas intenções, quando é preciso escolher entre o que é conveniente e o que não é. Esse é que é o ponto crítico. Há muita gente que começa bem, mas a partir daí não comparece mais à chamada.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Você não está competindo com ninguém senão com você mesmo. Lembre-se disso e saiba que é luta de sobra. Não se compare com pessoas que, por esta ou aquela razão, conseguiram ter uma dianteira sobre você.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Se ele fosse mais velho, eu poderia tê-lo tomado como modelo e admirá-lo. Mas não se pode admirar muito um sujeito quase de nossa idade. Se o camarada é de fato muito superior, não se pode evitar uma certa mistura de inveja e de raiva de si mesmo. Fica-se assim encalhado e sem categoria, quando não se tem cuidado. É uma coisa bem difícil de superar quando se pensa muito.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Não compreendia o que é uma pessoa estar programada para o insucesso. Não sabia que é preciso muito tempo para uma pessoa se habituar ao que é bom. Há muita gente capaz de trocar a qualquer tempo o melhor por aquilo que lhe seja mais habitual. Isso vem de gerações sem conta de pessoas que tangeram bois ou burros, cavaram a terra com a enxada, racharam lenha, criaram ou plantaram para comer coisas rudes e morreram na mesma cama em que nasceram.
(...)
Mas Aplegate não compreendia isso. Ele era motivado para o alto. Não compreendia que se fosse motivado para os lados.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“'É uma coisa que tem sentido, ler', dizia ele. 'Tudo o que é belo, sensato ou importante foi escrito em algum tempo. Como pode alguém ter o desplante ou a presunção de não tomar conhecimento de tudo isso? Quem poderia ter essa coragem? A gente lê para sentir a vida, para fazer nascer dentro de si coisas de cuja existência não sabia. Todas as voltas e todos os sulcos do cérebro têm uma função própria, um potencial determinado; todas as terminações nervosas anseiam por ser estimuladas. E tudo está nos livros. Tudo. O mundo inteiro está presente neles, desde que se saiba procurar. Ler não é fugir da vida. É a própria vida e criação de vida'.
Eu gostava de ouvi-lo falar assim. E acreditava em tudo o que ele dizia. Só não podia era imitá-lo. Nunca pude ler dessa maneira. Para ler bem é preciso ficar sozinho. Mais ainda, é preciso querer ficar sozinho, calmo e em paz consigo mesmo. Nada disso é possível comigo. Fico nervoso quando não há ninguém por perto. Gosto de sentir e de ver gente na casa, na sala, cantando e falando, gosto de ver gatos e cachorros. Quando fico sozinho, nunca é porque eu quero. Ficar sozinho para mim é um castigo. Sempre foi.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Fiquei pensando em quem tomara providências para que os aborígenes fossem 'distribuídos em pequenas tribos' e não congregados numa grande tribo. E se a pessoa que escrevera o folheto e falara em 'completa liberdade pessoal' era um aborígene.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Na minha opinião, Los Angeles deve ter sido um lugar muito agradável em outros tempos, pois do contrário não seria possível que tanta gente tivesse ido para lá. A impressão que se tem é de que só os carros vivem naquela cidade e de que as pessoas só existem para cuidar deles.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Não tente calcular coisa alguma. Tudo o que era preciso pensar já foi pensado. Todos os planos já estão feitos. Tudo isso é como um trem expresso que desce uma rampa. Ou você embarca nele ou é por ele esmagado. Mas não terá qualquer espécie de meios de fazê-lo parar.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Todas as perguntas têm agora quatro ou cinco respostas. Nada está certo e nada está errado.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Esse governo não está trabalhando para nós, isso é que não. Todos os homens do governo estão trabalhando é para eles mesmos. Devem rir de nós à beça. São uns ladrões. Os pobres-diabos que estão na prisão tornam-se escoteiros e comparaçao com eles. Você pensa que eles estudam Direito para ter prejuízo? Que esperança! O diploma equivale a uma licença para roubar. Todo mundo sabe disso. E quem é eleito para o Congresso ganha uma licença para roubar em grande escala.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Sabendo que não tinha chances de vencer, comecei a planejar os detalhes de minha derrota.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Perder a guerra não me assustava tanto depois que comecei a pensar em ganhar algumas batalhas. E não era tanto de ganhar que se tratava, mas de lutar.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Brigar com um grupo é como atirar num bando de patos. É preciso escolher um pato. Quando se faz pontaria para todos, não se acerta em nenhum. E quando se luta com mais de um homem, o essencial é concentrar-se. Um de cada vez. Pouco importa o que os outros estejam fazendo com a gente. Podem levar a melhor no fim, mas até lá a gente já fez um bocado de estrago.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Você pensa que é melhor para mim não saber de nada. Mas não é. Garanto a você que não é. Nada é pior do que o que eu fico imaginando.”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Você não pode viver com alguém e viver para si ao mesmo tempo. ”
(Adam Kennedy, no livro “As Pedras do Dominó”)



“Não compreendia (tacanhez de espírito embora) como pudesse instruir-se na prática indispensável da vida social uma criatura educada a toques de sineta, no silêncio e na sensaboria de uma casa conventual entre paredes sombrias, com quadros alegóricos das almas do purgatório e das penas do inferno; com o mais lamentável desprezo de todas as prescrições higiênicas, sem ar nem luz, rezando noite e dia (...). A instrução pública estava reduzida a meia dúzia de conventilhos: uma calamidade pior que a seca. O menino ou menina saía da escola sabendo menos que dantes e mais instruído em hábitos vergonhosos.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“Outras vezes, à noitinha, clarões rápidos e lívidos abriam-se no poente como reflexos de luz elétrica; ouvia-se rolar a trovoada muito ao longe. Mendonça punha-se a escutar calado, sentia um como arrepio bom, e lá tornava a iludir-se alimentando, toda uma noite, a doce esperança de ver pela manhã o solo úmido e a rama brotando verde e pujante da 'fornalha'. Mas qual! As manhãs sucediam-se cada vez mais tépidas, sem pinga d'água, uma aragem leve, de cemitério, arrepiando a folhagem do arvoredo. Um céu muito alvo, varrido, monótono, indecifrável como um dogma.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“Olhava para o passado com a alma cheia de saudade, recordando, tim-tim-por-tim-tim, como se estivesse lendo num livro, ninharias, minudências de sua vida naqueles tempos em que ela, pobre e matutinha, via tudo cor de rosa através do prisma límpido e imaculado de sua meninice.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“(...); porém, a vida ruidosa e dissoluta das capitais, esse tumultuar quotidiano de virtudes fingidas e vícios inconfessáveis, esse tropel de paixões desencontradas, isso que constitui, por assim dizer, a maior felicidade do gênero humano, esse acervo de mentiras galantes e torpezas dissimuladas, esse cortiço de vespas que se denomina — sociedade, desconhecia-o ele e nem sequer imaginava.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“(...) mandei-o pastar bem... (...) que isto não vale senão nada.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“Quem pensa não casa, lá diz o ditado, e é muito certo.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“Pois olha, esta aqui há-de namorar até não poder mais. Queres que te diga uma coisa? Isso de casamento é uma cantilena...”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“No outro lado da rua, o Romão, o negro Romão que fazia a limpeza da cidade, passava muito bêbado fazendo curvas, de calças arregaçadas até os joelhos, peito à mostra, com um desprezo quase sublime por tudo e por todos, gritando numa voz forte e aguardentada.
— Arre corno!... Um garoto atirou-lhe uma pedra.
Mas o negro, pendido p'ra frente, ziguezagueando, tropeçando, encostando-se às paredes, torto, baixo, o cabelo carapinha sujo de poeira, pardacento, repetia insistentemente, alto e bom som, o estribilho que todo o Ceará estava acostumado a ouvir-lhe — Arre corno! e que repercutia como uma verdade na tristeza calma da rua.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“O insulto nesta terra é um divertimento como qualquer outro, como o entrudo, por exemplo.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“— (...) Se é costume nesta terra os indivíduos se insultarem mutuamente, com a mesma facilidade com que tomam uma xícara de café, pílulas! é preciso dar um ensino, é preciso que alguém se levante!
— É bobagem, filho. Toda a gente toma a defesa do réu e aí fica a vítima do insulto com cara de besta. É o que é.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“— Quando o insulto vem de baixo a gente deve responder com o desprezo. O desprezo é a arma invencível dos espíritos superiores (...).
— Qual desprezo! Não se mata com desprezo um réptil venenoso; pisa-se-o, reduz-se-o a papas.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“O verdadeiro talento é sempre vítima do despeito das mediocridades.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“Uma obra de arte reconhecidamente boa era, a seu ver, uma epopeia, fosse qual fosse o gênero dela.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“Por que isso? por que não se decidia logo a dizer a verdade fosse ela qual fosse?
Era sempre melhor do que estar perdendo tempo sem tomar uma resolução franca e definitiva.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“Estava irremediavelmente perdida (...), pois bem, acabar-se-ia de uma vez, sem ter que dar satisfação a ninguém por isso. Era um pecado, mas não era uma vergonha (...).”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“— (...) Calúnia, simples calúnia...
— É. Este povo é muito indiscreto.
— Indiscreto não — alcoviteiro, mentiroso, ignorante e besta, é o que ele é.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“Todo fenômeno é consequência de uma causa. Não há efeito sem causa. No caso vertente a causa é a falta de educação, a falta absoluta de quem saiba dirigir a mocidade feminina. A nossa educação doméstica é detestável, os nossos costumes são de um povo analfabeto.”
(Adolfo Caminha, no livro “A Normalista”)



“Como guarda-marinha deixava-se ficar a bordo nos dias de folga, somente 'para não perder o hábito'. Inimigo de terra, preferia o farniente de seu camarote, ali ao pé dos livros e das fotografias marítimas, ao movimento esterilizador e absorvente dos cafés e dos teatros.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Um frêmito de instintiva covardia, como uma corrente elétrica, vinha à face de toda aquela gente abespinhada ali assim perante um só homem, cuja palavra trazia sempre o cunho áspero da disciplina. Era um respeito profundo chegando às raias da subserviência animal que se agacha para receber o castigo, justo ou injusto, seja ele qual for.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Homem de poucas palavras, muito metido consigo, tolerante e enérgico ao mesmo tempo em matéria de serviço, não compreendia disciplina sem chibata, 'único meio de se fazer marinheiro'.
E tinha sempre esta frase na ponta da língua: — Navio de guerra sem chibata é pior que escuna mercante.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Ora, aconteceu que, na véspera desse dia, Herculano foi surpreendido, por outro marinheiro, a praticar uma ação feia e deprimente do caráter humano. Tinham-no encontrado sozinho, junto à amurada, em pé, a mexer com o braço numa posição torpe, cometendo, contra si próprio, o mais vergonhoso dos atentados.
(...)
Herculano acabava de cometer um verdadeiro crime não previsto nos códigos, um crime de lesa-natureza, derramando inutilmente, no convés seco e estéril, a seiva geradora do homem.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“A disciplina militar, com todos os seus excessos, não se comparava ao penoso trabalho da fazenda, ao regímen terrível do tronco e do chicote. Havia muita diferença... Ali ao menos, na fortaleza, ele tinha sua maca, seu travesseiro, sua roupa limpa, e comia bem, a fartar, como qualquer pessoa, hoje boa carne cozida, amanhã suculenta feijoada, e, às sextas-feiras, um bacalhauzinho com pimenta e 'sangue de Cristo'... Para que vida melhor? Depois, a liberdade, minha gente, só a liberdade valia por tudo! Ali não se olhava a cor ou a raça do marinheiro: todos eram iguais, tinham as mesmas regalias — o mesmo serviço, a mesma folga.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Todo ele estava pronto, e via-se-lhe no olhar, na fala, nos modos, o grande contentamento de que estava cheio seu coração. Era uma felicidade estranha, um bem-estar nunca visto, assim como um começo de loucura inofensiva e serena, que o fazia mais homem vinte vezes, que o tornava mais forte e retemperado para as lutas da vida. Suave embriaguez dos sentidos, essa que vem de uma grande alegria ou de uma tristeza imensa...”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“A grandeza do mar enchia-o de uma coragem espartana. Ali se achava, ao redor dele, a sublime expressão da liberdade infinita e da soberania absoluta, cousas que o seu instinto alcançava muito vagamente através de um nevoeiro de ignorância.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Contava então cerca de trinta anos e trazia gola de marinheiro de segunda-classe. Por sua vontade não sairia mais barra fora: em dez anos viajara quase o mundo inteiro, arriscando a vida cinquenta vezes, sacrificando-se inutilmente. — Afinal a gente aborrece... Um pobre marinheiro trabalha como uma besta, de sol a sol, passa noites acordado, atura desaforo de todo mundo, sem proveito, sem o menor proveito! O verdadeiro é levar a vida 'na flauta'...”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Sua amizade ao grumete nascera, de resto, como nascem todas as afeições, inesperadamente, sem precedentes de espécie alguma, no momento fatal em que seus olhos se fitaram pela primeira vez.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Tal foi o seu primeiro castigo depois de quatro anos de serviço. Profundamente magoado, concentrou-se para reaparecer mandrião e insubmisso, cheio de ressentimento, não se importando, como dantes, com os seus deveres, trabalhando 'por honra da firma' sem vexame nem sacrifício. — 'Tolo era quem se matava. Havia de receber seu soldo quer trabalhasse quer não trabalhasse'.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Maldita a hora em que o pequeno pusera os pés a bordo! Até então sua vida ia correndo como Deus queria, mais ou menos calma, sem preocupações incômodas, ora triste, ora alegre, é verdade, porque não há nada firme no mundo, mas, enfim, ia-se vivendo...”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Tudo quanto lhe fizessem estava muito bem feito, contanto que o deixassem no seu canto, no seu ramerrão: nunca pedira favores a ninguém.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Decididamente a marinha é, por excelência, uma escola de coragem!”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“É que nem todos têm força para resistir: a natureza pode mais que a vontade humana...”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Diabo de vida sem descanso! O tempo era pouco para um desgraçado cumprir todas as ordens. E não as cumprisse! Golilha com ele, quando não era logo metido em ferros... Ah! vida, vida!... Escravo na fazenda, escravo a bordo, escravo em toda parte... E chamava-se a isso servir à pátria!”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Bom-Crioulo nem sequer pensou em Aleixo: estava incapaz de trocar palavra, sucumbido pela canseira, o corpo mole reclamando conforto, o espírito parado; todo ele sem ânimo para cousa alguma. Trabalhara brutalmente; não havia resistir à fadiga. Momentos há em que os próprios animais caem extenuados..”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Eu quando gosto de uma pessoa gosto mesmo e acabou-se.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Tinha o seu homem, lá isso pra que negar? Mas, independente dele e de outros arranjos que pudesse fazer, precisava ir ganhando a vida com um emprego certo, um emprego mais ou menos rendoso para garantia do futuro. Isso de homens não há que fiar: hoje com Deus, amanhã com o diabo.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Tenho quarenta anos de experiência, dizia, quarenta anos e alguns fios de prata na cabeça. Conheço este mundo velho, meu amor; tudo isso pra mim é miséria.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Bom-Crioulo resumiu em poucas palavras a viagem da corveta:
— Seis meses de estupidez!”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Um martelar contínuo reboava ciclopicamente no interior daquela sepultura de pedra, como numa forja subterrânea; operários em mangas de camisa recomeçavam todos os dias a mesma faina brutal de calafetar o bojo da velha 'barcaça', enquanto os marinheiros iam, por outro lado, raspando o mexilhão que o calor apodrecia no fundo seco do dique. Sufocava, lá baixo, o cheiro forte dos mariscos em decomposição; subindo como bafos de monturo, resistindo à potassa e ao ácido fênico.
Era justamente em dezembro, mês de epidemias e de insuportável calor.
Dir-se-ia que aqueles homens, operários e marinheiros, não tinham aparelho respiratório, não tinham pulmões, ou estavam saturados de miasmas.
Trabalhavam cantando e martelavam assoviando, com uma indiferença heroica, sem pensar no grande perigo que os ameaçava.
Pela noite, desde o escurecer, o odor pestilento aumentava e então não havia remédio: a marinhagem toda precipitava-se para fora, como um formigueiro alvoroçado, tapando o nariz: — Foge! foge! Olha a febre amarela!”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Não sou escravo de ninguém. Fujo quantas vezes quiser; ninguém me proíbe.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Confundiam-se-lhe as ideias numa turva agitação de quem vai perder o juízo; os objetos começavam a parecer-lhe sombrios, tinha vontade de cometer loucuras, de se sentar no meio da rua e abrir a boca e dizer horrores como um alienado.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Evitava-o como se evita um inimigo irreconciliável. Por quê? Ele próprio, Bom-Crioulo, ignorava. Repugnância instintiva, natural antipatia — forças opostas que se repelem...”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Ele sofria tudo com aquele orgulho selvagem de animal ferido, que se não pode vingar porque está preso, e que morre sem um gemido, com o olhar aceso em cólera impotente!”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“O respeito não está na roupa, doutrinou Aleixo, abotoando-se; é respeitado quem procede bem.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Atrás dos apedrejados vêm as pedras... Uma pessoa, no fim de contas, era obrigada a tornar-se ruim, a fazer todas as loucuras... Isso de a gente pensar na vida, sacrificar-se, proceder bem, não vale nada, é uma grande tolice, uma grande asneira.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Tinha momentos de calma, procurando afastar do espírito qualquer ideia de vingança, de desforra, como quem se julga superior às pequeninas misérias da vida.”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Positivamente não se conformava com a ideia de que Aleixo o abandonara por outro... E quem seria esse outro? Algum marinheiro também, decerto, algum 'primeira-classe'... Era muita ingratidão, muita baixeza! Abandoná-lo, por quê? Porque era negro, porque fora escravo? Tão bom era ele quanto o imperador!...”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“A gente é como um copo d'água: vai-se enchendo, vai-se enchendo, até não poder mais!”
(Adolfo Caminha, no livro “Bom-Crioulo”)



“Ora, isso em toda parte há; o vício está no sangue do indivíduo; quando o homem tem de ser coisa ruim, o é no Rio de Janeiro, na Patagônia, em Paris... no inferno!”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Faça de conta que comprei um bilhete. A vida é simplesmente uma loteria: questão de felicidade.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Mais vale uma esperança tarde que um desengano cedo.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“— Basta, basta! — interrompeu Evaristo, limpando a face magra. — Acabem com isso...
No fundo, ele também estava comovido, e homem nervoso, não podia ver outra pessoa chorar.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“O homem, para ser homem às direitas, carece de lutar, de sofrer as pequeninas misérias sociais... A natureza humana quer movimento, quer emoções... quer vida, enfim. Todos nós somos uns aventureiros que andamos à cata de filões de ouro...”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Era o primeiro a reconhecer os benefícios e as incalculáveis belezas da civilização; mas também não havia negar que a título de civilização, emitia-se muita moeda falsa, muito princípio errado – muita bandalheira!”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“E a lágrima da jovem senhora caiu no esquecimento como todas as coisas deste mundo.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Achei a incógnita da equação. Isto de dever, todos devem mais ou menos; a questão é pagar.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Davam-lhe doutor, mas, em verdade, nunca pusera os pés numa academia; os preparatórios mesmo, ele os não completara; e como no Rio de Janeiro, na Corte, toda a gente é doutor, ninguém punha dúvida no fictício diploma de Luís Furtado.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Em casa ou no Banco, uma só preocupação enchia-lhe o espírito: — Adelaide. Como e por quê? Mistério! E a vida o que é senão um grande e tenebroso mistério?”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Valdevino Manhães carregava de tintas sombrias o rosto de Adelaide, o rosto e a alma — embalado por seu natural pessimismo que ia até a negação de Deus e do Bem. Explicava tudo pela — fatalidade, e não podia ver uma pessoa triste que não dissesse logo: 'Aí vai um desgraçado!'. No fundo desse pessimismo havia, entretanto, uma compaixão pelo sofrimento alheio — compaixão que ele calculadamente escondia 'para se mostrar superior às fraquezas humanas'.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Não te faças miserável! — ralhou Furtado. — Um homem não tem o direito de menosprezar-se.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“E caía-lhe n’alma um desgosto, uma tristeza, um cansaço da vida, um peso enorme. Oh, quanto mais para dentro da civilização, mais horrores, mais espinhos, como no interior de uma floresta de cardos, povoada de insetos venenosos.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Antes esquecer, antes esquecer tudo e apresentar-se alegre, fazendo pela vida como os outros, não estorvando os projetos de Evaristo, aceitando os homens como eles são — desleais e corruptos... Que podia ela só contra uma sociedade inteira, contra milhares de pessoas? Nada, absolutamente nada. Homem e mulher vivem conforme a sociedade os obriga a viver, fingindo não perceberem aquilo que lhes está entrando pelos olhos; a mulher principalmente, a mulher é um ente nulo, uma criatura sem vontade, uma pobre máquina dos caprichos do homem. Triste daquela que, instigada pelo amor-próprio, arrebatada por um movimento de dignidade feminina, rebelar-se contra o jugo do meio em que vive! Não lhe faltarão apodos, nem grosseiras alusões...”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“— Olhe que a vida é curta, menina, olhe que a vida é curta — repetiu a amiga em tom conselheiro.
— E os desgostos são muitos...”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“(... ) a comparação, se não é original, tem o mérito de exprimir exatamente o que eu quero dizer.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Nunca hás de ser coisa alguma, porque vives a criticar a humanidade, e a humanidade o que quer é que a gente não veja os seus ridículos e as suas fraquezas.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“— Você logo não está vendo que eu não troco as minhas ideias por um lugar de escriturário! — bradou ele. — A república há de se fazer, depois da abolição, e tudo quanto é visconde e marquês vai para a rua!
— Isso devias tu dizer ao diretor, não a mim... — obtemperou gravemente o secretário. — Por que lhe não respondeste?
— Ora, por quê! Porque não há liberdade, porque neste país domina o capital e sem dinheiro ninguém vive!
— Ah! neste caso, meu amigo, é sempre melhor o empreguinho do que as tais ideias!”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Cada qual tem a liberdade de pensar como quer... Isso de ideias varia.”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Ao dinheiro oponho eu a dignidade, morra, embora, na miséria!”
(Adolfo Caminha, no livro “Tentação”)



“Nada há de novo no universo infinito, nada de diferente. O que parece excepcional para a mente limitada do homem pode ser inevitável para o infinito Olho de Deus. Os momentos inesperados da vida, os acontecimentos insólitos, as notáveis coincidências do dia-a-dia, dos encontros, das oportunidades... tudo pode ser reproduzido indefinidamente num planeta de um Sol cuja galáxia completa um ciclo em 200 milhões de anos, e até hoje já completou nove ciclos.
Sempre houve uma infinidade de mundos e culturas, e cada um alimentou a ilusão orgulhosa de ser inigualável no espaço e no tempo. Inúmeros homens sofreram da mesma megalomania; homens que se imaginavam únicos, insubstituíveis, irreproduzíveis. Mas outros hão de vir e virão... indefinidamente. Esta é a história desse tempo e desse homem... O Homem Demolido.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Escolha os seus inimigos — murmurou —, não deixe isso ao acaso.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Aos que vierem depois de mim: o teste de intelecto é a recusa de insistir no óbvio.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Cuidado: a essência do crime não muda jamais. Em qualquer época, continua sendo o conflito entre o assassino e a sociedade, com a vítima como prêmio. E o ABC do conflito com a sociedade permanece constante. Seja audacioso, bravo e confiante, e não falhará. Contra essas qualidades a sociedade não tem defesa.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Ela entrou na cozinha; era fisicamente pequena, mas alta e ondulante em pensamento; por fora era morena, mas, por dentro, branca como a neve. Quase uma freira de branco, apesar da textura escura de seu físico; mas a mente é que é a realidade. A gente é o que pensa.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“— Qual é seu problema?
— Jogo — disse Reich. — Ellery West, meu Diretor de Recreação, se queixa dos jogos na Monarch. Acha que há jogos demais. Pessoalmente, não me importo com isso.
— Mantenha um homem em débito, e ele vai ter medo de pedir um aumento.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Powell balançou a cabeça com tristeza.
— Em você há duas pessoas, Reich. Uma é ótima; a outra, podre. Se você fosse inteiramente assassino, não seria tão grave. Mas você é metade santo e metade ordinário, e isso piora tudo.
— Quando você piscou, vi que não ia ser bom para mim — ironizou Reich. — Você é astuto, Powell. Você me assusta de verdade. Nunca sei quando vem o golpe nem para onde me desviar.
— Então, pelo amor de Deus, pare de desviar e acabe com isso — disse Powell. Sua voz queimava. Seus olhos queimavam. Mais uma vez essa intensidade aterrorizava Reich. — Vou derrotá-lo, Ben. Vou estrangular o assassino que existe em você porque admiro o santo. Este é o começo do fim para você. E sabe disso. Por que não torna as coisas mais fáceis?
Por um momento Reich esteve perto de se render. Então se concentrou para enfrentar o ataque.
— E desistir da melhor luta de minha vida? Não. Nem em um milhão de anos, Linc. Vamos levar isto até o fim.
Powell deu de ombros com raiva. Os dois se levantaram. Instintivamente suas mãos se encontraram como num adeus definitivo.
— Inimigos?
— Inimigos.
Era o começo da Demolição.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Ele não era muito brilhante e cometeu o erro de escolher o Câmbio de Marte como campo de batalha. O Banco tinha um ar sujo e provinciano. Snim não havia aprendido que somente as instituições poderosas e eficientes podem se permitir uma aparência de segunda.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Bastion West Side, famoso último baluarte do Cerco de Nova York, fora consagrado como um monumento de guerra. Seus 10 acres deviam ser mantidos intocados numa denúncia dolorosa da insanidade que produzira a guerra final. Mas a guerra final, como sempre, era a penúltima, e as ruínas e vielas de Bastion West Side foram improvisadas em loucas favelas pelos invasores que surgiram.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Há um trabalho de verdade esperando por você. Chooka.
— Dinheiro de verdade?
Powell conteve a onda de exasperação que lhe subiu à cabeça. Não era em relação a Chooka. Era raiva contra a implacável força de evolução que insistia em dotar o homem com poderes cada vez maiores sem remover os vestígios dos vícios que o impediam de usá-los.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“— Que homem desagradável e perigoso!
— Perigoso, mas não desagradável, Mary. Ele tem charme. E isso o torna duplamente perigoso. As pessoas sempre esperam que os vilões tenham cara de vilão.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“— Sr. Powell — exclamou ela. — O garoto detetive. Você ainda me deve uma dança.
— Devo-lhe desculpas — disse Powell.
— Encantada! Isso nunca é demais. E por que essas desculpas?
— Por subestimar você.
— A história da minha vida.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Você tem ideia do perigo que representa? Uma praga conhece seu perigo? A morte tem consciência de si mesma?”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Estava exausto. Um pouco orgulhoso de si mesmo pelo sacrifício realizado. Bastante envergonhado por sentir orgulho. Claramente melancólico.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“— Nunca saberemos qual é a solução, mas não é roubo, terror, ódio, cobiça, assassinato, rapina. Você falhou, e foi tudo abolido, disperso...
— E o que vai ser de nós?
— Nós também fomos abolidos. Eu tentei avisá-lo. Tentei detê-lo. Mas falhamos no teste.
— Mas por quê? Por quê? Quem somos nós? O que somos nós?
— Quem sabe? A semente sabe quem ou o que ela foi quando falha ao tentar encontrar solo fértil? O que importa quem ou o que somos? Nós falhamos. Nosso teste acabou. Nós acabamos.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“— Usando o reservatório de energia latente, construí um conceito neurótico comum para Reich... a ilusão de que apenas ele era real no mundo.
— Ora, eu... Isso é comum?
— Sim, senhor. É um dos padrões de fuga mais comuns. Quando a vida se complica, há uma tendência para se refugiar na ideia de que tudo é falso... uma imensa mistificação.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“— Deve ser uma coisa maravilhosa ser um Pexsen.
— Maravilhosa e terrível, senhor.
— Vocês todos devem ser muito felizes.
— Felizes? — Powell parou na porta e olhou para Crabbe. — O senhor seria feliz se tivesse de viver num hospital, Comissário?
— Num hospital?
— É onde nós vivemos... Todos nós. Na ala psiquiátrica. Sem escape... nem refúgio. Dê graças a Deus por não ser um psicodiafanista, senhor. Por ver apenas o exterior dos homens. Por não ver as paixões, os ódios, os ciúmes, a maldade, as doenças... Dê graças a Deus por não ver a assustadora verdade das pessoas.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Reich gritava e se contorcia.
— Como está indo o tratamento?
— Maravilhosamente. Ele tem resistência para tomar qualquer coisa. Estamos indo bem. Deve estar pronto para o renascimento em um ano.
— Estou esperando por isso. Precisamos de homens como Reich. Seria uma pena perdê-lo.
— Perdê-lo? Como isso seria possível? Você não acha que uma pequena queda como essa poderia...
— Não. Eu pensava em outra coisa. Há 300 ou 400 anos, a polícia costumava capturar pessoas como Reich para matá-las. Chamavam a isso pena capital.
— Você está brincando.
— Palavra de honra!
— Mas isso não faz sentido. Se um homem tem talento e garra para se opor à sociedade, está, obviamente, acima da média. Você quer mantê-lo. Você o corrige e o transforma num valor positivo. Por que jogá-lo fora? Faça isso e só lhe restarão os carneiros.
— Não sei. Talvez naquela época eles gostassem de carneiros.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“— Ora diabos! Sou apenas sua ama-seca — murmurou Powell. — Nós todos somos amas-secas em relação a este mundo louco. Valerá a pena?”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“Nada há de novo no universo infinito, nada de diferente. O que parece excepcional para a mente imediatista do homem tem sido inevitável para o infinito Olho de Deus. Esse estranho segundo numa vida, aquele acontecimento raro, aquelas notáveis coincidências de ambiente, ocasião e encontro... tudo isso tem sido reproduzido seguidamente no planeta solar cuja galáxia gira uma vez em 200 milhões de anos, e já completou, até hoje, nove voltas. Houve felicidade. E haverá de novo.”
(Alfred Bester, no livro “O Homem Demolido”)



“É um velho princípio meu que, quando você tiver excluído o impossível, o que quer que reste, embora improvável, deve ser a verdade.”
(Arthur Conan Doyle, em “As Aventuras de Sherlock Holmes”)



“Eu sei, meu caro Watson, que você compartilha do meu amor a tudo que é bizarro e fora das convenções e rotinas monótonas da vida.”
(Arthur Conan Doyle, em “As Aventuras de Sherlock Holmes”)



“Geralmente, disse Holmes, quanto mais estranha é uma coisa menos misteriosa se mostra. Os crimes comuns, sem traços característicos, é que são realmente enigmáticos, exatamente como um rosto comum é o mais difícil de identificar.”
(Arthur Conan Doyle, em “As Aventuras de Sherlock Holmes”)



“Tinha-lhe dado o apelido de Cat porque ela me lembrava uma gatinha — graciosa, independente, imperscrutável. Com aquele jeito peculiar dos gatos de estarem sempre atentos fingindo que não.”
(Arthur Maling, no livro “Dingdong - Uma Certa Conta na Suíça”)



“'Partirei quando o Senhor me convidar' — dizia minha mãe. (...) Para ela, morrer era uma maneira de aceitar um convite para ir para o Céu.”
(Arthur Maling, no livro “Dingdong - Uma Certa Conta na Suíça”)



“E eu estabeleci a verdade a meu respeito. Holly não se desfez em risos, nem me apertou a mão compungidamente. Nem me assegurou que eu seria de novo o que fora. Ela simplesmente ouviu. O que foi muito melhor.”
(Arthur Maling, no livro “Dingdong - Uma Certa Conta na Suíça”)



“— Não convidei você para vir aqui para me seduzir — disse Holly a certa altura —, mas não me importaria se o fizesse.
— Não foi para isso que eu vim — respondi —, mas tenho a firme intenção de fazê-lo.
Nenhum de nós estava falando toda a verdade, mas não tinha importância.”
(Arthur Maling, no livro “Dingdong - Uma Certa Conta na Suíça”)



“Isso era o que minha mãe entendia por realização pessoal: ser capaz de esquecer os seus próprios problemas e fazer algo pelas outras pessoas.”
(Arthur Maling, no livro “Dingdong - Uma Certa Conta na Suíça”)



“Não existem estranhos; existem apenas pessoas que ainda não tinham se encontrado.”
(Arthur Maling, no livro “Dingdong - Uma Certa Conta na Suíça”)



“Tinha voltado a sensação do inevitável que eu já sentira quando esperava a tal viagem. Era difícil enfrentar gente que nada tinha a perder.”
(Arthur Maling, no livro “Dingdong - Uma Certa Conta na Suíça”)



“É verdade: não tenho imaginação e não ligo a mínima para isso.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Sempre falta alguma coisa às pessoas e nem por isso elas parecem de mal com a vida. Maria, a empregada, não tem estudo e não conheço ninguém mais alegre do que ela.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Nunca contei a ninguém que não tenho imaginação. Para falar a verdade, vivo muito bem sem ela: a televisão imagina tudo por mim.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Só compro aquilo que vejo na televisão. Peço sempre a mamãe para trazer as guloseimas que anunciam nos comerciais, apesar de que elas nunca são tão saborosas ao vivo.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Nunca teve nada, pensei, enquanto era moça. As televisões são iguais às pessoas: à medida que envelhecem vão ficando fracas, roucas, perdendo a cor, começam a apresentar problemas de saúde.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Não disse que sei. — Fez uma pausa. — Eu imagino.
— Mas aquilo que a gente imagina não é o que eles estão sentindo?
— Nem sempre, nem sempre...
— Então para que ficar gastando imaginação com uma coisa que pode não ser?”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Minha irmã diz que de tanto ver televisão acabarei perdendo os outros sentidos e quando crescer vou ficar com o olho do tamanho de uma bola de tênis.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Minha irmã falou que não gostaria de estar na pele de um paciente sendo operado durante a partida.
— Imagine, Tavinho, o Brasil marcando um gol no momento em que o médico faz a cirurgia. Imagina o que pode acontecer.
Respondi: 'Ahn-ahn', admitindo que imaginava, mas não fazia a menor ideia do que podia acontecer. Também não tinha a menor importância: ninguém está interessado em saber. Desconfio que as pessoas dizem 'imagine' só por dizer.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Na reforma do apartamento, mamãe mandou fazer uma salinha só para televisão. É por isso que eu digo que a televisão é mais importante do que qualquer outro eletrodoméstico. Nunca ouvi falar que a geladeira ou a enceradeira tivessem sua salinha.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Sou a favor de que todos os televisores tenham nome (...). Eles dão tantas alegrias, provocam tantas emoções, ensinam tanta coisa à gente que não podem ser simplesmente chamados de 'aparelhos'. Às vezes fazem mais companhia do que um ser humano.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Num ponto eu concordo com a mana. Quando ela acusa as firmas construtoras de ficarem economizando buraco de tomadas nos apartamentos.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Como você imagina isso, Maria? — eu queria saber.
— Sei lá, Tavinho. Aparece na minha cabeça, sem querer.
— Você não disse que a gente comanda a própria imaginação? — perguntei para a mana.
— Nem sempre, Tavinho. Às vezes é a imaginação que comanda a gente!”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— A imaginação é uma aposta do pensamento. A gente sempre imagina que uma coisa pode ser assim ou assada. Quando acertamos dizemos: 'Era o que eu imaginava'. Quando erramos ressalvamos: 'Nunca imaginei que pudesse ser assim'.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— A imaginação é a possibilidade de ir e vir sem sair do lugar.
— Acho que é mais que isso, pai — voltou a mana. — É na casa da imaginação que o ser humano pode se passar por Deus.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“É no terreno baldio da imaginação que nós podemos tudo. Podemos recriar a vida, destruir o mundo, viajar por outros planetas, estar em vários lugares ao mesmo tempo.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Se o homem não pode fazer nada para a televisão voltar, quem pode? Deus?
— É uma hipótese — respondeu vovô com ironia.
— E se Deus quiser nos castigar?
Vovô pensou um pouco e retrucou:
— Já está castigando. Ou não faria isso com o povo que mais assiste televisão no mundo.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Maria botou o jantar e pela primeira vez desde que nasci vi toda a família reunida à volta da mesa.
— Como nos velhos tempos! — exclamou vovô satisfeito.
Ele disse que no passado era assim: as pessoas sentavam juntas, conversavam e trocavam ideias na hora das refeições. Disse que foi a chegada da televisão que provocou uma debandada geral. Eu fiquei calado, mas me irrita muito ver alguém falando mal da televisão. Para mim ela apenas permitiu que cada um comesse quando quisesese, porque as pessoas não são obrigadas a sentir fome à mesma hora.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Qualquer outro eletrodoméstico não mexeria tanto com as pessoas, mas a televisão ocupa o centro do mundo: ninguém vive sem televisão. É só olhar os barracos: os pobres podem não ter comida na mesa, mas todos têm sua parabólica espetada no telhado.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Eu não suporto fita de vídeo. Ninguém entende como eu, gostando tanto de televisão, detesto essas fitas. Explico: os vídeos não têm vida própria, vivem de explorar a televisão. Minha irmã diz que o vídeo-cassete está para a televisão como o boneco do ventríloco para o ventríloco.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Por que deixam ele solto?
— Por que deveriam prendê-lo?
— Porque o Mil Caras é maluco.
— Quem disse?”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Você nunca desliga a sua imaginação? — perguntei irritado.
— Pra quê? É de graça — brincou ela.
— Sua telinha interior vive sempre ligada?
— Às vezes eu é que desligo, ao dormir, mas a telinha continua trabalhando: fabricando sonhos.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Como é que a gente faz para sonhar? — perguntei.
Maria embatucou:
— Acho que a gente não tem que fazer nada. Só dormir.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Você não sonha não?
Quando eu disse que 'não' ela se animou afirmando que era uma 'coisa muito boa', mesmo os sonhos assustadores como o da mamãe.
— Porque a gente acorda — continuou Maria — e sente aquele alívio de ver que nada era verdade.
— Quer dizer que a gente não pode escolher o sonho?
— Só de olho aberto. Dormindo é sempre uma surpresa. A gente nunca sabe o que vai sonhar.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Os televisores, como as pessoas, não podem ficar muito tempo sem fazer nada ou começam a enferrujar e apresentar problemas.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Quem não tem imaginação detesta ouvir histórias.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Ficou o maior mal-estar na mesa e vovô para quebrar o clima lembrou o artigo de uma psicóloga que saiu nos jornais. O artigo dizia que sem televisão 'as tensões do cotidiano iriam se elevar', provocando atos de violência, mais acidentes de trabalho, brigas familiares e...
— Separações conjugais — completou a mana, venenosa.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Bem que a mana falou que a televisão ia acabar esquecida. Só não achei que seria tão depressa.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Mãe, compra uma imagem dessas!
Ela ralhou comigo. Disse que aquilo era um sacrilégio; que não havia nenhuma Nossa Senhora do Preto e Branco.
— Como é que tem um monte de gente comprando? — perguntei.
— As pessoas se apegam a tudo na hora do desespero, filho.
— Também tô desesperado, mãe — choraminguei.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Você não acredita que eu seja ele?
— Nem ele nem ninguém que você quer ser!
— Pois eu sou todos eles e mais alguns.
— Mentira! Ninguém pode ser mais de um!
— Bem, se você não sonha será menos de um, ainda que pareça ser um inteiro.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— A terra da fantasia, filho, é o último refúgio da nossa felicidade — ela disse enquanto prosseguia dançando.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Aquilo não é coisa de uma pessoa normal.
— E o que é uma pessoa normal? — perguntou o cego Raiban.
— Acho que é uma pessoa que faz o que a gente espera que ela faça.
— Ela não pode surpreender e de repente fazer o inesperado?
— Como fez mamãe?
— Como faz tanta gente — Raiban rodou a bengala. — A vida seria muito chata se a gente não pudesse delirar de vez em quando.
— Você delira de vez em quando?
— Claro — ele sorriu. — Faço coisas, imagino coisas que surpreendem até a mim.
— Pra quê?
— Digamos que isso me diverte. A você não diverte?
— Eu não imagino coisas.
Raiban balançou a cabeça:
— E você se acha uma pessoa normal?”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“(...) não dá para fugir da realidade o tempo todo. A realidade não pode ser um bom lugar para se morar, mas é onde nós vivemos e mais cedo ou mais tarde temos que voltar para ela. Ou pirar de vez.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Você não se imagina fazendo algo no futuro?
— Futuro? Sei do que aconteceu comigo no passado, mas o futuro não existe, é um sonho, como diz mamãe, 'a Deus pertence'. Ele que trate de imaginar algo para mim! Quando o futuro chegar — respondi superior — verei o que fazer.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Ela sentou-se ao meu lado e falou cheia de entusiasmo que 'a imaginação tem muito mais canais do que a televisão'.
— E não depende de energia elétrica; não precisa de controle remoto — continuou ela, comparando — e a maior vantagem de todas: você produz sua própria programação!”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Tenho notado porém que nunca mais reclamou da falta de televisão.
— Já esqueceu, Maria?
Ela sacudiu os ombros:
— De que adianta ficar lembrando? Ela não vai voltar mesmo.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Eles não sabiam que eu sabia que eles sabiam que eu não sabia imaginar.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Acho que deveria dar sua contribuição, Tavinho. Ficando de fora, só você, eles podem desconfiar.
— Desconfiar de quê, mana? Eles sabem de tudo!
— Mas fingem que não sabem.
— Eu não sei fingir que não sei que eles sabem.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Dessa vez sua imaginação o enganou, Raiban!
— Às vezes isso acontece. Não sabe que o medo é o filho mais velho da imaginação?”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“O real só existe onde a fantasia não foi descoberta.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Venha, meu garoto! Venha dar um passeio comigo pelo mundo da fantasia!
— O que ele vai encontrar nesse mundo? — vovô se meteu.
Ele abriu os braços:
— Tem prazer, alegria, sonhos, liberdade e tudo o mais que o mundo real — enfatizou — não tem sabido oferecer. Venha!”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Eu se eu gostar desse mundo? — perguntei curioso.
— Fica vivendo lá — ele disse. — Nas terras da imaginação você é dono do seu nariz.
— Não volto nunca mais?
— Voltar pra quê, jovem? Me diz onde o real é melhor que o imaginário.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“O grande Shakespeare disse que os poetas, os loucos e os namorados também são feitos de imaginação!”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“— Filho! A Ciência não admite a existência de um ser humano sem imaginação!
— A Ciência não admite muitas coisas até elas acontecerem! A Ciência também não admitia que o homem pudesse viver com um coração artificial.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“Que importa a imaginação? Sartre disse que ela é a consciência do nada.”
(Carlos Eduardo Novaes, no livro “O Menino Sem Imaginação”)



“nós temos desperdiçado a História como um punhado de bêbados jogando dados no fundo do banheiro masculino de um bar local. tenho vergonha de ser um membro da raça humana, mas não quero acrescentar nem mais um pingo que seja a essa vergonha.”
(Charles Bukowski, no livro “Memórias de um Velho Safado”)



“Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo. Além da sífilis, é claro. Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, meu coração fecha os olhos e, sinceramente, chora.”
(Chico Buarque, na peça “Calabar”)



“E se a sentença se anuncia bruta,
Mais que depressa a mão cega executa,
Pois que senão o coração perdoa.”
(Chico Buarque, na peça “Calabar”)



“Os lavradores portugueses são pobres como Jó, mas orgulhosos como Braganças.”
(Chico Buarque, na peça “Calabar”)



“— O que há com você?
— Dois homens.
— E daí? Você amou um, agora ama outro... Acontece que o segundo traiu o primeiro... Não tem nada demais. Os dois morreram. Está tudo certo.
— Não é bem assim. Eu me orgulho de um traidor e a traição do outro me repugna.
— Quem trai, trai. Não faz diferença.”
(Chico Buarque, na peça “Calabar”)



“Tudo isso que fez Calabar trair... Sebastião enlouquecer... Não valia a pena morrer por isto. Holandeses, portugueses, não valia a pena ter morrido por nada disso (...). Queria que Calabar estivesse vivo, só para ter uma ideia do que se chama traição. Porque Calabar se enganou, mas nunca enganou ninguém. Sebastião sim. Tudo o que Calabar disse e fez, foi de peito aberto, às claras, sem mentiras. Sebastião, não. Se é necessário chamar Calabar de traidor, que chamem Sebastião do Souto de herói.”
(Chico Buarque, na peça “Calabar”)



“Um dia todos os países poderão ser independentes, seja lá do que for. Mas isso requer muito traidor. Muito Calabar.”
(Chico Buarque, na peça “Calabar”)



“Algumas leis havia sim. Não podia apontar estrela, por exemplo, que dava verruga na ponta do dedo. Se brincasse de vesgo, batia uma brisa e ficava vesgo para sempre. Nem podia olhar mulher nua que nascia terçol. Mas essas leis não eram muito temidas e andava cheio de gente estrábica com terçol e verruga.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



Saía muita briga porque cada cabeça queria pensar duma maneira diferente e assim não é possível. Para um único assunto havia cento e vinte, doze mil, um milhão e duzentos palpites, não poderia mesmo nunca dar certo.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Junto ruminavam coisas como justiça, abundância, mundo melhor, um mundo fundado no nada feito, mundo às avessas do já mal feito, feitio de mundo que ninguém viu, essas sandices que a gente só imagina quando não tem que furar poço e cavucar atrás de raiz, toca boiada.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Pastorelas e barcarolas à parte, é inútil fazer romance do que acontecia na fazenda. Não há poesia com carrapatos. Sarna, piolhos, gusanos, piroplasmosis e toda espécie de parasitas. O diabo é que aquela variedade de bactérias, teoricamente mortais, habitava o organismo das reses em harmônica simbiose. Não sei. Sei que no crucial do matadouro a bezerrada berrava tanto, esperneava tanto, que daí se deduz que aquela vida, tudo somado, era uma vida boa.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“É preciso esclarecer desde já que, se uma série de incidentes desagradáveis, arbitrariedades, atrocidades mesmo, passaram a ocorrer com frequência a partir de sua gestão, Juvenal [O Bom Boi] e sua bondade estiveram sempre alheios.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Como ainda não existe suserano sem vassalagem, Juvenal também dirigiu a palavra às classes menos favorecidas, as quais um dia haveriam de lucrar, em proporção indireta, com o desenvolvimento integral e racional da Fazenda Modelo. Por enquanto pedia-lhes um pouco de paciência pois Roma não se fez num dia. E as riquezas da Fazenda, é mister concentrá-las antes de se pensar numa distribuição, senão atrapalha toda a contabilidade. E a situação em que essas reses se encontravam era fruto de seus erros atávicos acumulados através dos séculos: imprevidência, ignorância, inoperância, inobservância, inanição, aplausos. As classes menos qualificadas deveriam pois aguardar nos descampados para evitar as contaminações e a degeneração das demais raças. Mas quem viver verá, disse Juvenal, o Justo. Os vassalos comprarão sua alforria interior, passando a gozar de feudos imateriais e inestimáveis. Serão orgulhosos de servir seus senhores, visto que estes apreciarão seus serviços. Sofrerão a corveia com a dignidade a que todos temos direito. E nada impede que, em futuro remoto, a fermentação e a compressão da substância impura acabem por destilar um perfume nobre. Aplausos. Tumulto.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“O descampado é tão bom quanto as outras terras da Fazenda. Acabou desse jeito porque a gente pisoteia. Pisa no pasto que vai comer. Se a gente caminhasse com atenção e sensatez, ia ver a verdura que crescia.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“(...) vivem perguntando se não me falta nada, no laboratório. Não sei o que me falta no meio de tanto branco, da música ambiental, do ar condicionado, do edifício alto, mas falta pouco para eu soltar um grito.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Sua voz que esperava para só colocar o pronome no buraco certo e as ideias. Todos prestavam atenção ao cuidado com que Juvenal usava os verbos e os objetos. Então ele empregava muito a palavra quaisquer, palavra que, confesso, a gente mal conhecia. Não serão tolerados quaisquer abusos. Serão reprimidos quaisquer intuitos. Punidas quaisquer pretensões, e não punida qualquer pretensão, ou toda pretensão, ou serão punidas pretensões, como diria o vulgar, mas quaisquer quaisquer, que mesmo sem ser uma palavra especialmente bonita a gente acostuma e admira em Juvenal. Já se sabe que no dia seguinte todo mundo procurava imitar. No mercado: tem quaisquer peixes frescos aí? No cinema: eu gosto de quaisquer filmes coloridos. Lá em casa: Anaía, chama aí quaisquer dos meninos para mim.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Pois agora ninguém mais cruzaria braço nenhum para discutir aumento de salário. Se aumenta o salário mínimo, aumenta também a prestação da casa própria. Daí reajustam o preço da gasolina, do trem, do pão e vira uma inflação que não precisa ser economista para adivinhar que é pior para todo mundo. Depois, se você trabalhar nas horas extras que perde reclamando aumento, é lógico que aumenta seu salário sem inflação, sem confusão, sem piquete no portão nem nada, digo mal?”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Doutro lado os promitentes compradores estavam com pressa e mandavam dizer que nada entendiam de formação, de moral, de índole. Seus embaixadores constrangiam a Estância. Juvenal resistia à ideia de ver seu castelo ocupado até por muçulmanos e outros povos de tão inimiga tradição. Mas os assessores asseveravam que, com os poderosos e as finanças, há que ser pragmáticos. As ideologias e as profundas convicções, isso depois a gente desabafa no quintal.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Mas os dentes não desistiram nem voltaram atrás. Incisivos, cresciam e ameaçavam, reclamavam fibra e favas. Rejeitavam o mingau de farinha de ossos, tão rico em cálcio e fósforo. Pois um dia parece que um novilho amuou, parece até que um arruou, uma outra fez cara feia, Juvenal atônito. Será que ninguém gosta de mingau? Por que será que ninguém gosta de mingau? E desde quando alguém aqui gosta ou não gosta de mingau? Vamos já ver quem é que não gosta de mingau. Mingau para todos.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Nós reconhecemos que há métodos condenáveis dentro de nosso sistema. Reconhecemos também que foram praticadas algumas injustiças irremediáveis. Reconhecemos com a maior consternação (...), com a mais sincera consternação que uma considerável parcela da sua geração foi sacrificada. Mas não em vão. Entenda que no atual contexto nós servimos como um sapato novo. Um sapato novo, é incômodo, aperta e comprime. Mas depois que se habitua, fica fazendo parte do pé e vai durar a vida toda. Agora, se você começar por um sapato folgado, amanhã está largo demais, depois vira chinelo, fim do mês não presta, é jogado fora. E nós não queremos ver a mocidade descalça, cortando os pés nos pedregulhos da estrada.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“E aquela estátua era uma singela homenagem ao boi trabalhador da Fazenda Modelo, vejam. 'Esse instrumento dócil que nos deu a divina providência, oferecendo-nos as suas energias e faculdades, essa ferramenta maleável que segue instintivamente suportando, com uma paciência e submissão admiráveis, as fadigas e privações que lhe impomos.' Meu povo, o trabalhador serviçal e triste, nada exigente, grande porém em sua tristeza e soberbo em sua humildade, disse Juvenal.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“De excelente humor, o conselheiro-mor Juvenal quebrou o protocolo antes de partir. Dobrou o discurso e citou de cabeça o ditado popular: 'Do boi só se perde o berro'. Deu um tapinha no dorso da estátua, acrescentando: 'Por isso mesmo é que nesta profícua Fazenda — sorriu — ninguém mais berra'.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Gozado, noventa em cada cem modinhas de viola tratam de solidão.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“E já se avistava a Estância quando umas vaquinhas retomaram a cantilena do cadê-meu-filho. Aí Juvenal perdeu a cabeça e disse uma verdade. Disse que naquela fazenda, crimes, sumiços e barbaridades sempre houve e ninguém nunca se importou com isso. Agora as vaquinhas estão chocadas porque pode acontecer a seus filhos o que antes só acontecia ao filho da empregada.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Porque Katazan já não fazia outra coisa senão perseguir Lin. E como Lin não dava mostras de se sentir perseguido, Katazan passou a se imaginar prisioneiro, em vez de vice-versa. Afinal Katazan era ou não era o superior? Dentro do sistema vigente, Katazan era autoridade. Mas parecia que Lin inventara outro sistema. Um sistema metabólico que cá para nós não valia nada, que só contava dentro da cabeça dele, que Katazan não compreendia e nem tinha nada que parar para pensar e se preocupar. Mas Katazan sabia que Lin inventara outro sistema. E naquele sistema idiota talvez Lin pensasse que era superior a Katazan. Talvez nem existisse Katazan naquele sistema absurdo. E Katazan não aguentava mais aquilo. E matou Lin.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Esqueça o orgasmo que é secundário, falemos do espermatozoide: gameta masculino responsável pelo ciclo vital, responsável pela transmissão hereditária de nossos caracteres físicos, psíquicos e quiçá morais. Ponto. Hoje, nas camadas mais baixas e desinformadas da população, ainda campeiam espermatozoides de diversas tendências, camufladamente infiltrados em espermas de diversos matizes, diversos odores e muita viscosidade. Há espermatozoides irresponsáveis, individualistas ou organizados, espermatozoides agitadores, espermatozoides virosos, espermatozoides promíscuos e incestuosos, espermatozoides suspeitos, banidos, clandestinos, espermatozoides reincidentes, espermatozoides pululando, gerando uma babel que o chulo conhece pelo nome de esporro generalizado. Dado que a Civilização aspira à Paz e à Concórdia acima de tudo e todos, eleja-se um único Espermatozoide que determine um caráter único, uma vontade única e o único caminho para o Homem na Nova Sociedade.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Acabei de falar no controle de espermatozoides e observe aquele casal o que está maquinando fora de época. Não, meu filho, observe não, venha cá, volte o rosto para o curral das meninas. Veja que te esperam mais de trinta vitelinhas, Lubino. As mais gorduchas, as mais higiênicas, as mais fecundas. E nem precisa tocar nelas. Enquanto aquele povo lá atrás monta pelo gosto da coisa, tem gente montando sem necessidade, gente montando onde não deve, gente querendo é safadeza, você não. Duma só ejaculada você fecunda as trinta e tantas. E sem contato físico, o que é sagrado. Pois se é pecaminoso o coito sem intuito de proliferação, santa é a proliferação que dispensa o coito, lembra?”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“E vamos cortando as palavras, que as palavras não fazem sentido. Quanto mais dizem, menos sentido fazem.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Não vou posar de sabido, mais sabido que o destino, depois do que o destino me aprontou. Porém, tirando pelo cálculo provável das bondades e maldades correntes por aí, a soma das nossas felicidades já deixava prever algum desastre. Não há pior agouro que o abuso de alegrias.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Talvez enfastiados das suas gastas mazelas, os sensacionalistas passaram a fazer quermesse das mazelas alheias.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“(...) mas a voz do povo só queria que fossem caixotes de vacina. Diga-se de passagem que eles nunca fizeram fé na serventia de vacina nenhuma, só queriam provar a picada gratuita. E queriam movimento, ajuntamento, esfregamento, aí é que vira epidemia mesmo. As pessoas acham que não têm mais nada a perder e começam a barganhar seus germes.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Seria tão mais fácil se Lubino olhasse e duvidasse, perguntasse e duvidasse, procurasse, escolhesse e duvidasse sempre, até que um dia encontrasse a verdade, apanhasse a verdade e a apalpasse e se certificasse e andasse com ela, se imbuísse dela e fosse ela, se chamasse Verdade e estampasse seu nome no rosto, aí tomasse um espelho, e ali não se encontrasse, e então começasse a duvidar de si, se apalpasse e se perguntasse e procurasse e olhasse tudo de novo, é o que diria Aurora se ainda tivesse forças. Mas tantos erros e devaneios nunca foram permitidos a Lubino. E a quem se impõe um único caminho estreito, escuro e irreversível só resta a vingança de empacar..”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Um espetáculo indigno, enfim, desses que a gente dos descampados vaia, porque lá o artista não deve se expor mais pobre e feio que a assistência, é fazer pouco dela.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Ao contrário do que Juvenal sempre acreditou, tenebroso é sobreviver à hecatombe.”
(Chico Buarque, no livro “Fazenda Modelo - Novela Pecuária”)



“Terezinha, duas pessoas podem até se amar que nem nas novelas. Só que na vida real, se você ama uma pessoa, é lógico que não vai casar com ela. Casa com qualquer outro. Veja teu pai e eu. Como é que esse casamento durou esse tempo todo? Aqui ninguém ama, nem desama.”
(Chico Buarque, na peça “Ópera Do Malandro”)



“Porque ninguém suporta os defeitos da pessoa amada por mais de um fim de semana em Paquetá. Depois a pessoa amada vai ficando é muito chata. O amor vai virar exigência e exigência vai virar frustração que vai virar rancor que vai virar ódio e o ódio vai ser mortal. Aí não tem perdão, Teresinha. Só se perdoa a quem não se ama.”
(Chico Buarque, na peça “Ópera Do Malandro”)



“A cultura da elite nunca foi capaz de penetrar profundamente, até as bases da sociedade, nem foi capaz de assimilar valores da cultura popular, fundamentalmente porque a economia brasileira, que se desenvolveu sempre num quadro de dependência, em nenhum momento foi capaz de incluir, ativamente, em seu processo, as amplas camadas inferiores da população. Entre os dois polos, as camadas médias desenvolveram, sempre, um movimento pendular. Muitas vezes divididas, quase sempre tributárias dos interesses das classes dominantes, mas, em alguns momentos, próximas das classes subalternas, as camadas médias têm sido o fiel da balança, na correlação de forças políticas.”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Isoladas, às classes subalternas restou a marginalidade abafada, contida, sem saída. Individualmente, ou em grupo, um homem capaz, ou uma elite das camadas inferiores pode ascender e entrar na ciranda. Como classe, estão reduzidas à indigência política.”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Isso porque o povo, mesmo expropriado de seus instrumentos de afirmação, ocupa o centro da realidade — tem aspirações, passado, tem história, tem experiência, concretude, tem sentido. É por conseguinte, a única fonte de identidade nacional. Qualquer projeto nacional legítimo tem que sair dele.”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Falhei de novo a prestação da casa...
Mas, pela minha contabilidade,
pagando ou não, a gente sempre atrasa
Veja: o preço do cafofo era três
Três milhas já paguei, quer que comprove?
Olha os recibos: cem contos por mês
E agora inda me falta pagar nove
Com nove fora, juros, dividendo,
mais correção, taxa e ziriguidum,
se eu pago os nove que inda estou devendo,
vou acabar devendo oitenta e um...
Que matemática filha-da-puta (...)”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“A gente vive nessa divisão
Se subtrai, se multiplica, soma,
no fim, ou come ou paga a prestação (...)”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“É destino...
A pessoa já nasce avisada!
Vai sofrer. Olha que vai sofrer. E o que faz?
A pessoa vai e sofre...”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Também não é crime, Jasão mudar de classe
É mudar de time... Ele é dono do seu passe (...)”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Pois eu vou te dizer: se só você não paga
você é um marginal, definitivamente
Mas imagine só se, um dia, de repente
ninguém pagar a casa, o apartamento, a vaga
Como é que fica a coisa? Fica diferente
Fica provado que é demais a prestação (...)”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Eu sou esparro de boate de turista,
carregador de uísque de contrabandista,
vice-camelô, testemunha de punguista,
sou informante de polícia, chantagista,
mas vigarista nenhum diz que eu não presto
desde que, como todo cidadão honesto,
no fim do mês pago as minhas contas à vista (...)”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Pois ouça, Boca, não pague nem um tostão
Se ninguém paga, é que não tem de onde tirar
Se você paga, vai tirar toda a razão
de quem tem todas as razões pra não pagar (...)”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Aprende, meu filho,
dessa lição você vai precisar
Se você repete um só estribilho
no coco do povo, e bate, e martela,
o povo acredita naquilo só
Acaba engolindo qualquer balela
Acaba comendo sabão em pó (...).”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Escute, rapaz,
você já parou pra pensar direito
o que é uma cadeira? A cadeira faz
o homem. A cadeira molda o sujeito
pela bunda, desde o banco escolar
até a cátedra do magistério
Existe algum mistério no sentar
que o homem, mesmo rindo, fica sério
Você já viu um palhaço sentado?
Pois o banqueiro senta a vida inteira,
o congressista senta no senado
e a autoridade fala de cadeira
O bêbado sentado não tropeça
a cadeira balança mas não cai
É sentando ao lado que se começa
um namoro. Sentado está Deus Pai,
o presidente da nação, o dono
do mundo e o chefe da repartição
O imperador só senta no seu trono
que é uma cadeira co'imaginação
Tem cadeira de rodas pra doente
Tem cadeira pra tudo que é desgraça
Os réus têm seu banco e o próprio indigente
que nada tem, tem no banco da praça
um lugar para sentar. Mesmo as meninas
do ofício que se diz o mais antigo
têm escritório em todas as esquinas
e carregam as cadeiras consigo
E quando o homem atinge seu momento
mais só, mais pungente de toda a estrada,
mais uma vez encontra amparo e assento
numa cadeira chamada privada
Pois bem, esta cadeira é a minha vida
Veio do meu pai, foi por mim honrada
e eu só passo pra bunda merecida
Que é que você acha?...
(...)
Eu não acho nada,
quer dizer, nunca pensei... realmente...
Pra mim... cadeira era só pra sentar...”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Cuidado que existe hora
pra ser amigo e pra ser o poder
Não queira sair por aí a fora
dizendo o que pensa. Diga o contrário
Esqueça o nome do seu companheiro
e cumprimente o pior salafrário,
que ninguém é inútil por inteiro
Esteja quase sempre sem horário
e sempre de partida pro estrangeiro...”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Diga que pra haver desenvolvimento
cada um tem que pagar seu preço (...)”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“— Escuta, eu compartilho da sua dor...
— Mas não dói em você (...).”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Olha, samba
é só uma espécie de feriado
que a gente deixa pra alma da gente
Mas você não se iluda porque
a vida se ganha é no batente (...).”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“É dever do injustiçado
manter sempre a cabeça fria, a qualquer custo
Enquanto que a raiva, é um privilégio do injusto
Por isso é que você tá tão qualificado
a gritar comigo e pedir calma em resposta (...)”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Nunca vi nome melhor num cristão
do que o que te deram, Boca Pequena
Nem é boca, isso aí é um ferimento
de onde sai a língua que é uma gangrena
cuspindo maldade e constrangimento.”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Agora,
quem às três da manhã tá de olho aberto,
se espreme pra chegar no emprego às sete,
lá passa o dia todo, volta às onze
da noite pra acordar a canivete
de novo às três, tinha que ser de bronze
pra fazer isso sempre, todo dia,
levando na marmita arroz, feijão
e humilhação....”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Vou lhe dizer o que é que é o brasileiro
alma de marginal, fora-da-lei,
à beira-mar deitado, biscateiro,
malandro incurável, folgado paca
vê uma placa assim: 'não cuspa no chão',
brasileiro pega e cospe na placa
Isso é que é brasileiro, seu Jasão...”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“A gente avança só quando é mais forte
do que o nosso inimigo.”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Então, cada passo tem que ser dado
por todos. Se você avançar só,
Creonte te esmaga sem dor nem dó.”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“Talento não se faz sob medida
De barro ruim não sai boa panela
Pegue qualquer pessoa por aí
e lhe entregue todos os meios. Se ela
não tiver alguma coisa de si,
não dá em nada.”
(Chico Buarque & Paulo Pontes, na peça “Gota D'Água”)



“A solidão do homem completo. A solidão da grande possibilidade de escolha. A solidão de ter que fabricar os próprios instrumentos. A solidão de já ter escolhido.”
(Clarice Lispector, no livro “A Maçã no Escuro”)



“A vida é curta, mas os dias são tão longos...”
(Clarice Lispector, no livro “A Maçã no Escuro”)



“Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?”
(Clarice Lispector, no livro “A Hora da Estrela”)



“Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.”
(Clarice Lispector, no livro “A Hora da Estrela”)



“— Não, nesse negócio de milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: — Ah, você é o Zé-do-Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo.
— Será que você ainda pretende fazer outra promessa depois desta? Já não chega?...
— Sei não... a gente nunca sabe se vai precisar. Por isso, é bom ter sempre as contas em dia.”
(Dias Gomes, na peça “O Pagador de Promessas”)



“— Escute, Zé... já que a igreja está fechada, a gente podia ir procurar um lugar pra dormir. Você já pensou que beleza agora uma cama?...
— E a cruz?
— Você deixava a cruz aí e amanhã, de dia...
— Podem roubar...
— Quem é que vai roubar uma cruz, homem de Deus? Pra que serve uma cruz?
— Tem tanta maldade no mundo. Era correr um risco muito grande, depois de ter quase cumprido a promessa. E você já pensou: se me roubassem a cruz, eu ia ter que fazer outra e vir de novo com ela nas costas da roça até aqui. Sete léguas.
— Pra quê? Você explicava à santa que tinha sido roubado, ela não ia fazer questão.
— É o que você pensa. Quando você vai pagar uma conta no armarinho e perde o dinheiro no caminho, o turco perdoa a dívida? Uma ova!”
(Dias Gomes, na peça “O Pagador de Promessas”)



“Sua convicção religiosa aproxima-se do fanatismo. Talvez, no fundo, isto seja uma prova de falta de convicção e uma autodefesa. Sua intolerância – que o leva, por vezes, a chocar-se contra princípios de sua própria religião e a confundir com inimigos aqueles que estão de seu lado – não passa, talvez, de uma couraça com que se mune contra uma fraqueza consciente.”
(Dias Gomes, na peça “O Pagador de Promessas”)



“— [Eu fiz] tudo isso sem Nicolau. Todo mundo reparou, porque quem quisesse saber onde eu estava, era só procurar Nicolau. Se eu ia na missa, ele ficava esperando na porta da igreja...
— Na porta? Por que ele não entrava? Não é católico?
— Tendo uma alma tão boa, Nicolau não pode deixar de ser católico. Mas não é por isso que ele não entra na igreja. É porque o vigário não deixa. Nicolau teve o azar de nascer burro, de quatro patas.”
(Dias Gomes, na peça “O Pagador de Promessas”)



“— Meu camarado, trate de ir embora! Estão lhe arrumando uma patota!
— O quê?
— Chegou um carro da polícia! Eles estão com o padre, na sacristia (...).
— Mas eu não roubei, não matei ninguém!
— Quer um conselho? Experiência própria: com a polícia é melhor fugir do que discutir.”
(Dias Gomes, na peça “O Pagador de Promessas”)



“— Santa Bárbara me abandonou, Rosa!
— Se ela abandonou você, abandone também a promessa. Quem sabe se não é ela mesma que não quer que você cumpra o prometido?
— Não... mesmo que ela me abandone, eu preciso ir até o fim. Ainda que já não seja por ela... — que seja só pra ficar em paz comigo mesmo.”
(Dias Gomes, na peça “O Pagador de Promessas”)



“— Mãe, que ruído é esse, esse ruído vem do mar?
— É a moça, filho, a moça que passa em seu passar.
— Não será o vento, mãe, o vento em seu soprar?
— É não, filho, é a moça que chora em seu chorar.
— E esse clarão, mãe, toda essa luz a derramar?
— É a pureza da moça que clama em seu clamar.
— Não será a lua, mãe, a lua em seu luar?
— É não, filho, é a moça que nua se vai banhar.
— E essas trevas, mãe, que de repente nos vêm cegar?
— É a maldade dos homens, dos homens que a vão matar.”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“Já sei, já sei que vão assacar uma série de infâmias contra nós, contra o clero e a Igreja. Seremos chamados de monstros, sanguinários, cruéis inquisidores – como se tivésemos nós acendido a primeira fogueira. Inocentes perseguidos, prisões, torturas, de tudo isso se falará aqui, e de tudo se procurará inculpar-nos. Como se quem tem o direito de mandar não tivesse também o de punir; e como se a lei não devesse ser dura para intimidar os malfeitores e proteger os inocentes. Invocando os direitos do homem, vai o autor, com certeza, negar os direitos da fé e os direitos de Deus. Esquecendo-se de que aqueles que trazem em si a verdade têm o dever sagrado de estendê-la a todos, eliminando os que querem subvertê-la (...). Nós que tudo fizemos para salvá-la, para arrancar o demônio de seu corpo. E se não conseguimos, se ela não quis separar-se dele, de Satanás, temos ou não o direito de castigá-la? (...) Não vamos esquecer que, se as heresias triunfassem, seríamos todos varridos! Todos! Eles não teriam conosco a piedade que reclamam de nós! (...) Não, não tenteis defendê-la. Não lhe daremos o direito de defesa. Nem permitiremos que conheça os seus acusadores. O inquérito é secreto e sumário. Também não permitiremos acesso às provas que temos contra ela.”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“Por que me fazem todas essas perguntas, por que me torturam? Eu sou uma boa moça, cristã, temente a Deus. Meu pai me ensinou a doutrina e eu procuro segui-la. Vou à missa, confesso, comungo e faço as minhas orações, como todo o mundo. Mas acho que isso não é o mais importante. O mais importante é que eu sinto a presença de Deus em todas as coisas que me dão prazer. No vento que me fustiga os cabelos, quando ando a cavalo. Na água do rio, que me acaricia o corpo, quando vou me banhar. No corpo de Augusto, quando roça no meu, como sem querer. Ou num bom prato de carne-seca, bem apimentado, com muita farofa, desses que fazem a gente chorar de gosto. Pois Deus está em tudo isso. E amar a Deus é amar as coisas que Ele fez para o nosso prazer. É verdade que Deus também fez coisas para o nosso sofrimento. Mas foi para que também o temêssemos e aprendêssemos a dar valor às coisas boas. Não sei por que padre Bernardo se escandalizou tanto quando eu lhe disse que encontrava mais Deus num frango ao molho pardo, bem preparado, do que nas penitências que ele me impôs. E que Deus deve passar muito mais tempo na minha roça, entre as minhas cabras e o canavial batido pelo sol e pelo vento, do que nos corredores sombrios do colégio dos Jesuítas. Deus deve estar onde há mais claridade, penso eu. E deve gostar de ver as criaturas livres como Ele as fez, usando o gozando essa liberdade, porque foi assim que nasceram e assim devem viver.”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“— Se eu não chego a tempo, o senhor bebia todo o rio Paraíba...
— A minha canoa?...
— A canoa? Seguiu emborcada, rio abaixo. Tinha alguma coisa de valor?
— Tinha, o cofre com as esmolas...
— Muito dinheiro?
— Bastante.
— Agora deve estar no fundo do rio.
— Só consegui agarrar o crucifixo; tinha de escolher, uma coisa ou outra...
— Foi uma pena. Com o dinheiro, o senhor talvez comprasse dois crucifixos. E quem sabe ainda sobrava.
— Não diga isso, filha!”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“— Que fizeram com você?
— Deitaram-me numa cama de ripas e me amarraram com cordas, pelos pulsos e pelas pernas. Apertavam as cordas, pouco a pouco, parando a circulação e cortando a carne. E faziam perguntas, perguntas, e mais perguntas. As mais absurdas. As mais idiotas.
— Como você deve ter sofrido!
— A dor física não é tanta; dói mais o aviltamento. Vamos nos sentindo cada vez menores, num mundo cada vez menor.
— É mesmo, o mundo se fecha cada vez mais sobre nós. E por quê? Que fizemos? (...) E tudo isso... é por minha causa. Vocês estão pagando pelos meus erros.
— Quais são os seus erros, Branca?
— Não sei... Devo ter cometido alguns, sim. Mas eles me acusam de tanta coisa. E parecem tão certos da minha culpa. Talvez o meu erro maior seja não entender. Ou quem sabe se não quero entender? (...) Nós não podemos ver as nossas imperfeições, porque estamos um dentro do outro. Mas eles, eles nos olham de fora e de cima. Eles sabem que eu não sou assim. E é egoísmo da minha parte permitir que você e papai sofram o que estão sofrendo, quando bastaria concordar com tudo, reconhecer todos os pecados, mesmo aqueles que fogem ao meu entendimento, e cumprir a pena que me for imposta.
— Não, Branca, não.
— Era o que eu já devia ter feito. Assino em branco que reconheço todas as culpas de que me acusam ou venham a acusar-me e pronto. Assim, talvez devolvam a vocês a liberdade e a mim a luz do sol! Guarda! Guarda!
— Branca, por Deus, não faça isso! Por que terei então resistido a todas as torturas? Para quê?
— Mas eu não quero que você sofra!
— Mas alguém tem de sofrer!
— Não por minha causa.
— Por uma causa qualquer, grande ou pequena, alguém tem que sofrer. Porque nem de tudo se pode abrir mão. Há um mínimo de dignidade que o homem não pode negociar, nem mesmo em troca da liberdade. Nem mesmo em troca do sol.”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“— Será que isto vai durar eternamente?
— Não creio. É demasiado cruel e demasiado idiota para durar.”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“— Não fui eu que botei ele no potro.
— Potro?
— Na cama com ripas. Só levei ele até lá e fiquei olhando. Sou obrigado.
— Todos são obrigados. Obrigados a denunciar, a prender, a torturar, a punir. Mas obrigados por quem?”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“— Isso quer dizer que você será entregue à justiça secular, que a julgará por crime comum. E certamente a condenará.
— À prisão?
— Não, o braço secular é sempre mais severo.
— À fogueira?
— É bom que você saiba o perigo que corre.
— Não! não podem fazer isso comigo! Eu não mereço! É uma maldade! E o senhor que tudo prometeu fazer para salvar-me.
— Já nada mais posso fazer por você, Branca. Você sabe. E desde o princípio seu destino dependeu sempre de você mesma. Você escolherá.
— Mas que posso escolher? É claro que não quero ser queimada viva!
— Está disposta a arrepender-se?
— Estou disposta a tudo. Entrego-me em suas mãos e nas mãos do Santo Ofício.
— Entrega-se sinceramente arrependida, Branca?
— Que importa? Os senhores venceram. Estou só, sem forças e me parece inútil continuar a discutir. Vá, diga ao Visitador que reconheço os meus pecados e que estou disposta a arrepender-me e cumprir a penitência que me for imposta.
— Você não está sendo levada somente pelo desespero e pelo medo?
— Mas não é isso que os senhores querem? Desde o princípio, não foi ao desespero e ao medo que tentaram levar-me?
— Não, Branca. Tentamos levá-la a um reencontro com a verdadeira fé cristã. Não usamos a força contra você; tentamos convencê-la pela persuasão. — Sim, uma bonita persuasão! Prendem-me entre quatro paredes, sem luz e sem ar e ameaçam-me com a fogueira! Prendem meu pai e torturam meu noivo – são bonitos métodos de persuasão.
— Sua arrogância mostra que o demônio ainda não a abandonou.”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“— Estou vivo, pelo menos. E é isso que importa, não acha?
— Sim, é o principal.
— É uma loucura pensar que, num momento desses, se possa salvar alguma coisa além da vida. Desde o primeiro momento compreendi que devia aceitar tudo, confessar tudo, declarar-me arrependido de tudo. Vamos nós discutir com eles, lutar contra eles? Tolice. Têm a força, a lei, Deus e a milícia – tudo do lado deles. Que podemos nós fazer? De que adianta alegar inocência, protestar contra uma injustiça? Eles provam o que quiserem contra nós e nós não conseguiremos provar nada em nossa defesa. Bravatas? Também não adiantam. Eu vi o que aconteceu com Augusto.
— O senhor viu ele ser torturado?
— Vi. As duas vezes.
— Duas vezes? Então o torturaram novamente!
— E ele fez mal em não falar. Sua obstinação obrigou os inquisidores a fazerem o que fizeram.
— Mas queriam que ele me denunciasse. Que me acusasse de coisas terríveis e absolutamente falsas!
— Que importa que sejam falsas? Se você e ele confessassem, salvariam a pele!
— Eu pedi a ele que mudasse de atitude.
— Mas ele não quis.
— Augusto acha que é preciso defender um mínimo de dignidade.
— Em primeiro lugar, o homem tem a obrigação de sobreviver, a qualquer preço; depois é que vem a dignidade. De que vale agora para nós, para os pais dele, para você, para ele mesmmo, essa dignidade?
— Como? Que fizeram com Augusto?!
— Ele não resistiu...”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“— E o senhor não podia ter feito nada?!
— Eu?...
— Sim, por que não gritou, não chamou alguém?
— Pensei em baixar a corda... Mas...
— Pois então...
— Eles têm leis muito severas para aqueles que ajudam os hereges. Eu já estava com a minha situação resolvida, ia ser posto em liberdade... talvez tivesse que voltar à presença do Visitador para explicar o meu gesto e tudo se complicasse novamente.
— Por isso o senhor preferiu deixar que ele morresse.
— Bem, eu não tive culpa... o maior culpado foi ele mesmo, pela atitude que assumiu.
— Prestava um gesto...
— E o que me custaria esse gesto? Um homem deve pesar bem suas atitudes, e não agir ao primeiro impulso. Eu podia ter tido o mesmo destino que ele. Era ou não era muito pior?
— Não sei se seria pior...
— Você preferiria que eu morresse também, que tivéssemos todos os nossos bens confiscados ou que fôssemos punidos com uma declaração de injúria até a terceira geração? Se nada disso aconteceu, foi porque eu agi com inteligência e bom-senso.
— E agora, como é que o senhor vai conseguir viver, depois disso?
— Não entendo o que você quer dizer...
— Augusto morreu porque o senhor não foi capaz de levantar um dedo em sua defesa.
— Não foi bem assim...
— Porque o senhor não quis se comprometer.
— Não foi por isso que ele morreu.
— Teria resistido, se a tortura tivesse sido abreviada.
— Sim, mas...
— Para isso teria bastado que o senhor baixasse a corda.
— Eu já lhe expliquei...
— E o senhor não foi capaz! O senhor não foi capaz!
— Minha filha, eu compreendo o seu sofrimento. Eu também sinto muito. Mas não é justo que você se volte agora contra mim. Não fui eu quem matou Augusto. Foram eles. Os carrascos, a inquisição.
— O senhor também o matou. E o que mais me horroriza é que o senhor é um homem decente.
— Branca, você não sabe o que está dizendo!
— O senhor é tão culpado quanto eles.
— Não, ninguém pode ser culpado de um ato para o qual não contribuiu de forma alguma.
— O senhor contribuiu.
— Não matei, não executei, não participei de nada!
— Silenciou.”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“— Se eu abjurar... o senhor quer que eu também seja cúmplice. — Cúmplice de quê? — Da morte de Augusto. — Absurdo! Você não tem nada com isso! — Tenho. Todos nós temos. Podemos pecar por obras ou omissões. — Você não se omitiu em nada. — Acho que nós nos omitimos quando sabemos de uma injustiça e deixamos de protestar contra ela.”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“— Ajoelhe-se, Branca. — Já lhe disse que não posso fazer isso, senhor, é pecado... — Sim, é verdade. Mas volto a dizer que esse é um costume do Tribunal. E acho que você devia aproveitá-lo para humilhar-se e suplicar a nossa misericórdia. — Não vejo necessidade de humilhar-se para pedir que me façam justiça.”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“— É inútil, senhores. Não vou abjurar coisa alguma. O que quero, o que espero dos senhores, é a minha absolvição.
(...)
— Branca, você não se disse disposta a abjurar?
— Disse, num momento de fraqueza. Mas não posso reconhecer uma culpa que sinceramente não julgo ter. Se sou inocente, se nada podem provar contra mim, o que devo suplicar a este tribunal é que reconheça a minha inocência.
— Você bem sabe que isso é impossível.
— Impossível por que, se eu sou de fato inocente e se os senhores são justos e misericordiosos?
— Você abusa da nossa tolerância.
— Mas é tão pequena essa tolerância que a minha simples pretensão de inocência a esgota?”
(Dias Gomes, na peça “O Santo Inquérito”)



“Muito além, nos confins inexplorados da região mais brega da Borda Ocidental desta Galáxia, há um pequeno sol amarelo e esquecido.
Girando em torno deste sol, a uma distância de cerca de 148 milhões de quilômetros, há um planetinha verde-azulado absolutamente insignificante, cujas formas de vida, descendentes de primatas, são tão extraordinariamente primitivas que ainda acham que relógios digitais são uma grande ideia.
Este planeta tem — ou melhor, tinha — o seguinte problema: a maioria de seus habitantes estava quase sempre infeliz. Foram sugeridas muitas soluções para esse problema, mas a maior parte delas dizia respeito basicamente à movimentação de pequenos pedaços de papel colorido com números impressos, o que é curioso, já que no geral não eram os tais pedaços de papel colorido que se sentiam infelizes.
E assim o problema continuava sem solução. Muitas pessoas eram más, e a maioria delas era muito infeliz, mesmo as que tinham relógios digitais.
Um número cada vez maior de pessoas acreditava que havia sido um erro terrível da espécie descer das árvores. Alguns diziam que até mesmo subir nas árvores tinha sido uma péssima ideia, e que ninguém jamais deveria ter saído do mar.
E então, uma quinta-feira, quase dois mil anos depois que um homem foi pregado num pedaço de madeira por ter dito que seria ótimo se as pessoas fossem legais umas com as outras para variar, uma garota, sozinha numa pequena lanchonete em Rickmansworth, de repente compreendeu o que tinha dado errado todo esse tempo e finalmente descobriu como o mundo poderia se tornar um lugar bom e feliz. Desta vez estava tudo certo, ia funcionar, e ninguém teria que ser pregado em coisa nenhuma.
Infelizmente, porém, antes que ela pudesse telefonar para alguém e contar sua descoberta, aconteceu uma catástrofe terrível e idiota, e a ideia perdeu-se para todo o sempre.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“A única pessoa para quem a casa tinha algo de especial era Arthur Dent, e assim mesmo só porque ele morava nela.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“[...] quase nunca estava em paz consigo mesmo. O que mais o preocupava era o fato de que as pessoas viviam lhe perguntando por que ele parecia estar tão preocupado. Trabalhava na estação de rádio local, e sempre dizia aos amigos que era um trabalho bem mais interessante do que eles imaginavam. E era, mesmo — a maioria de seus amigos trabalhava em publicidade.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“O Sr. L. Prosser era, como dizem, apenas humano. Em outras palavras, era uma forma de vida bípede baseada em carbono e descendente de primatas.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Tentou assumir um olhar feroz, mas seus olhos não eram capazes disso.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Os desvios são vias que permitem que as pessoas se desloquem bem depressa do ponto A ao ponto B ao mesmo tempo que outras pessoas se deslocam bem depressa do ponto B ao ponto A. As pessoas que moram no ponto C, que fica entre os dois outros, muitas vezes ficam imaginando o que tem de tão interessante no ponto A para que tanta gente do ponto B queira muito ir para lá, e o que tem de tão interessante no ponto B para que tanta gente do ponto A queira muito ir para lá. Ficam pensando como seria bom se as pessoas resolvessem de uma vez por todas onde é que elas querem ficar.
O Sr. Prosser queria ficar no ponto D. Este ponto não ficava em nenhum lugar específico, era apenas um ponto qualquer bem longe dos pontos A, B e C.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Eu só soube dessa história quando chegou um operário na minha casa ontem. Perguntei a ele se tinha vindo para lavar as janelas e ele respondeu que não, vinha para demolir a casa. É claro que não me disse isso logo. Claro que não. Primeiro lavou umas duas janelas e me cobrou cinco pratas. Depois é que me contou.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— [...] Vocês não se esforçaram muito para divulgar o projeto, não é verdade? Quer dizer, não chegaram a comunicar às pessoas nem nada.
— Mas o projeto estava em exposição...
— Em exposição? Tive que descer ao porão pra encontrar o projeto.
— É no porão que os projetos ficam em exposição.
— Com uma lanterna.
— Ah, provavelmente estava faltando luz.
— Faltavam as escadas, também.
— Mas, afinal, o senhor encontrou o projeto, não foi?
— Encontrei, sim — disse Arthur. — Estava em exibição no fundo de um arquivo trancado, jogado num banheiro fora de uso, cuja porta tinha a placa: 'Cuidado com o leopardo'.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Esse seu amigo havia chegado ao planeta Terra há uns 15 anos terráqueos e se esforçara ao máximo no sentido de se integrar na sociedade terráquea — com certo sucesso, deve-se reconhecer. Assim, por exemplo, ele passara esses 15 anos fingindo ser um ator desempregado, o que era perfeitamente plausível.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“O papel dos operadores dos tratores, por sua vez, era o de ficar sentado, tomando café e examinando a legislação trabalhista para ver se havia um jeito de ganhar um extra com aquela situação.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Por alguns segundos, Ford parecia ignorá-lo, e ficou olhando fixamente para o céu, como um coelho que está querendo ser atropelado por um carro.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Assim que o Sr. Prosser se deu conta de que na verdade era ele o perdedor, foi como se lhe retirassem um fardo dos ombros: essa situação era mais familiar para ele.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Tinha a impressão de que toda a sua vida era uma espécie de sonho, e às vezes se perguntava de quem era aquele sonho, e se o dono do sonho estaria se divertindo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“O tempo é uma ilusão. A hora do almoço é uma ilusão maior ainda.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Será que eu fiz alguma coisa de errado hoje — disse ele — ou será que o mundo sempre foi assim, só que eu estava encucado demais pra perceber?”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“É difícil dizer exatamente o que as pessoas na superfície do planeta estavam fazendo agora, porque na verdade elas próprias não sabiam direito o que estavam fazendo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Os dentrassis achavam isto ótimo, porque adoravam o dinheiro vogon, que é uma das moedas mais sólidas do espaço, porém detestavam os vogons. Os dentrassis só gostavam de ver um vogon quando ele estava chateado.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Uma das coisas que Ford Prefec jamais conseguiu entender em relação aos seres humanos era seu hábito de afirmar e repetir continuamente o óbvio mais óbvio, coisas do tipo 'Está um belo dia', ou 'Como você é alto', ou 'Ah, meu Deus, você caiu num poço de dez metros de profundidade, você está bem?'. De início, Ford elaborou uma teoria para explicar esse estranho comportamento. Se os seres humanos não ficarem constantemente utilizando seus lábios — pensou ele —, eles grudam e não abrem mais. Após pensar e observar por alguns meses, abandonou essa teoria em favor de outra: se eles não ficarem constantemente exercitando seus lábios — pensou ele —, seus cérebros começam a funcionar. Depois de algum tempo, abandonou também esta teoria, por achá-la demasiadamente cínica, e concluiu que, na verdade, gostava muito dos seres humanos. Contudo, sempre ficava muitíssimo preocupado ao constatar como era imenso o número de coisas que eles desconheciam.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— É melhor ficar assim mesmo para se preparar pra entrar no hiperespaço. É uma sensação desagradável, como uma bebida.
— O que há de desagradável em uma bebida?
— Pergunte como um copo d'água se sente.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Na prática, o efeito disto é o seguinte: se você introduz no ouvido um peixe-babel, você compreende imediatamente tudo o que lhe for dito em qualquer língua. Os padrões sonoros que você ouve decodificam a matriz de energia mental que o seu peixe-babel transmitiu para sua mente.
Ora, seria uma coincidência tão absurdamente improvável que um ser tão estonteantemente útil viesse a surgir por acaso, por meio da evolução das espécies, que alguns pensadores veem no peixe-babel a prova definitiva da inexistência de Deus.
O raciocínio é mais ou menos o seguinte: 'Recuso-me a provar que eu existo', diz Deus, 'pois a prova nega a fé, e sem fé não sou nada'.
Diz o homem: 'Mas o peixe-babel é uma tremenda bandeira, não é? Ele não poderia ter evoluído por acaso. Ele prova que você existe, e portanto, conforme o que você mesmo disse, você não existe. QED (quod erat demonstrandum)'.
Então Deus diz: 'Ih, não é que eu não tinha pensado nisso?' E imediatamente desaparece, numa nuvenzinha de lógica. [...]
Enquanto isso, o pobre peixe-babel, por derrubar os obstáculos à comunicação entre os povos e culturas, foi o maior responsável por guerras sangrentas, em toda a história da criação.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Os vogons não alimentavam quaiquer ilusões acerca da reputação de sua literatura. Suas primeiras tentativas poéticas faziam parte de um esforço malogrado no sentido de serem aceitos como uma espécie evoluída e culta, mas agora só persistiam por puro sadismo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— [...] não entre em pânico!
— Quem é que falou em pânico? — gritou Arthur. — Isso é só choque cultural. Espere só até eu conseguir me situar e me orientar. Aí é que vou entrar em pânico!”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— Sabe — disse Arthur —, é em ocasiões como esta, em que estou preso numa câmara de descompressão de uma espaçonave vogon, com um sujeito de Betelgeuse, prestes a morrer asfixiado no espaço, que realmente lamento não ter escutado o que mamãe me dizia quando eu era garoto.
— Por quê? O que ela dizia?
— Não sei. Eu nunca escutei.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“A simples verdade é que as distâncias interestelares estão além da imaginação humana.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Ainda que tivesse inegáveis qualidades intelectuais — ostentação, fanfarronice, presunção —, Zaphod era fisicamente desajeitado e bem capaz de fazer a nave explodir com um gesto extravagante. Trillian desconfiava de que ele conseguia levar uma vida tão louca e bem-sucedida principalmente por não entender jamais o verdadeiro significado de nada que ele fazia.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— Você já devia estar cansado de ouvir falar de você mesmo.
— Sou um cara muito inseguro. Você sabe.
— Será que dava pra gente deixar de lado o seu ego só um minutinho? É uma coisa importante.
— Se tem aqui alguma coisa mais importante que meu ego, que seja imediatamente presa e fuzilada [...].”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Uma das coisas que Trillian achava mais difícil no seu relacionamento com Zaphod era saber quando ele estava fingindo ser burro só para desarmar as pessoas, quando estava fingindo ser burro porque estava com preguiça de pensar e queria que os outros fizessem isso por ele, quando estava fingindo ser terrivelmente burro para ocultar o fato de que não estava entendendo o que estava acontecendo e quando realmente era burrice mesmo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Ela tentava descobrir qual era o pensamento que estava tentando evitar.
Zaphod não conseguia dormir. Também queria saber qual era o pensamento que não se permitia pensar. Ele sempre sofrera da sensação incômoda de não estar completamente presente. Na maior parte do tempo, conseguia pôr de lado essa ideia e não se preocupar com ela [...].
[...] Haveria uma razão para seu gesto? Não adiantaria perguntar-lhe — Zaphod jamais justificava o que fazia. Ele tornara a imprevisibilidade uma forma de arte. Fazia tudo com uma mistura de extraordinária genialidade e incompetência ingênua, sendo muitas vezes difícil saber distinguir uma coisa da outra.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Naturalmente, muitos homens enriqueceram enormemente, mas isto era natural e não era problema nenhum, pois ninguém era realmente pobre — pelo menos ninguém importante. E para todos os mercadores mais ricos, como era inevitável, a vida tornou-se um tanto tediosa e insatisfatória, levando-os a pensar que isto era devido às limitações dos mundos em que eles haviam se estabelecido — nenhum deles era inteiramente satisfatório. Ou o clima não era muito bom no final da tarde, ou o dia era meia hora mais comprido do que devia ser, ou o oceano era precisamente da tonalidade errada de rosa.
Assim, surgiram circunstâncias favoráveis ao nascimento de uma espetacular indústria: a construção de planetas de luxo sob medida.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“A tensão nervosa e o estresse são agora problemas sociais sérios em todas as partes da Galáxia, e é para não exacerbar ainda mais esta situação que vamos revelar os fatos que se seguem antecipadamente.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Segue-se um registro completo de toda a vida mental dessa criatura, do momento em que ela passou a existir até o momento em que ela deixou de existir.
Ah...! O que está acontecendo?, pensou o cachalote.
Ah, desculpe, mas quem sou eu?
Ei!
Por que estou aqui? Qual a minha razão de ser?
O que significa perguntar quem sou eu?
[...]
Bem, será que eu já tenho uma visão coerente das coisas?
Não.
Não faz mal. Isso é tão interessante, tanta coisa pra descobrir, tanta coisa boa por vir, estou tonto de expectativa...
Ou será o vento?
Realmente tem vento de mais aqui, não é?
E, puxa! Que é essa coisa se aproximando de mim tão depressa? Tão depressa. Tão grande e chata e redonda, tão... tão... Merece um nome bem forte, um nome tão... tão... chão! É isso! Eis um bom nome: chão!
Será que eu vou fazer amizade com ele?”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Ah, meu Deus — murmurou Ford, encostando-se num anteparo e começando a contar até dez. Preocuva-o muito a possibilidade de que um dia as formas de vida inteligentes não soubessem mais fazer isso. Contar era a única maneira que restava aos seres humanos para provar sua independência em relação aos computadores.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Ah, a vida — disse Marvin, lúgubre. — Pode-se odiá-la ou ignorá-la, mas é impossível gostar dela.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— Você está maluco?
— É uma possibilidade que ainda não excluí.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“E aí, quando eu paro e penso: por que eu quis fazer isso? Como foi que eu consegui? — aí eu sinto uma tremenda vontade de parar de pensar nisso.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“É um fato importante, e conhecido por todos, que as coisas nem sempre são o que parecem ser. Por exemplo, no planeta Terra os homens sempre se consideraram mais inteligentes que os golfinhos, porque haviam criado tanta coisa — a roda, Nova York, as guerras, etc. —, enquanto os golfinhos só sabiam nadar e se divertir. Porém, os folfinhos, por sua vez, sempre se acharam muito mais inteligentes que os homens — exatamente pelos mesmos motivos.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— Essas máquinas têm mais é que fazer contas — disse Majikthise —, enquanto nós cuidamos das verdades eternas. Quer saber a sua situação perante a lei? Pela lei, a Busca da Verdade Última é uma prerrogativa inalienável dos pensadores. Se uma porcaria de uma máquina resolve procurar e acha a porcaria da Verdade, como é que fica o nosso emprego? O que adianta a gente passar a noite em claro discutindo se Deus existe ou não pra no dia seguinte essa máquina dizer qual é o número do telefone dele?
— Isso mesmo! — gritou Vroomfondel. — Exigimos áreas de dúvida e incerteza rigidamente delimitadas!”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— Eu verifiquei cuidadosamente — disse o computador —, e não há dúvida de que a resposta é essa. Para ser franco, acho que o problema é que vocês jamais souberam qual é a pergunta.
[...]
— [...] quando vocês souberem qual é exatamente a pergunta, vocês saberão o que significa a resposta.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— Zaphod! Acorde!
— Mmmmmaaaaaãããããhn?
— Vamos, acorde logo.
— Deixe que eu continue fazendo o que sei fazer, está bem? — murmurou Zaphod; sua voz morreu aos poucos e ele adormeceu de novo.
— Quer levar um chute? — perguntou Ford.
— Isso vai lhe dar muito prazer? — retrucou Zaphod, com a voz cheia de sono.
— Não.
— A mim também não. Então pra que me chutar? Pare de me perturbar. — E Zaphod encolheu-se todo novamente.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— [...] isso explica um monte de coisas. Toda a minha vida eu sempre tive uma impressão estranha, inexplicável, de que estava acontecendo alguma coisa no mundo, uma coisa importante, até mesmo sinistra, e ninguém me dizia o que era.
— Não — disse o velho —, isso é só uma paranoia perfeitamente normal. Todo mundo no Universo tem isso.
— Todo mundo? — repetiu Arthur. — Bem, se todo mundo tem isso, então talvez isso queira dizer alguma coisa. Quem sabe em algum lugar fora do Universo que conhecemos...
— Talvez. E daí? — disse Slartibartfast, antes que Arthur ficasse muito excitado com a ideia. — Talvez eu esteja velho e cansado, mas acho que a probabilidade de descobrir o que realmente está acontecendo é tão absurdamente remota que a única coisa a fazer é deixar isso pra lá e simplesmente arranjar alguma coisa pra fazer.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— Que importância tem isso? A ciência conseguiu algumas coisas fantásticas, não vou negar, mas acho mais importante estar feliz do que estar certo. — E o senhor está feliz? — Não. Aí é que está o problema, é claro.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Como todos sabem, palavras ditas impensadamente podem custar muitas vidas, mas nem todos sabem como esse problema é sério.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Olhe — disse Frankie —, essa história de idealismo, de dignidade da pesquisa pura, da busca pela verdade em todas as suas formas, está tudo muito bem, mas chega uma hora que você começa a desconfiar que, se existe uma verdade realmente verdadeira, é o fato de que toda a infinidade multidimensional do Universo é, com certeza quase absoluta, governada por loucos varridos.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Nós somos uns caras inteligentes, decentes, e se vocês nos conhecessem melhor até gostariam de nós! Eu não ando por aí dando tiros a torto e a direito e depois saio contando vantagem pelos botecos da Galáxia, como muitos policiais que conheço! Eu saio por aí dando tiros a torto e a direito, só que depois morro de arrependimento e conto tudo pra minha namorada!”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— Agora, preste atenção no que vou dizer, Bleeblebrox, mas preste atenção mesmo!
— Por quê? — gritou Zaphod.
— Porque vou dizer uma coisa muito inteligente, interessante e humana! Bem, ou vocês se entregam agora e deixam a gente dar umas porradinhas em vocês, só um pouquinho, é claro, porque nós somos totalmente contra a violência desnecessária, ou então a gente explode este planeta todo e talvez mais um ou dois que nós vimos quando viemos pra cá!
— Mas isso é loucura! — exclamou Trillian. — Vocês não podem fazer isso!
— A gente não pode? — gritou o policial. — Não pode? — perguntou ele ao outro.
— A gente pode e deve, não tem dúvida — gritou o outro.
— Mas por quê? — perguntou Trillian.
— Porque tem coisas que a gente tem que fazer, mesmo sendo policiais liberais esclarecidos, cheios de sensibilidade e o cacete!”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“— Muito simples. Eu estava muito entediado e deprimido, e aí me liguei na entrada externa do computador. Conversei por muito tempo com o computador e expliquei a ele a minha concepção do Universo — disse Marvin.
— E o que aconteceu? — insistiu Ford.
— Ele se suicidou — disse Marvin, e foi caminhando em direção à nave Coração de Ouro.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Volume Um Da Trilogia De Cinco")



“Existe uma teoria que diz que, se um dia alguém descobrir exatamente para que serve o Universo e por que ele está aqui, ele desaparecerá instantaneamente e será substituído por algo ainda mais estranho e inexplicável.
***
Existe uma segunda teoria que diz que isso já aconteceu.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“Resumo dos últimos capítulos: No início, o Universo foi criado.
Isso irritou profundamente muitas pessoas e, no geral, foi encarado como uma péssima ideia.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“O capitão vogon lhe contou que nas últimas poucas horas tinha exterminado quase metade de sua tripulação num exercício disciplinar.
O sorriso de Halfrunt não se abalou um milímetro sequer.
— Bom — disse ele —, creio que este é um comportamento perfeitamente normal para um vogon, não é? Essa forma natural e saudável de canalizar os instintos agressivos em atos de violência sem sentido.
— Isso — resmungou o vogon — é o que você sempre diz.
— Ótimo! — disse Halfrunt —, pois creio que este é uum comportamento perfeitamente normal para um psiquiatra. Bem, vejo claramente que nós dois estamos muito bem ajustados em nossas atitudes mentais hoje.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Um amigo pessoal? — perguntou o vogon, que tinha ouvido essa expressão em algum lugar e decidiu experimentar.
— Ah, não — disse Halfrunt —, em minha profissão não fazemos amigos pessoais.
— Entendo — grunhiu o vogon —, vocês precisam manter um distanciamento profissional.
— Não — disse Halfrunt alegremente —, é só que não levamos muito jeito pra essas coisas mesmo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“É provável que o horror que Zaphod sentia ante a ideia de juntar-se a seus parentes falecidos tenha feito com que ele concluísse que eles provavelmente sentiam o mesmo a seu respeito e, mais que isso, fariam qualquer coisa que ajudasse a adiar essa reunião.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“[...] eu sei porque estou morto, e isso me dá um ângulo de visão bem abrangente. Lá em cima temos um ditado: 'É um desperdício dar uma vida para os vivos'.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Se em algum momento futuro você achar que precisa de ajuda novamente, se tiver um problema difícil, se precisar de socorro...
— Sim?
— Por favor, não hesite em se danar.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“De qualquer forma, sentia-se muito mais confortável usando os óculos. Era um duplo par de Óculos Escuros Supercromáticos Sensipericulosidade Joo Janta 200, que tinham sido especialmente desenvolvidos para ajudar as pessoas a manterem uma atitude tranquila ante o perigo. Ao primeiro sinal de problemas, as lentes ficavam totalmente pretas, evitando assim que a pessoa visse qualquer coisa que pudesse deixá-la tensa.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Você não vai me perguntar o que eu quero?
[...]
— Vale a pena? — perguntou.
— Nada vale, na verdade — respondeu Marvin imediatamente.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Eles acreditam que essa é a melhor maneira de destruí-lo para sempre. Eles sabem o que você está procurando.
— Será que eles não podiam me deixar um bilhete dizendo o que é, para que eu soubessem também?”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“O Universo, como já foi dito anteriormente, é um lugar desconcertantemente grande, um fato que, para continuar levando uma vida tranquila, a maioria das pessoas tende a ignorar.
Muitos se mudariam, felizes, para qualquer outro lugar menor que fossem capazes de criar, e na verdade é isso que a maioria dos seres faz.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“Pelo que eu saiba — disse a voz etérea de Gargravarr —, já estou numa festa. Ou melhor, meu corpo está. Ele vai a muitas festas sem mim. Diz que eu só atrapalho. É a vida.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“Trin Tragula — esse era seu nome — era um sonhador, um pensador, um filósofo ou, como sua esposa o definiria, um idiota.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“Certamente era um homem que possuía muitas qualidades, mesmo que fossem quase todas ruins.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Quando você entrou pela porta de meu escritório, você penetrou em meu Universo sintetizado eletronicamente — explicou. Se tivesse saído pela porta, teria voltado ao real. O Universo artificial é controlado daqui.
Deu uns tapinhas na maleta.
Zaphod o observou com ressentimento e desprezo.
— Qual a diferença? — murmurou.
— Nenhuma — disse Zarniwoop —, são idênticos.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Não sei que lugar é este — disse Arthur —, mas me dá arrepios.
— Tome outro drinque — disse Trillian —, divirta-se.
— Qual dos dois? — disse Arthur. — São mutuamente excludentes.
— Pobre Arthur, você realmente não foi feito para esta vida, não?
— Você chama isto de vida?”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“O Guia do Mochileiro das Galáxias diz que a Disaster Area, uma banda de rock plutoniano das Zonas Mentais de Gagrakacka, é geralmente tida não apenas como a mais barulhenta de toda a Galáxia, mas também como o maior de todos os barulhos. Os frequentadores habituais dos shows dizem que o melhor lugar para se ouvir um bom som é dentro de grandes bunkers de concreto a uns 60 quilômetros do palco, enquanto os músicos em si tocam os instrumentos por controle remoto a partir de uma espaçonave altamente isolada que fica em órbita em torno do planeta — ou, mais frequentemente, em torno de um planeta completamente diferente.
Suas músicas são no geral bastante simples e a maioria segue o tema familiar do ser-masculino que encontra um ser-feminino sob uma lua prateada, que depois explode sem nenhum motivo aparente.
Muitos planetas já baniram suas apresentações, algumas vezes por razões artísticas, mas em geral pelo fato de o equipamento de som da banda infringir os tratados locais de limitação de armas estratégicas.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Você quer dizer que este animal realmente quer que a gente o coma? — cochichou Trillian para Ford.
— Eu? — disse Ford com um olhar vidrado. — Eu não quero dizer nada.
— Isso é absolutamente horrível — exclamou Arthur —, a coisa mais repugnante que já ouvi.
— Qual é o problema, terráqueo? — disse Zaphod, que agora observava atentamente o enorme traseiro do animal.
— Eu simplesmente não quero comer um animal que está na minha frente se oferecendo para ser morto — disse Arthur. — É cruel!
— Melhor do que comer um animal que não deseja ser comigo — disse Zaphod.
— Não é essa a questão — protestou Arthur. Depois pensou um pouco mais a respeito. — Está bem — disse —, talvez essa seja a questão.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— E agora, senhoras e senhores — exclamou, radiante —, estão todos se divertindo nesses últimos momentos maravilhosos?
— Sim — gritou o tipo de gente que grita 'sim' quando o comediante pergunta se as pessoas estão se divertindo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“A essa altura havia tanta gente em seu encalço que já tinha perdido a conta. Não devia ter feito uma entrada tão chamativa. 'Bem, e por que não?', pensou. Como é que você vai saber se está se divertindo se não houver ninguém olhando na hora?”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Quer dizer que eles querem me prender pelo telefone? — disse Zaphod. — Pode ser. Sou um cara de alta periculosidade quando fico irritado.
— É — disse uma voz debaixo da mesa. — Você se despedaça tão rápido que as pessoas são atingidas pelos estilhaços.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“A nave seguinte era das grandes, 30 metros de comprimento — uma limunavesine, projetada obviamente com um único objetivo, que era matar de inveja quem a olhasse. A pintura e os acessórios diziam claramente: 'Não apenas sou rico o bastante para ter esta nave como também sou bastante rico para não levá-la a sério'.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“É fato conhecido que há um número infinito de mundos, simplesmente porque há um espaço infinito para que esses mundos existam. Todavia, nem todos são habitados. Assim, deve haver um número finito de mundos habitados. Qualquer número finito dividido por infinito é tão perto de zero que não faz diferença, de forma que a população de todos os planetas do Universo pode ser considerada igual a zero. Disso podemos deduzir que a população de todo o Universo também é zero, e que quaisquer pessoas que você possa encontrar de vez em quando são meramente produtos de uma imaginação perturbada.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Quer dizer — disse Arthur —, quer dizer que você pode ver dentro de minha mente?
— Posso — disse Marvin.
Arthur olhou para ele espantado.
— E...?
— Fico impressionado com o fato de você conseguir viver num lugar tão pequeno.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“Estando no momento pouco propenso a levantar-se devido a uma irritante pulsação repetitiva que estava sentindo, ficou deitado, pensando. O problema com a maioria das formas de transporte é que basicamente não valiam a pena. Na Terra [...] o problema eram os carros. As desvantagens envolvidas em arrancar toneladas de gosma preta e viscosa do subsolo, onde a tal gosma tinha ficado escondida em segurança e longe de todo mal, transformá-la em piche para cobrir o chão, fumaça para infestar o ar e espalhar o resto pelo mar, tudo isso parecia anular as aparentes vantagens de se poder viajar mais rápido de um lugar para outro. Especialmente quando o lugar a que se chegava tinha ficado, por conta dessa coisa toda, muito parecido com o lugar de que se tinha saído, ou seja, coberto de piche, cheio de fumaça e com poucos peixes.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Onde estão, como estão, não temos como saber e não podemos fazer nada a respeito. Faça como eu.
— Como?
— Não pense nisso.
Arthur revirou a ideia por alguns instantes, relutantemente viu a sabedoria que ela continha, pegou a ideia e a enterrou dentro de sua cabeça.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“Olhou fundo para o espaço brilhante que se estendia atrás da nave, procurando algo. Ele fazia isso de quando em quando, mas nunca achava o que estava procurando. Não deixava que isso o preocupasse, no entanto. Os nobres cientistas tinham insistido veementemente que tudo correria perfeitamente bem contanto que ninguém entrasse em pânico e que todo mundo fosse em frente e prosseguisse de maneira ordeira.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“[...] De fato, a única coisa que todas têm em comum entre si, além de os nomes soarem quase iguais, é o fato de que foram todas inventadas antes que os mundos em questão houvessem feito contato com outros mundos.
Que conclusões podemos tirar desse fato? É um fato totalmente isolado. No que diz respeito a todas as teorias linguísticas de base estruturalista, isso é um ponto completamente fora do gráfico, que no entanto insiste em existir. Os velhos linguistas estruturalistas ficam muito irritados quando os jovens linguistas estruturalistas estudam essa questão. Os jovens linguistas estruturalistas ficam profundamente empolgados com isso e trabalham até altas madrugadas, convencidos de que estão muito perto de algo extremamente importante, e acabam se tornando velhos linguistas estruturalistas cedo demais, ficando muito irritados com os jovens. A linguística estruturalista é uma disciplina amargamente dividida e infeliz.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“Os olhos do Número Dois se fecharam ligeiramente, assumindo o que é chamado, no ramo das Pessoas que Giram e Matam, de olhar gélido, cuja ideia, supostamente, é dar a seu oponente a ideia de que você perdeu os óculos ou está tendo grande dificuldade em manter-se acordado. Por que isso é assustador permanece, até o momento, um problema sem solução.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“O principal problema — um dos principais problemas, pois são muitos —, um dos principais problemas em governar pessoas, está em quem você escolhe para fazê-lo. Ou melhor, em quem consegue fazer com que as pessoas deixem que ele faça isso com elas.
Resumindo: é um fato bem conhecido que todos os que querem governar as outras pessoas são, por isso mesmo, os menos indicados para isso. Resumindo o resumo: qualquer pessoa capaz de se tornar presidente não deveria, em hipótese alguma, ter permissão para exercer o cargo. Resumindo o resumo do resumo: as pessoas são um problema.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— [...] — qual é o seu nome?
O homem olhou para eles em dúvida.
— Não sei. Por quê? Vocês acham que eu deveria ter um? Parece-me muito estranho dar um nome a um amontoado de vagas percepções sensoriais.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Não, escute-me — disse Zarniwoop —, vêm pessoas ver você, não? Em naves...
— Acho que sim — disse o homem. Entregou a garrafa a Trillian.
— E eles lhe pedem — disse Zarniwoop — para tomar decisões para eles? Sobre as vidas das pessoas, sobre os mundos, sobre economia, sobre guerras, sobre tudo o que se passa no Universo lá fora?
— Lá fora? — disse o homem. — Onde?
— Lá fora! — disse Zarniwoop apontando para a porta.
— Como você pode garantir que tem alguma coisa lá fora — disse o homem educadamente —, se a porta está fechada?
A chuva continuava a golpear o teto. Dentro da choupana estava quente.
— Mas você sabe que existe um Universo inteiro lá fora! — gritou Zarniwoop. — Você não pode esquivar-se de suas responsabilidades dizendo que elas não existem!
O homem que rege o Universo pensou por um longo tempo enquanto Zarniwoop trepidava de raiva.
— Você tem muita certeza de seus fatos — disse por fim. — Eu não confiaria nos pensamentos de um homem que acha que o Universo, se é que existe um, é algo com o qual se pode contar.
Zarniwoop ainda trepidava, mas estava em silêncio.
— Eu apenas decido sobre o meu Universo — prosseguiu o homem calmamente. — Meu Universo são meus olhos e meus ouvidos. Qualquer coisa fora disso é boato.
— Mas você não crê em nada?
O homem sacudiu os ombros e apanhou seu gato.
— Não entendo o que você quer dizer com isso.
— Você não entende que as coisas que você decide nesta choupana afetam as vidas e os destinos de milhões de pessoas? Isto tudo está monstruosamente errado!
— Não sei. Nunca vi todas essas pessoas de que você fala. Nem você, suspeito. Elas existem apenas nas palavras que ouvimos. É loucura dizer que você sabe o que está acontecendo com as outras pessoas. Só elas sabem, se é que existem. Elas têm seus próprios Universos a partir de seus olhos e seus ouvidos.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— O sentido geral — disse Ford —, pelo que posso entender, é que temos toda a liberdade de seguir viagem por onde quisermos, mas se déssemos a volta ao redor da aldeia, em vez de atravessá-la, nós deixaríamos todos eles muito felizes.
— Então, o que vamos fazer?
— Acho que vamos deixá-los felizes — disse Ford.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Encare desta maneira — Ford Prefect havia dito —, as frutas encontradas em planetas estranhos podem fazer você viver ou morrer. Portanto, o momento em que deve se meter com elas é quando perceber que você vai morrer de qualquer jeito se não o fizer. Se você pensar dessa forma, estará prevenido.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Foi o que eu sempre pensei sobre aquela história do Jardim do Éden — disse Ford.
— O quê?
— O Jardim do Éden. A árvore. A maçã. Essa parte, lembra?
— Lembro, claro que eu lembro.
— O tal de Deus põe uma macieira no meio de um jardim e diz 'vocês dois podem fazer o que vocês quiserem aqui, mas não comam essa maçã'. Obviamente eles comem a maçã, então Deus pula de trás de uma moita gritando: 'Peguei vocês, peguei vocês!'. Não faria a menor diferença se eles não tivessem comido a maçã.
— Por que não?
— Olha, quando você está lidando com alguém que tem esse tipo de mentalidade — mais ou menos a mesma das pessoas que deixam um chapéu na calçada com um tijolo embaixo para os outros chutarem —, pode ter certeza de que ele não vai desistir. Ele vai acabar te pegando.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“Sua boca começou a falar, mas seu cérebro decidiu que ela não tinha nada a dizer ainda e a fechou novamente.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“Era muito importante ter coisas pelas quais esperar ansiosamente.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“A única coisa melhor que um telefone que não tocava o tempo todo (ou melhor, nunca) eram seis telefones que não tocavam o tempo todo (ou melhor, nunca).”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Dirija-se à mesa — bradou o consultor executivo.
— Não tem mesa nenhuma — explicou Ford —, só uma pedra.
O consultor executivo decidiu que a situação exigia um pouco de irritação.
— Ora, chame-a de mesa — disse, irritado.
— Por que não chamá-la de pedra? — perguntou Ford.
— Você obviamente não tem a menor concepção — disse o consultor executivo, sem abandonar sua irritação em favor da boa e velha superioridade — dos modernos métodos de negócios.
— E você não tem a menor concepção da realidade — disse Ford.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Vocês querem? — perguntou Ford à massa.
— Queremos! — gritaram alguns.
— Não! — gritaram outros alegremente.
Não sabiam, só achavam ótimo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Desde que decidimos, há algumas semanas, adotar as folhas como moeda corrente, todos nos tornamos, naturalmente, imensamente ricos.
Ford olhava incrédulo para a multidão, que soltava murmúrios de satisfação enquanto passava os dedos pelos montes de folhas com os quais tinham forrado seus macacões.
— Mas também — prosseguiu o consultor executivo — nos deparamos com um pequeno problema de inflação decorrente do alto nível de disponibilidade de folhas. Acreditamos que a taxa de câmbio atual corresponde a três florestas para a compra de um amendoim da nave.
Murmúrios alarmados vieram da multidão. O consultor executivo os aplacou.
— Então, com o objetivo de prevenir esse problema — continuou — e efetivamente restaurar o valor da folha, estamos prontos a lançar uma campanha maciça de desfolhação e... ahn, queimar as florestas. Acredito que todos concordarão que é um passo sensato diante das circunstâncias.
A multidão pareceu um pouco indecisa quanto a isso por alguns segundos até que alguém lembrou o quanto isso elevaria o valor das folhas em seus bolsos, o que os fez dar pulos de alegria e aplaudir de pé o consultor executivo. Os contadores entre eles contavam com um outono muito lucrativo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Aonde você quer chegar com isso? — perguntou Ford.
— Temos que encorajá-los a evoluírem! A se desenvolverem! — disse Arthur furiosamente [...]. — Você pode imaginar como seria um mundo descendente daqueles... cretinos com os quais a gente chegou? — disse.
— Imaginar? — disse Ford erguendo as sobrancelhas. — A gente não precisa imaginar. A gente viu.
— Mas... — Arthur agitava os braços em vão.
— A gente viu — disse Ford —, não tem saída.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“Ficaram deprimidos por um tempo. Arthur sentou-se no chão e começou a arrancar montinhos de capim, mas percebeu que essa era uma atividade na qual ele não poderia se aprofundar muito. Não era um capim em que ele pudesse acreditar, as árvores lhe pareciam sem sentido, as colinas onduladas pareciam ondular para lugar nenhum e o futuro parecia ser apenas um túnel através do qual era preciso passar arrastando-se.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“— Você é muito estranho — disse.
— Não, eu sou muito comum — disse Arthur —, mas algumas coisas muito estranhas acontecerem comigo. Pode-se dizer que eu sou mais diferenciado do que diferente.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - O Restaurante No Fim Do Universo")



“O tempo é, por assim dizer, o pior lugar onde ficar perdido, como Arthur Dent havia descoberto. Ele já tinha se perdido várias vezes, tanto no tempo quanto no espaço. Pelo menos estar perdido no espaço mantém a pessoa ocupada.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Wowbagger, o Infinitamente Prolongado, era — na verdade, é — um dos pouquíssimos seres imortais do Universo.
Aqueles que já nascem imortais sabem como lidar com isso instintivamente. Contudo, Wowbagger não tinha nascido imortal. Não. Passou a desprezar os imortais, aquela corja de babacas tranquilões. Tinha se tornado imortal por um infeliz acidente envolvendo um acelerador de partículas irracionais, uma refeição líquida e um par de elásticos. Os detalhes exatos do acidente não são importantes, porque ninguém jamais foi capaz de duplicar as circunstâncias exatas em que as coisas aconteceram e, ao tentarem, muitas pessoas acabaram ficando com cara de idiotas, morreram no processo, ou ambas as coisas.
Com uma careta e uma expressão de cansaço, Wowbagger fechou os olhos, colocou uma música no som da nave e pensou que até poderia ter conseguido... Se não fosse pelas tardes de domingo, teria conseguido.
No início tudo parecia engraçado: havia se divertido muito, vivendo perigosamente, se arriscando ao extremo, enriquecendo com investimentos de longo prazo e altas taxas de retorno e, no geral, permanecendo vivo enquanto os outros morriam.
Contudo, no final foram as tardes de domingo que se tornaram insuportáveis: aquela terrível sensação de não ter absolutamente nada para fazer que se instala em torno das 14h55, quando você sabe que já tomou um número mais que razoável de banhos naquele dia, quando sabe que, por mais que tente se concentrar nos artigos dos jornais, você nunca conseguirá lê-los nem colocar em prática a nova e revolucionária técnica de jardinagem que eles descrevem, e quando sabe que, enquanto olha para o relógio, os ponteiros se movem impiedosamente em direção às 16 horas e logo você entrará no longo e sombrio entardecer da alma.
A partir daí as coisas começaram a perder o sentido. Os sorrisos alegres que costumava distribuir durante os funerais dos outros começaram a sumir. Aos poucos, começou a desprezar o Universo em geral e cada um dos seus habitantes em particular.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Ele acabara de ter uma ótima ideia sobre como lidar com o terrível e solitário isolamento, os pesadelos, o fracasso de todas as suas tentativas de horticultura e a completa ausência de futuro e a futilidade de sua vida ali, na Terra pré-histórica. Tinha decidido enlouquecer.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“— Como você pode ver — disse Ford —, o sentido disso tudo é que não há sentido em tentar enlouquecer para impedir-se de ficar louco. Você pode muito bem dar-se por vencido e guardar sua sanidade para mais tarde.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“— Não vou perturbá-lo com os detalhes porque eles iriam...
— O quê?
— Perturbá-lo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Um POP é alguma coisa que não podemos ver, ou não vemos, ou nosso cérebro não nos deixa ver porque pensamos que é um problema de outra pessoa. É isso que POP quer dizer: Problema de Outra Pessoa. O cérebro simplesmente o apaga, como um ponto cego. Se você olhar diretamente para ele, não verá nada, a menos que saiba exatamente o que é.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“— Afinal — disse Ford — só se morre uma vez.
O velho ignorou o último comentário e olhou intensamente para o campo, com olhos que pareciam espelhar sentimentos sem qualquer relação com o que estava acontecendo lá. O que estava acontecendo lá era que a multidão se reunira num grande círculo em torno do centro do campo. O que Slartibartfast estava vendo era algo que só ele sabia.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“O campo de Problema de Outra Pessoa é muito mais simples e mais eficaz. Melhor ainda, pode funcionar durante mais de 100 anos usando uma única bateria de lanterna. Isso porque ele conta com a tendência natural das pessoas de não verem nada que não querem, que não estão esperando ou que não podem explicar.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Desde que esta Galáxia surgiu, vastas civilizações cresceram e desapareceram, cresceram e desapareceram, cresceram e desapareceram tantas vezes que é muito tentador pensar que a vida na Galáxia deve ser (a) similar a um enjoo marítimo, espacial, temporal, histórico ou similar e (b) imbecil.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Arthur ficou sentado, imóvel e comovido, no assento de voo. Não sabia ao certo se havia ficado enjoado ou religioso.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“O velho não respondeu imediatamente. Estava olhando para um grupo de instrumentos com a cara de quem está tentando converter graus Fahrenheit para Celsius de cabeça enquanto sua casa está pegando fogo. Então sua face se descontraiu e ele olhou por alguns instantes a enorme tela panorâmica à sua frente, que mostrava uma complexidade espantosa e estrelas fluindo como fios de prata ao redor deles.
Seus lábios se moveram como se fosse dizer algo. Subitamente, olhou, tenso, para seus instrumentos, mas depois franziu a testa e sua expressão se fixou. Olhou de volta para a tela. Mediu seu próprio pulso. Franziu ainda mais a testa por alguns instantes, depois relaxou.
— É um erro tentar entender as máquinas — disse ele —, apenas me deixam mais preocupado. O que você disse?”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“O segundo número não-absoluto é a hora real de chegada. Este número é hoje conhecido como um dos mais bizarros conceitos matemáticos, uma reciproversexclusão, um número cuja existência só pode ser definida como sendo qualquer outra coisa diferente de si mesmo. Em outras palavras, a hora real de chegada é o único momento no tempo no qual é impossível que qualquer participante do grupo chegue de fato.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“— Você está pensando em algo, não é? — disse o colchão, flupidamente.
— Muito mais do que você seria capaz de imaginar — disse Marvin, pesaroso. — Minha capacidade para atividades mentais de todos os tipos é tão ilimitada quanto a infinita imensidão do próprio espaço. Exceto, claro, no que diz respeito à minha capacidade de ser feliz.
Tunc, tunc, prosseguiu ele.
— Minha capacidade para ser feliz — acrescentou — poderia ser colocada numa caixa de fósforos, sem tirar os fósforos antes.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“O Oficial de Justiça piscou. Claramente, como a maioria dos que trabalhavam no Judiciário, achava que o Magistrado Pag [...] era uma figura deplorável. Era obviamente grosseiro e não sabia se portar. Parecia pensar que o fato de possuir o cérebro jurídico mais brilhante jamais conhecido lhe dava o direito de se comportar como bem entendesse e infelizmente parecia estar correto.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“— Não somos obcecados com coisa alguma, entende? — insistiu Ford.
— ...
— E este é o fator decisivo. Não podemos vencer contra a obsessão. Eles se importam, nós não. Então eles vencem.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Aquela vasta, incompreensivelmente vasta câmara parecia ter sido escavada no interior de uma montanha — o que se devia precisamente ao fato de ela ter sido escavada no interior de uma montanha.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Coloque o seu time e o time adversário em um campo bem grande, depois construa uma parede bem alta ao redor deles.
O motivo é que, apesar de o jogo atrair grandes multidões, a frustração que os espectadores sentem por não conseguirem realmente ver o que está acontecendo faz com que imaginem que o jogo é muito mais interessante do que realmente é. Uma multidão que tenha acabado de assistir a uma partida chata tem uma experiência de afirmação da vida muito menor do que uma multidão que acredita ter acabado de perder o evento mais incrível em toda a história dos esportes.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Tentou tocar algumas partes do corpo para descobrir onde poderia ter se machucado. Onde quer que tocasse, doía. Acabou concluindo que era sua mão que estava doendo. Aparentemente havia torcido o pulso.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“— Gostaríamos muito de poder ficar e ajudar — gritou Ford, abrindo caminho através dos destroços —, mas não vamos.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“A opinião pessoal de Arthur, que ele tinha exposto caso alguém achasse que ela pudesse contar minimamente, era de que havia sido extraordinariamente corajoso e imaginativo.
A visão dominante parecia ser a de que sua opinião não valia sequer uma lasca podre de pão.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“A melhor maneira de começar uma briga com um Silástico Armademônio era apenas ter nascido. Eles não gostavam disso, ficavam ressentidos. E quando um Armademônio ficava ressentido, alguém ficava machucado. Pode parecer uma forma exaustiva de viver, mas eles pareciam ter energia de sobra.
A melhor maneira de lidar com um Silástico Armademônio era trancá-lo sozinho em um quarto porque, mais cedo ou mais tarde, ele iria começar a se estapear.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“— Mais uma vez — prosseguiu — falhamos pateticamente. Muito pateticamente.
— Isso — disse Ford, calmamente — é porque não nos importamos o bastante. Eu já lhe disse.
[...]
— No entanto, se não agirmos — disse o velho em tom de birra, como se lutasse com alguma coisa profundamente displicente em sua própria natureza —, então seremos todos destruídos, iremos todos morrer. Acho que nos importamos com isso, não?
— Não o suficiente para morrermos por isso — disse Ford.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Foi até o painel de comunicações e abriu todas as frequências de um canal de emergência.
— Alguém quer tomar um drink? — disse.
— Isso é uma emergência, cara? — rosnou uma voz do outro lado da Galáxia.
— Tem algo para misturar? — perguntou Zaphod.
— Vai pegar carona no rabo de um cometa.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Zaphod preferia não se meter com eles e, tendo decidido que, assim como a discrição é a maior qualidade da valentia, da mesma forma a covardia era a maior qualidade da discrição, resolveu esconder-se valentemente dentro de um armário.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“— Você está sozinho? — perguntou.
— Sim — disse Marvin. — Extenuado, me encontro aqui sentado, tendo a dor e a miséria como únicas companheiras. Além da vasta inteligência, é claro. E da tristeza infinita.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Aquela jovem — acrescentou, inesperadamente — é uma das menos ignorantemente aparvalhadas formas de vida orgânica que eu já tive a profunda falta de prazer de não ser capaz de evitar encontrar.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Acham que chegaram lá, mas erraram. São tão burros quanto qualquer outra forma de vida orgânica. Odeio todas elas.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“— Eu acho — disse novamente, e parou. O motivo pelo qual havia começado a falar de novo era porque ninguém havia prestado atenção na primeira vez, e o motivo pelo qual parou foi porque estava bastante óbvio que não iriam prestar atenção de novo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“— Também ajudei a salvar o Universo — gritou Arthur para todos os que estavam dispostos a ouvi-lo, ou seja, ninguém.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“Torceu e rezou para que não houvesse vida após a morte. Então percebeu que havia uma contradição nisso e simplesmente torceu para que não houvesse vida após a morte.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - A Vida, O Universo E Tudo Mais")



“O relatório do Censo, como a maioria das pesquisas, havia custado uma fortuna e não dizia nada que as pessoas já não soubessem [...].”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Rob McKenna era um pobre coitado e sabia disso porque várias pessoas haviam chamado a sua atenção para esse fato ao longo dos anos e ele não via motivos para discordar, exceto o motivo mais óbvio, o fato de que gostava de discordar das pessoas, especialmente daquelas de quem não gostava, o que incluía, pela última contagem, todo mundo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Rob McKenna tinha duzentos e trinta e um tipos diferentes de chuva anotados no seu caderninho, e não gostava de nenhum deles.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Por um segundo, o motorista sentiu-se bem com aquilo. Um ou dois segundos depois, sentiu-se mal por ter se sentido bem. Então sentiu-se bem por ter se sentido mal por ter se sentido bem e, satisfeito, prosseguiu noite adentro.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“— Quer se divertir? — perguntou uma voz, saída de uma porta aberta.
— Que eu saiba — respondeu Ford —, já estou me divertindo. Obrigado.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“A CIA negou a coisa toda, o que significa que deve ser verdade.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Não que Arthur não gostasse dele — Will era um cara divertido. O problema é que era divertido de uma maneira cansativa porque, sendo publicitário, sempre queria que todo mundo soubesse o quanto estava se divertindo e onde comprara a sua jaqueta.

(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Decidira como lidar com o volume de contradições que a sua volta para casa precipitara: ia simplesmente ignorá-lo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“— [...] Eles não conseguiam fazer nada disso funcionar, sabem? Nostradamus e todo o pessoal. Não davam uma dentro.
— Nostradamus? — perguntou alguém da plateia.
— Eu não sabia que ele era alquimista — comentou outro.
— Eu pensava — disse um terceiro — que ele fosse um profeta.
— Ele virou profeta — explicou Arthur para a sua plateia, cujos membros começavam a oscilar e a ficar um pouco indistintos — justamente porque era um péssimo alquimista. Vocês deveriam saber disso.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Parou e manobrou os seus pensamentos. Era como assistir a um navio-petroleiro executando uma inversão de curso em três movimentos no canal da Mancha.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Não gostava de pensar que era uma dessas pessoas que riem baixinho ou seguram o riso, mas tinha de admitir que estava rindo baixinho e segurando o riso sem parar havia mais de meia hora.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Há uma razão desconhecida para que os bares próximos às estações tenham algo de especialmente sinistro, um tipo específico de imundície, um tipo especial de palidez nos salgadinhos.
Pior do que os salgadinhos, contudo, são os sanduíches.
Há um sentimento predominante na Inglaterra de que tornar um sanduíche interessante, atraente ou de algum modo agradável de comer é algo pecaminoso que só os estrangeiros fazem.
'Vamos fazê-los secos' é a instrução enraizada em algum lugar na consciência coletiva nacional. 'Vamos fazê-los borrachudos. Se for preciso manter os malditos hambúrgueres frescos, lave-os uma vez por semana.'
É comendo sanduíches em bares durante o almoço, aos sábados, que os ingleses procuram expiar sejam lá quais forem os seus pecados nacionais. Não sabem direito quais são esses pecados nem querem saber, porque ninguém quer ficar sabendo muitos detalhes sobre seus pecados. Mas, sejam lá quais forem os tais pecados, são amplamente expiados pelos sanduíches que eles se obrigam a comer.
Se há algo ainda pior do que os sanduíches são as salsichas que ficam expostas ao lado deles. Tubos infelizes, cheios de cartilagens, boiando em um mar de algo quente e triste, atravessados por um palitinho de plástico no formato do chapéu de um chef de cozinha — possivelmente uma homenagem póstuma a algum chef que detestava o mundo inteiro e que morreu, esquecido e solitário, entre os seus gatos numa escada dos fundos em Stepney.
As salsichas são para aqueles que sabem muito bem quais são os seus pecados e querem expiar algo bem específico.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“O litoral estende-se pelo oeste, depois faz uma curva em direção ao norte até a nevoenta baía de São Francisco, que o Guia descreve como 'um bom lugar para ir. É fácil acreditar que todo mundo que você encontra por lá também é um viajante espacial. Fundar uma nova religião para você é a forma que eles usam para dizer 'oi'. Até que você esteja instalado e tenha dominado a manha do lugar é melhor dizer 'não' para três de cada quatro perguntas que lhe fizerem, porque existem coisas estranhíssimas acontecendo por lá e muitas podem ser letais para um alienígena desprevenido.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“E em algum lugar neste longo trecho de litoral ficava a casa desse homem inconsolável, um homem que muitos achavam louco. Mas apenas porque, dizia ele às pessoas, ele era louco mesmo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Ainda assim, no final, criou um método que pelo menos iria produzir um resultado. Decidiu não se importar com o fato de que, com a extraordinária mistureba de regras inventadas, aproximações tresloucadas e conjecturas misteriosas que ele estava usando, seria preciso muita sorte para localizar a Galáxia certa, mas seguiu em frente assim mesmo e chegou a um resultado.
Ele o chamaria de resultado correto. Quem iria discordar?”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“— E que diabos você fez?
— Bem, diante das circunstâncias, fiz o que qualquer inglês viril faria. Fui obrigado a ignorá-lo.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“— E todo mundo diz — continuou ele, hesitante — que isso foram alucinações?
— Sim, mas Arthur, isso é ridículo. As pessoas acham que basta dizer 'alucinações' que tudo o que você quer explicar fica magicamente explicado e, se sobrar alguma coisa que você não consiga entender, isso eventualmente desaparece. É só uma palavra, não explica nada.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Eles adoravam cada pedacinho de tudo, mas essa história de adorar coisas até o último pedacinho muitas vezes era justamente o problema: quando a pessoa ama, muitas vezes a pessoa machuca a pessoa que ama.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“[...] se quisesse que qualquer coisa que não o óbvio acontecesse, teria que fazer alguma coisa que não o óbvio.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“A senhora E. Kapelsen, de Boston, Massachusetts, já era uma senhora idosa; na verdade, sentia que a sua vida estava chegando ao fim. Já havia visto muita coisa, ficara intrigada com algumas, mas estava um pouco incomodada de sentir-se enfadada com quase tudo. A vida fora bastante agradável, mas talvez um pouquinho previsível demais, um pouquinho repetitiva.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Murray tinha um jeito peculiar de falar, que ele inventara para o seu próprio uso e que ninguém mais conseguia imitar ou sequer entender. A maior parte não significava absolutamente nada mesmo. E as partes que de fato tinham algum significado estavam tão incrivelmente soterradas em uma avalanche de absurdos que ninguém conseguia identificá-las no meio daquilo. Quando você finalmente percebia, bem mais tarde, quais eram as partes importantes, normalmente já era tarde demais para todos os envolvidos.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“A história morre, Arthur. Ela tomba no chão e sacode os seus pezinhos para cima [...].”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Foi até a secretária eletrônica, mexeu para lá e para cá, apertando todos os botões por um tempo, porque aquele era o aparelho que havia sido especialmente recomendado por uma revista especializada e era quase impossível usá-lo sem enlouquecer.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“O humor deles foi melhorando enquanto passeavam pela praia em Malibu e viam todos aqueles milionários em seus barracos de praia chiques, cada um vigiando cuidadosamente o outro para verificar quão ricos estavam ficando.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“[...] dirigiram em direção a um pôr-do-sol diante do qual ninguém com um mínimo de sensibilidade sonharia em construir uma cidade como Los Angeles [...].”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“— Cheguei à conclusão — disse Wonko, o São — de que uma civilização que havia perdido a cabeça a ponto de sentir a necessidade de incluir instruções de uso detalhadas em uma caixinha de palitos de dente não era mais uma civilização onde eu pudesse viver e continuar são.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Não estou tentando provar nada, a propósito. Sou um cientista e sei muito bem o que pode ser chamado de prova. Mas o motivo pelo qual desejo ser chamado pelo meu apelido de infância é exatamente esse: me lembrar de que um cientista deve, acima de tudo, ser como uma criança. Se ele vê algo, deve dizer o que está vendo, independentemente de aquilo ser o que ele imaginava ver ou não. Ver primeiro, testar depois. Mas sempre ver primeiro. Senão, você só vai ver o que você espera ver. A maioria dos cientistas se esquece disso.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Era uma coletiva de imprensa.
'Receio não poder mencionar o nome Deus da Chuva no momento. Acreditamos que seja um exemplo de um Fenômeno Meteorológico Paracausal Espontâneo.'
'O senhor pode nos explicar o que isso significa?'
'Ainda não sei ao certo. Mas sejamos francos: quando encontramos alguma coisa que não compreendemos, gostamos de chamá-la usando um nome que vocês também não possam compreender e, de preferência, sequer consigam pronunciar. Digo, se deixássemos vocês saírem por aí chamando o sujeito de Deus da Chuva, ia parecer que vocês sabem de alguma coisa que nós não sabemos, o que seria totalmente inadmissível.
'Então, não, primeiro temos que encontrar um nome que deixe bem claro que isso é coisa nossa e não de vocês. Depois damos um jeito de provar que ele não é nada do que vocês disseram e sim aquilo que dissermos que é.
Para terminar, mesmo que vocês estejam corretos, ainda assim estarão errados, porque diremos que ele é... ah... 'Sobrenatural' — não paranormal ou sobrenatural, porque vocês acham que já sabem o significado destas palavras, não, será um 'Indutor de Precipitação Incremental Sobrenormal'. É bem provável que alguém consiga encaixar um 'quasi' aí no meio, por precaução. Deus da Chuva! Bolas, nunca ouvi uma coisa tão absurda em toda a minha vida. Óbvio, contudo, que vocês não vão me pegar saindo de férias com o sujeito [...].'”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Aquilo era a mais pura verdade e uma visão altamente respeitada, amplamente compartilhada por todas as pessoas que pensavam direito, as quais podem ser reconhecidas como pessoas que pensam direito pelo mero fato de compartilharem esse ponto de vista.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“[...] diz o seguinte sobre os produtos da Companhia Cibernética de Sirius: 'É muito fácil não enxergar a sua inutilidade essencial devido à enorme realização que você sente ao conseguir finalmente fazer com que eles funcionem'.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“No mundo dele, as pessoas são pessoas. Os líderes é que são lagartos. As pessoas odeiam os lagartos e os lagartos governam as pessoas.
— Ué — comentou Arthur —, achei que você tinha dito que era uma democracia.
— Eu disse — afirmou Ford. — E é. — Então — quis saber Arthur, torcendo para não soar ridiculamente estúpido —, por que as pessoas não se livram dos lagartos?
— Isso sinceramente nunca passou pela cabeça delas — disse Ford. — Como elas têm direito de voto, acabam supondo que o governo que elegeram é mais ou menos parecido com o governo que querem.
— Quer dizer que eles realmente votam nos lagartos?
— Ah, sim — disse Ford, dando de ombros —, é claro.
— Mas — perguntou Arthur, sem medo de ser feliz — por quê?
— Porque, se deixam de votar em um lagarto — explicou Ford —, o lagarto errado pode assumir o poder.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“— Olha, meu camarada — disse Ford —, se eu ganhasse um dólar altairiano cada vez que eu ouvisse um fragmento do Universo olhando para o outro fragmento do Universo e dizendo 'Isso é terrível', eu não estaria sentado aqui como um limão procurando por um gim.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“Um deles finalmente encontrou uma loja de animais onde havia alguns lagartos, mas, ao defender a loja de animais em nome da democracia, agiu tão brutalmente que não sobrou pedra sobre pedra no lugar.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Até Mais, E Obrigado Pelos Peixes!")



“A história da Galáxia ficou meio confusa por vários motivos: em parte porque aqueles que tentavam acompanhá-la ficaram meio confusos, mas também porque coisas incrivelmente confusas aconteceram de fato.
Um dos problemas tem a ver com a velocidade da luz e com as dificuldades encontradas em tentar ultrapassá-la. Não dá. Nada viaja mais rápido do que a velocidade da luz, com exceção talvez das más notícias, que obedecem a leis próprias e especiais.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“Uma das coisas mais extraordinárias da vida é o tipo de lugares nos quais ela está preparada para sobreviver.
[...]
Ela suporta viver até mesmo em Nova York, embora seja difícil entender o porquê. No inverno a temperatura cai para muito abaixo do limite legal, ou pelo menos cairia, se alguém tivesse o bom senso de estipular um limite legal. A última vez em que fizeram uma pesquisa sobre as cem características mais marcantes dos nova-iorquinos, o bom senso foi parar em septuagésimo nono lugar.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“Tinha tudo o que precisava ter: [...] inteligência suficiente para entender o mundo e uma pequena e secreta apatia interior que fazia com que ela se lixasse. Todo mundo tem uma grande oportunidade na vida. Se você por acaso perde a única que realmente interessa, todo o resto se torna assustadoramente fácil.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“— Eu sei que astrologia não é uma ciência — disse Gail. — Claro que não é. Não passa de um conjunto de regras arbitrárias como xadrez ou tênis, ou... qual é mesmo o nome daquela coisa esquisita de que vocês ingleses brincam?
— Humm... críquete? Autodepreciação?
— Democracia parlamentar. As regras meio que surgiram do nada. Não fazem o menor sentido, a não ser quando pensadas no próprio contexto.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“— O.k. — disse Tricia, decidindo colocar tudo para fora. — Não sei como foi que você descobriu isso, mas...
— Eu não descobri nada, ao contrário do que você diz. Apenas escutei o que você estava dizendo.
— O que eu perdi, acho eu, foi uma outra vida inteira.
— Acontece com todos nós. A cada momento de cada dia. Cada decisão que tomamos, cada vez que respiramos, abre algumas portas e fecha várias outras. Não percebemos a maioria, mas notamos algumas. Acho que você percebeu uma delas.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“Bom, a lógica é uma coisa maravilhosa, mas possui, tal como os processos de evolução descobriram, algumas desvantagens.
Qualquer coisa que pense logicamente pode ser enganada por outra coisa que pense no mínimo tão logicamente quanto ela.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“Tinha que descobrir quem era aquele sujeito e, de repente, pensou numa forma de fazer isso.
— Quem é você? — perguntou ele.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“A maior atividade comercial realizada era a de peles dos porcos do pântano eagorianos, mas não era muito lucrativa porque ninguém em sã consciência ia querer comprar uma pele de porco do pântano eagoriano. O comércio só se sustentava aos trancos e barrancos porque sempre há um número significativo de pessoas na Galáxia que não estão em sã consciência.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“Dane-se e exploda-se, pensou ele, sentindo necessidade de orientação e conselho. Consultou o Guia do Mochileiro das Galáxias. Procurou por 'orientação' e leu 'Ver CONSELHO'. Procurou 'conselho' e estava escrito 'Ver ORIENTAÇÃO'. Aquilo estava acontecendo bastante nos últimos tempos e ele se perguntou se o Guia era tão bom quanto diziam.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“Entregou as cópias para Arthur.
— Estes são, ah, estes são seus conselhos? — perguntou Arthur, folheando as páginas, indeciso.
— Não — respondeu ela. — Essa é a história da minha vida. Sabe, a qualidade de qualquer conselho que uma pessoa pode dar deve ser avaliada de acordo com a qualidade da vida que essa pessoa levou. Ao examinar esse documento, você vai notar que eu sublinhei todas as principais decisões que precisei tomar, para destacá-las. Estão em ordem alfabética e tem um índice remissivo. Entendeu? Então, sugiro apenas que você tome decisões contrárias às que eu tomei, porque assim você talvez não termine sua vida... — ela fez uma pausa e encheu os pulmões para um bom grito — em uma caverna velha e fedorenta como esta!”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“— Uma casa de praia — disse — nem mesmo precisa estar na praia. Embora as melhores estejam. Todos nós gostamos de nos congregar — prosseguiu — em condições limítrofes.
— É mesmo? — perguntou Arthur.
— Onde o solo encontra a água. Onde a terra encontra o ar. Onde o corpo encontra a mente. Onde o espaço encontra o tempo. Gostamos de estar de um lado contemplando o outro.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“— Por favor, pare com isso! — pediu Arthur, de repente.
— Não consegue aguentar, né? — disse o homem. Sem fazer o menor movimento, lá estava ele de volta, sentado de pernas cruzadas no alto de um poste a dez metros de distância de Arthur. — Você veio atrás de um conselho, mas não consegue lidar com nada que não conheça. Humm. Então temos que dizer algo que você já esteja cansado de saber, fazendo com que pareça uma novidade, né? Bem, o de sempre, suponho.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“— Você não pode ver o que eu vejo porque vê o que você vê. Não pode saber o que sei porque sabe o que você sabe. O que vejo e o que sei não podem ser acrescentados ao que você vê e ao que você sabe porque são coisas diferentes. Também não podem substituir o que você vê e o que sabe porque isso seria substituir você mesmo.
[...]
— Tudo o que voê vê, ouve ou vivencia de qualquer jeito que seja é específico para você. Você cria um universo ao percebê-lo, então tudo no universo que percebe é específico para você.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“— Vou lhe dar uma oração. Tem um lápis aí?
— Tenho — disse Arthur.
— É assim. Vamos lá: 'Proteja-me de ficar sabendo daquilo que não preciso saber. Proteja-me até mesmo de ficar sabendo que existem cosias que não sei. Proteja-me de ficar sabendo que decidi não saber das coisas que decidi não saber. Amém'. É isso. É o mesmo que você fica rezando em silêncio dentro de sua cabeça, então pode falar em voz alta que não muda nada.
— Humm — disse Arthur. — Bem, obrigado...
— Tem uma outra oração que acompanha essa e é muito importante — continuou o velho. — É melhor anotar também.
— Certo.
— É assim: 'Senhor, Senhor, Senhor...' É melhor acrescentar esta parte, por via das dúvidas. Prevenção nunca é de mais: 'Senhor, Senhor, Senhor. Proteja-me das consequências da oração anterior. Amém'. Pronto. A maior parte dos problemas que as pessos enfrentam na vida vem do fato de elas deixarem essa parte de fora.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“Vivemos em tempos estranhos.
Também vivemos em lugares estranhos: cada um em seu próprio universo.
As pessoas com as quais populamos nossos universos são sombras de outros universos inteiros que se cruzam com o nosso.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“— E de que adianta me mostrar uma coisa que eu não consigo ver?
— Para que você entenda que só porque consegue ver uma coisa não quer dizer que ela esteja lá. E que, se você não vê uma coisa, não significa que ela não esteja. Tudo se resume ao que seus sentidos fazem com que você note.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“Nós achamos que toda vez que fazemos alguma coisa sabemos quais serão as consequências, isto é, sabemos mais ou menos o que esperamos que sejam. E isso, algumas vezes, não é apenas incorreto. É desvairadamente, loucamente, estupidamente, cegamente errado!”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“[...] algumas vezes, se você obtém uma resposta é possível que a pergunta seja suprimida.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“No entanto, preocupar-se com aquilo não era o seu trabalho. Fazer o seu trabalho era o seu trabalho, que consistia em fazer o seu trabalho.”
(Douglas Adams, no Livro "O Guia do Mochileiro das Galáxias - Praticamente Inofensiva")



“O mundo é salvo todos os dias por pequenos gestos. Diminutos, invisíveis. O mundo é salvo pelo avesso da importância. Pelo antônimo da evidência.”
(Da crônica “História De Um Olhar”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Esta é a história de um olhar. Um olhar que enxerga. E por enxergar, reconhece. E por reconhecer, salva.”
(Da crônica “História De Um Olhar”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Porque em todo lugar, por mais cinzento, trágico e desesperançado que seja, há sempre alguém ainda mais cinzento, trágico e desesperançado. Há sempre alguém para ser chutado por expressar a imagem-síntese, renegada e assustadora, do grupo.”
(Da crônica “História De Um Olhar”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Eliane, a professora, descobriu Israel. Desajeitado, envergonhado, quase desaparecido dentro dele mesmo. Um vulto, um espectro, quase desaparecido dentro dele mesmo. Um vulto, um espectro na porta da escola. Com um sorriso inocente e uns olhos de vira-lata pidão, dando a cara para bater porque nunca foi capaz de escondê-la.
Eliane viu Israel. E Israel se viu refletido no olhar de Eliane. E o que se passou naquele olhar é um milagre de gente. Israel descobriu um outro Israel navegando nas pupilas da professora. Terno, especial, até meio garboso. Israel descobriu nos olhos da professora que era um homem, não um escombro.”
(Da crônica “História De Um Olhar”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Adail viu o mundo e o mundo nem sempre viu Adail, Mudou o mundo e mudou Adail. Mas nem o mundo nem Adail mudaram o suficiente para encolher a distância entre o carregador e o avião.”
(Da crônica “Adail Quer Voar”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Não há nada mais triste do que enterro de pobre. Porque o pobre começa a ser enterrado em vida. Quem diz é Antonio, um homem esculpido pelo barro de uma humildade mais antiga do que ele. Um homem que tem vergonha até de falar e, quando fala, teme falar alto demais. E quando levanta os olhos, tem medo de ofender o rosto do patrão apenas pela ousadia de erguê-los.”
(Da crônica “Enterro De Pobre”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Porque uma frase só existe quando é a extensão em letras da alma de quem a diz. É a soma das palavras e da tragédia que contém. Se não for assim, é só uma falsidade de vogais e de consoantes, um desperdício de som e de espaço.”
(Da crônica “Enterro De Pobre”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Esse texto poderia acabar aqui, porque tudo já estaria dito. Mas às vezes é preciso contar uma história de mais de um jeito para que seja entendida por inteiro.”
(Da crônica “Enterro De Pobre”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Não há nada mais triste do que enterro de pobre porque não há nada pior do que morrer de favor. Não há nada mais brutal do que não ter de seu nem o espaço da morte. Depois de uma vida sem lugar, não ter lugar para morrer. Depois de uma vida sem posse, não possuir nem os sete palmos de chão da morte. A tragédia suprema do pobre é que nem com a morte escapa da vida.
Foi isso que Antonio Antunes, o abatedor de árvores, compreendeu. E foi isso que terminou de arrebentá-lo. Porque era só o começo e porque não tinha fim. Apenas repetição. Porque homens como Antonio Antunes nascem e morrem do mesmo jeito. E, nesse sentido, o bebê que não viveu apenas economizou tempo, abdicando do hiato entre todas as formas de morte reservadas a ele na vida.”
(Da crônica “Enterro De Pobre”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Todas as ciganas são ameaçadoras para os descendentes de italianos, que vislumbram no rodopio de suas saias a depravação da ordem do mundo.”
(Da crônica “Um Certo Geppe Coppini”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Geppe tem até carteira de trabalho. Orgulhosamente em branco. Folha por folha. Essa foi a primeira vez que algo realmente assombrou Geppe. O governo. E desde então ele passou a repetir, em vêneto:
— Il goerno lé stupido! Gó mai laorato in tutta la vita e ancora i me paga! (Tradução: 'O governo é estúpido! Nunca trabalhei na minha vida e ainda assim me paga!')”
(Da crônica “Um Certo Geppe Coppini”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Geppe, lendo o jornal invertido?
— No correto qualquer bobo sabe ler — foi a resposta lacônica.”
(Da crônica “Um Certo Geppe Coppini”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Geppe, pegando um sol? — arrisca um aventureiro.
— O sol está muito longe para pegar — responde ele, atônito com tão descabida pergunta.”
(Da crônica “Um Certo Geppe Coppini”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Quando surge lá de dentro, desconfiado e sorridente, Oscar Kulemkamp já vai explicando que um dia, um dia em breve, vai levar tudo aquilo para construir uma casa na praia. Uma Pasárgada onde bonecas cansadas, fotografias de crianças que já se deixou de amar e cartões de aniversário que se foram não virem lixo. Um mundo onde nem coisas nem pessoas sejam descartáveis. Onde nada nem ninguém fique obsoleto depois de velho, quebrado ou torto. Um mundo onde todos tenham igual valor. E a nenhum seja dado uma lixeira por destino.”
(Da crônica “O Colecionador Das Almas Sobradas”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“O Zoológico de Sapucaia do Sul abrigou um dia um macaco chamado Alemão. Em um domingo de sol, Alemão conseguiu abrir o cadeado e escapou. Ele tinha o largo horizonte do mundo à sua espera. Tinha as árvores do bosque ao alcance de seus dedos. Tinha o vento sussurrando promessas em seus ouvidos. Alemão tinha tudo isso. Ele passara a vida tentando abrir aquele cadeado. Quando conseguiu, virou as costas. Em vez de mergulhar na liberdade, desconhecida e sem garantias, Alemão caminhou até o restaurante lotado de visitantes. Pegou uma cerveja e ficou bebericando no balcão. Os humanos fugiram apavorados.
Por que fugiram?
O macaco havia virado um homem.
O perturbador desta história real não é a semelhança entre o homem e o macaco. Tudo isso é tão velho quanto Darwin. O aterrador é que, como homem, o macaco virou as costas para a liberdade. E foi ao bar beber uma.”
(Da crônica “O Cativeiro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Um zoológico serve para muitas coisas, algumas delas edificantes. Mas um zoológico serve, principalmente, para que o homem tenha a chance de, diante da jaula do outro, certificar-se de sua liberdade. E da superioridade de sua espécie.”
(Da crônica “O Cativeiro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Há duas maneiras de se visitar um zoológico: com ou sem inocência. A primeira é a mais fácil. E a única com satisfação garantida. A outra pode ser uma jornada sombria para dentro do espelho. Sem glamour e também sem volta.”
(Da crônica “O Cativeiro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“À espreita, lá onde os olhos se misturam com a mente, há o mais perigoso tipo de fúria. A da impotência.”
(Da crônica “O Cativeiro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“De nada serve a sanha a quem dorme enrodilhado, exilado não do que foi, mas do que poderia ter sido. E que jamais será.”
(Da crônica “O Cativeiro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Quando nasceu Rayban, ela fez o que as mães costumam fazer: ensinou a ele a arte da resignação. (...) Mas, todos os dias, Rayban desafia a mãe, se esgueira e testa o cadeado. Sem jamais ter aspirado o perfume gelado da cordilheira de seus ancestrais, Rayban não adivinha o que há do outro lado. Mas intui. E por ser criança ainda não desistiu de buscar.”
(Da crônica “O Cativeiro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Foram três as vezes em que Nely mergulhou no fosso. (...) Não desistiu. Morreu na terceira, tentando. Como nunca esquece, a elefanta Pinky assimilou o exemplo. E convenceu-se de que implacável é a punição para quem ousa dar um passo além do permitido.”
(Da crônica “O Cativeiro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“A revelação dessa visita subversiva ao zoológico é que, no cativeiro, os animais se humanizam. O cárcere lhes arranca a vida, o desejo e a busca. E mais e mais vão se parecendo com os homens que os procuram na certeza de um álibi. Perigosa é a pergunta.
O que aconteceria se você encontrasse a chave do cadeado invisível de sua vida? O que aconteceria se você saltasse sobre o fosso de sua rotina?”
(Da crônica “O Cativeiro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“— (...) E qual é a melhor de todas as moedas que os economistas inventaram?
— Aquela que a gente ganha.”
(Da crônica “O Sapo”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“— E o mundo é bom?
— O mundo é, as pessoas é que não prestam.”
(Da crônica “O Sapo”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Nada muito radical, que eram todos cavalheiros e cavalheiros queriam se manter. Fundamental mesmo era que os peões continuassem onde sempre estiveram, embuchando os canhões de uns e também de outros.”
(Da crônica “O Conde Decaído”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“No fim tudo é pó. Esquecimento.”
(Da crônica “O Conde Decaído”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Acontece com os do alto. Arrancaram sua voz ao nascer. Desculpam-se por existir. Cravam as unhas em silencioso desespero a uma vida que escorre pelos dedos.”
(Da crônica “O Menino Do Alto”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“O menino é grande, não porque bem alimentado, mas porque mesmo com tanta fome engorda pela ausência de movimento.”
(Da crônica “O Menino Do Alto”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“(...) simples como eram as coisas e as gentes feitas entre o céu e a terra, como no princípio. Antes que o vento começasse a empurrar a roda da ambição e também a da fortuna. E o mundo virasse de pernas para o ar.”
(Da crônica “O Chorador”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Tierri chora os mortos não porque alguém tenha pedido nem porque algum parente tenha pago. Não por contrato, mas por gosto. Tierri o faz porque não chorar os mortos é ofenderos vivos.”
(Da crônica “O Chorador”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Bem, sempre que alguém não se encaixa no mundo da maioria, é logo chamado de maluco.”
(Da crônica “Frida”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Porque uma sessão da Câmara, com exceção dos projetos polêmicos, é um sono só. Tem sempre alguém discursando para ninguém, uma turma conversando de frente para a tribuna (...) e outra conversando de costas para a tribuna.”
(Da crônica “Frida”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Esta é a história de uma mulher que cometeu um crime que a humanidade não perdoa. Recusou-se a ser vítima.”
(Da crônica “Eva Contra As Almas Deformadas”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Eva rebelou-se. Decidiu que não seria coitada. Que o mundo se virasse com isso. Que o mundo achasse outras vítimas para preencher seu horror. Este foi o crime de Eva. Pelo qual jamais a perdoaram. Como não puderam lhe imprimir na testa o rótulo de coitada, a marcaram com outro. Como ela, a deformada, como ela, a deficiente, como ela, a defeituosa, ousava renegar a mão da caridadde, irmã da pena, prima da hipocrisia? (...) Como ousava Eva ser diferente em um mundo onde a igualdade das ideias é a única garantia de segurança? Como ousava Eva vencer pelo espírito no mundo da aparência?
Ah, quanta pretensão a de Eva. Quanto perigo ofereceu Eva quando decidiu que não seria coitada. De vítima, Eva virou coitada.”
(Da crônica “Eva Contra As Almas Deformadas”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Eva repetiu e prometeu que repetiria quantas vezes fosse necessário até que a professora, o mundo, entendesse que jamais desistiria. Que os venceria, nem que fosse pelo cansaço. Que pedissem tudo a ela, menos o impossível. Que pedissem tudo a ela, menos que ficasse no seu lugar.”
(Da crônica “Eva Contra As Almas Deformadas”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Logo Eva aprendeu que a independência é areia movediça. Território a ser tomado e retomado dia após dia.”
(Da crônica “Eva Contra As Almas Deformadas”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Ela ouviu e ouviu. Como vai escrever no quadro-negro tremendo desse jeito? Como vai ensinar com uma letra tão feia? Não vê que só vai incomodar? Não entende que entre você e uma menina normal vão escolher a normal? O que você quer? Vai passar a vida olhando para um diploma na parede? Eva ouviu tudo isso de uma educadora. Eva ouviu tudo isso na faculdade. Apenas para comprovar que a ignorância está onde menos se espera. Eva, a deficiente física, respondeu à deficiênte de alma:
— Em primeiro lugar, eu não vou desistir. Em segundo, a vida é um risco. Não só para mim. Mas para todo mundo.”
(Da crônica “Eva Contra As Almas Deformadas”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Quando descobriam que Eva era capaz, que era preciso competir com a sua mente, não com seus tremores, tudo se alterava. A comiseração do início transmutava-se em ódio.”
(Da crônica “Eva Contra As Almas Deformadas”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Eva é mulher, negra e pobre. Eva treme as mãos. Tudo isso até aceitam. O que não lhe perdoam é ter se recusado a ser coitada. O que não perdoam a Eva é, sendo mulher, negra, pobre e deficiente física, ter completado a universidade. E neste país. Todas as fichas eram contra ela e, ainda assim, Eva ousou vencer a aposta.”
(Da crônica “Eva Contra As Almas Deformadas”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“A vida é pródiga em paradoxos. O de Eva é que a odeiam porque não podem sentir pena dela. E o do mundo é que as piores deformações são as invisíveis.”
(Da crônica “Eva Contra As Almas Deformadas”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“— Tem gente que acha que você é louco...
— A verdade é que quem acha que eu sou louco não raciocina.”
(Da crônica “O Gaúcho Do Cavalo De Pau”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“E então a geriatria apareceu como a estrada que não se bifurca.
Da cama, Vany começou a reparar que os velhos não chegavam prostrados. Quando chegavam, ainda havia um elo entre eles e o mundo, entre eles e a vida. Então, as horas mortas iam lhes solapando a consciência e a vontade. Iam lhes roubando o sentimento e o sentido. Um dia se exilavam. Primeiro, morria a mente. Depois, o corpo.”
(Da crônica “O Exílio”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Você já reparou nos olhos das pessoas na rua? Muitas têm pupilas opacas e, junto com os ombros voltados para dentro, arqueados como se carregassem uma canga de boi, esculpem a imagem de uma infelicidade crônica, venenosa e que mata devagar. Têm olhos de seca, olhos assassinados. Porque os olhos são os primeiros a morrer. E as ruas estão cheias de moribundos. Quando aparece alguém de olhos brilhantes, dá vontade de parar, pedir licença e intimar: o que você está escondendo atrás dessas pestanas?”
(Da crônica “Dona Maria Tem Olhos Brilhantes”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Dona Maria tem olhos brilhantes. (...) Sabe por quê? Porque dona Maria tem um sonho. Descobriu que tinha aos nove anos e conseguiu realizá-lo aos 55. Sim, porque sonhos não se encontram nas prateleiras, não basta atirar o cartão de crédito no balcão e sair com um debaixo do braço. Sonhos são touros xucros. Tem de pegar à unha. É isso ou ficar pelos cantos exercitando a autocomiseração, chapinhando na apatia.”
(Da crônica “Dona Maria Tem Olhos Brilhantes”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Sei costurar, fazer roupa de homem, de mulher e de criança. Sei bordar, fazer crochê e tricô. Mas o que adianta isso sem saber ler? É como estar com sede e tomar refrigerante. Eu preciso de água.”
(Da crônica “Dona Maria Tem Olhos Brilhantes”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“— Minha família foi morta pelos vizinhos de porta.
Uma frase que poderia ser dita agora por um palestino. É esse o drama que David Dubin não cansa de repetir. Mesmo que repita milhares de vezes, surpreende-se a cada uma. A mão que assassinou sua vida era a do vizinho de porta. A mão que assassinou sua família já havia apertado a sua. A mão do assassino era uma mão igual a sua. Esse é o horror. Essa é a parte para a qual não existe esquecimento.”
(Da crônica “O Doce Velhinho Dos Comerciais”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Jorge Luiz não tinha público, a tragédia inescapável de um artista.”
(Da crônica “O Homem Que Come Vidro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“(...) um bilhete escrito por ele mesmo em que jura amar para além da vida a esposa que morreu atropelada dois anos atrás. Tatiane, eu tiamo, assim, grudado para que não seja separado da mulher da sua vida novamente nem pelo vácuo da gramática.”
(Da crônica “O Homem Que Come Vidro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Jorge Luiz não entendia por que as pessoas preferiam ver um lagarto sem graça fazer coisa nenhuma a assistir a um homem comer vidro, deitar-se sobre vidro, caminhar sobre vidro. Não compreendia um mundo em que um homem comendro vidro não causa espanto.”
(Da crônica “O Homem Que Come Vidro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“O Homem de Aço não estava preparado para a maior de todas as dores: a da invisibilidade.”
(Da crônica “O Homem Que Come Vidro”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Venise tem o dom de dar importância ao desimportante, de dar significado ao insignificante.”
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Embrulhado para presente em papel-manteiga, o álbum que alguém não quis foi despachado para a vida que ninguém vê.
E talvez coubesse perguntar o que cada um dos envolvidos na salvação do álbum deseja, com desespero e com devoção, salvar realmente. Talvez valesse questionar o que, em verdade, está em jogo. A ameaça contida em um álbum jogado fora, em uma vida atirada ao esquecimento.”
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“O que se deseja a alguém quando se dá um álbum? Um álbum vazio é uma vida a ser preenchida, um destino por escrever. (...) Um álbum em branco é todo possibilidade. Como são as vidas em seu início. As vidas ainda por viver.
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“As moças - as de ontem e as de hoje, as de sempre - sonham com uma vida que não seja a de suas mães. Uma vida onde o coração bata não por hábito, mas por gozo.”
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Porque a vida nada mais é do que essa trama de detalhes que só fazem sentido para quem os viveu. E que mais tarde se desfazem no tempo. Ou no lixo. Porque ninguém mais dialoga com eles. Porque jazem obsoletos como uma língua morta.”
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Também eles tão iguais, comemorando suas pequenas vitórias, registrando também as desditas, porque na vida há o tempo da fartura e o da falta. E aceitar o imutável dessa lógica é parte do segredo de viver.”
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“É um álbum desordenado todo ele. Como são as vidas. (...) Rostos somem e outros aparecem, e outros que sumiram reaparecem mais tarde, e outros nunca mais. E poucas vezes esse entra e sai faz algum sentido, porque na vida tudo é caos e descaminho, tudo é encontro e desconcerto.”
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Seja de quem for a mão que o reescreveu por último, obedecia a uma lógica diferente da que move a maioria dos humanos, porque não tentou ordenar o caos de sua própria via.”
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“A existência, toda e qualquer, é uma mera alternância entre a vida e a morte, entre crianças e velhos. Uma sucessão de nascimentos e enterros, os enterros para lembrar da finitude, e os nascimentos para garantir que a natureza se refaz. Onde o tempo obedece não à linha reta da aspiração humana, mas ao círculo de uma sabedoria mais antiga. Um álbum em círculos povoando a linha de uma, de várias vidas entrecruzadas. (...) Detalhes corriqueiros. Tão pouco, tudo.”
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Mas não condenem esse Angel sobre quem há tão poucas certezas. Talvez ele tenha tentado avisar que a vida não é feita apenas de claridades. Talvez tenha alertado que há algo de selvagem sobre a superfície envernizada de todas as existências.”
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“O álbum que inicia com a dedicatória a Carlita, com a inocência de seu nome, se encerra com a letra de Angel fazendo sua própria confissão, seu testamento na língua natal. Amargo, um pouco. Destroçado, com certeza. Ambíguo como sugere o nome. O álbum que começa como promessa termina como lamento. A vida no meio.
É assim que Angel escolheu encerrar o álbum que se inicou com Carlita:

Al llegar a la página prostera
de la tragicomedia de mi vida,
vuelvo mi vista al punto de partida
con el dolor del que ya nada espera

Cuanta bella ilusión que fue quimera!
cuanta noble ambición desvanecida!
Sembrada está la senda florecida
con las flores de aquella primavera!

En esta hora fúnebre y sombría,
de severa verdad y desencanto,
de sereno dolor y de agonia,

Es mi mayor pesar, es mi quebranto
no haber amado más, yo que creía
yo que pensaba haber amado tanto.”
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Uma vida só faz sentido para quem a viveu. Para todos os demais é um quebra-cabeça onde nada encaixa. Toda fotografia é puro anseio por permanência, por salvar o que já não existe, agarrar o que escapou. Um álbum esquecido está roubado na essência. Porque um álbum só existe para recordar, manter a vida viva.”
(Da crônica “O Álbum”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Quando desembarcou em Porto Alegre (...), Adail até parecia o mesmo homem. Mas não era. Nunca mais seria. O voo tinha acabado, o 'dia de doutor' também. Mas as asas, essas ninguém tiraria dele.”
(Da crônica “O Dia Em Que Adail Voou”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Essa é uma época de incontinência verbal. Não sei se as pessoas falavam tanto assim antes. Sempre me surpreendo com a capacidade que muitos têm de preencher todo o tempo e o espaço com palavras, muitas vezes sem dizer nada. Sempre penso: o que aconteceria se por um momento elas silenciassem? Qual é a ameaça contida no silêncio? Ou qual é o som que não suportamos ouvir para precisar cobri-lo com o ruído ininterrupto de nossa voz? Vivemos com muito som e pouca fúria.”
(Da crônica “O Olhar Insubordinado”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Olhar dá medo porque é risco. Se estivermos realmente decididos a enxergar não sabemos o que vamos ver.”
(Da crônica “O Olhar Insubordinado”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Tudo o que somos de melhor é resultado do espanto. Como prescindir da possibilidade de se espantar? O melhor de ir para a rua espiar o mundo é que não sabemos o que vamos encontrar. Essa é a graça maior de ser repórter. (Essa é a graça maior de ser gente.)”
(Da crônica “O Olhar Insubordinado”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Medo é necessário, faz sentido. Só não dá para ter medo de ter medo, paralisar e deixar as histórias passarem sem encontrar quem as conte. Ficar escondido atrás de um computador, achando que o fato de escolher em que mundo virtual entrar, quando sair, quais e-mails responder e quais deletar é ter a vida sob controle configura, talvez, a grande ilusão contemporânea. Por mais que você escolha não viver, a vida te agarra em alguma esquina. O melhor é logo se lambuzar nela, enfiar o pé na jaca, enlamear os sapatos. Se quiser um conselho, vá. Vá com medo, apesar do medo. Se atire. Se quiser outro, não há como viver sem pecado. Então, faça um favor a si mesmo: peque sempre pelo excesso.”
(Da crônica “O Olhar Insubordinado”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Eu não gosto de heróis. De mitos, só os da Antiguidade. Não gosto porque não acredito, porque acho pobre, porque acho chato. Se de perto ninguém é normal, de perto ninguém é herói. Essa mania de mitificar gente, alçar fulano ou beltrano ao Olimpo porque supostamente fez algo sobre-humano, empata a vida. Faz com que os supostamente pobres mortais se sintam exatamente isso: pobres mortais. Ou losers, na expressão do que a cultura americana tem de pior.
Um ser humano, qualquer um, é infinitamente mais complexo e fascinante do que o mais celebrado herói.”
(Da crônica “O Olhar Insubordinado”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“Somos todos mais iguais do que gostaríamos. E, ao mesmo tempo, cada um é único, um padrão que não se repete no universo, especialíssimo. Nossa singularidade só pode ser reconhecida no universal. Tudo é um jeito de olhar. Você pode olhar para o infinito, como Carl Sagan, e descobrir que é feito da poeira de estrelas. E pode olhar para o chão e acreditar que é um cocô de cachorro. É o mesmo homem que tem diante de si o infinito e o chão. Mas é nessa decisão que cada um se define. Como olhar para você mesmo é uma escolha. Um exercício da liberdade, da autodeterminação, do livre-arbítrio. Seja generoso. Arrisque. Ouse.
Olhe.”
(Da crônica “O Olhar Insubordinado”, do Livro "A Vida Que Ninguém Vê", de Eliane Brum)



“(...) o telefone toca (...). Atende. A voz feminina do outro lado. Quem fala? Detesta quando ligam exigindo que ela se identifique. É o cúmulo. Com quem você quer falar?, devolve. A voz bufa.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Cadê a droga da maldita chave do apartamento da mãe? Ela guardou aquela chave por tanto tempo sem nunca ter precisado dela porque sempre toca a campainha para entrar no apartamento da mãe. Não quer nenhuma surpresa quando entra no apartamento da mãe. Ainda se lembra da mãe lhe entregando a chave para uma emergência ou para o caso de precisar passar uns dias por lá. E ela dizendo que não quer aquela chave, que não quer nenhuma chave que a leve para dentro da mãe. E no final enfiando a chave no bolso com displiscência sem ligar para a mágoa que a mãe inventa e depois a jogando num canto fundo, onde?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“(...) que se vire com a porta que a mãe não quer ou não pode abrir, que ela tem compromisso logo mais, que ela precisa trabalhar e cuidar da própria vida em vez de se preocupar com as loucuras daquela mãe que insiste em permanecer quando ela não mais a quer, aquela mãe que finge não ser tarde demais para elas.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“(...) ela sente um aperto no intestino, que é raiva da mãe e é apreensão pela mãe. Aquela mãe que insiste em seguir existindo como uma realidade para ela. Mais viva ainda porque odeia e ama aquela mãe com a mesma intensidade, embora só tente odiar.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Sua gastrite tem nome e sobrenome e um dia se chamou útero.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Como ele pode saber que ela não é filha da mãe em nenhum sentido, que ela não quer ser filha e aquela mãe não quer ser mãe e afinal o que lhe importa o que o bombeiro clichê pensa? Por que será que todo bombeiro é um clichê de bombeiro? Eles já são clichês antes de virarem bombeiros ou viram clichês para se tornarem bombeiros?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“E ela está de novo ali, na superfície, respirando em espasmos no mais completo silêncio porque as palavras foram sempre tão deficientes para a sua dor que nem sequer se dá ao trabalho de buscá-las.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Finalmente o grito preso ali se solta. E ela sente que nunca mais o grito cessará, que aquele grito é para sempre, é um grito para toda a vida e para além da vida. Porque agora ela alcança a inteireza do horror. E gritos são coisas que não viram palavras, palavras que não podem ser ditas.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Desde criança, quando abro um livro não estou mais aqui. Não é uma metáfora para mim. Talvez o chefe com cauda de lagarto tenha razão. Eu não sei ler metáforas porque não compreendo metáforas. Para mim tudo é literal.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Não escrevo como desejaria. As frases que emergem de mim não têm qualidade. Será que contêm pelo menos uma verdade?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Tem medo e precisa culpar alguém.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Você vai ter de se reestruturar para cuidar da sua mãe, você acha que consegue? Sim, ela consegue. Não, ela não quer. Sim, ela não tem escolha.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Caminha pelos corredores com cheiro de sus. Deve existir alguma lei que obrigue os hospitais públicos a ter paredes com pintura descascada e cadeiras quebradas, pensa.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Não, Alzira, os mortos não são assustadores. Os vivos, sim. Ah, Alzira, se você enxergasse os vivos, não teria essa sanidade estampada como um troféu na sua cara.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“O homem não sabe se é uma piada ou se a passageira é louca. Ela parabeniza a si mesma. Conseguiu calar a boca de um taxista.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Quando chega ao portão do prédio, tudo parece normal. É isso que sempre a assusta no mundo, essa capacidade do inferno de se esconder na luz. E não nas sombras, como nos iludem os escritores dos contos de horror.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Eu pensei em ligar para você, mas o síndico achou melhor que não nos metêssemos nisso. Você sabe, os moradores daqui gostam de privacidade. Sim, ela sabe. É uma das coisas que gosta naquele condomínio. Todos parecem saber da vida de todos, e em geral sabem. Ninguém pergunta nada. Não diretamente, pelo menos.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“No elevador dos fundos divide o espaço com um latão de lixo e um faxineiro, mas ele não pergunta nada. É bom quando as pessoas têm um lugar onde não cabem perguntas. A luta de classes de Marx não é uma luta, é apenas uma divisão entre os que podem fazer perguntas e os que só estão autorizados a dar respostas.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“(...) mas como a vida pode absorver tanto horror e seguir adiante? Quer ficar catatônica porque seria bom não suportar, mas ela não é assim. Ela suporta.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Minha mãe não vai sair daqui tão cedo, não é? Solta um risinho pela própria piada. A médica pode esperar até amanhã. Sabe que está selando uma imagem péssima de si mesma. Mas é bom que tenham a quem odiar. Assim não precisam odiar os pacientes que os lembram da impotência de seu suntuoso diploma de medicina na parede.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Quem perdeu muito sabe que há um certo alívio em não esperar nada de bom, em não desejar nada.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Era possível viver sem achar que a vida era um grande milagre.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“(...) ela sabe que sempre é possível contar com o egoísmo alheio. Nunca falha. Para todos é melhor acreditar. Basta um argumento, ainda que com furos por todos os lados, e se agarrarão a ele com as unhas. Gratos por poder continuar fingindo que não são fingidores.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Sabe que ele a considera competente, mas esquisita. São infinitas as formas de uma mulher adulta, razoavelmente atraente, com acesso a boas lojas, bons cosméticos e um bom cabeleireiro, encobrir a sordidez do próprio corpo. Mas há uma estranheza difusa que permanece. E é apenas pressentida pelo bicho agonizante, mas ainda vivo, de cada um. É isso que mantêm as pessoas afastadas dela. Ela sabe.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Tinham me contado que os escritores eram uma espécie de deuses. Eles criavam um mundo em que podiam viver e escapavam deste pela porta dos fundos.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“As paredes de mim me sufocam.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Ela me deseja um bom passeio como se fôssemos uma família normal. Será que existem famílias normais?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Senti os dentes do tempo sobre meu corpo e desisti. Apenas desisti. Parei de me esforçar.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“É incrível como a gente adquire a capacidade de não se importar nem mesmo com o que dói em nós.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Se sabemos o que esperar, até mesmo a dor pode ser confortadora. E eu descubro que o pior caminho é melhor que o desconhecido.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Tanta coisa escrita, tanta gente escrevendo. Por que eu escrevo? O que eu tenho a dizer que já não tenha sido dito de milhares de maneiras diferentes?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Nem me lembro de perguntar seu nome. Melhor assim. Os nomes nos ancoram a uma identidade. E o melhor daquele encontro é que ele era fluido, não tinha ficado impresso em lugar algum. Sem nomes, sem registro.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“O dicionário era proibido para mim. Meu pai achava o dicionário altamente perigoso. E tudo o que era perigoso deveria ser eliminado. Ou pelo menos controlado de perto.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“O Sol entra pelos furos da persiana. Sempre entra, mesmo que pessoas como eu não acreditem em Sol. Prefiro a chuva, que não obriga ninguém a ser feliz.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“E aquilo foi mais aterrorizante do que os filmes de terror que mais tarde eu veria um após outro para tentar sentir um medo que não me ameaçasse.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“É bom estar em qualquer lugar em que a gente não precise ser a gente mesma.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Acho que não tenho nada a dizer que já não tenha sido dito. E descobri que nem escrevo tão bem assim. Não sou capaz de inventar nada novo, entende? Harry Potter, por exemplo, a J. K. Rowling inventou um mundo inteiro. Eu não consigo inventar uma única palavra. Continuo presa em mim, entende? Entendo. Mas talvez não importe. Acho que você deveria apenas escrever. Talvez o novo nem exista. Talvez seja isso, um livro para mostrar que não existe nada novo. Que é tudo velho. E não faz mal. Estamos aqui e é o suficiente. Você escreve e é o suficiente.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Entre nós as verdades nunca vieram pelas palavras. Mas as verdades estão entre nós, nesse ar que ambas respiramos, naquilo que não pode ser dito, naquilo que às vezes fizemos para não ter de dizer.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Não há nenhuma hora da verdade porque não há verdade que não possa ser cortada em pedacinhos bem pequenos de mentiras.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Alguns sangram ferimentos antigos, uma criança chora. Apenas os acompanhantes falam sem parar como se estivessem num grupo de autoajuda. Mas, sem liderança, todos querem dar seu depoimento ao mesmo tempo. Ninguém quer escutar, eles precisam falar. Falam de dor e de urina e de sangue e de fezes. Ela não quer ouvir. E de como são abnegados por cuidar. É tão longa a fila de renúncias, o ressentimento aponta a cabeça em cada frase. Falam como se o doente não estivesse ouvindo.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“É curioso como as pessoas se sentem bem quando a loucura do outro soa maior que a delas.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“O branco, ela pensa, não é a soma de todas as cores, mas a ausência de todos os sentimentos. O branco não tem dor nem medo nem vilania. Por isso é a cor da paz, porque é uma soma que subtrai o humano.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Eu não sou deus para dizer se sua mãe vai morrer dessa doença. Querida Adriana, é exatamente este o ponto. Nem você nem seus colegas são deuses para decidir que minha mãe vai morrer cheia de cortes e de dores por nada. Mas há pesquisas e estudos suficientes para nos informar, para esclarecer se uma mulher de 70 anos com um câncer primário no fígado e metástases no sistema linfático, no estômago e no pulmão direito tem alguma chance de cura e por isso deve se submeter a uma cirurgia desse porte ou a cirurgia vai servir apenas para piorar sua qualidade de vida. Com informação, minha mãe pode pelo menos escolher como vai viver a sua vida até o fim. Você entende qual é o seu papel nesta história? A decisão de como minha mãe vai viver não é sua. É dela.
Tem vontade de rir por se referir à qualidade de vida. Mas sabe que seu discurso é coerente, moderno até. É um embate de palavras, por enquanto. E as palavras servem também para nos vestir. De repente ela quer proteger a mãe da miséria toda que a médica não tem como adivinhar, da miséria a que aqueles subdeuses de jaleco pretendem submetê-la.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Agora que o corpo da mãe se decompõe por dentro, que a degeneração é também da carne, não só da alma. Será que a alma estava tão estragada que contaminou também a carne? Ela pode sentir o cheiro de podre da mãe. Pode. Não, não é imaginação. A mãe fede como tripas ao sol. É isso o que é, afinal, a doença. As vísceras sendo comidas por dentro, o corpo se traindo e devorando a si mesmo.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Eu não acredito que vale a pena pensar em estatísticas. Em medicina, precisamos lutar. Até o fim. Doutor, o que o senhor acredita ou não pouco me interessa. É a minha vida. Quais são as minhas chances se eu fizer o que o senhor recomenda?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Percebo que a senhora será uma paciente difícil. Eu ainda não decidi que serei sua paciente, doutor.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“É o seguinte, já que preferem o caminho mais doloroso. As chances são escassas. Mas o que a senhora prefere? Morrer sem lutar? Assim posso garantir que pelo menos prolongamos a sua vida. E que vida eu teria, doutor, depois de uma cirurgia desse tamanho e submetida a sessões de quimioterapia?
O médico não sabe o que dizer. Não está acostumado a ser confrontado e detesta a experiência.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Bem, há pessoas corajosas que preferem lutar até o fim. E não se deixar vencer pela doença. Pressionado, o médico não hesita em aplicar um golpe abaixo da cintura. A mãe não se deixa abater. Rebate mirando seus olhos. Eu sou covarde, doutor. Se não há chances reais de cura, prefiro aceitar.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Sem mãe, eu não precisava ser mulher. Quem saberia? Agora eu podia ter qualquer corpo meu. E eu preferia um corpo que não doesse, um corpo liso e duro, um corpo que podia se enfiar em alguém e machucar por dentro. E que não sangrava a cada óvulo morto, a cada criança viva.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“O que eu devia fazer é levá-la de volta ao hospital, como uma boa filha preocupada. E deixar que os médicos a abram. E façam tudo o que a sua onipotência gananciosa e a nossa conta bancária permita. Tudo o que de pior eu sonhei para ela e inteiramente dentro da lei. Algum tempo depois ela morrerá em dor, sozinha numa UTI, toda remendada, careca pela quimioterapia, presa a tubos e fios, sem poder falar nem me alcançar. E pronto, eu estarei livre e perfeitamente integrada à sociedade. Essa, afinal, é a forma mais cruel de matá-la. E eu ainda serei uma filha dedicada. Para o bem da mãe, a internei no hospital para que fosse salva contra a sua vontade. Lutarei ao lado dela pela sua vida até o fim, sem jamais esmorecer. Mais uma cirurgia? Claro. Surgiu um novo medicamento? Evidente que tentaremos. Tem efeitos colaterais dolorosos e ainda não totalmente conhecidos? Que lástima, mas precisamos pensar no bem maior, que é a salvação da sua vida. Aumentar as sessões de quimioterapia? Com certeza, o importante é lutar. Quem sabe não tentamos também uma radioterapia?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“O que eu quero dizer é que não é porque a gente não saiba como fazer as coisas do jeito certo que a gente não ame. Eu não sabia qual era o jeito certo de amar, só isso. Como eu poderia?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Acho que é isso, afinal. Eu fui um equívoco. Minha vida foi um grande mal-entendido. E mesmo que eu não estivesse morrendo, já seria tarde. Será que existe alguma vida que não seja um grande mal-entendido?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Se existe céu e inferno, eu provavelmente vou para o inferno. Mas, ouso dizer, será uma injustiça. Porque eu não sabia. Apenas que eu não sabia. Se a gente não sabe, também é condenada? Ou há um hospício no além para gente inimputável, para os loucos como eu, os que não sabem o que fazem? Eu sei que sabia o que fazia. O que eu não sabia e não sei até hoje é como fazer diferente. Como a gente cria uma vida que não seja um grande mal-entendido?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Quando sobram, as palavras podem ser imprevisíveis. E não é fácil usar as palavras certas.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“O problema é que um crime que envolve mais de um já não é mais perfeito.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“O câncer é como uma possessão alienígena de dentro para fora. De fato, não. É uma possessão do corpo pelo próprio corpo. O câncer é tão da minha mãe como as células sadias que fracassam em defendê-la da mutação de suas irmãs. É um filme de terror, filmado por dentro. Uma ficção científica que não é ficção. Fico fascinada com a quantidade de horror que a normalidade nos assegura dia após dia. Para que inventar zumbis e aliens vindos do espaço se existe o câncer?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Há algo que você queira, mãe? Você diz, Laura, meu último desejo? Como um condenado do corredor da morte? Não, mãe, porque eles não podem escolher quando morrer. E você escolheu, mãe. Apenas a data, Laura. Só antecipei a data. De algum modo, somos todos condenados, não é?”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“O que aconteceu com ela? (...) Ora, o que está acontendo, sua estúpida. Ela está morrendo. A morte muda a perspectiva das coisas. Ou pelo menos eu acho que muda.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Você já comecou a morrer antes mesmo de falar. Você já morria, Laura, antes da palavra.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Nenhuma vida se completa. Isso ela agora sabe. Como a mãe, ela também vai esperar que algo se complete, mas a vida seguirá até o fim em aberto, inconclusa. A vida humana é a única que acaba sem um fim, porque é a única que o espera.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“Sabe agora que vai sobreviver. A vida só é possível na superfície.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“O que mais importa é o que não pode ser escrito, o que grita sem voz e sem corpo entre as linhas. O para sempre indizível.”
(Eliane Brum, no livro “Uma Duas”)



“- (...) Precisei de consertar a porta do meu chuveiro e não tenho culpa se as paredes daqui são tão finas. No meu país não aconteceria isso. Começa que lá nós não vivemos empilhados em caixinhas de papelão.
- Pois então volte para o seu país.”
(Fernando Sabino, na crônica “A Vingança da Porta”)



“Portanto, alegremo-nos. A vida não é bonita nem feia. Tem bocas que murmuram preces, orelhas sábias no escutar, sexos que se contentam, perfumes vários para o nariz, mãos que se apertam, dedos que acariciam, múltiplos caminhos para os pés. É verdade que algumas palavras melhor fora nunca dizê-las, outras nunca escutá-las. Olhos há que procuram ver o que não podem, alguns narizes se metem onde não devem. Há muito prazer insatisfeito, muito desejo vão. Mãos que se fecham. Pés que se atropelam. Mas o simples ato de nascer já perssupõe tudo isso, o primeiro ar que se respira já contém as impurezas do mundo. O primeiro vagido é um desafio.”
(Fernando Sabino, na crônica “Dez Minutos de Idade”)



“O corpo só traz problemas: perturba o bom andamento das operações, atrapalha em vez de ajudar, trazendo cólicas do lado de dentro e coceiras do lado de fora.”
(Fernando Sabino, na crônica “Flebus”)



“Mal o pai colocou o papel na máquina, o menino começou a empurrar uma cadeira pela sala, fazendo um barulho infernal. - Para com esse barulho, meu filho - falou, sem se voltar. Com três anos já sabia reagir como homem ao impacto das grandes injustiças paternas: não estava fazendo barulho, estava só empurrando uma cadeira.”
(Fernando Sabino, na crônica “Fuga”)



“Um homem morre de fome em plena rua, entre centenas de passantes. Um homem caído na rua. Um bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, um anormal, um tarado, um pária, um marginal, um proscrito, um bicho, uma coisa - não é um homem. E os outros homens cumprem seu destino de passantes, que é o de passar. Durante setenta e duas horas todos passam, ao lado do homem que morre de fome, com um olhar de nojo, desdém, inquietação e até mesmo piedade, ou sem olhar nenhum. Passam, e o homem continua morrendo de fome, sozinho, isolado, perdido entre os homens, sem socorro e sem perdão.”
(Fernando Sabino, na crônica “Notícia de Jornal”)



“(...) o que eles queriam com os bombeiros? Não vá me dizer que é para consertar um cano furado. Era. Entramos pelo cano.”
(Fernando Sabino, na crônica “Quem Matou a Irmã Geórgia”)



“É o sentimento a que os ingleses chamam de spleen, e que não tem correspondente na língua portuguesa. Em noites assim, a nossa realidade interior se mistura à atmosfera que o fog torna ainda mais densa, apagando os contornos da vida. O silêncio ao redor de nós como que se materializa. Os movimentos se fazem em câmera lenta, como o dos peixes no mundo das águas. Somos ectoplasmas de nós mesmos, flutuando no ar, integrados à eternidade do nada.”
(Fernando Sabino, na crônica “A Morte Vista de Perto”)



“Com ajuda de um e outro ele vai levando sua história aos solavancos pela estrada esburacada da memória.”
(Fernando Sabino, na crônica “Como Eu Ia Dizendo”)



“– Então é isso. Foi confusão minha – e ela não se deu por achada, muito menos por perdida.”
(Fernando Sabino, na crônica “O Que Faz Um Escritor”)



“– Um escritor é um sujeito que só sabe perguntar e não responder a perguntas.”
(Fernando Sabino, na crônica “O Que Faz Um Escritor”)



“Até que um dia deixamos de lado as conversas literárias, a vida foi rolando, e, com o tempo, fomos sabendo cada vez menos sobre literatura e tudo mais.”
(Fernando Sabino, na crônica “Pois Então Fique Sabendo”)



“– Ah! Um pequeno Superficial!...
– Eu? – perguntou Tito.
– Sim, você... Veio pela escada, não foi?
– Viemos. Nós viemos.
– É o que eu dizia. Superficial... Aqui, nós não compreendemos estes países de pessoas gordas e magras... Aqui sob a terra, as raças são bem separadas. Há os Bolofofos e os Finifinos.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“Aliás, era fácil adivinhar que ele era professor, pois a todo momento fazia uma pergunta.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“[Os Fofos] Eram homens notáveis, tanto pela força quanto pelo bom temperamento. Embora fossem divididos em diversas tribos, jamais lutavam, seja entre eles, seja com os vizinhos.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“Jamais tiveram os Bolofofos um rei tão gordo e tão benevolente. As portas do palácio e a despensa da cozinha real foram abertas ao povo. O imposto sobre as balas de hortelã foi abolido.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“Os Finifinos (...) são um povo extraordinário que vive na margem oposta do golfo... Têm um aspecto horrível, magros como caniços, ossudos como esqueletos, amarelos como doentes, e vivem como malucos, pouco comendo, bebendo somente água e trabalhando sem ser necessário... Tudo isto nada seria se eles não fossem também malvados! Nós, Bolofofos, temos um temperamento tão bom que aguentamos tudo, mesmo o que é diferente de nós. Mas os Finifinos são maus e querem forçar os outros a viverem como eles. Por exemplo, há no meio do golfo uma linda ilhazinha que se chama Bolofino; você acredita que há dois anos os Finifinos tentaram fazer com que os habitantes da ilha (que são praticamente verdadeiros Bolofofos) obedecessem às suas leis idiotas, suprimissem a refeição do meio-dia, trabalhassem seis dias por semana! Tanto que os pobres habitantes dirigiram-se a nós pedindo socorro, e nós tivemos que defendê-los.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“(...) esses Finifinos são pessoas que não se pode compreender; eles não gostam de comer, nem de beber, nem de rir, mas o fato de dois povos serem diferentes não quer dizer que eles tenham que ficar atirando uns nos outros pedaços de metal que explodem, machucam as pessoas e estouram os balões.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“– (...) eles tentarão chegar a um acordo. É o que se chama de uma conferência.
– Nós, na Superfície, também temos conferências... Temos tantas, que as pessoas pararam de prestar atenção a elas.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“Quando uma senhora no ônibus pagava dois fios de cobre pela passagem, tirava um caderninho e anotava a despesa. Naturalmente, ela tinha que fazer isso de pé, pois os ônibus não tinham assentos. O homem mais rico do país, o Senhor Plutifino, presidente da Companhia Finifiniana de Macarrão, viajava de pé em seu carro, pois o gosto pelo conforto era considerado uma fraqueza.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“– Você deve pagar suas despesas – disse ele a Tito – se quiser ficar aqui. É para o seu bem.
– Mas o que é que posso fazer? – perguntou Tito.
– Muitas coisas. Você tem boa caligrafia. Pode ser um secretário, por exemplo.
– O que é secretário?
– Um secretário é um homem que escreve cartas para outro, que toma notas para ele, que o ajuda em seu trabalho.
– Mas eu detesto escrever cartas – Tito protestou.
– Não estou perguntando o que você gosta ou detesta. Entre os Finifinos, se alguém quer comer, tem que trabalhar. É para o seu bem.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“– (...) Ele espera você amanhã às 6 horas e 33 minutos da manhã.
– Eu? Mas eu só me levanto às 7 horas!...
– Então, meu jovem, vai ser preciso mudar os seus hábitos. Mas console-se, pois se você ganhar uma hora por dia isto faz 365 horas por ano e 21.900 horas em 60 anos, isto é, você vivera 1.825 dias a mais... É para o seu bem.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“(...) Tito viu, sentado a uma escrivaninha, um homem que parecia uma lâmina de faca; mas do corpo quase invisível saía uma voz formidável:
– Você é Titofino? Você é um preguiçoso e um retardatário.
– Mas... – começou Tito.
– Cale a boca! Você é um mentiroso e um tagarela.
– Mas...
– Cale a boca! Você é um idiota e um cretino.
Tito achou que, se ficasse quieto, o outro se acalmaria um pouco, e descobriu que o Presidente Rugifino se acalmava imediatamente quando ninguém lhe respondia. Ele precisava, para se acalmar, de dizer duas palavras desagradáveis às pessoas que o descontentavam, nem uma a mais.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“– (...) Vocês sabem que anexamos o Reino de Bolofofo e a Ilha de Finifofo?
– Sabemos – respondeu Tito.
– Isto, em si, não é mal – continuou o Senhor Dulcifino. Mas serão os Bolofofos considerados prisioneiros ou cidadãos? Eles terão direito a voto, como os Finifinos? Farão leis, como os Finifinos? Vocês compreendem que, se os autorizarmos a votar, como eles são tão numerosos quanto o nosso povo, vão introduzir entre nós suas gulodices, sua gordura, seu Obesofofo e todos os seus costumes detestáveis?”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“Quando se está seguro de seu país como eu estou do meu, não se tem medo de dar liberdade a todos...”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“Bolofofos e Finifinos (...) devem formar uma só nação. Por que manter essas distinções barbáricas de peso e medida da cintura? A verdade está em menos de 50 quilos e o erro acima deste peso? Tal é a nossa política? Não é a minha.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“– Mas papai – disse Tito –, você nos esperou dez meses?
– Não – respondeu o pai, sorrindo. – Mas esperei pelo menos uma hora.
Pois o tempo, nos Reinos do Subsolo, onde não há sol nem lua, anda sete mil vezes mais rápido que na Superfície.”
(Fernando Sabino, no livro “Bolofofos e Finifinos”, baseado no original de André Maurois)



“Não posso fazer Geraldo Viramundo virar homem sem antes falar no rio. Só quem passou a infância junto a um rio pode saber o que o rio significa. Eu, como não passei a minha, não posso saber.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Não podia tolerar a ideia de que o homem não conseguisse ficar debaixo d’água o tempo que quisesse, como os peixes. (Da ideia de que o homem um dia pudesse voar como os pássaros já tinha desistido, desde que viu pela primeira vez um avião.)”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“A máquina, ameaçadoramente visível e crescendo como um demônio, apitou pela primeira vez. Depois apitou outra, mais outra – Geraldo Viramundo olhou para ela pela última vez e fechou os olhos, sentindo o dormente vibrar sob seus pés. O apito agora era continuado, as rodas rangiam nos trilhos, o barulho perdia o ritmo numa desordem de silvos e entrechoque de ferros. Geraldo, braços ainda erguidos, lembrou-se de prometer vinte ave-marias e vinte padre-nossos se o trem parasse – não se ele não morresse, mas se o trem parasse – e foi a última coisa de que se lembrou.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Mais tarde, a caminho de casa, Geraldo Viramundo se lembrou dos dois irmãos que já deviam ter chegado, e era provável que contassem tudo para os pais. Estremeceu de medo, achou que talvez fosse melhor chegar de noitinha, e persignou-se. Então se lembrou da promessa de vinte ave-marias e vinte padre-nossos. Resolveu rezar cinquenta, caso desta vez não apanhasse.
Rezou vinte.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Olhava longamente os trilhos de aço que brilhavam à luz da lua, e se perdiam longe, no infinito. Sentia uma emoção tomá-lo de repente, que era a um tempo o medo da morte e uma vontade de partir. Nada ele desejava mais na vida que um dia tomar o trem e ir para longe, longe de todos, para um lugar que não sabia onde.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“No dia que virou homem, um sentimento novo se apossou dele. Porque Geraldo Viramundo virou homem de repente, num dia em que, às quatro horas da tarde, olhou para o mundo e surpreendeu um de seus mistérios.
(...) O momento assim surpreendido parecia conter um significado qualquer que lhe escapava, e a tudo se subordinava, como as notas de uma música. Geraldo Viramundo se sentiu mais só do que quando mergulhava no rio, mas era uma solidão feita de desamparo e de saudade da infância – quando, minutos mais tarde, se ergueu e caminhou em direção à casa, percebeu que não era menino mais.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Um dia Geraldo Viramundo perguntou ao padre:
— Padre Limeira, em que é que o padre é diferente dos outros homens, além da batina?
Esta pergunta, feita assim sem mais nem menos, desconcertou o padre.
Voltando-se vivamente, ele se dispunha mesmo a censurar aquele desrespeito, mas deu com uns olhos sérios que o fitavam, esperando a resposta, e não parecia haver neles a intenção de desrespeitar ninguém.
— Que pergunta, menino – falou então. — O padre é o representante de Deus na terra.
— Eu sei – Geraldo Viramundo insistiu: — Mas eu quero saber a diferença entre o padre e os outros homens. Por que os outros não podem ser representantes de Deus na terra?
Padre Limeira não sabia o que dizer, nem onde o rapazinho queria chegar:
— O padre se prepara para isso – respondeu evasivamente. — Ele é tocado pela Graça.
— Tocado por quem?
— Pela Graça: pelo divino Espírito Santo. Você não estudou catecismo?
— E por que os outros homens não são tocados pelo divino Espírito Santo?
Agora o padre já se pusera mais à vontade para explicar:
— Não são porque levam uma vida de pecados e dissolução. O padre tem o poder de Deus para perdoar estes pecados. Quando você se confessa, Deus perdoa seus pecados através do padre.
— O padre nunca peca?
— Peca também, ora essa. Mas é diferente.
— Isso é que eu perguntei: diferente em quê?
Nesse ponto o padre percebeu que tudo ia começar de novo e perdeu a paciência:
— Por que é que você quer saber?
— Porque eu talvez resolva ser padre.
Padre Limeira esperava por tudo, menos por esta.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Nada na sua figura faria lembrar o menino que ele fora, nem sugeria o homem que ainda viria a ser. Estava, por assim dizer, num instante de transição em que a existência parece pairar em suspenso entre dois vazios ou entre dois mistérios que se completam; atingira aos dezoito anos aquele momento de não ter mais o passado como companheiro nem de reconhecer suas visões, que o escritor Mário de Andrade atingiu aos cinquenta.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“A basear-se no sentido etimológico deste epíteto [Viramundo], a afirmação é correta, desde que ele deriva da aglutinação de um verbo, virar, e um substantivo, mundo. Ora, como esta aglutinação veio designar o pesado grilhão que se prendia à perna dos escravos é que não cabe a mim explicar e sim aos gramáticos e outros viramundos da linguagem. Cabe-me, sim, interpretar o significado que a acepção sugere, e, pelo menos no meu fraco entender, virar o mundo só pode querer dizer largar-se por suas estradas, entregar-se ao destino errante de percorrê-lo (...).”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Algumas dessas alcunhas se referem obviamente à sua formação religiosa, que lhe marcou para sempre o juízo, ou acabou de tirá-lo de todo.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Ora, por mais longa que seja a estrada que liga as duas cidades, não há possibilidade de alguém levar dez anos para percorrê-la, a menos que adote o sistema que se tornou efetivo na administração pública de minha terra por tantos anos: um passo para a frente e dois para trás. Há quem diga que Viramundo passou esses anos às margens e ao longo da própria estrada, sempre desejoso de partir, nunca desejoso de chegar, vivendo como um anacoreta, de raízes, frutos silvestres, eventualmente de esmolas, vestindo peles de animais e afastado do convívio dos homens. Mas é uma hipótese meramente romântica, aventada pelos que tentam fazer de Viramundo apenas um místico, um vagabundo, ou ambas as coisas. (...) Na realidade, quem fosse viver na minha terra de frutos silvestres e vestir-se de pele de animal, andaria nu e morreria de fome. Quanto às alternativas das esmolas, esta se destrói ante a rigorosa tradição mineira de não propiciá-las se não na forma de promissórias devidamente avalizadas. E havia ainda a reconhecida relutância de Viramundo em angariá-las.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“— Onde é que você mora? – perguntou.
— Ainda não fixei residência.
— Pois então venha comigo. Moro numa república.
— Muito obrigado. Sou monarquista, mas respeito os regimes legalmente constituídos.
— Você tem algum dinheiro? – insistiu o estudante.
— No momento estou desprevenido. Lamento não poder atendê-lo.
E acrescentou, metendo a mão no bolso:
— Ou por outra: se não me falha a memória, disponho desta moeda, que achei ali na rua. Cuja, aliás, vou dá-la de esmola. A César o que é de César, a Deus o que é de Deus.
E viramundo deixou cair a moeda que retirara do bolso na mão esquálida de uma velha mendiga que naquele exato momento passava por eles, subindo a ladeira.
(...)
— É tudo que você tem? – perguntou o estudante.
— É o meu cabedal.
(...)
— Vamos até lá em casa – insistiu. — Tenho alguma roupa que já está apertada para mim, pode ser que sirva para você.
— Muito agradecido, mas não compro roupa usada.
— Não é para comprar, é de presente! – retrucou Dionísio, surpreendido.
— Prefiro ficar com a minha mesmo.
— A sua não está mais do que usada?
— Mas por mim mesmo.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Quando via, porém, uma roda de estudantes num bar ou restaurante, entrava, fazia uma ligeira refeição e em seguida dirigia-se polidamente a eles:
— Chamo a atenção de vocês para uma pequena consumação que acabo de fazer ali naquela mesa. Solicito-vos o obséquio de pagá-la, pois vocês dispõem de numerário para tal, o que não acontece comigo.
E com uma reverência, afastava-se.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Viramundo entendeu que não; e não serei eu quem haverá de explicar, no meu fraco entender, o entendimento mais fraco ainda deste grande mentecapto. Limito-me a narrar-lhe os feitos e desfeitos, cão de fila que lhe segue fielmente os passos, ainda que estes me conduzam ao abismo de minha ruína literária.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Só de pensar na distância que o separava de sua amada (o carro já ia longe), seus olhos se enchiam de lágrimas:
— Para tão longo amor, tão curta a vida! – suspirou ele.
(...)
Era um sentimento novo, o que lhe enchia o coração.
E que lhe acabava de esvaziar por completo a cabeça.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Na manhã seguinte Viramundo foi procurar o velho Elias. Queria um confidente para o amor que o devorava.
— Elias – foi dizendo, ainda de longe: — Estou amando. Sou o homem mais feliz do mundo.
— Não vejo por quê – respondeu o outro.
— Você não vê porque é cego.
— O amor também é cego.
— O pior cego é aquele que não quer ver.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Deram-lhe o papel com as duas palavras para decorar. Convenceram-no de que elas eram a síntese de todo o drama e que representavam no seu protesto o martírio dos inconfidentes. O resto era a expressão silenciosa com que ele saberia enriquecer o simples ato de cruzar a cena, como só sabiam fazer os grandes atores, e diante do que todas as palavras eram inúteis.
— As grandes dores são mudas – sentenciou Viramundo, a concordar plenamente, esfuziante de alegria.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Assim, forjaram logo a resposta da carta em termos tão amorosos que seu destinatário, ao lê-la, teve os olhos rasos d'água. Sofrendo como um cão sem dono a extensão de seu amor, suspirou:
— Amar assim a vida inteira vai ser uma dolorosa provação. Para ser sincero: vai ser uma merda.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Deixo-os para trás e sigo pressuroso na minha vereda, segundo o simples esquema a que me atenho, segredo do sucesso de João Guimarães Rosa, mal comparando: não perder nunca o fio da meada, nem que esta me leve a afundar-me no que seria dela um mero erro tipográfíco.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Começava por defender a tese de que os grandes males da humanidade advêm do dinheiro: o vil metal era uma instituição abominável, que deveria ser para sempre abolida na relação entre os homens.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“A proposição e resolução de questões mais complexas poderia fazer-se por escrito, utilizando-se o quadro-negro ali colocado para esse fim, à vista de todos. O julgamento ficaria por conta do desiderato popular, por aclamação, em respeito à soberana vontade do povo. Com isso procurava o professor Praxedes Borba Gato revestir de certo cunho democrático o futuro sufrágio compulsório de seu nome nas urnas.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“— Por que cachorro entra na igreja? – perguntou, alto e bom som.
— Porque encontra a porta aberta – respondeu Viramundo sem pestanejar. E contra-atacou: — Por que sai?
— Porque encontra a porta aberta – tornou o professor, com ar desdenhoso diante do óbvio.
— Não senhor – fulminou Viramundo. — Sai, porque entrou.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")c


“— Nabucodonosor, Rei da Babilônia. Escreve isto com quatro letras.
O professor meditou um pouco e dirigiu-se ao quadro-negro, pôs-se a escrever várias letras a esmo. Acabou desistindo:
— É impossível.
Viramundo avançou, tomou do giz e escreveu rapidamente na lousa: I-S-TO.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Assim transcorria a vida militar de Viramundo, sem que o grande mentecapto chegasse a entender a finalidade de toda aquela presepada.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Depois de tomar as necessárias providências, o que quer dizer, depois de dar ordens a esmo que não conduziriam absolutamente a nenhum resultado, o capitão despachou os oficiais e se deixou cair na poltrona, derrotado.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“A noite a tropa recebeu ordem de deslocar-se para fazer frente ao inimigo – ou para dele escapar, não ficou bem claro. O inimigo estava em toda parte e em lugar nenhum.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“— Você é vermelho ou azul? – perguntou-lhe um tenente com cara de fuinha.
A princípio Viramundo não entendeu:
— Nem uma coisa, nem outra – respondeu. — Sou branco, mas não alimento preconceito racial.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“(...) foi encontrando pelo caminho as terríveis marcas da guerra que havia assolado a região: soldados desgarrados da tropa, veículos enguiçados ou sem combustível, armas abandonadas, por todo lado tristeza e desolação. Não havia como penetrar o seu entendimento conturbado o fato de que pelo menos a tristeza e a desolação eram parte integrante da paisagem mineira, mesmo em tempos de paz.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Não recebeu consagração alguma e nem foi acolhido em triunfo. Ao apresentar-se no Esquadrão, teve a surpresa de verificar que a guerra se acabara havia muito tempo, pois os soldados já se tinham recolhido aos quartéis; entre mortos e feridos, todos se salvaram. Por pouco não foi julgado desertor. O comandante, considerando o seu caso, resolveu condecorá-lo pelo extraordinário feito, concedendo-lhe solenemente um certificado de 3ª categoria, que o dava para todo o sempre como absolutamente incapaz para a vida militar.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Chegou mesmo a propor-lhe, como a mais honrosa das distinções, o seu ingresso no CCC, que só admitia oficiais, mas que abriria para ele uma exceção.
— CCC? – Viramundo reagiu, demonstrando logo sua aversão. — Comando de Caça aos Comunistas? Jamais! Sou democrata, respeito a liberdade de credo e de religião.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“E longe de mim a pretensão de com isso ingressar na prestigiosa corrente do realismo mágico, tão em voga ultimamente, a fim de induzir o leitor a acreditar com naturalidade num fenômeno espantoso, como é o de um cavalo falar. Eu, de minha parte, acredito. Tenho visto ao longo da vida tantas cavalgaduras bem falantes, que mais uma não me faz a menor mossa.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Viramundo continuava a olhá-lo sem ver nada. Constrangido, Dionísio pretextou um motivo qualquer e se afastou.
E para sempre: devo dizer que o seu comportamento me parece de tal maneira indesculpável, que o expulso de uma vez deste livro.
(Tenho precedente ilustre para assim proceder: o de Oswald de Andrade, que expulsou o Pinto Calçudo de seu romance por ter soltado um traque.)”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Que sentido têm as coisas? – o grande mentecapto perguntou a si mesmo, sentando-se num banco da nave àquela hora vazia, e veio-lhe de súbito a consciência da própria mentecapcidade, tão despropositada quanto a minha ousadia em escrever semelhante palavra. Não entendia mais nada de nada – e tal desentendimento o atingia tão fundo, que Geraldo Viramundo pôs-se a chorar.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Os leitores a esta altura poderão pôr em dúvida a verossimilhança do meu relato, pelo tom subitamente macambúzio que o mesmo assumiu, depois de haver passado por tantas e tão animadas tropelias. Dou-lhe razão, na medida em que já me falecem luzes para acompanhar a bruxuleante claridade da mente do nosso herói, que dirá no momento em que ela ameaça mergulhar na escuridão. E a escuridão, ele próprio já afirmava no debate público de Barbacena, quanto maior, menos se vê.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Qual o motivo de tamanho abatimento? A consciência de que jamais mereceria o amor de sua Marília, que de súbito se abateu sobre ele (...)? Mais do que isto. Embora a perda do amor fosse crucial para a sua alma, ela não era senão a exteriorização de algo mais grave que sentia passar-se no fundo de si mesmo, e que ele próprio jamais saberia formular em palavras: havia simplesmente perdido a fé. Fé em quê? Não sabia. Em verdade, não sabia nem se ele próprio existia realmente ou se não passava da criação alucinada de alguém mais louco ainda, a divertir-se com sua loucura até que ela o levasse desta para melhor.
Deixemos de perquirições metafísicas, antes que elas comprometam de vez o meu relato.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“O cego Elias não via a hora de ir para a igreja pedir o seu milagre. Viramundo preferiu não acompanhá-lo:
— Acho que na igreja não tem mais lugar para mim – murmurou, como para si mesmo.
(...)
— Não tem lugar como? Então Jesus Cristo Nosso Senhor não está lá para te proteger?
— Não sei se ele está lá.
E o grande mentecapto sorriu tristemente:
— Este foi o melhor homem que já existiu. E no entanto, olha só o que fizeram com ele.
O cego se surpreendia com o desalento de seu amigo:
— Que sacrilégio é esse, Viramundo? Deixa essas ideias pra lá, que isso é coisa de ateu! Você não é comunista nem nada!”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“— Até agora não estou enxergando nada.
— A verdadeira visão é a da luz interior – respondeu Viramundo. — E eu sou como um cego tateando na escuridão.
— É isso mesmo – concordou Elias, impressionado. — Só que eu bem que gostaria de ter também um pouquinho de luz exterior.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Foram dias de muita perturbação para a cidade, de modo que a polícia andou estimulando à sua maneira, isto é, aos empurrões e a golpes de sabre, a saída dos mais renitentes, que prolongavam sua permanência, ainda à espera de um milagre.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“E tu, Habacuc? Até quando levantarei a minha voz para ti, padecendo violência, sem que tu me salves? Por que me mostraste a iniquidade, reduzindo-me a ver diante de mim somente a opressão e a violência?”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Perdoem os leitores a extensa comparação, certamente um pouco inadequada ao contexto, mas acontece que acaba o livro chegando ao fim sem que se me ofereça outra oportunidade de usá-la.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Se algum dia o Prazer vier buscar-me
Dize a esse monstro que eu fugi de casa!”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“E despediu-se dela, comovido:
— A minha sombra há de ficar aqui.
Ela também perguntou para onde ele ia, e ele respondeu simplesmente, em prosa mesmo:
— Vou cumprir o meu destino.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Então correu para o quarto, no qual não podia se trancar, porque a aldraba, que era um tributo aos romancistas capazes de se lembrar de semelhante palavra, só se abria pelo lado de fora, o que vinha a ser um contrasenso, pois trancando-se lá dentro, qualquer um podia entrar e ela não podia sair – a não ser que passasse através das paredes, número que não fazia parte do seu repertório.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Este ser engasgado, contido, subjugado pela ordem iníqua dos racionais é o verdadeiro fulcro da minha verdadeira natureza, o cerne da minha condição de homem, herói e pobre-diabo, pária, negro, judeu, índio, cigano, santo, poeta, mendigo e débil mental, Viramundo! que um dia há de rebelar-se dentro de mim, enfim liberto, poderoso na sua fragilidade, terrível na pureza da sua loucura.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Os leitores devem ter notado, e eu já disse alhures, que Viramundo não é mais o mesmo homem. Não que a luz do bom senso tenha enfim prevalecido sobre os impulsos obscuros da sua demência. Ao contrário, de algum tempo a esta parte, principalmente depois da morte do cego Elias, qualquer coisa se apagou no seu espírito. O raio que coriscou na sua cabeça naquele instante, dando-lhe uma fulminante consciência da iniquidade que prevalece neste mundo, foi demais para a sua inocência, matou o menino que ele trazia dentro de si. Matou o menino.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Em seu olhar brilha apenas aquela luz mortiça dos que nada esperam e não têm mais para onde ir.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Ao chegar, os retirantes escorreram pela rua como uma corrente de detritos e foram para debaixo do Viaduto, engrossar o rio da miséria de Belo Horizonte (...).”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Antes que ele partisse, ela o chamou para acertar as contas.
— Não quero nada, dona Lina. O que eu tenho me basta.
A cafetina olhou-o espantada, pois sabia que ele não possuía absolutamente nada de seu.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Buscou então os lugares públicos onde pudesse passar despercebido, misturando-se a outros párias como ele, e foi debaixo do Viaduto que se viu finalmente integrado à sua raça de gente. Chegara ao mais baixo degrau na escala social, além do qual só restavam os do vício, da delinquência e do suicídio.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“— Reajam! Não sejam covardes! Eles são poucos, nós somos legião!
Ninguém reagiu, a não ser o Barbeca, que foi logo dominado. Viramundo, mesmo depois de contido pelos guardas, continuava a se debater furiosamente, vociferando como um possesso. Acabaram por enfiá-lo numa camisa-de-força e o enviaram dali mesmo para o manicômio.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Segundo sua opinião, e estou com ele (...), as fronteiras entre a razão e a loucura são muito mais flexíveis que as paredes de um manicômio.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“(...) enfurecido, quis saber o que aquela gente pretendia. Então lhe apresentaram o ultimato encaminhado por Viramundo, escrito por ele próprio, a lápis, numa folha de caderneta: Para os mendigos, para os doidos e para as mulheres, liberdade de ir e vir, ficar ou sair. Para os retirantes, casa, comida e ocupação condigna. — Mas isso é a subversão em marcha! – protestou, indignado. — Deve ser coisa de comunista! Me tragam esse homem.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Manhosamente, seus auxiliares o aconselharam a não usar de violência, pelo menos por ora, para evitar uma hecatombe que talvez não tivesse muito boa repercussão na Corte, já às voltas com seus próprios problemas. Em vez disso, melhor seria seguir o sábio princípio que sempre norteou a política mineira: prudência e capitalização.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Tudo pronto, passaram a lucubração do seu ilustre bestunto ao Governador Ladisbão. Este, por sua vez, nem quis ler a referida chorumela, pois assinaria no escuro aquilo que jamais pensava em cumprir.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“O papel que encarnava parecia ferver-lhe na mente, acabando por cozinhar o que pudesse restar nela de juízo.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Saiba o Senhor Governador Geral da Província de Minas Gerais que o respeito às normas protocolares, que regem uma tentativa de armistício como esta, me impedem de dizer onde Vossa Excelência deve enfiar esse canudo.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“A insurreição da praça da Liberdade não terminou ali. Os estudantes empolgaram o movimento, que se alastrou pela cidade inteira, com muitos comícios, passeatas, depredações, pancadarias e perturbação geral da ordem pública, até sair vitorioso. Pelo menos é o que se presume, pois a zona boêmia continua (como Minas) onde sempre esteve, os doidos continuam no hospício e a cidade continua cheia de mendigos.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto")



“Donde leese por la fuerza de las cosas,
lease: por la debilidad de los hombres.”
(Fernando Sabino, no livro "O Grande Mentecapto", citando errata encontrada num livro de autor espanhol não nominado)



“Um dos fardos do irlandês é passar pela história sendo confundido com o inglês.”
(Frederick Forsyth, no conto “Dever”)



“Sempre ficava impressionado ao pensar que foram naquelas austeras pilastras de pedra que mercadores-aventureiros haviam obtido o apoio financeiro necessário para navegarem até as terras dos homens pardos, pretos e amarelos, a fim de comerciar, extrair riquezas minerais e pilhar em geral, enviando os butins de volta à City, para segurar, bancar e investir, até um ponto tal que as decisões tomadas naqueles três quilômetros quadrados de salas de reuniões e casas de contabilidade podiam determinar se um milhão de seres inferiores iriam ter trabalho ou passariam fome. O fato de que esses homens eram na verdade os saqueadores mais bem-sucedidos do mundo nunca lhe ocorrera.”
(Frederick Forsyth, no conto “Dinheiro Sob Ameaça”)



“Afinal, os ricos desejavam atualmente que suas casas novas tivessem 'classe', o que significava, entre outras coisas, que deviam parecer velhas.”
(Frederick Forsyth, no conto “Não Há Cobras na Irlanda”)



“Os que já viajaram sozinhos pelo mar ou pelo céu, através de grandes planícies cobertas de neve ou por desertos intermináveis, conhecem a sensação. Tudo é vasto, implacável, mas o mais terrível é o mar, porque se mexe.”
(Frederick Forsyth, no conto “O Imperador”)



“Comenta-se às vezes que os advogados costumam estimular os clientes a iniciar ações judiciais a torto e a direito, porque isso obviamente nos permite ganhar muito dinheiro e honorários. Na verdade, é o inverso que acontece, quase sempre. São geralmente os amigos, parentes e colegas do litigante que o instigam a lançar-se a uma ação judicial. O problema é que não são eles que vão arcar com os custos. Para quem está por fora, um bom caso no tribunal mais parece um circo. Mas nós, que exercemos a advocacia, conhecemos muito bem os custos de uma ação judicial.”
(Frederick Forsyth, no conto “Privilégio”)



“É justamente o ponto a que estou querendo chegar. Hoje em dia, somente os ricos podem processar os ricos. (...) Os grandes jornais, assim como as grandes editoras e outras empresas do ramo, sempre têm seguro contra processos de calúnia. Podem contratar os melhores advogados. Assim, quando enfrentam... se me permite a expressão... um homem sem maior importância, não lhe dão a menor importância.”
(Frederick Forsyth, no conto “Privilégio”)



“Como a maioria dos conquistadores ricos, Mark Sanderson só ficaria impressionado por uma mulher que, sinceramente, não se impressionasse com ele. Ou, pelo menos, não se impressionasse com a sua personalidade pública, a que representava dinheiro, poder e reputação. Ao contrário da maioria dos conquistadores, ele ainda tinha capacidade suficiente de autoanálise para admitir isso, pelo menos para si mesmo. Admiti-lo publicamente significaria a morte pelo ridículo.”
(Frederick Forsyth, no conto “Sem Perdão”)



“As mulheres amam ser amadas, adoram ser adoradas. E desejam ser desejadas. Mais do que todas essas coisas juntas, porém, necessitam ser necessárias.”
(Frederick Forsyth, no conto “Sem Perdão”)



“Nunca antes fora-lhe recusada qualquer coisa. E, como a maioria dos homens de poder, ampliado ao longo de uma década, tornara-se um aleijado moral. Para ele, havia etapas lógicas e precisas do desejo à determinação, concepção, planejamento e execução. E tudo terminava inevitavelmente em aquisição.”
(Frederick Forsyth, no conto “Sem Perdão”)



“Como muitos homens ricos, na meia-idade, Hanson há muito que mantinha uma amizade pessoal com quatro de seus mais valiosos conselheiros: o advogado, o corretor, o contador e o médico.”
(Frederick Forsyth, no conto “Um Homem Cuidadoso”)



“— Há algum tempo, Martin, que você vem insistindo para que eu faça um testamento.
— Exatamente. Trata-se de uma precaução das mais sensatas que há muito vem sendo relegada.”
(Frederick Forsyth, no conto “Um Homem Cuidadoso”)



“Preferi essa forma insólita de dinheiro vivo, porque tenho a maior aversão, como acontece com todos nós, a entregar grandes parcelas do meu dinheiro, arduamente conseguido, aos fiscais de impostos.”
(Frederick Forsyth, no conto “Um Homem Cuidadoso”)



“— Siga as regras, rapaz, siga as regras — seu velho sargento costumava dizer, anos antes —, afinal, não somos Sherlock Holmes.
Um bom conselho. Mais casos já haviam sido perdidos nos tribunais por erro nos procedimentos policiais do que ganhos pelo brilho intelectual.”
(Frederick Forsyth, no conto “Usado Como Prova”)



“Hanley ficou esperando por um comentário, qualquer sinal de comunicação do velho. Não houve nenhum. Não tinha importância. Ele era tão paciente quanto um boi quando queria que um homem falasse. E todos acabavam falando, mais cedo ou mais tarde. Para se aliviarem. Para se livrarem do fardo. A Igreja há muito que conhecia o alívio da confissão.”
(Frederick Forsyth, no conto “Usado Como Prova”)



“Eram as sedes dos quatro ministérios entre os quais se dividia a totalidade do aparato governamental. O Ministério da Verdade, responsável por notícias, entretenimento, educação e belas-artes. O Ministério da Paz, responsável pela guerra. O Ministério do Amor, ao qual cabia manter a lei e a ordem. E o Ministério da Pujança, responsável pelas questões econômicas.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Pela primeira vez deu-se conta da dimensão do seu projeto. Como fazer para comunicar-se com o futuro? Era algo impossível por natureza. Ou bem o futuro seria semelhante ao presente e não daria ouvidos ao que ele queria lhe dizer, ou bem seria diferente e sua iniciativa não faria sentido.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Estranho, parecia não apenas ter perdido a capacidade de se expressar, como inclusive ter esquecido o que originalmente pretendia dizer. Durante semanas se preparara para aquele momento e jamais lhe passara pela cabeça que pudesse ter necessidade de alguma coisa que não coragem.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Os adeptos mais fanáticos do Partido, os devoradores de slogans, os espiões amadores e os farejadores de inortodoxia eram sempre mulheres, sobretudo os jovens.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Goldstein bradava seu discurso envenenado de sempre sobre as doutrinas do Partido – um discurso tão exagerado e perverso que não servia nem para enganar uma criança, e ao mesmo tempo suficientemente plausível para fazer com que o ouvinte fosse tomado pela sensação alarmada de que outras pessoas menos equilibradas do que ele próprio poderiam ser iludidas pelo que estava sendo afirmado.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Em parte era uma espécie de hino à sabedoria e à majestade do Grande Irmão, mas antes de mais nada era um ato de auto-hipnose, um embotamento voluntário da consciência por intermédio de um ruído rítmico.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Ainda nos encontraremos no lugar onde não há escuridão.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Winston tinha a sensação de estar vagando pelas florestas do fundo do mar, perdido num mundo monstruoso em que o monstro era ele próprio. Estava sozinho.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Voltou a perguntar-se para quem estaria escrevendo o diário. Para o futuro, para o passado – para uma época talvez imaginária.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Não era fazendo-se ouvir, mas mantendo a sanidade mental que a pessoa transmitia sua herança humana.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Ele já estava morto, refletiu. Parecia-lhe que só agora, quando começava a ser capaz de formular seus pensamentos, dera o passo decisivo. As consequências de toda ação estão contidas na própria ação. (...) Agora que se via como um homem morto, tornava-se importante continuar vivo o maior tempo possível.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Agora havia medo, ódio e dor, mas não dignidade na emoção, não tristezas profundas ou complexas.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“À sua maneira infantil, Winston entendeu que alguma coisa terrível, alguma coisa que estava além do perdão e que jamais poderia ser remediada, acabara de suceder.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“O inimigo do momento sempre representava o mal absoluto.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Ortodoxia significa não pensar – não ter necessidade de pensar. Ortodoxia é inconsciência.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Meditava, irritado, sobre a textura física da vida. A vida teria sido sempre assim? (...) O tempo todo, no estômago, na pele, havia uma espécie de protesto, uma sensação de logro: a sensação de que havia sido despojado de alguma coisa que tinha o direito de possuir. (...) E embora, evidentemente, tudo piorasse à medida que o corpo envelhecia, não seria um sinal de que tudo aquilo não era a ordem natural das coisas o fato de que o coração da pessoa ficava apertado com o desconforto e a sujeira e a escassez (...)?”
(George Orwell, no livro “1984”)



“O pior inimigo de uma pessoa, refletiu, era seu sistema nervoso.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Enquanto eles não se conscientizarem, não serão rebeldes autênticos e, enquanto não se rebelarem, não têm como se conscientizar.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Como saber quais daquelas coisas eram mentiras? Talvez fosse verdade que as condições de vida do ser humano médio fossem melhores hoje do que eram antes da Revolução. Os únicos indícios em contrário eram o protesto mudo que você sentia nos ossos, a percepção instintiva de que suas condições de vida eram intoleráveis e de que era impossível que em outros tempos elas não tivessem sido diferentes. Pensou que as únicas características indiscutíveis da vida moderna não eram sua crueldade e falta de segurança, mas simplesmente sua precariedade, sua indignidade, sua indiferença.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Entendo COMO, mas não entendo POR QUÊ.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Supunha-se que quando não estivessem trabalhando, comendo ou dormindo estariam participando de algum tipo de recreação comunitária; fazer alguma coisa que sugerisse gosto pela solidão, mesmo que fosse apenas sair para dar uma volta sozinho, sempre envolvia algum risco. Havia um termo para isso em Novafala: vidaprópria, com o sentido de individualismo e excentricidade.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Com uma espécie de perplexidade, Winston refletiu sobre a inutilidade biológica da dor e do medo, a perfídia do corpo humano, que invariavelmente se entregava à inércia justo no momento em que se fazia necessário um esforço especial. Poderia ter silenciado a moça de cabelo preto se tivesse agido com rapidez; mas, exatamente porque o perigo que corria era tão extremo, perdera a capacidade de agir. Ocorreu-lhe que em momentos de crise o embate da pessoa nunca era com um inimigo externo, mas sempre com seu próprio corpo.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Tudo pura camuflagem. Se você obedecesse às regras desimportantes, poderia desobedecer às importantes.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Quando você faz amor, está consumindo energia; depois se sente feliz e não dá a mínima para coisa nenhuma. E eles não toleram que você se sinta assim. Querem que você esteja estourando de energia o tempo todo. Toda essa história de marchar para cima e para baixo e ficar aclamando e agitando bandeiras não passa de sexo que azedou. Se você está feliz na própria pele, por que se excitar com esse negócio de Big Brother, Planos Trienais, Dois Minutos de Ódio e todo o resto da besteirada?
Tudo muito verdadeiro (...). Havia uma conexão íntima e direta entre castidade e ortodoxia política.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Nesse jogo que estamos jogando, não temos como vencer. Alguns tipos de fracasso são melhores do que outros, só isso.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Não aceitava como uma lei da natureza o indivíduo ser sempre derrotado. De certa maneira, Julia percebia que ela própria estava condenada, que mais cedo ou mais tarde a Polícia das Ideias haveria de apanhá-la e amá-la, mas com outra parte de sua mente acreditava que havia algum jeito de construir um mundo secreto onde fosse possível viver do jeito que se quisesse. Só era preciso sorte, esperteza e ousadia. Não entendia que essa coisa chamada felicidade não existisse, que a única vitória estaria num futuro distante, muito depois da morte da pessoa, que a partir do momento em que se declarava guerra ao Partido era melhor pensar em si próprio como um cadáver.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Conversando com ela, ele percebeu como era fácil exibir um ar de ortodoxia sem fazer a menor ideia do que fosse 'ortodoxia'. De certa maneira, a visão de mundo do Partido era adotada com maior convicção entre as pessoas incapazes de entendê-la (...). Graças ao fato de não entenderem, conservavam a saúde mental. Limitavam-se a engolir tudo, e o que engoliam não lhes fazia mal, porque não deixava nenhum resíduo, exatamente como um grão de milho passa pelo corpo de uma ave sem ser digerido.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Winston aceitara o fato. O fim estava contido no princípio. Porém era assustador; ou, mais exatamente, era como uma prévia da morte, como estar um pouco menos vivo.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Mas... e se seu objetivo não fosse permanecer vivo, e sim permanecer humano? Que diferença isso faria no fim?”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Esses povos nada acrescentam à riqueza do mundo, visto que tudo o que produzem é usado para fins de guerra, e o objetivo de travar uma guerra é sempre estar em melhor posição para travar outra guerra. Com seu trabalho, as populações escravas permitem que se acelere o ritmo da guerra contínua. No entanto, se não existissem, a estrutura da sociedade mundial e o processo graças ao qual ela se mantém não apresentariam diferenças essenciais.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Mas também ficou claro que o aumento global da riqueza talvez significasse a destruição – na verdade em certo sentido foi a destruição – da sociedade hierárquica. Num mundo no qual todos trabalhassem pouco, tivessem o alimento necessário, vivessem numa casa com banheiro e refrigerador e possuíssem carro ou até avião, a forma mais óbvia e talvez mais importante de desigualdade já teria desaparecido. Desde o momento em que se tornasse geral, a riqueza perderia seu caráter distintivo. Claro, era possível imaginar uma sociedade na qual a riqueza, no sentido de bens e luxos pessoais, fosse distribuída equitativamente, enquanto o poder permanecia nas mãos de uma pequena casta privilegiada. Na prática, porém, uma sociedade desse tipo não poderia permanecer estável por muito tempo. Porque se lazer e segurança fossem desfrutados por todos igualmente, a grande massa de seres humanos que costuma ser embrutecida pela pobreza se alfabetizaria e aprenderia a pensar por si; e depois que isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde essa massa se daria conta de que a minoria privilegiada não tinha função nenhuma e acabaria com ela. A longo termo, uma sociedade hierárquica só era possível num mundo de pobreza e ignorância.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“O problema era: como manter as rodas da indústria em ação sem aumentar a riqueza real das pessoas? Era preciso produzir mercadorias, mas as mercadorias não podiam ser distribuídas. Na prática, a única maneira de conseguir isso foi com a guerra ininterrupta.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“O livro o fascinava, ou, mais exatamente, tranquilizava-o. Em certo sentido não lhe dizia nada de novo, o que era parte do fascínio. Dizia o que ele teria dito, se tivesse a capacidade de organizar seus pensamentos dispersos. Era o produto de uma mente semelhante à dele, porém muitíssimo mais poderosa, mais sistemática, menos amedrontada. Os melhores livros, compreendeu, são aqueles que lhe dizem o que você já sabe.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Os objetivos desses três grupos são inconciliáveis. O objetivo dos Altos é continuar onde estão. O objetivo dos Médios é trocar de lugar com os Altos. O objetivo dos Baixos, isso quando têm um objetivo – pois uma das características marcantes dos Baixos é o fato de estarem tão oprimidos pela trabalheira que só a intervalos mantêm alguma consciência de toda e qualquer coisa externa a seu cotidiano –, é abolir todas as diferenças e criar uma sociedade na qual todos os homens sejam iguais (...). Dos três grupos, apenas os Baixos jamais conseguem, nem temporariamente, sucesso na conquista de seus objetivos (...). Do ponto de vista dos Baixos, nenhuma mudança histórica chegou a significar muito mais que uma alteração no nome de seus senhores.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“O movimento cíclico da história tornara-se inteligível, ou pelo menos dava a impressão de sê-lo – e se era inteligível, também era alterável. Mas a causa principal, subjacente, era que, já no início do século XX, a igualdade humana se tornara tecnicamente possível. Além disso, continuava sendo verdade que os homens não eram iguais no que dizia respeito a seus talentos inatos, e que era preciso especializar as funções de maneira a favorecer este indivíduo em detrimento daquele; mas já não havia a menor necessidade real de existir distinções de classe ou grandes diferenças de riqueza. Em épocas anteriores, as distinções de classe tinham sido não apenas inevitáveis como desejáveis. A desigualdade era o preço da civilização. Com o desenvolvimento da produção mecanizada, porém, a situação se alterara. Embora continuasse necessário que os seres humanos realizassem diferentes tipos de tarefas, já não era necessário que vivessem em níveis sociais ou econômicos diferentes. Desse modo, do ponto de vista dos novos grupos que estavam em vias de assumir o poder, a igualdade humana já não era um ideal a perseguir, mas um perigo a evitar.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“As massas nunca se revoltam por iniciativa própria, e nunca se revoltam só porque são oprimidas. Acontece que enquanto não lhes for permitido contar com termos de comparação, elas nunca chegarão sequer a dar-se conta de que são oprimidas.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Seja qual for a opinião que as massas adotam ou deixam de adotar, essa opinião só merece indiferença. As massas só podem desfrutar de liberdade intelectual porque carecem de intelecto. Num membro do Partido, porém, o menor desvio de opinião sobre o mais isignificante dos assuntos é intolerável.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Se quisermos evitar para sempre o advento da igualdade entre os homens – se quisermos que os Altos, como os chamamos, mantenham para sempre suas posições –, o estado mental predominante deve ser, forçosamente, o da insanidade controlada.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“O fato de ser uma minoria, mesmo uma minoria de um, não significava que você fosse louco. Havia verdade e havia inverdade, e se você se agarrasse à verdade, mesmo que o mundo inteiro o contradissesse, você não estaria louco.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Naquele lugar era impossível sentir alguma coisa, só dor e antecipação da dor. Além disso, seria possível que, no momento mesmo em que se sofre, por alguma razão se pudesse desejar que a dor aumentasse?”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Nunca, por nenhuma razão neste mundo, seria possível desejar um acréscimo de dor. Quanto à dor, só era possível desejar uma coisa: que ela cessasse. Nada no mundo era tão ruim quanto a dor física. Diante da dor não há heróis (...).”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Havia ocasiões em que a coisa se prolongava tanto, tanto, que o que lhe parecia realmente cruel, perverso e indesculpável não era os guardas continuarem batendo nele, mas que não conseguisse se obrigar a perder a consciência.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Por acaso o passado existe concretamente no espaço? Há em alguma parte um lugar, um mundo de objetos sólidos, onde o passado ainda esteja acontecendo?
Não.
Então onde o passado existe, se de fato existe?
Nos documentos. Está registrado (...). E na mente. Na memória humana.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Só a mente disciplinada enxerga a realidade, Winston. Você acha que a realidade é uma coisa objetiva, externa, algo que existe por conta própria. Também acredita que a natureza da realidade é autoevidente. Quando se deixa levar pela ilusão de que vê alguma coisa, supõe que todos os outros veem o mesmo que você. Mas eu lhe garanto, Winston, a realidade não é externa. A realidade existe na mente humana e em nenhum outro lugar.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Reavivara-se em seu íntimo o velho sentimento de que no fundo não importava se O'Brien era amigo ou inimigo. O'Brien era alguém com quem se podia conversar. Talvez fosse mais importante ser compreendido que amado.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Ele já sabia o que O'Brien ia dizer. Que o Partido não desejava o poder em benefício próprio, mas para o bem da maioria. Que precisava ter poder porque as massas eram compostas de pessoas frágeis e covardes que não aguentam a liberdade, não conseguem encarar a verdade e precisam ser governadas e iludidas sistematicamente por outras pessoas mais fortes do que elas. Que a humanidade deve optar entre liberdade e felicidade e que, para a esmagadora maioria da população, felicidade era o melhor. Que o Partido era o eterno guardião dos fracos, uma congregação dedicada que fazia o mal para que prevalecesse o bem, que sacrificava a própria felicidade em benefício da felicidade dos demais. O terrível, pensou Winston, o terrível era que quando O'Brien dizia aquelas coisas ele acreditava.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Somos diferentes de todas as oligarquias do passado porque sabemos muito bem o que estamos fazendo. Todos os outros, inclusive os que se pareciam conosco, eram covardes e hipócritas. Os nazistas alemães e os comunistas russos chegaram perto de nós em matéria de métodos, mas nunca tiveram a coragem de reconhecer as próprias motivações. Diziam, e talvez até acreditassem, que tinham tomado o poder contra a vontade e por um tempo limitado. E que na primeira esquina da história surgiria um paraíso em que todos os seres humanos seriam livres e iguais. Nós não somos assim. Sabemos que ninguém toma o poder com o objetivo de abandoná-lo. Poder não é um meio, mas um fim. Não se estabelece uma ditadura para proteger uma revolução. Faz-se a revolução para instalar a ditadura. O objetivo da perseguição é a perseguição. O objetivo da tortura é a tortura. O objetivo do poder é o poder.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Sozinho – livre – o ser humano sempre será derrotado. Assim tem de ser, porque todo ser humano está condenado a morrer, o que é o maior de todos os fracassos.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“As estrelas podem estar próximas ou distantes, segundo as nossas necessidades.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“'Como um homem pode afirmar seu poder sobre outro, Winston?'
Winston pensou. 'Fazendo-o sofrer', respondeu.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Como era fácil! Bastava render-se, que tudo o mais vinha em seguida. Era como nadar contra uma correnteza que empurrasse a pessoa para trás, por mais força que a pessoa fizesse, e depois de repente decidir virar para o outro lado e deixar-se levar pela correnteza em vez de opor-se a ela. Nada se alterara, exceto sua própria atitude; fosse como fosse, o que estava predestinado sempre acontecia. Winston não sabia direito por que se rebelara.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Não teve dificuldade em se livrar daquela falácia, e não corria o menor risco de sucumbir a ela. Compreendeu, porém, que ela nem sequer devia ter lhe ocorrido. A mente precisava desenvolver um ponto cego sempre que um pensamento perigoso viesse à tona. O processo devia ser automático, instintivo.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Era preciso, também, praticar uma espécie de atletismo mental: num momento recorrer ao raciocínio lógico mais sofisticado, e no momento seguinte ignorar os equívocos lógicos mais grosseiros. A burrice era tão necessária quanto a inteligência, e igualmente difícil de ser adquirida.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“De toda maneira, não bastava manter as feições sob controle. Pela primeira vez, Winston se dava conta de que, para guardar um segredo, teria de guardá-lo também de si mesmo. Era preciso ficar o tempo todo consciente da presença do segredo, mas, enquanto fosse possível, não podia permitir que ele assomasse à consciência sob nenhuma forma a que alguém pudesse dar um nome. De agora em diante, não bastava pensar direito; tinha de sentir direito, sonhar direito. E tinha de manter o ódio permanentemente trancado dentro de si, como um nódulo que fosse parte dele mesmo e ao mesmo tempo não tivesse relação com o resto do seu ser, uma espécie de cisto.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“Havia dias em que iniciavam uma reunião e a encerravam no instante seguinte, reconhecendo com franqueza que na realidade não tinham nada para fazer. Mas havia dias em que se punham a trabalhar quase com entusiasmo, num afã de mostrar com que afinco registravam suas minutas. Nesses dias, elaboravam rascunhos de memorandos extensíssimos, que nunca eram concluídos – dias em que a discussão sobre o que supunham estar discutindo tornava-se extraordinariamente intrincada e abstrusa, com controvérsias sutis sobre definições, digressões enormes, brigas, durante as quais chegavam mesmo a ameaçar recorrer a autoridades superiores. E então, de repente, a vida se esvaía deles e eles ficavam sentados em volta da mesa, olhando uns para os outros com expressão apagada, como fantasmas se dissolvendo ao raiar do dia.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“O vocabulário da Novafala foi elaborado de modo a conferir expressão exata, e amiúde muito sutil, a todos os significados que um membro do Partido pudesse querer apropriadamente transmitir, ao mesmo tempo que excluía todos os demais significados e inclusive a possibilidade de a pessoa chegar a eles por meios indiretos. Para tanto, recorreu-se à criação de novos vocábulos e, sobretudo, à eliminação de vocábulos indesejáveis, bem como à subtração de significados heréticos e, até onde fosse possível, de todo e qualquer significado secundário que os vocábulos remanescentes porventura exibissem (...). Por outro lado, embora fosse vista como um fim em si mesma, a redução do vocabulário teve alcance muito mais amplo que a mera supressão de palavras hereges: nenhuma palavra que não fosse imprescindível sobreviveu. A Novafala foi concebida não para ampliar, e sim restringir os limites do pensamento, e a redução a um mínimo do estoque de palavras disponíveis era uma maneira indireta de atingir esse propósito.”
(George Orwell, no livro “1984”)



“— Como é isso, seu Alexandre? perguntou o cego. A cascavel meteu o rabo entre as pernas? Cascavel não tem pernas.
— Está claro que não tem, respondeu Alexandre. Quando a gente diz que uma criatura mete o rabo entre as pernas, quer dizer que ela se encolhe, capionga, percebe? Foi o que se deu. Não é preciso um bicho ter pernas para meter o rabo entre as pernas. Seu Firmino é pessoa de entendimento curto e não compreende isto. A cascavel, que não tinha pernas, meteu o rabo entre as pernas e esgueirou-se para os garranchos e folhas secas que havia junto da estrada.”
(Graciliano Ramos, no conto “Histórias De Alexandre”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“O marquesão tinha levado sumiço, ou, para melhor dizer, estava transformado completamente. Reparando bem, notei as pernas dele enterradas no chão, cobertas de cascas, tortas e grossas, quatro pés de pau. Sim senhores, quatro jaqueiras carregadas de frutas que se rachavam de tão maduras e cheiravam em demasia. O resto do marquesão tinha-se espatifado, e o couro do assento balançava, pendurado no meio da folhagem. Mandei cortar as plantas e pôr em ordem a sala, que estava num estrago feio, naturalmente, com o tijolo partido e a telha rebentada em vários lugares. Este caso teve numerosas testemunhas, que não me deixam mentir, entre elas Cesária, aqui presente, e o Silva, tipo de muito respeito, sisudo como o diabo. Mas confesso a vossemecês que no folheto dele, publicado em legras de fôrma, há algum exagero. Silva não se refere ao marquesão nem fala em jaqueiras: afirma que toda a mobília tinha criado raízes, que o corredor e as camarinhas se atochavam de laranjeiras e paus-d'arco. Até acrescenta que as gavetas da cômoda tinham virado cortiços de abelhas, coisa que não vi, francamente, não vi. Nem eu nem Cesária. Ficam, portanto, os amigos avisados de que na história do Silva há uns floreios. Acho que ele procedeu com acerto: quando um cidadão escreve, estira o negócio, inventa, precisa encher o papel. Natural. Conversando, como agora, a gente só diz o que aconteceu. É o que eu faço. Na sala havia quatro jaqueiras. Apenas.”
(Graciliano Ramos, no conto “Histórias De Alexandre”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Os senhores compreendem. Um sujeito como eu, passado pelos corrimboques do diabo, deve ter muitas coisas no quengo. Mas essas coisas atrapalham-se: não há memória que segure tudo quanto uma pessoa vê e ouve na vida. Estou errado?”
(Graciliano Ramos, no conto “Histórias De Alexandre”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“A princípio não atinei com a causa daquele despotismo e pensei num milagre. É o que sempre faço: quando ignoro a razão das coisas, fecho os olhos e aceito a vontade de Nosso Senhor, especialmente se há vantagem. Mas a curiosidade nunca desaparece do espírito da gente.”
(Graciliano Ramos, no conto “Histórias De Alexandre”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Mestre Gaudêncio curandeiro, homem sabido, explicou uma noite aos amigos que a terra se move, é redonda e fica longe do sol umas cem léguas.
— Já me disseram isso, murmurou Cesária.
Das Dores arregalou os olhos, seu Libório espichou o beiço e deu um assobio de admiração. O cego preto Firmino achou a distância exagerada e sorriu, incrédulo:
— Conversa, mestre Gaudêncio. Quem mediu? Das telhas para cima ninguém vai. Isso é emboança de livro, papel aguenta muita lorota. Cem léguas? Não embarco em canoa furada não, mestre Gaudêncio.
— Ora, seu Firmino! exclamou Alexandre. Para que diz isso? Embarca. Todos nós embarcamos, é da natureza do homem embarcar em canoa furada. Tudo neste mundo é canoa furada, seu Firmino. E a gente embarca. Nascemos para embarcar. Um dia arreamos, entregamos o couro às varas e, como temos religião, vamos para o céu, que é talvez a última canoa, Deus me perdoe. Embarca, seu Firmino.”
(Graciliano Ramos, no conto “Histórias De Alexandre”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Caminhei, caminhei, cheguei ao S. Francisco. Seu Firmino andou no S. Francisco? Não andou. É o maior rio do mundo. Não se sabe onde começa, nem onde acaba, mas, na opinião dos entendidos, tem umas cem léguas de comprimento. Quer dizer que, se em vez de correr por cima da terra, ele corresse para os ares, apagava o sol, não é verdade, mestre Gaudêncio?”
(Graciliano Ramos, no conto “Histórias De Alexandre”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Negócio de conta é um desespero, Alexandre. Você conhece a adivinhação dos lenços? Não conhece. Pois eu digo. Uma rua tem cem casas, cada casa cem janelas, cada janela cem moças, cada moça cem vestidos, cada vestido cem bolsos, cada bolso tem cem lenços, cada lenço quatro pontas e cada ponta um vintém. Quanto é o dinheiro que há na rua? Hem? Nunca houve quem soubesse. Quebro a cabeça desde pequena e não sei. Faz vergonha a gente confessar que ignora um troço? Não tenho vergonha não, Alexandre. Esses lenços me têm estragado os miolos. Conta é um buraco. Vou acender o cachimbo lá dentro. E penso na sua pergunta, Alexandre, que não gosto de pensar misturada com outras pessoas. Já volto.”
(Graciliano Ramos, no conto “Histórias De Alexandre”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“— Esteja quieto, seu Alexandre, murmurou o negro. É melhor vossemecê calar a boca, fechar os olhos e descansar.
— Que descansar! A vida inteira aqui descansando, seu Firmino! Isto é negócio? Não adianta descansar. Ai! Não há mezinha que sirva. Desta vez acho que embarco.
— Não embarca não, sentenciou mestre Gaudêncio curandeiro. É assim mesmo. A moléstia vai comendo, vai comendo, e quando mata a fome, deixa o corpo do cristão. Aí o suplicante se levanta e mata a fome também. Endurece, engorda, conversa, desempena o espinhaço.”
(Graciliano Ramos, no conto “Histórias De Alexandre”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Não tendo com quem entender-se, Raimundo Pelado falava só, e os outros pensavam que ele estava malucando.”
(Graciliano Ramos, no conto “A Terra Dos Meninos Pelados”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“— (...) A propósito, por que é que a senhora não tem espinhos?
— Em Tatipirun ninguém usa espinhos, bradou a laranjeira ofendida. Como se faz semelhante pergunta a uma planta decente?
— É que sou de fora, gemeu Raimundo envergonhado. Nunca andei por estas bandas. A senhora me desculpa. Na minha terra os indivíduos de sua família têm espinhos.
— Aqui era assim antigamente, explicou a árvore. Agora os costumes são outros.”
(Graciliano Ramos, no conto “A Terra dos Meninos Pelados”, no livro “Alexandre e Outros Heróis”)



“— (...) Aceita uma laranja?
— Se a senhora quiser dar, eu aceito.”
(Graciliano Ramos, no conto “A Terra dos Meninos Pelados”, no livro “Alexandre e Outros Heróis”)



“— (...) Tem a bondade de me ensinar o caminho?
— É esse mesmo. Vá seguindo sempre. Todos os caminhos são certos.”
(Graciliano Ramos, no conto “A Terra dos Meninos Pelados”, no livro “Alexandre e Outros Heróis”)



“— (...) Olhe a minha cara. Está cheia de manchas, não está?
— Para dizer a verdade, está.
— É feia demais assim?
— Não é muito bonita não.
— Também acho. Nem feia nem bonita.
— Vá lá. Nem feia nem bonita. É uma cara.
— É. Uma cara assim assim. Tenho visto nas poças de água. O meu projeto é este: podíamos obrigar toda a gente a ter manchas no rosto. Não ficava bom?
— Para quê?
— Ficava mais certo, ficava tudo igual (...). Era bom que fosse tudo igual.
— Não senhor, que a gente não é rapadura.”
(Graciliano Ramos, no conto “A Terra dos Meninos Pelados”, no livro “Alexandre e Outros Heróis”)



“Caralâmpia estava no meio do bando, vestida numa túnica azulada cor das nuvens do céu, coroada de rosas, um broche de vaga-lume no peito, pulseiras de cobras de coral.
— Credo em cruz! gemeu Raimundo assombrado. Tire essa bicharia de cima do corpo, menina. Isso morde.
O vaga-lume tremelicou, brilhante de indignação:
— É comigo?
— Não senhor, é conosco, informaram as cobras. Aquilo é um selvagem. Na terra dele as coisas vivas mordem.”
(Graciliano Ramos, no conto “A Terra dos Meninos Pelados”, no livro “Alexandre e Outros Heróis”)



“— Tudo aquilo é mentira. Esta Caralâmpia mente!...
Sira agastou-se:
— Mente nada! Por que é que não existem pessoas diferentes de nós? Se há criaturas com duas pernas e uma cabeça, pode haver outras com duas cabeças e uma perna.”
(Graciliano Ramos, no conto “A Terra dos Meninos Pelados”, no livro “Alexandre e Outros Heróis”)



“— (...) Fique com a gente. Aqui é tão bom...
— Não posso, gemeu Raimundo. Eu queria ficar com vocês, mas preciso estudar a minha lição de geografia.
— É necessário?
— Sei lá! Dizem que é necessário. Parece que é necessário. Enfim... não sei.”
(Graciliano Ramos, no conto “A Terra dos Meninos Pelados”, no livro “Alexandre e Outros Heróis”)



“As pessoas não voavam, pelo menos no sentido exato deste verbo. Figuradamente, sujeitos sabidos, como em todas as épocas e em todos os lugares, voavam em cima dos bens dos outros, é claro (...).”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Em geral essas personagens se filiavam num dos dois grandes partidos que aqui brigavam: o liberal e o conservador. Um deles dirigia os negócios públicos. O outro, na oposição, dizia cobras e lagartos dos governantes, até que estes se comprometiam e S. M. os derrubava e substituía pelos descontentes, que eram depois substituídos. Os programas dessas facções divergiam, é claro, mas na prática elas se assemelhavam bastante.
E como apenas duas se revezavam no poder, facilmente se tornavam conhecidas e não inspiravam confiança.
Na verdade só os cidadãos importantes, pais e avós dos cidadãos importantes de hoje e de outros que não são importantes, se alistavam convictos nesses partidos. As criaturas vulgares permaneciam indiferentes ou iam para onde as empurravam.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Em geral não reparamos nos trabalhos que o governo executa, mas vemos perfeitamente os que ele deixa de realizar.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Enfim os maiores culpados deviam ser os jornais. Deodoro queria a liberdade de pensamento, mas uma liberdade que não o contrariasse. A que havia desgostava-o.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“O negócio tinha sido bem combinado, dava perfeitamente para deitar abaixo um governante. Com muito menos, outros se tinham retirado, querendo evitar derramamento de sangue e desejando felicidades ao Brasil. Mas Floriano era teimoso e não economizava o sangue de seus compatriotas.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Antônio Conselheiro, um pobre-diabo, tencionava, com ladainhas e bem-ditos, salvar a humanidade. A humanidade está sempre em perigo, na opinião de indivíduos assim.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“De ordinário um particular não se endivida para consertar a casa. Mas os particulares procedem de uma forma e os governos de outra.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Oswaldo Cruz achava que era vergonhoso uma pessoa apresentar marcas de bexigas. Pensando como ele, o Congresso tornou obrigatória a vacina. E muita gente se descontentou. Estávamos ou não estávamos numa terra de liberdade? Tínhamos ou não tínhamos o direito de adoecer e transmitir as nossas doenças aos outros?”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Essa oferta de anistia prévia foi muito censurada. Se o governo propunha, não estava em condições de perdoar. Não dava, pedia.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“A máquina eleitoral funcionava com defuntos, e a fabricação das atas do interior só não causava indignação porque toda a gente se habituara àquelas safadezas.
Para pagar esse trabalhinho, a falsificação do voto que produzia o governador e o deputado, o sindicato político da capital dava ao coronel da roça plenos poderes para matar, roubar, queimar, violar. A vontade do chefe do interior, quase sempre um analfabeto de maus bofes, não encontrava obstáculos.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“É possível que essas exibições, esses luxos, esses gastos, essa firmeza caprichosa, apenas servissem para encobrir um receio que não se queria transformar em certeza, receio de que tudo andasse às avessas. Éramos fracos e éramos pobres, mas não nos capacitávamos disto. Muitas desgraças nos minavam, aqui e ali surgiam tumores. O Presidente punha em cima deles um pedaço de esparadrapo. E atordoava-se. A sua decisão e a sua energia foram provavelmente a energia e a decisão aconselhadas pelo desespero. Procedeu como esses doentes que, sentindo-se perdidos, experimentam as últimas forças praticando excessos.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“A eleição realizada em março de 22 foi um desastre, como de ordinário. Vencedor o candidato do governo. Pílulas. Continuação da mágica besta; a chapa entregue ao eleitor encabrestado e metido na urna, ata fabricada pelo coronel, o Congresso examinando todas as patifarias e arranjando uma conta para a personagem escolhida empossar-se.
Francamente, aquilo não tinha graça. No começo da República, ainda, ainda: mas agora estava muito visto, muito batido, não inspirava confiança. Necessário reformar tudo.
Como? Ninguém sabia direito o que viria, mas todos concordavam num ponto: não podia vir coisa pior que o que tínhamos.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Os camponeses temiam o bandido e temiam a tropa. Quando escapavam de um desses inimigos terríveis, caíam nas unhas do outro - e não havia salvação.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Faltou aí a figura dum general de prestígio que, declamando frases convenientes, tornasse a luta desnecessária. Veio a luta, bem dura em alguns pontos, e a muitos o malogro da tentativa parecia quase certo no começo: quarenta anos de República haviam dado ao povo a certeza de que o governo sempre ganha.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Em geral não lamentavam a falta do voto, instituição desmoralizada; repeliam, porém, o que tinha vindo para substituí-lo, coisa ilegal e com certeza transitória. Um rancor imenso transparecia nos comentários. Juravam que pessoas idôneas haviam sido alijadas por tipos incapazes, atacavam as medidas incongruentes, os decretos confusos e salpicados de solecismos.
No campo dos revolucionários grassavam ideias muito diversas, ordinariamente simples, um otimismo baboso e afirmações categóricas. Manifestavam todos a certeza de que isto ia se transformar do pé para a mão. Graves sintomas de tolice coletiva fervilhavam nos espíritos: ofereciam-se moedas de prata e cordões de ouro para acabar a dívida externa, e indivíduos interessantes, mistura de idealista e malandro, recebiam essas dádivas com entusiasmo. De ordinário não tinham ódio ao vencido: votavam-lhe desprezo e alguma piedade.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“O governo não dispunha do Exército porque muita gente começava a pensar, a discutir, a observar-se. Ideias sub-reptícias entravam na caserna, os soldados se capacitavam de que não valia a pena fazer sacrifícios para receber o Rei da Bélgica e os ossos de d. Pedro II.”
(Graciliano Ramos, no conto “Pequena História Da República”, no livro “Alexandre E Outros Heróis”)



“Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles cresceram muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios: vão gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Penso em indivíduos e em objetos que não têm relação com os desenhos: processos, orçamentos, o diretor, o secretário, políticos, sujeitos remediados que me desprezam porque sou um pobre-diabo.
Tipos bestas. Ficam dias inteiros fuxicando nos cafés e preguiçando, indecentes. Quando avisto essa cambada, encolho-me, colo-me às paredes como um rato assustado. Como um rato, exatamente. Fujo dos negociantes que soltam gargalhadas enormes, discutem política e putaria.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“O artigo que me pediram afasta-se do papel. É verdade que tenho o cigarro e tenho o álcool, mas quando bebo demais ou fumo demais, a minha tristeza cresce.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Se pudesse, abandonaria tudo e recomeçaria as minhas viagens. Esta vida monótona, agarrada à banca das nove horas ao meio-dia e das duas às cinco, é estúpida. Vida de sururu. Estúpida.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Felizmente a ideia do livro que me persegue às vezes dias e dias desapareceu.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Quando eu ainda não sabia nadar, meu pai me levava para ali, segurava-me um braço e atirava-me num lugar fundo. Puxava-me para cima e deixava-me respirar um instante. Em seguida repetia a tortura. Com o correr do tempo aprendi natação com os bichos e livrei-me disso.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Tenho-me esforçado por tornar-me criança — e em consequência misturo coisas atuais a coisas antigas.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Penso na morte de meu pai. Quando voltei da escola, ele estava estirado num marquesão, coberto com um lençol branco que lhe escondia o corpo todo até a cabeça (...).
Tentei chorar, mas não tinha vontade de chorar. Estava espantado, imaginando a vida que ia suportar, sozinho neste mundo. Sentia frio e pena de mim mesmo. A casa era dos outros, o defunto era dos outros. Eu estava ali como um bichinho abandonado, encolhido na prensa que apodrecia (...).
Sempre abafando os passos, dirigi-me novamente ao fundo do quintal, com medo daquela gente que nem me havia mandado buscar à escola para assistir à morte de meu pai. Até a preta Quitéria se esquecera de mim. Ao passar pela cozinha, encontrei-a mexendo nas panelas e lastimando-se (...). Quem me acordou foi Rosenda, que me trazia uma xícara de café.
— Muito obrigado, Rosenda.
E comecei a soluçar como um desgraçado.
Desde esse dia tenho recebido muito coice. Também me apareceram alguns sujeitos que me fizeram favores. Mas até hoje, que me lembre, nada me sensibilizou tanto como aquele braço estirado, aquela fala mansa que me despertava.
— Obrigado, Rosenda.
Iam levando o cadáver de Camilo Pereira da Silva. Corri para a sala, chorando. Na verdade chorava por causa da xícara de café de Rosenda, mas consegui enganar-me e evitei remorsos.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Entro no quarto, procuro um refúgio no passado. Mas não me posso esconder inteiramente nele. Não sou o que era naquele tempo. Falta-me tranquilidade, falta-me inocência, estou feito um molambo que a cidade puiu demais e sujou.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Apronto-me, calço as meias pelo avesso e saio correndo. Paro sobressaltado, tenho a impressão de que me faltam peças do vestuário. Assaltam-me dúvidas idiotas. Estarei à porta de casa ou já terei chegado à repartição? Em que ponto do trajeto me acho? Não tenho consciência dos movimentos, sinto-me leve. Ignoro quanto tempo fico assim. Provavelmente um segundo, mas um segundo que parece eternidade. Está claro que todo o desarranjo é interior. Por fora devo ser um cidadão como os outros, um diminuto cidadão que vai para o trabalho maçador, um Luís da Silva qualquer. Mexo-me, atravesso a rua a grandes pernadas.
Tenho contudo a impressão de que os transeuntes me olham espantados por eu estar imóvel.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Era uma alma que envelhecia e estava fora da terra, provavelmente no purgatório (...).
Era lá que devia estacionar uma parte de meu pai, curando uns restos de pecados. Leves pecados. Apenas muita preguiça. Por isso eu aguentava fome e ouvia as lamentações de Quitéria.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Para que banda ficaria o purgatório? Seu Antônio Justino não sabia. Nem eu. Sabia onde ficavam o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas, lugares que me atraíam, que atraem a minha raça vagabunda e queimada pela seca.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Há o grupo dos médicos, o dos advogados, o dos comerciantes, o dos funcionários públicos, o dos literatos. Certos indivíduos pertencem a mais de um grupo, outros circulam, procurando familiaridades proveitosas. Naquele espaço de dez metros formam-se várias sociedades com caracteres perfeitamente definidos, muito distanciadas (...). É agradável observar aquela gente. Com uma despesa de dois tostões, passo ali uma hora, encolhido junto à porta, distraindo-me.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Os olhos estão quase invisíveis por baixo da aba do chapéu, e uma folha da porta oculta-me o corpo. Uma criaturinha insignificante, um percevejo social, acanhado, encolhido para não ser empurrado pelos que entram e pelos que saem.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“No grupo da justiça as palavras tombam medidas, pesadas, e os gestos são lentos. Além dois políticos cochicham e olham para os lados.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Moisés é uma coruja. Acha que tudo vai acabar, tudo, a começar pelo tio, que esfola os fregueses. E eu acredito em Moisés, que não escora as suas opiniões com a palavra do Senhor, como os antigos: cita livros, argumenta. Prega a revolução, baixinho, e tem os bolsos cheios de folhetos incendiários.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Moisés não tem jeito de herói: é apenas um sujeito bom e inteligente.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Estava tão abandonado neste deserto... Só se dirigiam a mim para dar ordens:
— Seu Luís, é bom modificar esta informação. Corrija isto, seu Luís.
Fora daí, o silêncio, a indiferença. Agradavam-me os passageiros que me pisavam os pés, nos bondes, e se voltavam, atenciosos:
— Perdão, perdão. Faz favor de desculpar.
— Sem dúvida. Ora essa.
Ou então:
— Tem a bondade de me dizer onde fica a Rua do Apolo?
— Perfeitamente, minha senhora. Vamos para lá. É o meu caminho.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Farejava o provinciano de longe, conhecia o nordestino pela roupa, pela cor desbotada, pela pronúncia. E assaltava-o:
— Um filho do Nordeste, perseguido pela adversidade, apela para a generosidade de V. Ex.ª.
(...)
Recebia, com um sorriso, o níquel e o gesto de desprezo.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“A lembrança chega misturada com episódios agarrados aqui e ali, em romances. Dificilmente poderia distinguir a realidade da ficção.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Tento lembrar-me de uma dor humana. As leituras auxiliam-me, atiçam-me o sentimento. Mas a verdade é que o pessoal da nossa casa sofria pouco (...). Dores só as minhas, mas estas vieram depois.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Quando se cansa, agarra o jornal e lê com atenção os nomes dos navios que chegam e dos que saem. Nunca embarcou, sempre viveu em Maceió, mas tem o espírito cheio de barcos.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Distraía-me com leituras inúteis. Quando me caía nas mãos uma obra ordinária, ficava contentíssimo:
— Ora, muito bem. Isto é tão ruim que eu, com trabalho, poderia fazer coisa igual.
Os livros idiotas animam a gente. Se não fossem eles, nem sei quem se atreveria a começar.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Apesar destas desvantagens, os negócios não iam mal. E foi exatamente por me correr a vida quase bem que a mulherinha me inspirou interesse — novidade, pois sempre fui alheio aos casos de sentimento. Trabalhos, compreendem? Trabalhos e pobreza. Às vezes o coração se apertava como corda de relógio bem enrolada. Um rato roía-me as entranhas.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Tenho desses rompantes idiotas. Faço uma tolice sabendo perfeitamente que estou fazendo tolice. Quando tento corrigir o disparare, caio noutro e cada vez mais me complico.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Na véspera o diretor me tinha dito:
— Necessitamos um governo forte, Seu Luís, um governo que estique a corda. Esse povo anda de rédea solta. Um governo duro.
E eu havia concordado, naturalmente:
— É o que eu digo, doutor. Um governo duro. E que reconheça os valores.
Considerava-me um valor, valor miúdo, uma espécie de níquel social, mas enfim valor.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Ocupado em várias coisas, frequentemente esqueço o essencial. Que, para mim, a casa onde moramos não tem importância grande demais. Tenho vivido em numerosos chiqueiros. Provavelmente esses imóveis influíram no meu caráter, mas sou incapaz de recordar-me das divisões de qualquer deles.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“E lá vinham intimidades que me aborreciam. Linguagem arrevesada, muitos adjetivos, pensamento nenhum.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“E divergi dele, porque o achei horrivelmente antipático. Ouviu-me atento e mostrou desejo de saber o que eu era. Encolhi os ombros, olhei os quatro cantos, fiz um gesto vago, procurando no ar fragmentos da minha existência espalhada.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Trabalho num jornal. À noite dou um salto por lá, escrevo umas linhas. Os chefes políticos do interior brigam demais. Procuram-me, explicam os acontecimentos locais, e faço diatribes medonhas que, assinadas por eles, vão para a matéria paga. Ganho pela redação e ganho uns tantos por cento pela publicação. Arrumo desaforos em quantidade, e para redigi-los necessito longas explicações, porque os matutos são confusos, e acontece-me defender sujeitos que deviam ser atacados.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Alguns rapazes vêm consultar-me:
— Fulano é bom escritor, Luís?
Quando não conheço Fulano, respondo sempre:
— É uma besta.
E os rapazes acreditam.
Ora, foi uma vida assim cheia de ocupações cacetes que Julião Tavares veio perturbar.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— Que diabo vem fazer este sujeito? murmurei com raiva no dia em que Julião Tavares atravessou o corredor sem pedir licença e entrou na sala de jantar, vermelho e com modos de camarada.
Soltei a pena, Moisés dobrou o jornal, Pimentel roeu as unhas. E assim ficamos seis meses, roendo as unhas, o jornal dobrado, a pena suspensa, ouvindo opiniões muito diferentes das nossas. As de Moisés são francamente revolucionárias; as minhas são fragmentadas, instáveis e numerosas; Pimentel às vezes está comigo, outras vezes inclina-se para Moisés.
Raramente discutíamos.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Quando bebia, tornava-me loquaz e discordava de tudo, só por espírito de contradição (...).
O que eu queria era convencer-me de que não tinha razão. Desejava que Moisés estirasse argumentos e Seu Ivo se revoltasse.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Seu Ivo metia os olhos gulosos pelos vidros do guarda-comidas:
— Seu Luisinho vai bem. Tanto pão! tanta carne!
Escancarava a boca, mostrava os dentes brancos, estivara os braços musculosos.
— Uma força perdida, dizia Moisés.
Talvez houvesse também alguma inteligência perdida por detrás daqueles olhos mortos pela cachaça. Um sujeito inútil, sujo, descontente, remendado, faminto.
O outro sujeito inútil que nos apareceu [Julião Tavares] era muito diferente. Gordo, bem vestido, perfumado e falador, tão falador que ficávamos enjoados com as lorotas dele.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Pratiquei neste mundo muita safadeza. Para que dizer que não pratiquei safadezas? Se eu as pratiquei!”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“O que não achava certo era ouvir Julião Tavares todos os dias afirmar, em linguagem pulha, que o Brasil é um mundo, os poetas alagoans uns poetas enormes e Tavares pai, chefe da firma Tavares & Cia., um talento notável, porque juntou dinheiro. Essas coisas a gente diz no jornal, e nehuma pessoa medianamente sensata liga importância a elas. Mas na sala de jantar, fumando, de perna trançada, é falta de vergonha. Francamente, é falta de vergonha.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— Boa tarde, D. Adélia. Como vai a senhora?
— Assim, assim, respondeu a mãe de Marina encostando-se à janela para esconder a saia encardida. Hoje em dia quem é que vai bem?”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— Tudo pela hora da morte, Seu Luís.
— É verdade, tudo pela hora da morte, D. Adélia. A senhora já reparou nos preços dos remédios? A farmácia tem uma goela!
D. Adélia fez um gesto de desalento:
— Nem me fale. A gente não pode adoecer mais não, Seu Luís.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Pedir não é desonra. A gente faz das tripas coração. Necessidade tem cara de herege.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Falava de cabeça baixa, os olhos no chão, os músculos da cara imóveis, a boca entreaberta, a voz branda, provavelmente pelo hábito de obedecer.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Fazia uma semana que eu andava cavando uma colocação para ela. Arranjar emprego, como não ignoram, é dificuldade. As pessoas a que a gente se dirige sorriem. Tudo fácil, às ordens, perfeitamente. Escutam as choradeiras com paciência e escrevem cartões a outras pessoas. Estas escrevem outros cartões, e assim por diante. Cada um se desaperta.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Um galo no galinheiro pôs-se a arrastar a asa a uma franga. Eu estava fazendo ali a mesma coisa, apenas com mais habilidade e mais demora.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Sovaco raspado, unhas cor de sangue e sobrancelhas que eram dois traços. Mulher pelada. Para que diabo uma pessoa arrancar as sobrancelhas.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Ia escurecendo, e aquele 'boa noite' era uma espécie de censura, que ela não fazia claramente porque tinha medo da filha.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— Encontrou alguma coisa? perguntou Marina sem entusiasmo.
— Encontrei. Para bem dizer, não encontrei coisa boa não. Emprego público não há. Tudo fechado, tudo escuro. Enfim sempre achei um gancho.
— Onde?
— Numa loja. Cem mil-réis por mês. Um princípio. Depois a gente cava serviço mais fácil e mais rendoso. O que é preciso é começar.
— Numa loja? disse Marina com um risinho mau. Obrigação de aturar pilhérias e até descomposturas dos fregueses. E beliscões dos empregados. Muito bom.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Pobre do Lobisomen! Não tinha hora para sair, hora para chegar. Sempre só. Nem um guarda-chuva, nem uma bengala, trastes necessários a homem tão curvado. Ora para um lado, ora para outro, sem destino. Que vida! Nem um hábito. Esta ideia de uma pessoa viver sem hábitos era para mim extremamente dolorosa. Apesar de haver atravessado uma existência horrível, sempre encontrara nela, mesmo nos tempos mais duros, ocupações que me entretinham.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“O que mais me aborrecia era não saber se as pessoas que falavam dele acreditavam na história suja. Enchia-me de raiva por não conseguir livrar-me dos fuxicos. Desprezava involuntariamente o desgraçado Lobisomem. Se aquilo fosse verdade? Não tinha verossimilhança, era aleive, disparate. Mas tanta gente repetindo as mesmas palavras...”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Moisés indignava-se. Julião Tavares bocejava:
— Natural. A justiça não é infalível.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Naturalmente gastei meses construindo esta Marina que vive dentro de mim, que é diferente da outra, mas se confunde com ela.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— O pior é que você ainda não me pediu, gemeu Marina.
E fingiu-se amuada. Liguei pouca importância ao amuo, mas fiquei remoendo aquela ideia desagradável de explicar-me aos outros sobre coisas que só eram interessantes para nós. Explicações horríveis. Necessário entender-me com Seu Ramalho, pedir o consentimento dele, dizer besteiras. Ia escrever-lhe uma carta com laços sagrados, felicidade conjugal, himeneu. Infâmia. Só a ideia de escrever isto me dava náuseas.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Quem tem de se empenhar que se venda logo. A senhora não acha?”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— (...) Gente pobre não tem luxo.
— É preciso fazer as coisas com decência, opinou Marina.
— Claro. Mas com modéstia.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“A loquacidade de Julião Tavares aborrecia-me. Uma voz líquida e oleosa que escorria sem parar.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— Uma coisa é jogar frases em cima do trabalho alheio, outra é pegar no pesado.
Julião Tavares fechou a cara:
— Todos nós temos as nossas obrigações, homem. Cada qual sabe onde o sapato lhe aperta.
Olhei os pés dele, e o meu ódio aumentou:
— Os seus não devem apertar muito.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Fui ao jornal, li os telegramas. Eram notícias sem importância, mas julguei perceber nelas graves sintomas de decomposição social.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Nunca presto atenção às coisas, não sei para que diabo quero olhos.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Quando a realidade me entra pelos olhos, o meu pequeno mundo desaba.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— Acabe com essa literatura, Moisés, exclamei impaciente. Não serve.
Moisés dobrou a folha, sorrindo.
— Que história é essa?
— É o que lhe digo. Não serve. A linguagem escrita é uma safadeza que vocês inventaram para enganar a humanidade, em negócios ou com mentiras.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Sem dúvida. As mulheres hoje não vivem como antigamente, escondidas, evitando os homens. Tudo é descoberto, cara a cara.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“As aparências mentem. A Terra não é redonda?”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Procurei mesmo capacitar-me de que Julião Tavares não existia. Julião Tavares era uma sensação. Uma sensação desagradável, que eu pretendia afastar de minha casa quando me juntasse àquela sensação agradável que ali estava a choramingar.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Escolher marido por dinheiro. Que miséria! Não há pior espécie de prostituição.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Por que foi que aquela criatura não procedeu com franqueza? Devia ter-me chamado e dito: — 'Luís, vamos acabar com isto. Pensei que gostava de você, enganei-me, estou embeiçada por outro. Fica zangado comigo?' E eu teria respondido: — 'Não fico não, Marina. Você havia de casar contravontade? Seria um desastre. Adeus. Seja feliz.' Era o que eu teria dito. Sentiria despeito, mas nenhuma desgraça teria acontecido.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Quem tem família está sujeito a tudo, Seu Luís. Ninguém deve dizer 'Deste pão não comerei nem desta água beberei'.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Esforçava-me por me dedicar às minhas ocupações cacetes: escrever elogios ao governo, ler romances e arranjar uma opinião sobre eles. Não há maçada pior. A princípio a gente lê por gosto. Mas quando aquilo se torna obrigação e é preciso o sujeito dizer se a coisa é boa ou não é e por que, não há livro que não seja um estrupício.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“O que eu precisava era ler um romance fantástico, um romance besta, em que os homens e as mulheres fossem criações absurdas, não andassem magoando-se, traindo-se. Histórias fáceis, sem almas complicadas.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Não se case, Seu Luís. É o conselho que lhe dou.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Muitos crimes depois da revolução de 30. Valeria a pena escrever isto? Impossível, porque eu trabalhava em jornal do governo. Moisés se tinha ausentado: a polícia incomodava os rapazes que liam livros suspeitos e falavam baixo.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Quando a corja estivesse na sala vizinha, bebendo, nós conversaríamos sobre literatura. Moisés atacaria os livros feitos com frases bem arrumadas. A arte deveria estar ao alcance de todos, a serviço da política.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— 'Que diz, Seu Pimentel?' Pimentel responderia estirando o beiço. Escrevendo, é capaz de demonstrar qualquer coisa. Diante da folha de papel, em mangas de camisa, trabalha como um carroceiro, os dedos grossos pegando a caneta com força. Depois fecha o cérebro e desenruga a testa. — 'Que diz, Seu Pimentel?' Não diria nada. Para que um homem discutir, se não é obrigado a isto?”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Que me importava que Marina fosse de outro? As mulheres não são de ninguém, não têm dono.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“O amor para mim sempre fora uma coisa dolorosa, complicada e incompleta.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Absurdo pretender que uma pessoa passe a vida com os olhos fechados e vá abri-los exatamente na hora em que aparecemos diante dela.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Se Marina voltasse... Por que não? A água lava tudo, as feridas cicatrizam. Não valia a pena pensar no outro. Julião Tavares era um caminho errado. Tantos caminhos errados na vida! Quem sabe lá escolher com segurança os atalhos menos perigosos? A gente vai, vem, faz curvas e ziguezagues, e dá topadas de arrancar as unhas. A água lava tudo, as feridas mais graves cicatrizam. Lembrava-me de uma queda antiga que me tinha jogado à cama quinze dias (...). Por que era que uma ferida devia ser vergonhosa e outra não? Depois desse tombo, andara uns tempos bambo, tossindo, e nunca me havia consolidado, nem com os exercícios da caserna.
— Ora aí estão ferimentos que me deviam envergonhar, porque me tornaram fraco. E não me envergonham.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Há nas minhas recordações estranhos hiatos. Fixaram-se coisas insignificantes. Depois um esquecimento quase completo. As minhas ações surgem baralhadas e esmorecidas, como se fossem de outra pessoa. Penso nelas com indiferença. Certos atos aparecem inexplicáveis. Até as feições das pessoas e os lugares por onde transitei perdem a nitidez.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Não se case, Seu Luís. Casamento é buraco.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Seu Ramalho assobiava as mesmas anedotas, empregando o mesmo vocabulário. Às vezes eu o interrompia:
— O senhor já contou essa.
Mas Seu Ramalho continuava sem se perturbar: falava para dar prazer a si mesmo, não me escutava. Talvez quisesse enganar-se e convencer-se de que seria também capaz de praticar façanhas. As palavras saíam-lhe sem variações. Era amigo da verdade e tinha imaginação fraca.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Encolhia-me timidamente. Não simpatizavam comigo. Eu estava ali como um repórter, colhendo impressões. Nenhuma simpatia.
A literatura nos afastou: o que sei deles foi visto nos livros.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Alguns, raros, teriam conseguido, como eu, um emprego público, seriam parafusos insignificantes na máquina do Estado (...), desajeitados, ignorando tudo, olhando com assombro as pessoas e as coisas. Teriam as suas pequeninas almas de parafusos fazendo voltas num lugar só.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Os meninos que brincavam na rua quando estiava, às carreiras e aos gritos, horas depois estavam no grupo escolar, os cotovelos na carteira, escutando ou não escutando, a voz da professora.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“As crianças dançavam e cantavam na rua molhada. Dentro de vinte anos as que gostassem de torcer-se no mesmo canto seriam parafusos. Ignorariam o que existisse longe delas, mas conheceriam perfeitamente as coisas por onde passassem suas roscas.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Todas aquelas pessoas entendiam-se perfeitamente. Diferiam muito umas das outras, mas havia qualquer coisa que as aproximava, com certeza os remendos, a roupa suja, a imprevidência, a alegria, qualquer coisa. Eu é que não podia entendê-las. — 'Sim senhor. Não senhor.' Entre elas não havia esse 'senhor' que nos separava. Eu era um sujeito de fala arrevesada e modos de parafuso.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Eu queria gritar e espojar-me na areia como os outros. Mas meu pai estava na esquina, conversando com Teotoninho Sabiá, e não consentia que me aproximasse das crianças, certamente receando que me corrompesse. Sempre brinquei só. Por isso cresci assim besta e mofino.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— Vá descansar, Vitória. Você está doente.
Não podia descansar, e a minha piedade era inútil. Levei o desespero a uma alma que vivia sossegada. Toda a segurança daquela vida perdeu-se.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Como certos acontecimentos insignificantes tomam vulto, perturbam a gente! Vamos andando sem nada ver. O mundo é empastado e nevoento. Súbito uma coisa entre mil nos desperta a atenção e nos acompanha. Não sei se com os outros se dá o mesmo. Comigo é assim. Caminho como um cego, não poderia dizer porque me desvio para aqui e para ali. Frequentemente não me desvio — e são choques que me deixam atordoado (...). Entro na realidade cheio de vergonha, prometo corrigir-me. — 'Perdão! Perdão!' digo às pessoas que me abalroam porque não me afastei do caminho. As pessoas vão para os seus negócios, nem se voltam, e eu me considero um sujeito mal-educado. Tenho a impressão de que estou cercado de inimigos, e como caminho devagar, noto que os outros têm demasiada pressa em pisar-me os pés e bater-me nos calcanhares. Quanto mais me vejo rodeado mais me isolo e entristeço. Quero recolher-me, afastar-me daqueles estranhos que não compreendo, ouvir o Currupaco, ler, escrever. A multidão é hostil e terrível. Raramente percebo qualquer coisa que se relacione comigo (...).”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Para limitar-me às práticas ordinárias, necessito esforço enorme, e isto é doloroso.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Provavelmente D. Adélia conhecia mais ou menos o que tinha sucedido. Mas queria acreditar que não houvera infelicidade sem remédio, ou então, caso isto não fosse possível, botar os quartos de banda, lamentar-se e atirar a responsabilidade para o destino.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Toda ela era uma desgraça arrastada e oblíqua, destinada a suportar grosserias e repelões.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Nunca se acaba a dignidade da gente, D. Adélia. A gente é molambo sujo de pus e rola nos monturos com outras porcarias, mas recorda-se do tempo em que estava na peça, antes de servir.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Era evidente que Julião Tavares devia morrer. Não procurei investigar as razões desta necessidade. Ela se impunha (...).”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“O Doutor Juiz de Direito, que mentia demais, contava casos do Amazonas. Como o Amazonas era longe e ninguém ia apurar a veracidade das narrações, o Doutor Juiz de Direito mentia à vontade.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“E o criminoso, pisando com força, atravessava o quadro, a cabeça erguida, a testa cortada de rugas, o olhar feroz, trombudo, impando de orgulho. Algumas horas depois estaria acocorado a um canto da prisão, sem vontade, como Seu Ivo. Mas ali, diante dos curiosos que se empurravam, representava o papel de bicho: franzia as ventas, mordia os beiços, dava puxões na corda e grunhia.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Um criminoso de morte era diferente, merecia consideração. Quando ele chegava à calçada, toda a gente se espremia, abrindo caminho, e os olhos se arregalavam num pasmo quase religioso, mistura de aprovação e medo. Na presença da personagem havia silêncio. Depois vinham as conversas cochichadas em que se exagerava o feito. As ações de outros criminosos empalideciam. Aquele, sim, era turuna. Contavam-se as facadas ou os tiros.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Medo da opinião pública? Não existe opinião pública. O leitor de jornais admite uma chusma de opiniões desencontradas, assevera isto, assevera aquilo, atrapalha-se e não sabe para que banda vai. Ouvindo-o, penso no tempo em que os homens não liam jornais. Penso em Filipe Benigno, que tinha um certo número de ideias bastante seguras, no velho Trajano, que tinha ideias muito reduzidas, em mestre Domingos, que era privado de ideias e vivia feliz. E lamento esta balbúrdia, esta torre de Babel em que se atarantam os frequentadores do café. Quero bradar:
— Eles escrevem assim porque receberam ordem para escrever assim. Depois escreverão de outra forma. É tapeação, é safadeza.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Não há opinião pública: há pedaços de opinião, contraditórios.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Inútil esperar unanimidade. Um crime, uma ação boa, dá tudo no mesmo. Afinal já nem sabemos o que é bom e o que é ruim, tão embotados vivemos.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Eu não podia temer a opinião pública. E talvez temesse. Com certeza temia tudo isso. Era um medo antigo, medo que estava no sangue e me esfriava os dedos trêmulos e suados (...). O chicote do feitor num avô negro, há duzentos anos, a emboscada dos brancos a outro avô, caboclo, em tempo mais remoto... Estudava-me ao espelho, via, por entre as linhas dos anúncios, os beiços franzidos, os dentes acavalados, os olhos sem brilho, a testa enrugada. Procurava os vestígios das duas raças infelizes. Foram elas que me tornaram a vida amarga e me fizeram rolar por este mundo, faminto, esmolambado e cheio de sonhos. Não preciso de automóveis nem de rádios, viveria bem numa casa de palha, dormiria bem numa cama de varas, num couro de boi ou numa rede de cordas (...). Para que me habituei a ler papel impresso, a ouvir o rumor de linotipos? Desejaria calçar alpercatas, descansar numa rede armada no copiar, não ler nada (...).”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Nas horas de serviço conseguia distrair-me. Os livros enormes de lombos de couro e folhas rotas, os ofícios, a campainha do telefone e o tique-taque das máquinas de escrever me arrastam para longe da Terra. O que lá fora é bom, útil, verdadeiro ou belo não tem aqui nenhuma significação. Tudo é diferente. Respiramos um ar onde voam partículas de papel e de tinta e trabalhamos quase às escuras. A voz do diretor é doce, ranzinza e regulamentar. Se um funcionário comete uma falta, o diretor mostra o parágrafo e o artigo adequados ao caso. Sucede que o funcionário se defende apontando outro artigo. Aí o diretor perturba-se e descontenta-se: compreende que o serviço não vai bem, mas encolhe-se diante do regulamento e admira e receia o empregado que soube encapar-se nele. Movemo-nos como peças de um relógio cansado. As nossas rodas velhas, de dentes gastos, entrosam-se mal a outras rodas velhas, de dentes gastos. O que tem valor cá dentro são as coisas vagarosas, sonolentas. Se o maquinismo parasse, não daríamos por isto: continuaríamos com o bico da pena sobre a folha machucada e rota, o cigarro apagado entre os dedos amarelos. Deixaríamos de pestanejar, mas ignoraríamos a extinção dos movimentos escassos. Os rumores externos chegam-nos amortecidos. Que barulho, que revolução será capaz de perturbar esta serenidade?
Era, pois, na repartição que eu obtinha algum sossego. As imagens que me atormentavam na rua surgiam desbotadas, espaçadas e incompletas. O ambiente era impróprio à vida intensa que elas tinham lá fora.
(...)
Apressava-me. Três horas metido entre as paredes de uma catacumba oficial.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— Um homem de repartição habitua-se a não ver nada fora dos processos. Vive lesando, como um cego, não é verdade, Pimentel?
— Sem dúvida.
Pimentel concordava distraído. Não desgosta ninguém. Escrevendo, agarra uma opinião e, sinta quem sentir, sapeca tudo no papel. Saem artigos furiosos, agressivos como uma peste. Mas em conversa aprova o que a gente diz.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“'Proletários, uni-vos.' Isto era escrito sem vírgula e sem traço, a piche. Que importavam a vírgula e o traço? O conselho estava dado sem eles, claro, numa letra que aumentava e diminuía (...).
Aquela maneira de escrever comendo os sinais indignou-me. Não dispenso as vírgulas e os traços. Quereriam fazer uma revolução sem vírgulas e sem traços? Numa revolução de tal ordem não haveria lugar para mim.
(...)
Senti despeito. Afastar-me-iam da repartição e do jornal, outros me substituiriam. Eu seria um anacronismo, uma inutilidade, e me queixaria dos tempos novos, bradaria contra os bárbaros que escrevem sem vírgulas e sem traços.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“— (...) Qual é a sua opinião?
— Sobre quê?
Abarquei com um gesto as garrafas das prateleiras, as casas arruinadas, a rua coberta de capim e as crianças que pediam esmolas:
— Tudo. Quando a encrenca vier, o senhor perde pouco.
— Sei lá. Não leio, nao vou aos 'meetings'. Só cuido da minha vida.
Puxei a cadeira, afastei-me daquele homem indiferente. Estupidez.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Pensei no jornal francês lido na véspera e aqui chegado vinte e quatro horas depois de publicado. As notícias dos municípios sertanejos do meu Estado chegam mais atrasadas que um número de jornal europeu.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Para que ter filhos, minha senhora? A gente sofre, mas se eles vivessem, podia ser pior, não é verdade? Criar infelizes... Uma responsabilidade, minha senhora, responsabilidade enorme.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“A mão curta de unhas cor-de-rosa fazia acenos para baixo. Transeuntes sorriam ao dono da mão curta de unhas brunidas. Eu notava com raiva aqueles sorrisos. Por que tanta subserviência nas caras abertas? Julião Tavares, patriota e orador, não prestava para nada. Nenhum favor esperavam dele. Mas sorriam por hábito.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Julião Tavares julgava-se superior aos outros homens porque tinha deflorado várias meninas pobres. Pelos modos, imaginava-se dono delas. Contrassenso.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Lembrava-se de Sinha Germana, de Quitéria, das negras da fazenda. Sinha Germana só tinha conhecido um homem. As pretas não se envergonhavam de conhecer muitos homens. Que diferença! Descendo de Sinha Germana, que dormiu meio século numa cama dura e nunca teve desejos. Adquiro ideias novas, mas estas ideias brigam com sentimentos que não me deixam. Sinha Germana dormia no couro de boi com o velho Trajano, e se dormisse de outra forma, não dava certo. Os costumes de Sinha Germana eram superiores aos de Quitéria. Por quê? Não havia porque, e isto me enraivecia.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Vão-se embora. Vão-se embora. Não venham, que se desgraçam. Um homem perdido não respeita nada.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Luís da Silva, Julião Tavares, isso não vale nada. Sujeitos úteis morrem de morte violenta ou acabam-se nas prisões. Não faz mal que vocês desapareçam. Propriamente, vocês nunca viveram.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Impossível qualquer aproximação. O isolamento em companhia de uma pessoa era mais opressivo que a solidão completa.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Algumas pancadas na porta gelaram-me o sangue. Caí sentado na cama. Tudo perdido. Lá estava o sujeito da polícia com o chapéu embicado (...). Enfim tudo perdido. Era sair, entregar-me, contar a história botandos os pontos nos 'ii'. Faria um livro na prisão, estudaria, arranjaria camaradagem com dois ou três presos mansos. Habituar-me-ia. A gente se habitua em toda a parte.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Quem faz neste mundo paga é aqui mesmo.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Escrevo, invento mentiras sem dificuldade. Mas as minhas mãos são fracas, e nunca realizo o que imagino.”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Se ele concordasse comigo, seria por eu estar doente. Não me conformava com isto. Preciso da condescendência dos outros? Sou alguma criança?”
(Graciliano Ramos, no livro “Angústia”)



“Falaram de espiritismo, de pessoas conhecidas que se desgarravam da igreja. Aqui e ali apareciam timidamente alguns adeptos. Na opinião do Dr. Liberato, eram eles os verdadeiros crentes: tinham uma convicção que faltava aos outros.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Espiritismo? É a única verdade que há neste mundo.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Como os amigos não ignoram, lembrar-se a gente do que foi noutra vida é comum.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Falaram novamente na Clementina, coitada, nos ataques que a fazem morder, rasgar, despedaçar. O Dr. Liberato receava que aquilo acabasse em loucura.
— É pena que não lhe arranjem um homem.
— Um homem? Credo! Pois o Doutor queria dar um homem à moça? E isso lhe traria saúde?
— Talvez trouxesse.
Citou autores, empregou termos arrevesados e a conversa morreu com três respeitosas inclinações de cabeça.
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— Necessidade de mentir, Doutor? objetou Pascoal.
— De mentir, de matar, de beber água, de abraçar alguém, de roer as unhas, tudo é necessidade.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Por que não teria ela exposto ao marido o meu procedimento ruim? Compaixão. Inspirar compaixão, que miséria!”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Ergui-me, procurei pelo tato o comutador, sentei-me à banca, tirei da gaveta o romance começado. Li a última tira. Prosa chata, imensamente chata, com erros. Fazia semanas que não metia ali uma palavra. Quanta dificuldade! E eu supus concluir aquilo em seis meses. Que estupidez capacitar-me de que a construção de um livro era empreitada para mim! (...)
Também aventurar-me a fabricar um romance histórico sem conhecer história!”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Ia para seis anos que eu conhecia aquele tipo, encontrava-o quase diariamente. Horrível. Empertigava-se para largar trivialidades abjetas, e o pior é que só muito depois de as ter dito me vinha a compreensão de que aquilo não valia nada.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Vá lá. Isto não tira nem põe. Se fosse desaforo, podia render desgosto; como é adulação, se bem não fizer, mal não faz.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— Eucalipto é com i ou com y? Estou esquecido, e o dicionário não dá.
— Eucalipto... eucalipto... respondi indeciso. Também não sei, Padre Atanásio. Ó Pinheiro, como é que se escreve eucalipto?
— Com p, ensinou Isidoro, solícito.
— Não é isso. Nós queremos saber se é com i ou com y.
— Deve ser com i. Ou com y. Uma das duas, penso eu. O y é sempre mais bonito.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Leviandade, João Valério. Não se ofende assim uma pessoa ausente. Deixe para dizer isso a ele, se tiver razão para dizer. Razão e coragem. A nós, não.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Enfim cada qual como Deus o fez, que a gente não é rapadura, para sair tudo igual.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— E se você casasse com a Marta?
Casar com a Marta? Recuei, desconfiado.
— Que interesse tem você nisso, Pinheiro?
— Interesse? Nenhum. Mas acho...
— O que não compreendo é essa preocupação de me querer amarrar à força. Já me deu três vezes o mesmo conselho.
— É que desejo a sua felicidade, rapaz.
— E quem lhe disse que eu seria feliz casando com ela?”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Detestavam-na, mas temiam-lhe a língua. E era geralmente respeitada.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Diante das visitas, era reservada: não ia além de uma ou outra frase risonha lançada na conversação. Em família, tornava-se expansiva. É o que se observa entre as senhoras do Nordeste. Como os homens aqui são indelicados e não raro brutais, elas se esquivam, tímidas.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“(...) acabava de contar a história de um colega dele que, em exame de anatomia, tinha dito do útero: 'É o laboratório da humanidade'.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“E quis saber de quem era o artigo sobre a caridade que saíra no domingo anterior. Como não era de nenhuma das pessoas presentes, achou aquilo, com franqueza, um disparate.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“(...) a sã política é filha da moral e da razão.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Evaristo queria eleitores conscientes, uma democracia verdadeira. Procurei pela segunda vez os olhos de Luísa, e, não os encontrando, declarei com aversão que a democracia era blague.
— Por quê?
— Naturalmente porque Luísa estava amuada. Mas julguei este motivo inaceitável e perigoso: recorri a outros, que o deputado inutilizou com meia dúzia de chavões.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“(...) declarou que dos matutos que ele conhecia os melhores eram os analfabetos:
— O roceiro que soletra tem vergonha de pegar na enxada.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— Evaristo reconheceu que saber ler, simplesmente, era com efeito pouco.
— A educação religiosa... lembrou Padre Atanásio.
— A educação profissional.
— Aqui não há disso, atalhou Nazaré com voz trôpega. E como a que temos não presta e a que poderia servir não vem, era melhor que não houvesse nada.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Não era uma aspiração demasiado exigente, e eu punha tanto respeito nela que excluí a ideia de que aquilo constituísse uma traição ao Teixeira. Decidi logo que um homem tão prático não havia ainda babujado o braço de Luísa e que pelo menos esta parte do corpo dela não lhe pertencia. Convicção idiota, evidentemente. Eu me contentava com o braço — e achava excessivo. Uma felicidade imensa. Era assim que eu dizia comigo mesmo. Julgava assentado que Luísa se conservaria perfeitamente honesta. E que eu seria perfeitamente feliz. Aqui tudo se tornava confuso, nenhum pensamento claro me acudia. Porque a felicidade perfeita diferia da outra, imensa, e então compreendi que as coisas indistintas do meu espírito destoavam dos nomes que eu lhes dava.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Na poltrona de Padre Atanásio repimpava-se o Dr. Castro, de braços cruzados, bochechudo, vermelho, feliz e sem testa.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Não acreditava que gente de juízo pensasse em suicídio. O Pinheiro, homem de juízo, tinha estado toda a manhã apalpando o coração, com medo.
— É verdade, amanheceu cardíaco. Esse animal ainda está vivo, D. Maria José?”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Na opinião dele, Augusto Comte era idiota. Por quê? Porque não tinha juízo. E interrogou-me com um movimento de cabeça.
Declarei que aquele senhor era, não obstante, um inspirado poeta, e logo me arrependi de ter falado. Sei realmente, sem nenhuma sombra de dúvida, que Augusto Comte foi grande, mas ignoro que espécie de grandeza era a dele. Depois serenei, porque ninguém ali, excetuando Nazaré, compreendia um disparate.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Olhei os astros. Não conheço nenhum, mas precisei comunicar com eles, repartir com a imensidade uma aventura que me esmagava. Bradei: 'Luísa me ama! Estrelas do céu, Luísa me ama!' Imaginei que as estrelas do céu ficavam cientes e isto me deu satisfação.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“E mastiguei as evasivas que usamos no armazém para evitar fregueses importunos: 'Não pode ser, minha querida senhora. Estou aflito, acredite. Se tivesse aparecido antes, ali por março ou abril... Agora é inteiramente impossível. Não disponho de meios.'
Não dispunha. Toda a minha alma estava empregada em adorar Luísa. E Luísa havia subido tanto que muitas vezes me surpreendi a confundi-la com a estrela amável que avultara em cima do morro, na antevéspera. Altair? Aldebarã? Não conheço as estrelas. Nem conheço as mulheres. Que será Luísa? que haverá nela? Não sei.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Quando a gente se aborrece, o que deve fazer é dormir.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Na farmácia Neves, gesticulando e espumando, Balbino pedia um remédio. O boticário, caceteado:
— Traga a mulher, cavalgadura. É preciso examiná-la.
E o índio, ranzinza:
— Ora trazer! Se ela pudesse vir aqui, não estava doente. Vosmecê não é sabido? Então dê a mezinha.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Anatólio, outro pregoeiro, berrava também:
— Afronta faço e mais não acho. Se mais achara, mais tomara.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— É um rapaz simples, não tem orgulho.
— E que orgulho pode ter um cavalo como aquele?”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“D. Maria José não tinha discernimento. Era melhor que se arrumasse com o Monteiro, que é velho, capitalista e viúvo, homem respeitável.
Depois mudei de ideia. Procedia ela muito bem, se o italiano a fazia feliz. E o Pinheiro também andava com juízo em correr atrás da cabocla. Punham a sua felicidade onde podiam alcançá-la.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“(...) avistei Padre Atanásio defronte do cinema, conversando com dois matutos.
— Ora viva! gritou. Caiu-me a jeito. Ia agora... Casamento de parentes é com o Bispo. Precisa tirar licença, gasta aí...
— Mas, seu Vigário, replicou um dos roceiros, eu não posso pagar a licença. Se V. S.ª me fizesse o favor...
— Já lhe disse que é com a Diocese. Vamos descendo por aqui, temos negócio. Pois não case, filho de Deus. Se você nem pode pagar licença, como sustenta família? Ou então pegue outra. Casamento de primos é ruim. E vão-se embora, não me amolem.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“E São Francisco de Assis, onde foi que ele algum dia disse mal das mulheres? E São Francisco é um mundo, São Francisco é tudo. Quando se fala em São Francisco, Salomão se esconde.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— Perfeitamente, concordou o Vigário. Recusa, mas não tem senso comum.
— Não tenho nada, nem senso nem coisa nenhuma. Sou um desgraçado.
Era um princípio de confissão. Se eu fosse crente, ter-me-ia lançado aos pés do Reverendo, abrindo as portas da minha alma. Não sou crente, por infelicidade, e apesar de sofrer muito, não queria dar a mim mesmo a ilusão de que dividia o meu infortúnio com outra pessoa.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— O Evaristo vai para cima, hem?
— O Evaristo? Ignoro, respondi. De que se trata?
— Secretário do Interior. Creio que vão fazer dele Secretário.
— Secretário? Não sei. Quem lhe contou?
— Os fatos. Você não lê a Gazeta? Está-me palpitando que Evaristo entra na secretaria.
— Um sujeito que se meteu em política há um ano!
— Não senhor. Meteu-se nela desde que lhe nasceram os dentes. É o chefe local que mais trabalha. Veja como esse velhaco organizou isto. E aqui para nós, a telegrafista me mostrou um telegrama em segredo. Peguei umas coisas por alto. Aquilo trepa, e se não for para a secretaria, dão-lhe outro lugar bom, que é de elementos assim que o governo precisa.
— Safadezas! murmurei despeitado, porque não possuo o talento de Evaristo. Que sorte!”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Montes à esquerda, próximos, verdes; montes à direita, longe, azuis; montes ao fundo, muito longe, brancos, quase invisíveis, para as bandas do São Francisco. Acendi um cigarro. E imaginei com desalento que havia em mim alguma coisa daquela paisagem: uma extensa planície que montanhas circulam. Voam-me desejos por toda a parte, e caem, voam outros, tornam a cair, sem força para transpor não sei que barreiras. Ânsias que me devoram facilmente se exaurem em caminhadas curtas por esta campina rasa que é a minha vida.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Aquele, sim, anda sem se deter e alcança tudo com facilidade. Vence os embaraços, corta-os, e o que vai encontrando serve-lhe de meio para avançar.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Num sombrio acesso de desespero, pensei no suicídio. Tolice. Eu tenho lá coragem de suicidar-me? O que fiz foi passar uns dias quase sem comer.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Se às vezes me espicaçavam alguns espinhos, defendia-me com desespero. Que culpa tive eu? Certamente era melhor que não existisse aquela paixão: mas desde que existia, paciência, eu não podia arrancá-la. E por causa do mandamento de um bárbaro, que teve a desfaçatez de afirmar que aquilo vinha do Senhor, não iria eu, civilizado e guarda-livros, conservar-me em abstinência, amofinar-me no deserto. (...)
— Realmente, disse comigo, que prejuízo traz ao mundo a preferência que ela me dá? E Deus liga pouca importância a bichinhos miúdos como nós: tem em que se ocupe e não vai bancar o espião de maridos enganados. É impossível que algum Deus considere as minhas relações com Luísa censuráveis. Ninguém as conhece, só nós podemos julgá-las — e os nossos corações não nos acusam. Padre Atanásio vive a dizer no púlpito que usar mangas curtas é imoralidade. E as mulheres desnudam o colo, mostram os braços, convencidas de que procedem mal. Luísa é inocente: não se envergonha do que faz.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Íamos passando pelo campo de futebol, agora utilizado com o plantio de mandioca e algodão. Valentim Mendonça, tencionava mandar limpar aquilo, reorganizar o clube.
— Faz mal, opinou D. Engrácia. Isto assim está melhor do que cheio de vadios trocando pontapés.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Os Teixeira não o visitam. Recebem-no, admiram-lhe a inteligência, temem-lhe a língua e desprezam-no.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— Não é que nós precisássemos de alguma coisa. Não, não precisamos, mercê de Deus. Mas a ingratidão... É duro. Quando se quer bem a uma pessoa, o senhor compreende, a presença dela conforta. Só a presença, não é necessário mais nada.
(...)
— Conforta. Mesmo quando se tem tudo, o senhor compreende, conforta muito. Foi o que eu sempre disse. Percebe?
— História! bradou Nazaré aborrecido. Morremos bem sozinhos. Esta é que é a verdade: o resto é fraqueza, maluqueira.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“E senti um ódio violento a todos os miseráveis insetos que andam a picar a dignidade alheia.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Pois, meu filho, eu não estou disposta a sacrificar-me para ser agradável aos outros. Se formos ouvi-los....”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“E que me importava que Manuel Tavares saísse livre ou fosse condenado? Um criminoso solto. Não vinha o mundo abaixo por ficar mais um patife em liberdade.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Talvez não fosse mau aprender um pouco de história para concluir o romance. Mas não posso aprender história sem estudar. E viver como o Dr. Liberato e Nazaré, curvados sobre livros, matutando, anotando, ganhando corcunda, é terrível. Não tenho paciência.
Enfim ler como Nazaré lê, tudo e sempre, é um vício como qualquer outro. Que necessidade tem ele, simples tabelião em Palmeira dos Índios, de ser tão instruído? Quem dizia bem era Adrião: 'Essas filosofias não servem para nada e prejudicam o trabalho'.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“E a D. Maria José, que um dia achou inocentemente que eu era feliz, retorqui de um fôlego, com dureza:
— Feliz por que, D. Maria? Que é que a senhora quer dizer?
Ela espantou-se. Queria somente dizer o que tinha dito, mas se eu sentia prazer em ser infeliz, estava acabado, pedia desculpa.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— (...) É verdade ou mentira?
— Mentira, naturalmente.
(...)
— Sou uma besta. Não vai confessar, é claro (...).
— (...) Se o senhor não der crédito a esta infâmia, pode dispensar a minha resposta; se der, ainda que eu jure mil vezes...”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Que andaria ele fazendo por ali àquela hora? Talvez procurando recurso para me pagar quinze mil-réis que lhe mandei quando esteve preso. Pagava. Mata para roubar, mas não deve dinheiro a ninguém.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— Mas um suicídio, homem! exclamou Isidoro.
E Nazaré, erguendo a voz:
— Tanto faz morrer assim como assado. Tudo é morrer. Crucificado ou de prisão de ventre, em combate glorioso ou na forca — o resultado é o mesmo.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Despertei cerca de meio-dia, às pancadas repetidas que o italiano dava na porta. Ergui-me sobressaltado, quase com vergonha: gente de comércio sempre se apoquenta quando acorda tarde.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— O que eu sinto é ter perdido um bom parceiro de xadrez.
— Não fale assim, replicou Isidoro. O Adrião tinha ótimas qualidades.
— Devia ter muitas. Eu conheci uma: jogava xadrez. Para mim é uma qualidade excelente.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“— (...) Você é um monstro.
Nazaré sorriu:
— Eu? Está enganado. Quem é um monstro? Uma criatura diferente das outras da sua espécie, não é? Pois eu sou como os outros homens. Um pouco melhor que uns, um pouco pior que outros. Vulgar. Monstro é você, Pinheiro. Você é esquisito, uma espécie de santo. Apesar de todos os seus defeitos, devia ter deixado para nascer daqui a dez mil anos. Você é monstruosamente bom, Pinheiro.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Lembrei-me também de me haver ela uma vez plantado os dentes no pescoço (...).
Naquele tempo eu vivia no céu.
— Que céu! Como se vai morder uma pessoa, brutalmente?
E achei que não fazer caso da opinião dos outros é censurável.
— Imprudente! disse comigo.
Alterando a palavra, corrigi com severidade:
— Impudente.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“A lembrança da morte de Adrião pouco a pouco se desvaneceu no meu espírito. Afinal não me devo afligir por uma coisa que não pude evitar. A minha culpa realmente não é grande, pois estão vivos numerosos homens que certas infidelidades molestam. E sou incapaz de sofrer por muito tempo. O Dr. Liberato falou em nevrose, e eu não tenho razão para pretender saber mais que o Dr. Liberato. Repito isto a mim mesmo para justificar-me.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“E lamentei não ser selvagem para colocá-la entre os meus deuses e adorá-la.
(...)
Não ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente polido, com uma tênue camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de civilização, outras raças, outros costumes. E eu disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté! Provavelmente o que se passa na minha, com algumas diferenças.”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“Ateu! Não é verdade. Tenho passado a vida a criar deuses que morrem logo, ídolos que depois derrubo — uma estrela no céu, algumas mulheres na Terra...”
(Graciliano Ramos, no livro “Caetés”)



“A princípio tudo correu bem, não houve entre nós nenhuma divergência. A conversa era longa, mas cada um prestava atenção às próprias palavras, sem ligar importância ao que o outro dizia.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— Vá para o inferno, Gondim. Você acanalhou o troço. Está pernóstico, está safado, está idiota. Há lá ninguém que fale desta forma.
Azevedo Gondim apagou o sorriso, engoliu em seco, apanhou os cacos da sua pequenina vaidade e replicou amuado que um artista não pode escrever como fala.
— Não pode? perguntei com assombro. E por quê?
Azevedo Gondim respondeu que não pode porque não pode.
— Foi assim que sempre se fez. A literatura é a literatura, seu Paulo. A gente discute, briga, trata de negócios naturalmente, mas arranjar palavras com tinta é outra coisa. Se eu fosse escrever como falo, ninguém me lia.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Tenciono contar a minha história. Difícil. Talvez deixe de mencionar particularidades úteis, que me pareçam acessórias e dispensáveis. Também pode ser que, habituado a tratar com matutos, não confie suficientemente na compreensão dos leitores e repita passagens insignificantes. De resto isto vai arranjado sem nenhuma ordem, como se vê. Não importa. Na opinião dos caboclos que me servem, todo o caminho dá na venda.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“(...) digo a mim mesmo que esta pena é um objeto pesado. Não estou acostumado a pensar.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“O que é certo é que, a respeito de letras, sou versado em estatística, pecuária, agricultura, escrituração mercantil, conhecimentos inúteis neste gênero. Recorrendo a eles, arrisco-me a usar expressões técnicas, desconhecidas do público, e a ser tido por pedante. Saindo daí, a minha ignorância é completa. E não vou, está claro, aos cinquenta anos, munir-me de noções que não obtive na mocidade.
Não obtive, porque elas não me tentavam e porque me orientei num sentido diferente.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Tudo isso é fácil quando está terminado e embira-se em duas linhas, mas para o sujeito que vai começar, olha os quatro cantos e não tem em que se pegue, as dificuldades são horríveis.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“As pessoas que me lerem terão, pois, a bondade de traduzir isto em linguagem literária, se quiserem. Se não quiserem, pouco se perde. Não pretendo bancar escritor. É tarde para mudar de profissão. E o pequeno que ali está chorando necessita quem o encaminhe e lhe ensine as regras de bem viver.
— Então para que escreve?
— Sei lá!
O pior é que já estraguei diversas folhas e ainda não principiei.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“A idade, o peso, as sobrancelhas cerradas e grisalhas, este rosto vermelho e cabeludo, têm-me rendido muita consideração. Quando me faltavam estas qualidades, a consideração era menor.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“(...) estudei aritmética para não ser roubado além da conveniência.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Meu antigo patrão, Salustiano Padilha, que tinha levado uma vida de economias indecentes para fazer o filho doutor, acabara morrendo do estômago e de fome sem ver na famíia o título que ambicionava.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Como quem não quer nada, procurei avistar-me com Padilha moço (Luís). Encontrei-o no bilhar, jogando bacará, completamente bêbado. Está claro que o jogo é uma profissão, embora censurável, mas o homem que bebe jogando não tem juízo.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“A dívida só é ruim para quem deve.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“A nossa conversa era seca, em voz rápida, com sorrisos frios. Os caboclos estavam desconfiados. Eu tinha o coração aos baques e avaliava as consequências daquela falsidade toda.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



Apanhei o pensamento que lhe escorregava pelos cabelos emaranhados, pela testa estreita, pelas maçãs enormes e pelos beiços grossos. Talvez ele tivesse razão. Era preciso mexer-se com prudência, evitar as moitas, ter cuidado com os caminhos.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“(...) o pai achou que eu procedia com honestidade revelando francamente a minha origem. Depois queixou-se dos vizinhos (nenhum se dava com ele).
— Há por aí umas pestes que principiaram como o senhor e arrotam importância. Trabalhar não é desonra. Mas se eu tivesse nascido na poeira, por que havia de negar?”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Seu Ribeiro tinha setenta anos e era infeliz, mas havia sido moço e feliz.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“(...) contava histórias de santos às crianças. É possível que nem todas as histórias fossem verdadeiras, mas as crianças daquele tempo não se preocupavam com a verdade.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Para diminuir a mortalidade e aumentar a produção, proibi a aguardente.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Concluiu-se a construção da casa nova. Julgo que não preciso descrevê-la. As partes principais apareceram ou aparecerão; o resto é dispensável e apenas pode interessar aos arquitetos, homens que provavelmente não lerão isto. Ficou tudo confortável e bonito. Naturalmente deixei de dormir em rede. Comprei móveis e diversos objetos que entrei a utilizar com receio, outros que ainda hoje não utilizo, porque não sei para que servem.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Ninguém imaginará que, topando os obstáculos mencionados, eu haja procedido invariavelmente com segurança e percorrido, sem me deter, caminhos certos. Não senhor, não procedi nem percorri. Tive abatimentos, desejo de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas. Acham que andei mal? A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que deram lucro. E como sempre tive a intenção de possuir as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Alcancei mais do que esperava, mercê de Deus. Vieram-me as rugas, já se vê, mas o crédito, que a princípio se esquivava, agarrou-se comigo, as taxas desceram. E os negócios desdobraram-se automaticamente. Automaticamente. Difícil? Nada! Se eles entram nos trilhos, rodam que é uma beleza. Se não entram, cruzem os braços. Mas se virem que estão de sorte, metam o pau: as tolices que praticarem viram sabedoria. Tenho visto criaturas que trabalham demais e não progridem. Conheço indivíduos preguiçosos que têm faro: quando a ocasião chega, desenroscam-se, abrem a boca — e engolem tudo.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“O Governador gostou do pomar, das galinhas Orpington, do algodão e da mamona, achou conveniente o gado limosino, pediu-me fotografias e perguntou onde ficava a escola. Respondi que não ficava em parte nenhuma. No almoço, que teve champanhe, o Dr. Magalhães gemeu um discurso. S. ex.ª tornou a falar na escola. Tive vontade de dar uns apartes, mas contive-me.
Escola! Que me importava que os outros soubessem ler ou fossem analfabetos?
— Esses homens de Governo têm um parafuso frouxo. Metam pessoal letrado na apanha da mamona. Hão de ver a colheita.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“João Nogueira lembrou-se de que era homem de responsabilidade. Bacharel, mais de quarenta anos, uma calvície respeitável. Às vezes metia-se em badernas. Mas com os clientes só negócios. E a mim, que lhe dava quatro contos e oitocentos por ano para ajudar-me com leis a melhorar S. Bernardo, exibia ideias corretas e algum pedantismo. Eu tratava-o por doutor: não poderia tratá-lo com familiaridade. Julgava-me superior a ele, embora possuindo menos ciência e menos manha. Até certo ponto parecia-me que as habilidades dele mereciam desprezo. Mas eram úteis - e havia entre nós muita consideração.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Padre Silvestre é revolucionário, explicou João Nogueira. Pretende salvar o país por processos violentos.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Amanheci um dia pensando em casar. Foi uma ideia que me veio sem que nenhum rabo de saia a provocasse. Não me ocupo com amores, devem ter notado, e sempre me pareceu que mulher é um bicho esquisito, difícil de governar.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— Um roubo. É o que tem sido demonstrado categoricamente pelos filósofos e vem nos livros. Vejam: mais de uma légua de terra, casas, mata, açude, gado, tudo de um homem. Não está certo.
Marciano, mulato esbodegado, regalou-se, entronchando-se todo e mostrando as gengivas banguelas:
— O senhor tem razão, Seu Padilha. Eu não entendo, sou bruto, mas perco o sono assuntando nisso. A gente se mata por causa dos outros. É ou não é, Casimiro?
Casimiro Lopes franziu as ventas, declarou que as coisas desde o começo do mundo tinham dono.
— Qual dono! gritou Padilha. O que há é que morremos trabalhando para enriquecer os outros.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Necessitando pensar, pensei que é esquisito este costume de viverem os machos apartados das fêmeas. Quando se entendem, quase sempre são levados por motivos que se referem ao sexo. Vem daí talvez a malícia excessiva que há em torno de coisas feitas inocentemente. Dirijo-me a uma senhora, e ela se encolhe e se arrepia toda. Se não se encolhe nem se arrepia, um sujeito que está de fora jura que há safadeza no caso.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— Duas semanas.
— É isso mesmo, quinze dias.
— Não, discordou o Dr. Magalhães, duas semanas. Você está equivocada.
— Duas semanas não são quinze dias? perguntou D. Marcela.
— Não. Duas semanas são catorze dias.
D. Marcela não se convenceu:
— Sempre ouvi dizer que duas semanas são quinze dias.
— Eu também tenho ouvido, confessou o Dr. Magalhães. Tenho ouvido até muitas vezes. Mas é engano. Uma semana tem sete dias. Sete e sete não são catorze? E então? São catorze.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— O senhor acredita nisso? perguntou João Nogueira.
— Em quê?
— Eleições, deputados, senadores.
Retraí-me indeciso, porque não tinha ideias seguras a respeito dessas coisas.
— A gente se acostuma com o que vê. E eu, desde que me entendo, vejo eleitores e urnas. Às vezes suprimem os eleitores e as urnas: bastam livros. Mas é bom um cidadão pensar que tem influência no governo, embora não tenha nenhuma. Lá na fazenda o trabalhador mais desgraçado está convencido de que, se deixar a peroba, o serviço emperra. Eu cultivo a ilusão. E todos se interessam.
João Nogueira refletiu um instante:
— O que eu acho é que os deputados e os senadores são inúteis e comem demais.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Existem coisas inúteis que nós conservamos. Eu conservo este cachimbo, que é inútil e até me faz mal.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— (...) O senhor com certeza não quer acabar com as leis.
O Dr. Magalhães, para quem a lei escrita é como o ar, escandalizou-se:
— Oh!
— Não, tornou João Nogueira. Que essas do congresso ordinariamente não prestam. O que é bom acabar é o congresso. As leis deviam ser feitas por especialistas.
— Ah! suspirou o Dr. Magalhães, aliviado.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— (...) Mas, como íamos dizendo, isto nunca foi oligarquia. Há gente demais.
— Pois se, havendo tanta, a oposição grita, imagine se o número fosse menor. Aí é que a gritaria não findava.
— Por quê?
— Porque muitos dos que estão em cima estariam embaixo, o descontentamento seria maior.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— O senhor mora na capital?
— Não, moro no interior.
— Em Viçosa?
— É.
— Eu também, há pouco tempo. Mas cidade pequena... Horrível, não é?
— A cidade pequena? E a grande. Tudo é horrível. Gosto do campo, entende? Do campo.
D. Glória fechou a cara:
— Mato? Santo Deus! Mato só para bicho.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“D. Glória não conhecia S. Bernardo, e essa ignorância me ofendeu, porque para mim S. Bernardo era o lugar mais importante do mundo.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— (...) Perdoe a indiscrição, quanto ganha sua sobrinha ensinando bê-a-bá?
D. Glória baixou a voz para confessar que as professoras de primeira entrância tinham apenas cento e oitenta mil-réis.
— Quanto?
— Cento e oitenta mil-réis.
— Cento e oitenta mil-réis? Está aí! É uma desgraça, minha senhora. Como diabo se sustenta um cristão com cento e oitenta mil-réis por mês? Quer que lhe diga? Faz até raiva ver uma pessoa de certa ordem sujeitar-se a semelhante miséria. Tenho empregados que nunca estudaram e são mais bem pagos.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Essa conversa, é claro, não saiu de cabo a rabo como está no papel. Houve suspensões, repetições, mal-entendidos, incongruências, naturais quando a gente fala sem pensar que aquilo vai ser lido. Reproduzo o que julgo interessante. Suprimi diversas passagens, modifiquei outras (...). Cortei igualmente, na cópia, numerosas tolices ditas por mim e por D. Glória. Ficaram muitas, as que as minhas luzes não alcançaram e as que me parecem úteis. É o processo que adoto: extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Eu me explico: ali, com a portinhola fechada, apenas via de relance, pelas outras janelas, pedaços de estações, pedaços de mata, usinas e canaviais. Muitos canaviais, mas este gênero de agricultura não me interessa. Vi também novilhos zebus, gado que, na minha opinião, está acabando de escangalhar os nossos rebanhos.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— Está visto que o casamento para as mulheres é uma situação...
— Razoável, D. Glória. E até é bom para a saúde.
— Mas há tantos casamentos desastrados... Demais isso não é coisa que se imponha.
— Não, infelizmente. É preciso propor. Tudo mal organizado, D. Glória. Há lá ninguém que saiba com quem deve casar?
— Quanto a mim, acho que em questões de sentimento é indispensável haver reciprocidade.
— Qual reciprocidade! Pieguice. Se o casal for bom, os filhos saem bons; se for ruim, os filhos não prestam. A vontade dos pais não tira nem põe. Conheço o meu manual de zootecnia.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— Deve haver muitas diferenças entre nós.
— Diferenças? E então? Se não houvesse diferenças, nós seríamos uma pessoa só. Deve haver muitas.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— A instrução é indispensável, a instrução é uma chave, a senhora não concorda, D. Madalena?
— Quem se habitua aos livros...
— É não habituar-se, interrompi. E não confundam instrução com leitura de papel impresso.
— Dá no mesmo, disse Gondim.
— Qual nada!
— E como é que se consegue instrução se não for nos livros?
— Por aí, vendo, ouvindo, correndo mundo. O Nogueira veio da escola sabido como o diabo, mas não sabia inquirir uma testemunha. Hoje esqueceu o latim e é um bom advogado.
— Entretanto o senhor acha o hospital necessário. E por que não deita fora os seus tratados de agricultura?
— É diferente. Em todo o caso suponho que os médicos estudam menos nos llivros que abrindo barrigas, cortanto vivos e defuntos em experiências. Eu, nas horas vagas, leio apenas observações de homens práticos. E não dou valor demasiado a elas, confio mais em mim que nos outros. Os meus autores não vieram olhar de perto os homens e as terras de S. Bernardo.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Enjoou o Padilha, que achou 'uma alma baixa'. (Aí eu expliquei que a alma dele não tinha importância. Exigia dos meus homens serviços: o resto não me interessava.)”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Odiava a época em que vivia, mas tirava-se de dificuldades empregando uns modos cerimoniosos e expressões que hoje não se usam.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— (...) Todos nós temos as nossas opiniões.
— Sem dúvida. Mas é tolice querer uma pessoa ter opinião sobre assunto que desconhece.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Vive aí com as mãos abanando, lendo bobagens. Não lhe quero mal por isso. Agora o que não acho direito é empatar o serviço dos outros.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Mais tarde, no escritório, uma ideia indeterminada saltou-me na cabeça, esteve por lá um instante quebrando louça e deu o fora. Quando tentei agarrá-la, ia longe.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Padre Silvestre estirou o beiço inferior e amoitou-se. As opiniões dele são as opiniões dos jornais. Como, porém, essas opiniões variam, Padre Silvestre, impossibilitado de admitir coisas contraditórias, lê apenas as folhas da oposição. Acredita nelas. Mas experimenta às vezes dúvidas. Elas juram que os homens do governo são malandros, e ele conhece alguns respeitáveis. Isso prejudica as convicções que a letra impressa lhe dá. Necessitando acomodar as suas observações com as afirmações alheias, acha que os políticos, individualmente, são criaturas como as outras, mas em conjunto são uns malfeitores.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— Tem medo, seu Ribeiro? perguntou Madalena sorrindo.
— Já vi muitas transformações, excelentíssima, e todas ruins.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— Aí Padre Silvestre tem razão, concordou Gondim. A religião é um freio.
— Bobagem! disse Nogueira. Quem é cavalo para precisar freio?”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“A respeito de pensamento nada se sabia, que no pensamento de outra pessoa ninguém vai; mas quanto a palavras e obras era inatacável.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Insignificâncias. No meio das canseiras a morte chega, o diabo carrega a gente, os amigos entortam o focinho na hora do enterro, depois esquecem até os pirões que filaram.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Quando as dúvidas se tornavam insuportáveis, vinha-me a necessidade de afirmar. Madalena tinha manha encoberta, indubitavelmente.
— Indubitavelmente, indubitavelmente, compreendem? Indubitavelmente.
As repetições continuadas traziam-me uma espécie de certeza.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Os meus olhos me enganavam. Mas se os olhos me enganavam, em que me havia de fiar então?”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Palavras de arrependimento vieram-me à boca. Engoli-as, forçado por um orgulho estúpido. Muitas vezes por falta de um grito se perde uma boiada.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Li-a, saltando pedaços e naturalmente compreendendo pela metade, porque topava a cada passo aqueles palavrões que a minha ignorância evita.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Adoecer é fácil, D. Glória, mas tirar a moléstia do corpo é um trabalhão.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“(...) É certo que havia o pequeno, mas eu não gostava dele. Tão franzino, tão amarelo!
— Se melhorar, entrego-lhe a serraria. Se crescer assim bambo, mete-o no estudo para doutor.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“O mundo que me cercava ia-se tornando um horrível estrupício. E o outro, grande, era uma balbúrdia, uma confusão dos demônios, estrupício muito maior.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Quanto a mim, declarava Nogueira, tanto me faz estar em cima como em baixo, que política nunca me rendeu nada. Estou embaixo e não pretendo subir. É verdade que sempre achei a democracia um contrassenso. Muitas vezes lhe disse. O diabo é que votei na chapa do governo. Mas, aqui entre nós, a ditadura só não presta porque estamos no chão.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Uma infelicidade não vem só.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“O que estou é velho. Cinquenta anos pelo S. Pedro. Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada.
Cinquenta anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber para quê! Comer e dormir como um porco! Como um porco! Levantar-se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! Que porcaria! Não é bom vir o diabo e levar tudo?”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Imagino-me vivendo no tempo da monarquia, à sombra de Seu Ribeiro. Não sei ler, não conheço iluminação elétrica nem telefone. Para me exprimir recorro a muita perífrase e muita gesticulação. Tenho, como todo o mundo, uma candeia de azeite, que não serve para nada, porque à noite a gente dorme. Podem rebentar centenas de revoluções. Não receberei notícia delas. Provavelmente sou um sujeito feliz.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“Se fosse possível recomeçarmos... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que me aflige.”
(Graciliano Ramos, no livro “São Bernardo”)



“— Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário - e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o papagaio, que andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula. Resolvera de supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que ele era mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família falava pouco. E depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um gado inexistente, e latia arremedando a cachorra.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Chegou-se à beira do rio. A areia fofa cansava-o, mas ali, na lama seca, as alpercatas dele faziam chape-chape, os badalos dos chocalhos que lhe pesavam no ombro, pendurados em correias, batiam surdos. A cabeça inclinada, o espinhaço curvo, agitava os braços para a direita e para a esquerda. Esses movimentos eram inúteis, mas o vaqueiro, o pai do vaqueiro, o avô e outros antepassados mais antigos haviam-se acostumado a percorrer veredas, afastando o mato com as mãos. E os filhos já começavam a reproduzir o gesto hereditário.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“— Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
- Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano. A sina dele era correr mundo, andar para cima e para baixo, à toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca. Achava-se ali de passagem, era hóspede. Sim senhor, hóspede que demorava demais, tomava amizade à casa, ao curral, ao chiqueiro das cabras, ao juazeiro que os tinha abrigado uma noite.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé, não se aguentava bem. Pendia para um lado, para o outro lado, cambaio, torto e feio. Às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos - exclamações, onomatopeias. Na verdade falava pouco. Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Uma das crianças aproximou-se, perguntou-lhe qualquer coisa. Fabiano parou, franziu a testa, esperou de boca aberta a repetição da pergunta. Não percebendo o que o filho desejava, repreendeu-o. O menino estava ficando muito curioso, muito enxerido. Se continuasse assim, metido com o que não era da conta dele, como iria acabar?”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Agora queria entender-se com sinha Vitória a respeito da educação dos pequenos. Certamente ela não era culpada. Entregue aos arranjos da casa, regando os craveiros e as panelas de losna, descendo ao bebedouro com o pote vazio e regressando com o pote cheio, deixava os filhos soltos no barreiro, enlameados como porcos. E eles estavam perguntadores, insuportáveis. Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha? Não tinha.
— Está aí.
Se aprendesse qualquer coisa, necessitaria aprender mais, e nunca ficaria satisfeito.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Em horas de maluqueira Fabiano desejava imitá-lo: dizia palavras difíceis, truncando tudo, o convencia-se de que melhorava. Tolice. Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido para falar certo.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Seu Tomás da bolandeira falava bem, estragava os olhos em cima de jornais e livros, mas não sabia mandar: pedia. Esquisitice um homem remediado ser cortês. Até o povo censurava aquelas maneiras. Mas todos obedeciam a ele. An! Quem disse que não obedeciam?
Os outros brancos eram diferentes. O patrão atual, por exemplo, berrava sem precisão. Quase nunca vinha à fazenda, só botava os pés nela para achar tudo ruim. O gado aumentava, o serviço ia bem, mas o proprietário descompunha o vaqueiro. Natural. Descompunha porque podia descompor, e Fabiano ouvia as descomposturas com o chapéu de couro debaixo do braço, desculpava-se e prometia emendar-se. Mentalmente jurava não emendar nada, porque estava tudo em ordem, e o amo só queria mostrar autoridade, gritar que era dono. Quem tinha dúvida?”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Olhou a catinga amarela, que o poente avermelhava. Se a seca chegasse, não ficaria planta verde. Arrepiou-se. Chegaria, naturalmente. Sempre tinha sido assim, desde que ele se entendera. E antes de se entender, antes de nascer, sucedera o mesmo - anos bons misturados com anos ruins. A desgraça estava em caminho, talvez andasse perto. Nem valia a pena trabalhar. Ele marchando para casa, trepando a ladeira, espalhando seixos com as alpercatas - ela se avizinhando a galope, com vontade de matá-lo.
Virou o rosto para fugir à curiosidade dos filhos, benzeu-se. Não queria morrer. Ainda tencionava correr mundo, ver terras, conhecer gente importante como seu Tomás da bolandeira. Era uma sorte ruim, mas Fabiano desejava brigar com ela, sentir-se com força para brigar com ela e vencê-la. Não queria morrer. Estava escondido no mato como tatu. Duro, lerdo como tatu. Mas um dia sairia da toca, andaria com a cabeça levantada, seria homem.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Livres daquele perigo, os meninos poderiam falar, perguntar, encher-se de caprichos. Agora tinham obrigação de comportar-se como gente da laia deles.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Fabiano marchou desorientado, entrou na cadeia, ouviu sem compreender uma acusação medonha e não se defendeu.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Então por que um sem-vergonha desordeiro se arrelia, bota-se um cabra na cadeia, dá-se pancada nele? Sabia perfeitamente que era assim, acostumara-se a todas as violências, a todas as injustiças. (...)
E, por mais que forcejasse, não se convencia de que o soldado amarelo fosse governo. Governo, coisa distante e perfeita, não podia errar. O soldado amarelo estava ali perto, além da grade, era fraco e ruim, jogava na esteira com os matutos e provocava-os depois. O governo não devia consentir tão grande safadeza.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Afinal para que serviam os soldados amarelos? Deu um pontapé na parede, gritou enfurecido. Para que serviam os soldados amarelos? Os outros presos remexeram-se, o carcereiro chegou à grade, e Fabiano acalmou-se:
— Bem, bem. Não há nada não.
Havia muitas coisas. Ele não podia explicá-las, mas havia. Fossem perguntar a seu Tomás da bolandeira, que lia livros e sabia onde tinha as ventas. Seu Tomás da bolandeira contaria aquela história. Ele, Fabiano, um bruto, não contava nada. Só queria voltar para junto de Sinha Vitória, deitar-se na cama de varas. Por que vinham bulir com um homem que só queria descansar? Deviam bulir com outros.
— An!
Estava tudo errado.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Estava tão cansado, tão machucado, que ia quase adormecendo no meio daquela desgraça.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso por isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? Vivia trabalhando como um escravo (...). Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha culpa?
(...) Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Na beira do rio haviam comido o papagaio, que não sabia falar. Necessidade.
Fabiano também não sabia falar. As vezes largava nomes arrevesados, por embromação. Via perfeitamente que tudo era besteira. Não podia arrumar o que tinha no interior. Se pudesse ... Ah! Se pudesse, atacaria os soldados amarelos que espancam as criaturas inofensivas.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Agora Fabiano conseguia arranjar as ideias. O que o segurava era a família. Vivia preso como um novilho amarrado ao mourão, suportando ferro quente. Se não fosse isso, um soldado amarelo não lhe pisava o pé não. O que lhe amolecia o corpo era a lembrança da mulher e dos filhos. Sem aqueles cambões pesados, não envergaria o espinhaço não, sairia dali como onça e faria uma asneira.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Sinha Vitória tinha amanhecido nos seus azeites (...). Sinha Vitória andara para cima e para baixo, procurando em que desabafar. Como achasse tudo em ordem, queixara-se da vida. E agora vingava-se em Baleia, dando-lhe um pontapé.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“(...) foi puxar a manga do vestido da mãe, desejando comunicar-se com ela. Sinha Vitória soltou uma exclamação de aborrecimento, e, como o pirralho insistisse, deu-lhe um cascudo.
Retirou-se zangado, encostou-se num esteio do alpendre, achando o mundo todo ruim e insensato.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“A cachorra Baleia acompanhou-o naquela hora difícil. Repousava junto à trempe, cochilando no calor, à espera de um osso. Provavelmente não o receberia, mas acreditava nos ossos, e o torpor que a embalava era doce. Mexia-se de longe em longe, punha na dona as pupilas negras onde a confiança brilhava. Admitia a existência de um osso graúdo na panela, e ninguém lhe tirava esta certeza, nenhuma inquietação lhe perturbava os desejos moderados. As vezes recebia pontapés sem motivo. Os pontapés estavam previstos e não dissipavam a imagem do osso.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“O pequeno sentou-se, acomodou nas pernas a cabeça da cachorra, pôs-se a contar-lhe baixinho uma história. Tinha um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se, pois, de exclamações e de gestos, e Baleia respondia com o rabo, com a língua, com movimentos fáceis de entender.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Ele tinha querido que a palavra virasse coisa e ficara desapontado quando a mãe se referira a um lugar ruim, com espetos e fogueiras. Por isso rezingara, esperando que ela fizesse o inferno transformar-se.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Existiam sem dúvida em toda a parte forças maléficas, mas essas forças eram sempre vencidas. E quando Fabiano amansava brabo, evidentemente uma entidade protetora segurava-o na sela, indicava-lhe os caminhos menos perigosos, livrava-o dos espinhos e dos galhos.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Como não sabia falar direito, o menino balbuciava expressões complicadas, repetia as sílabas, imitava os berros dos animais, o barulho do vento, o som dos galhos que rangiam na catinga, roçando-se. Agora tinha tido a ideia de aprender uma palavra, com certeza importante porque figurava na conversa de Sinha Terta. Ia decorá-la e transmiti-la ao irmão e à cachorra. Baleia permaneceria indiferente, mas o irmão se admiraria, invejoso.
— Inferno, inferno.
Não acreditava que um nome tão bonito servisse para designar coisa ruim. E resolvera discutir com Sinha Vitória. Se ela houvesse dito que tinha ido ao inferno, bem. Sinha Vitória impunha-se, autoridade visível e poderosa. Se houvesse feito menção de qualquer autoridade invisível e mais poderosa, muito bem. Mas tentara convencê-lo dando-lhe um cocorote, e isto lhe parecia absurdo. Achava as pancadas naturais quando as pessoas grandes se zangavam, pensava até que a zanga delas era a causa única dos cascudos e puxavantes de orelhas. Esta convicção tornava-o desconfiado, fazia-o observar os pais antes de se dirigir a eles. Animara-se a interrogar Sinha Vitória porque ela estava bem-disposta. Explicou isto à cachorrinha com abundância de gritos e gestos.
Baleia detestava expansões violentas: estirou as pernas, fechou os olhos e bocejou. Para ela os pontapés eram fatos desagradáveis e necessários. Só tinha um meio de evitá-los, a fuga. Mas às vezes apanhavam-na de surpresa, uma extremidade de alpercata batia-lhe no traseiro - saía latindo, ia esconder-se no mato, com desejo de morder canelas. Incapaz de realizar o desejo, aquietava-se.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Diligenciou afastar do espírito aquela curiosidade funesta, imaginou que não fizera a pergunta, não recebera portanto o cascudo.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Abraçou a cachorrinha com uma violência que a descontentou. Não gostava de ser apertada, preferia saltar e espojar-se (...). O menino continuava a abraçá-la. E Baleia encolhia-se para não magoá-lo, sofria a carícia excessiva. O cheiro dele era bom, mas estava misturado com emanações que vinham da cozinha. Havia ali um osso. Um osso graúdo, cheio de tutano e com alguma carne.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Não era propriamente conversa: eram frases soltas, espaçadas, com repetições e incongruências. Às vezes uma interjeição gutural dava energia ao discurso ambíguo. Na verdade nenhum deles prestava atenção às palavras do outro: iam exibindo as imagens que lhes vinham ao espírito, e as imagens sucediam-se, deformavam-se, não havia meio de dominá-las. Como os recursos de expressão eram minguados, tentavam remediar a deficiência falando alto.
Fabiano tornou a esfregar as mãos e iniciou uma história bastante confusa, mas como só estavam iluminadas as alpercatas dele, o gesto passou despercebido. O menino mais velho abriu os ouvidos, atento. Se pudesse ver o rosto do pai, compreenderia talvez uma parte da narração, mas assim no escuro a dificuldade era grande. Levantou-se, foi a um canto da cozinha, trouxe de lá uma braçada de lenha. Sinha Vitória aprovou este ato com um rugido, mas Fabiano condenou a interrupção, achou que o procedimento do filho revelava falta de respeito e estirou o braço para castigá-lo. O pequeno escapuliu-se, foi enrolar-se na saia da mãe, que se pôs francamente do lado dele.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Sentado no pilão, Fabiano derreava-se, feio e bruto, com aquele jeito de bicho lerdo que não se aguenta em dois pés.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“O menino mais velho estava descontente. Não podendo perceber as feições do pai, cerrava os olhos para entendê-lo bem. Mas surgira uma dúvida. Fabiano modificara a história - e isto reduzia-lhe a verossimilhança. Um desencanto. Estirou-se e bocejou. Teria sido melhor a repetição das palavras. Altercaria com o irmão procurando interpretá-las. Brigaria por causa das palavras - e a sua convicção encorparia. Fabiano devia tê-las repetido. Não. Aparecera uma variante, o herói tinha-se tornado humano e contraditório.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Baleia, imóvel, paciente, olhava os carvões e esperava que a família se recolhesse. Enfastiava-a o barulho que Fabiano fazia. No campo, seguindo uma rês, ele se esgoelava demais. Natural. Mas ali, à beira do fogo, para que tanto grito? Fabiano estava-se cansando à toa. Baleia se enjoava, cochilava e não podia dormir (...). Era bom que a deixassem em paz. O dia todo espiava os movimentos das pessoas, tentando adivinhar coisas incompreensíveis. Agora precisava dormir, livrar-se das pulgas e daquela vigilância a que a tinham habituado.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Os dois meninos espiavam os lampiões e adivinhavam casos extraordinários. Não sentiam curiosidade, sentiam medo, e por isso pisavam devagar, receando chamar a atenção das pessoas. Supunham que existiam mundos diferentes da fazenda, mundos maravilhosos na serra azulada. Aquilo, porém, era esquisito. Como podia haver tantas casas e tanta gente? Com certeza os homens iriam brigar.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Chegaram à igreja, entraram. Baleia ficou passeando na calçada, olhando a rua, inquieta. Na opinião dela, tudo devia estar no escuro, porque era noite, e a gente que andava no quadro precisava deitar-se. Levantou o focinho, sentiu um cheiro que lhe deu vontade de tossir. Gritavam demais ali perto e havia luzes em abundância, mas o que a incomodava era aquele cheiro de fumaça.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Os meninos também se espantavam. No mundo, subitamente alargado, viam Fabiano e Sinha Vitória muito reduzidos, menores que as figuras dos altares.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“As botinas e o colarinho eram indispensáveis. Não poderia assistir à novena calçado em alpercatas, a camisa de algodão aberta, mostrando o peito cabeludo. Seria desrespeito. Como tinha religião, entrava na igreja uma vez por ano. E sempre vira, desde que se entendera, roupas de festa assim: calça e paletó engomados, botinas de elástico, chapéu de baeta, colarinho e gravata. Não se arriscaria a prejudicar a tradição, embora sofresse com ela.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele. Fazia-se carrancudo e evitava conversas. Só lhe falavam com o fim de tirar-lhe qualquer coisa (...). Todos lhe davam prejuízo. Os caixeiros, os comerciantes e o proprietário tiravam-lhe o couro, e os que não tinham negócio com ele riam vendo-o passar nas ruas, tropeçando. Por isso Fabiano se desviava daqueles viventes (...).
(...)
Estava convencido de que todos os habitantes da cidade eram ruins. Mordeu os beiços. Não poderia dizer semelhante coisa. Por falta menor aguentara facão e dormira na cadeia.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Bebeu ainda uma vez e empertigou-se, olhou as pessoas desafiando-as. Estava resolvido a fazer uma asneira(...).
— Apareça um homem! berrou.
No barulho que enchia a praça ninguém notou a provocação. E Fabiano foi esconder-se por detrás das barracas, para lá dos tabuleiros de doces. Estava disposto a esbagaçar-se, mas havia nele um resto de prudência. Ali podia irritar-se, dirigir ameaças e desaforos a inimigos invisíveis. Impelido por forças opostas, expunha-se e acautelava-se. Sabia que aquela explosão era perigosa, temia que o soldado amarelo surgisse de repente, viesse plantar-lhe no pé a reiuna. O soldado amarelo, falto de substância, ganhava fumaça na companhia dos parceiros. Era bom evitá-lo (...). Estimulado pela cachaça, [Fabiano] fortalecia-se:
— Cadê o valente? Quem é que tem coragem de dizer que eu sou feio? Apareça um homem.
Lançava o desafio numa fala atrapalhada, com o vago receio de ser ouvido. Ninguém apareceu. E Fabiano roncou alto, gritou que eram todos uns frouxos, uns capados, sim senhor.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Tentaram explicar-lhe que tinham tido susto enorme por causa dela, mas Baleia não ligou importância à explicação. Achava é que perdiam tempo num lugar esquisito, cheio de odores desconhecidos. Quis latir, expressar oposição a tudo aquilo, mas percebeu que não convenceria ninguém e encolheu-se, baixou a cauda, resignou-se ao capricho dos seus donos.
A opinião dos meninos assemelhava-se à dela. Agora olhavam as lojas, as toldas, a mesa do leilão. E conferenciavam pasmados. Tinham percebido que havia muitas pessoas no mundo.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Nova dificuldade chegou-lhe ao espírito, soprou-a no ouvido do irmão. Provavelmente aquelas coisas tinham nomes. O menino mais novo interrogou-o com os olhos. Sim, com certeza as preciosidades que se exibiam nos altares da igreja e nas prateleiras das lojas tinham nomes. Puseram-se a discutir a questão intricada. Como podiam os homens guardar tantas palavras? Era impossível, ninguém conservaria tão grande soma de conhecimentos. Livres dos nomes, as coisas ficavam distantes, misteriosas. Não tinham sido feitas por gente. E os indivíduos que mexiam nelas cometiam imprudência. Vistas de longe, eram bonitas. Admirados e medrosos, falavam baixo para não desencadear as forças estranhas que elas porventura encerrassem.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha, sob a cama de varas, e consumira a existência em submissão, ladrando para juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Se pudesse economizar durante alguns meses, levantaria a cabeça. Forjara planos. Tolice, quem é do chão não se trepa.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Transigindo com outro, não seria roubado tão descaradamente. Mas receava ser expulso da fazenda. E rendia-se. Aceitava o cobre e ouvia conselhos (...).
(...)
Pouco a pouco o ferro do proprietário queimava os bichos de Fabiano. E quando não tinha mais nada para vender, o sertanejo endividava-se. Ao chegar a partilha, estava encalacrado, e na hora das contas davam-lhe uma ninharia.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Bem, bem. Não era preciso barulho não. Se havia dito palavra à-toa, pedia desculpa. Era bruto, não fora ensinado. Atrevimento não tinha, conhecia o seu lugar. Um cabra. Ia lá puxar questão com gente rica? Bruto, sim senhor, mas sabia respeitar os homens.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Não deviam tratá-lo assim. Dirigiu-se ao quadro lentamente. Diante da bodega de seu Inácio virou o rosto e fez uma curva larga. Depois que acontecera aquela miséria, temia passar ali. Sentou-se numa calçada, tirou do bolso o dinheiro, examinou-o, procurando adivinhar quanto lhe tinham furtado. Não podia dizer em voz alta que aquilo era um furto, mas era. Tomavam-lhe o gado quase de graça e ainda inventavam juro. Que juro! O que havia era safadeza.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Bem, bem. Deus o livrasse de história com o governo. Julgava que podia dispor dos seus troços. Não entendia de imposto.
(...)
Supunha que o cevado era dele. Agora se a prefeitura tinha uma parte, estava acabado. Pois ia voltar para casa e comer a carne. Podia comer a carne? Podia ou não podia (...)?
(...)
Daquele dia em diante não criara mais porcos. Era perigoso criá-los.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Se pudesse mudar-se, gritaria bem alto que o roubavam. Aparentemente resignado, sentia um ódio imenso a qualquer coisa que era ao mesmo tempo a campina seca, o patrão, os soldados e os agentes da prefeitura. Tudo na verdade era contra ele. Estava acostumado, tinha a casca muito grossa, mas às vezes se arreliava. Não havia paciência que suportasse tanta coisa. — Um dia um homem faz besteira e se desgraça. Pois não estavam vendo que ele era de carne e osso? Tinha obrigação de trabalhar para os outros, naturalmente, conhecia o seu lugar. Bem. Nascera com esse destino, ninguém tinha culpa de ele haver nascido com um destino ruim. Que fazer? Podia mudar a sorte? Se lhe dissessem que era possível melhorar de situação, espantar-se-ia (...). Conformava-se, não pretendia mais nada. Se lhe dessem o que era dele, estava certo. Não davam. Era um desgraçado, era como um cachorro, só recebia ossos. Por que seria que os homens ricos ainda lhe tomavam uma parte dos ossos? Fazia até nojo pessoas importantes se ocuparem com semelhantes porcarias.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Desejava saber o tamanho da extorsão. Da última vez que fizera contas com o amo o prejuízo parecia menor. Alarmou-se. Ouvira falar em juros e em prazos. Isto lhe dera uma impressão bastante penosa: sempre que os homens sabidos lhe diziam palavras difíceis, ele saía logrado. Sobressaltava-se escutando-as. Evidentemente só serviam para encobrir ladroeiras. Mas eram bonitas.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Se ele soubesse falar como Sinha Terta, procuraria serviço noutra fazenda, haveria de arranjar-se. Não sabia. Nas horas de aperto dava para gaguejar, embaraçava-se como um menino, coçava os cotovelos, aperreado. Por isso esfolavam-no. Safados. Tomar as coisas de um infeliz que não tinha onde cair morto! Não viam que isso não estava certo? Que iam ganhar com semelhante procedimento? Hem? Que iam ganhar?”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Levantou-se, foi até a porta de uma bodega, com vontade de beber cachaça. Como havia muitas pessoas encostadas ao balcão, recuou. Não gostava de se ver no meio do povo. Falta de costume. Às vezes dizia uma coisa sem intenção de ofender, entendiam outra, e lá vinham questões. Perigoso entrar na bodega. O único vivente que o compreendia era a mulher. Nem precisava falar: bastavam os gestos.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Se ao menos pudesse recordar-se de fatos agradáveis, a vida não seria inteiramente má.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Aquela coisa arriada e achacada metia as pessoas na cadeia, dava-lhes surra. Não entendia. Se fosse uma criatura de saúde e muque, estava certo. Enfim apanhar do governo não é desfeita, e Fabiano até sentiria orgulho ao recordar-se da aventura. Mas aquilo... Soltou uns grunhidos. Por que motivo o governo aproveitava gente assim? Só se ele tinha receio de empregar tipos direitos. Aquela cambada só servia para morder as pessoas inofensivas. Ele, Fabiano, seria tão ruim se andasse fardado? Iria pisar os pés dos trabalhadores e ddar pancada neles? Não iria. (...) A ideia de ter sido insultado, preso, moído por uma criatura mofina era insuportável. Mirava-se naquela covardia, via-se mais lastimoso e miserável que o outro.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Sempre fora reimoso. Iria esfriando com a idade? Quantos anos teria? Ignorava, mas certamente envelhecia e fraquejava. Se possuísse espelhos, veria rugas e cabelos brancos. Arruinado, um caco. Não sentira a transformação, mas estava-se acabando.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Besteira pensar que ia ficar murcho o resto da vida. Estava acabado? Não estava. Mas para que suprimir aquele doente que bambeava e só queria ir para baixo? Inutilizar-se por causa de uma fraqueza fardada que vadiava na feira e insultava os pobres! Não se inutilizava, não valia a pena inutilizar-se. Guardava a sua força.
Vacilou e coçou a testa. Havia muitos bichinhos assim ruins, havia um horror de bichinhos assim fracos e ruins.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Como andariam as contas com o patrão? Estava ali o que ele não conseguiria nunca decifrar. Aquele negócio de juros engolia tudo, e afinal o branco ainda achava que fazia favor.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Fabiano, encaiporado, fechou as mãos e deu murros na coxa. Diabo. Esforçava-se por esquecer uma infelicidade, e vinham outras infelicidades. Não queria lembrar-se do patrão nem do soldado amarelo. Mas lembrava-se, com desespero, enroscando-se como uma cascavel assanhada.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Apesar de ter boa ponta de língua, sentia um aperto na garganta e não poderia explicar-se. Mas achava-se desamparada e miúda na solidão, necessitava um apoio, alguém que lhe desse coragem. Indispensável ouvir qualquer som. A manhã, sem pássaros, sem folhas e sem vento, progredia num silêncio de morte. A faixa vermelha desaparecera, diluíra-se no azul que enchia o céu. Sinha Vitória precisava falar. Se ficasse calada, seria como um pé de mandacaru, secando, morrendo. Queria enganar-se, gritar, dizer que era forte, e a quentura medonha, as árvores transformadas em garranchos, a imobilidade e o silêncio não valiam nada. Chegou-se a Fabiano, amparou-o e amparou-se, esqueceu os objetos próximos, os espinhos, as arribações, os urubus que farejavam carniça. Falou no passado, confundiu-o com o futuro. Não poderiam voltar a ser o que já tinham sido?
Fabiano hesitou, resmungou, como fazia sempre que lhe dirigiam palavras incompreensíveis. Mas achou bom que Sinha Vitória tivesse puxado conversa.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Nossa Senhora os livrasse de semelhante desgraça. Vaquejar, que ideia! Chegariam a uma terra distante, esqueceriam a catinga onde havia montes baixos, cascalhos, rios secos, espinho, urubus, bichos morrendo, gente morrendo. Não voltariam nunca mais, resistiriam à saudade que ataca os sertanejos na mata. Então eles eram bois para morrer tristes por falta de espinhos? Fixar-se-iam muito longe, adotariam costumes diferentes.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Pouco a pouco uma vida nova, ainda confusa, se foi esboçando. Acomodar-se-iam num sítio pequeno, o que parecia difícil a Fabiano, criado solto no mato. Cultivariam um pedaço de terra. Mudar-se-iam depois para uma cidade, e os meninos frequentariam escolas, seriam diferentes deles (...). (...) Fabiano estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela era nem onde era. Repetia docilmente as palavras de Sinha Vitória, as palavras que Sinha Vitória murmurava porque tinha confiança nele. E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos.”
(Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”)



“Não entendia nada; por mais que escutasse, nada apreendia. Contudo trabalhava, trazia em ordem os cadernos, seguia todos os cursos, não perdia uma única aula. Cumpria a tarefa quotidiana do mesmo modo que um cavalo de nora, que gira no mesmo lugar de olhos vendados, ignorante do trabalho que faz (...).”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“(...) aguardava o momento da sua morte; o pobre homem inda não tinha passado desta para a melhor e Carlos já se achava instalado na terra como seu sucessor.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Heloísa fizera-o jurar com a mão sobre um livro de missa que não voltaria lá; isto depois de muitos soluços e de muitos beijos, em uma grande explosão de amor. Ele obedeceu, mas a violência do seu desejo protestou contra o servilismo da sua conduta e, por uma espécie de hipocrisia ingênua, entendeu que aquela proibição de vê-la era para ele como que um direito de amá-la.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Mas, visto que é a sorte que nos espera, não deve uma pessoa desanimar e, porque outros morram, querer morrer também...”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Intimamente desculpava-a, concordando ter ela demasiada inteligência para a agricultura, mister amaldiçoado pelo céu, pois que nunca fizera enriquecer a ninguém.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Não podia convencer-se agora de que aquela tranquilidade em que vivia fosse a felicidade com que havia sonhado.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“E parecia-lhe que certos lugares da terra deviam dar a felicidade, como planta peculiar ao solo que não se dá bem em outra parte.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Desejava talvez fazer a alguém a confidência de todas estas coisas. Mas explicar um inexplicável mal-estar, que muda de aspecto como as nuvens e que se move em turbilhão como o vento? Faltavam-lhe, pois, palavras, ocasião e coragem.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“(...) assim bateu com o fuzil no coração sem lhe arrancar uma faísca, incapaz afinal de compreender o que não sentia.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“(...) e o tédio, aranha silenciosa, ia tecendo a sua teia na sombra de todos os cantos do seu coração.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Quanto menos Carlos compreendia aquelas elegâncias, mais o dominava a sedução delas. Acrescentavam-lhe qualquer coisa ao prazer dos sentidos e à doçura do lar. Eram como que um pó dourado que lhe cobria o caminho da vida, em toda a extensão.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Eu tenho uma religião, a minha religião, e mesmo até mais do que todos eles, com as suas momices e charlatanices. Eu creio em Deus! Creio no Ente Supremo, em um Criador, qualquer que seja, pouco importa, que nos pôs neste mundo para desempenharmos os nossos deveres de cidadãos e de pais de família; mas o que não preciso é ir a uma igreja beijar salvas de prata, engordar com a minha algibeira uma súcia de farsantes que vivem muito melhor do que nós! Porque o podemos venerar de qualquer maneira, em um bosque, em um campo, ou mesmo contemplando a abóbada celeste, como os antigos. (...) Por isso não admito um Deus que passeie no seu jardim de bengala na mão, aloje os amigos no ventre das baleias, morra soltando um grito e ressuscite ao fim de três dias: coisas absurdas por si mesmas e completamente opostas, além disso, a todas as leis da física; o que nos demonstra, de resto, que os padres têm sempre permanecido em uma ignorância torpe, na qual se esforçam por mergulhar as populações.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Já não lhe tem sucedido muitas vezes (...) encontrar em algum livro uma ideia vaga que já tivesse tido, alguma imagem meio desvanecida, que vem de longe e parece ser como que a exposição inteira do nosso sentimento mais sutil?”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Com efeito (...), as obras que não nos abalam o coração afastam-se, segundo me parece, da verdadeira finalidade da arte.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Foi assim (...) que eles entraram em uma dessas vagas conversações em que o acaso das frases nos conduz a todo instante ao centro fixo de uma simpatia comum.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Era a quarta vez que ela dormia em um lugar desconhecido. (...) e em todas elas sentira como que o começo de uma fase nova na sua vida. Ela não podia acreditar que as coisas pudessem surgir sempre iguais em lugares diferentes; e, uma vez que a parte já vivida fora má, tinha esperanças de que a que lhe restava viver havia de ser melhor.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“(...) e há sempre algum desejo que arrasta e alguma conveniência que detém.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“(...) as suas convicções filosóficas não impediam suas admirações artísticas; nele, o pensador não subjugava o homem sensível; sabia estabelecer diferenças, separar a imaginação do fanatismo.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Não teriam eles outra coisa a dizer? Os seus olhos, no entanto, transbordavam de palavras mais sérias; e, ao passo que se esforçavam por achar frases banais, sentiam-se ambos invadidos pelo mesmo encantamento; era como que um murmúrio da alma, profundo, contínuo, que dominava o das vozes. Surpreendidos e admirados por aquela nova suavidade, não pensavam em descrever a sensação ou descobrir-lhe a causa. As felicidades futuras, como as praias dos trópicos, projetam, na imensidade que as precede, as suas molezas nativas, brisas perfumadas; e nós nos entorpecemos na sua languidez, sem mesmo nos importarmos com o horizonte que não avistamos ainda.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Quanto a Ema, não se interrogava para saber se o amava. O amor, no seu entender, devia surgir de repente, com ruídos e fulgurações, tempestade dos céus que cai sobre a vida e a revolve, arranca as vontades como folhas e arrebata para o abismo o coração inteiro. Ela não sabia que nos terraços das casas a chuva forma poças quando as calhas estão entupidas, de maneira que se pôs de sobreaviso, até que subitamente descobriu uma fenda na parede.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Ela não falava e ele conservava-se mudo, tão cativado pelo seu silêncio como o estaria pelas suas palavras.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Era um desses sentimentos puros que não embaraçam a marcha da vida, que se conservam porque são raros, cuja perda ocasionaria dor maior que o regozijo da posse.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“(...) e a tristeza engolfava-se em sua alma com bramidos lamentosos, como o vento de inverno nos castelos abandonados. Era o devaneio do que não voltaria mais, a lassidão que nos toma depois de cada fato consumado, a dor, enfim, que nos traz a interrupção de todo movimento habitual, a cessação brusca de uma vibração prolongada.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Ema estava debruçada à janela (ali se punha frequentemente: a janela, na província, substitui o teatro e os passeios).”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Suas roupas tinham a incoerência das coisas comuns e bem cuidadas em que o vulgo ordinariamente julga entrever a revelação de uma existência excêntrica, os entrechoques de sentimentos, as tiranias impostas pela arte, e sempre um desprezo qualquer pelas convenções sociais, desprezo que seduz e exaspera.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“— A senhora não sabe então que há almas constantemente atormentadas? Precisam alternadamente de sonho e de ação, das paixões mais puras e dos gozos mais intensos, balançando-se assim a toda espécie de fantasias, de loucuras.
Ela o mirou, como quem mira um viajante que andou por terras extraordinárias:
— Nós, pobres mulheres, não temos nem essa distração!
— Triste distração em que não se acha felicidade...
— Mas por acaso consegue a gente achar a felicidade?”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Ora, lá vêm os deveres! Estou farto dessa palavra! Um bando de velhos papalvos, de colete de flanela, e beatas de aquecedor nos pés e rosário nas mãos, cantando eternamente ao nosso ouvido: o dever! o dever! Ora! O dever é sentir o que é grande, querer o que é belo, e não aceitar todas as convenções da sociedade, com as ignomínias que ela nos impõe.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“— Não! Por que bradar contra as paixões? Não são a única coisa bela que há sobre a terra, a origem do heroísmo, do entusiasmo, da poesia, da música, das artes, de tudo, enfim?
— Mas sempre é preciso seguir um pouco a opinião do mundo e observar sua moral.
— Muito bem, mas é que há duas no mundo. A pequena, a convencional, a dos homens, a que varia incessantemente, a que brada com força, agitando-se cá embaixo, terra-a-terra, como essa reunião de imbecis que a senhora vê. A outra, porém, a eterna, essa rodeia tudo e está acima de tudo, como a paisagem que nos circunda e o céu azul que nos ilumina.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Continuai! Perseverai! Não deis ouvido nem às sugestões da rotina nem aos conselhos precipitados dum empirismo temerário!”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Remontando à origem das sociedades, o orador descrevia os tempos bárbaros em que os homens se alimentavam de frutos no fundo das selvas. Deixaram os homens, depois, a pele dos animais, vestiram-se de pano, cavaram os sulcos, plantaram a vinha. Era isso um bem, não haveria em tal descobrimento mais inconvenientes que vantagens? O Sr. Derozerays estabeleceu o problema.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Mas quem a fizera tão infeliz? Onde estava a catástrofe extraordinária que a esmagara?
E ela ergueu a cabeça, olhando à sua volta, como a buscar a causa do que lhe fazia sofrer.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Invenções de Paris! Eis as ideias desses senhores da capital! São como o estrabismo, o clorofórmio e a litotrícia, um punhado de monstruosidades que o governo devia proibir! Mas querem passar por espertos e enchem-nos de remédios, sem olharem as consequências. Nós, os daqui, não somos tão notáveis, não somos sábios, janotas, levianos; somos práticos, homens que curam, e nunca sonharíamos operar alguém que goze perfeita saúde!”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Tantas vezes já a ouvira dizer tais coisas, que não lhe era mais novidade. Ema parecia-se às demais amantes; e o encanto da novidade, caindo aos poucos como um vestido, exibia a eterna monotonia da paixão, sempre da mesma forma e na mesma linguagem. Não podia alcançar, homem prático que era, a dessemelhança de sentimentos sob a igualdade das expressões. Porque lábios libertinos ou venais lhe haviam murmurado frases parecidas, quase não acreditava na pureza das que ouvia agora, achava que se devia fazer desconto nas expressões exageradas que escondiam aflições medíocres — como se a plenitude da alma não se extravasasse, às vezes, nas mais vazias metáforas, pois que ninguém pode jamais dar medida exata às próprias necessidades, concepções ou dores, e já que a palavra humana é como um caldeirão fendido em que batemos melodias para fazer dançar os ursos, quando antes queríamos enternecer as estrelas.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Nunca a Sra. Bovary fora tão bela como então; tinha essa inexprimível beleza que resulta da alegria, do entusiasmo, do êxito, e que nada mais é que a harmonia do temperamento com as circunstâncias. Os desejos, as tristezas, a experiência do prazer e as ilusões sempre novas, à maneira do que às flores fazem o adubo, a chuva, os ventos e o sol, tinham-na desenvolvido gradativamente, e ela desabrochava enfim em toda a pujança de sua natureza.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“O mundo é cruel, Ema. Por toda parte onde estivéssemos, ele nos perseguiria.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Há naturezas tão impressionáveis à influência de determinados aromas! Seria mesmo um belo tema para estudos, tanto sob o aspecto patológico como sob o aspecto fisiológico. Os padres conhecem-lhe a importância, eles que sempre misturaram os aromas em suas cerimônias. É para entorpecer o entendimento e provocar êxtases.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Censurava-se esquecer Ema, como se, pertencendo a ela todos os seus pensamentos, lhe furtasse algo, não pensando nela continuamente.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Mas o farmacêutico tomou a defesa das letras. Pretendia ele que o teatro servia para criticar os preconceitos e, sob a máscara do prazer, ensinar a virtude.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“— É como na Bíblia; há nela... o senhor sabe... mais de um detalhe... picante, coisas... verdadeiramente facetas!
E a um gesto de impaciência do cura:
— Ah! O senhor concordará em que não é um livro que se ponha nas mãos de uma jovem, e eu ficaria aborrecido se meu filho...
— Mas são os protestantes, e não nós — fez o padre, impaciente — que recomendam a Bíblia!”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Esses artistas todos queimam a vela por ambas as extremidades; precisam levar existência desavergonhada, que excite um pouco a imaginação. Mas acabam no hospital, porque não tiveram a previdência, quando moços, de fazer economia.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“O aprumo depende do meio em que estamos: não falamos na sobreloja da mesma forma que no quarto andar.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“— Não nos devemos acostumar a prazeres impossíveis, tendo à nossa volta mil exigências...
— Imagino...
— Não, você não pode imaginar, porque você não é mulher.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Haverá coisa mais lamentável que arrastar, como eu, uma existência inútil? Se nossas dores pudessem servir a alguém, consolar-nos-íamos com o pensamento do sacrifício!”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Não era a primeira vez que viam árvores, céu azul e relva, que ouviam a água corrente e a brisa ramalhando a folhagem; mas nunca decerto tinham admirado tudo isso, como se anteriormente a natureza não existisse, ou como se não tivesse começado a ser bela senão depois de eles terem saciado os seus desejos.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“(...) há artistas sem reputação de mais valor muitas vezes do que celebridades.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Mas o denegrirmos os que amamos sempre nos desliga deles um pouco. Não é bom tocar nos ídolos; o dourado pode sair nas nossas mãos.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Apesar disso, não era feliz, nunca o fora. De onde vinha, pois, aquela insuficiência da vida, aquele apodrecimento instantâneo das coisas em que se apoiava?... Mas se existia, fosse onde fosse, um belo e forte, uma natureza valorosa, cheia ao mesmo tempo de exaltação e de requintes, um coração de poeta com forma de anjo, lira com cordas de bronze, desferindo para o céu epitalâmios elegíacos, por que acaso não o encontraria ela? Que impossibilidade! Nada, afinal, valia a pena procurar-se; tudo mentira! Cada sorriso ocultava um bocejo de enfado, cada alegria uma maldição, todo prazer o seu desgosto, e os melhores de todos os beijos não deixavam nos lábios senão uma irrealizável ânsia de voluptuosidades mais intensas.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Afigurou-se-lhe então que estava ali, naquele banco, havia uma eternidade. Mas é que um infinito de paixões pode caber em um minuto, como uma multidão em um pequeno espaço.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Ela sentia-se tão desgostosa dele, como fatigado dela ele estava. Ema reencontrava no adultério toda a insipidez do lar conjugal.
Mas como desembaraçar-se? Além disso, por mais que a humilhasse a baixeza de tal ventura, estava presa a ela pelo hábito ou por corrupção; e a cada dia se lhe agarrava mais, exaurindo toda a felicidade à força de a querer muito grande.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“As coisas boas nunca se estragam.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Qualquer coisa de belicoso a dominava. Queria bater nos homens, cuspir-lhes na cara, triturá-los a todos; e continuava a caminhar rapidamente, pálida, trêmula, enraivecida, perscrutando com os olhos rasos de água o horizonte vazio, e como que se deleitando no ódio que a sufocava.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Quando avistou a sua casa, uma espécie de entorpecimento a acometeu. Não podia avançar; era preciso, contudo; ademais, para onde havia de fugir?”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Binet sorria-se, com o queixo baixo, as narinas dilatadas; parecia enfim perdido em uma dessas felicidades completas que são, sem dúvida, atributos apenas das ocupações medíocres, que divertem a inteligência com dificuldades fáceis, saciando-a com uma realização além da qual nada há que sonhar.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“(...) um pedido pecuniário, de todas as borrascas que podem cair sobre o amor, é a mais fria e a mais devastadora.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“(...) praticando a virtude sem acreditar nela, teria quase passado por um santo se a perspicácia do seu espírito não o tornasse temido como um demônio.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“(...) a presença de um eclesiástico era-lhe pessoalmente desagradável, porque a batina lhe fazia lembrar a mortalha e detestava uma pelo medo que lhe causava a outra.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Mas, uma vez que Deus conhece todas as nossas necessidades, de que pode servir a oração?”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Inflamavam-se, estavam vermelhos, falavam ao mesmo tempo sem se ouvir um ao outro; Bournisien escandalizava-se com tal audácia; Homais maravilhava-se com tamanha estupidez.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Carlos não era dos que descem ao fundo das coisas; recuou ante as provas e o ciúme incerto perdeu-se-lhe na imensidade do pesar.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“— Não, já não lhe quero mal.
E acrescentou uma grande frase, a única que jamais dissera:
— Foi culpa da fatalidade.”
(Gustave Flaubert, no livro “Madame Bovary”)



“Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo.”
(Herman Hesse, no livro “Demian”)



“Todos temos origens comuns: as mães; todos proviemos do mesmo abismo, mas cada um – resultado de uma tentativa ou impulso inicial – tende a seu próprio fim. Assim é que podemos entender-nos uns aos outros, mas somente a si mesmo pode cada um interpretar-se.”
(Herman Hesse, no livro “Demian”)



“(...) sob certo aspecto, é mais fácil aos indivíduos levianos, e requer menor responsabilidade, descrever com palavras as coisas inexistentes do que as existentes, mas com o historiador respeitoso e consciencioso dá-se justamente o contrário: não há nada que fuja tanto à descrição por meio de palavras e que seja mais necessário apresentar aos homens do que certas coisas que não têm aparência real e cuja existência não se pode comprovar, mas que, justamente pelo fato de indivíduos respeitosos e conscienciosos as tratarem como coisas existentes, são levadas a dar mais um passo em direção do ser e da possibilidade de nascer..”
(Herman Hesse, no livro “O Jogo Das Contas De Vidro”)



“Há um velho pensamento que diz: quanto maiores a agudeza e severidade com que formularmos uma tese, tanto mais irresistivelmente ela clamará pela sua antítese.”
(Herman Hesse, no livro “O Jogo Das Contas De Vidro”)



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(Herman Hesse, no livro “O Jogo Das Contas De Vidro”)



“Na verdade, o que hoje entendemos por personalidade é bem diferente do conceito em que a tinham os biógrafos historiadores de épocas antigas. Especialmente em relação aos autores que, nos tempos antigos, manifestavam inclinação para a biografia, poderíamos dizer que o essencial numa personalidade consistia em suas anomalias, suas peculiaridades e, com frequência, seu aspecto patológico, a passo que nós, hoje em dia, só falamos de personalidades importantes ao nos depararmos com indivíduos sem nenhuma espécie de originalidade ou peculiaridade, indivíduos que se adaptaram o mais possível à generalidade conseguindo assim servir de modo perfeito ao ideal da superpersonalidade. Observemos com maior exatidão, veremos que a Antiguidade já conhecera esse ideal: a personagem do “sábio” ou do “homem perfeito” entre os antigos chineses, por exemplo, ou o ideal da ética socrática mal se diferenciam do ideal da atualidade; grandes organizações espirituais, como a Igreja Católica Romana em sua época de maior poder, conheceram princípios semelhantes, e muitas dentre as suas grandes personalidades, como Santo Tomás de Aquino, por exemplo, tais quais estátuas da Antiguidade grega, antes nos parecem representantes clássicas de um tipo do que individualidades.”
(Herman Hesse, no livro “O Jogo Das Contas De Vidro”)



“Quanto menos aceitamos o rebelde, levado a romper com a ordem estabelecida por causa de seus desejos e paixões, maior o respeito com que refletimos sobre o valor do sacrifício, sobre a verdadeira tragédia.”
(Herman Hesse, no livro “O Jogo Das Contas De Vidro”)



“A evolução da vida espiritual na Europa parece ter tido, desde o início da Idade Média, duas grandes tendências: a de libertar o pensamento da crença em qualquer influência autoritária, o que significa a luta da razão, que se sentia soberana e emancipada, contra o domínio da Igreja Católica Romana, e — por outro lado — a tentativa oculta mas apaixonada de legitimar sua própria liberdade, a procura de uma autoridade nova, com base na própria razão e adequada a esta. Generalizando, pode-se dizer perfeitamente que o espírito ganhou a luta por essas duas metas contraditórias em princípio, luta que foi também com frequência cheia de estranhas contradições. Não nos é permitido indagar se as vantagens obtidas contrabalançaram os inumeráveis sacrifícios (...). A história realizou-se — se foi boa ou se teria sido melhor que não se tivesse realizado, se reconhecemos o seu “sentido” ou não, nada disso tem importância. Assim sendo, as lutas que se travaram pela “liberdade” do espírito tiveram lugar e, naquela afastada época folhetinesca, deram de fato ao espírito uma liberdade inaudita que lhe foi impossível suportar. É que ele havia superado por completo a tutela da Igreja e, em parte, a do Estado, porém não achara ainda uma legislação autêntica, formulada por ele próprio e merecedora do seu respeito, uma nova e autêntica autoridade e legitimidade.”
(Herman Hesse, no livro “O Jogo Das Contas De Vidro”)



“Mas assim como é fácil classificar dentro da história universal, com beleza e sentido, qualquer período do passado, o presente, seja ele qual for, é incapaz de classificar-se a si mesmo.”
(Herman Hesse, no livro “O Jogo Das Contas De Vidro”)



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(Herman Hesse, no livro “O Jogo Das Contas De Vidro”)



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(Herman Hesse, no livro “O Jogo Das Contas De Vidro”)



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(Herman Hesse, no livro “O Jogo Das Contas De Vidro”)



“Migue Kantum, de Lerma, é amigo de Canek. Escreve-lhe uma carta e envia a ele o seu filho para que faça dele um homem.
Canek responde dizendo-lhe que fará de seu filho um indígena.”
(Hermilo Abreu Gómez, no livro “Canek - História e lenda de um herói maia”)



“Meu pai ainda segurava a língua envolta na mesma camisa. As folhas estavam guardadas nos bolsos de sua calça, talvez por vergonha de o apontarem com desdém como feiticeiro dentro daquele lugar que ele não conhecia. Foi o primeiro lugar em que vi mais gente branca que preta. E vi como as pessoas nos olhavam com curiosidade, mas sem se aproximar.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Somente uma das filhas teria a fala e a deglutição prejudicadas. Mas o silêncio passaria a ser nosso mais proeminente estado a partir desse evento.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Salu disse que eu era a filha mais velha, a primeira de quatro filhos vivos e de outros tantos que nasceram mortos. Belonísia veio pouco tempo depois, enquanto minha mãe ainda me amamentava, contrariando a crença de que quem amamenta não engravida.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Surgiu poucos dias depois do feriado de finados, deitada em meio a flores murchas que já haviam perdido a frescura, mas ainda guardavam o perfume das coisas que mirram e diminuem em sua própria finitude.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“A família Peixoto queria apenas os frutos de Água Negra, não viviam a terra, vinham da capital apenas para se apresentar como donos, para que não os esquecêssemos, mas, tão logo cumpriam sua missão, regressavam. Mas havia os fazendeiros e sitiantes que cresceram em número e que exerciam com fascínio e orgulho seus papéis de dominadores, descendentes longínquos dos colonizadores; ou um subalterno que havia conquistado a sorte no garimpo e passava a exercer o poder sobre outros, que, sem alternativa, se submetiam ao seu domínio.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Minha avó dizia que não fazia parto, quem o fazia era a mãe, apenas ajudava.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Ele falava que poderia aliar seu conhecimento da natureza e da lavoura com sua disposição para o trabalho, além do estudo que poderia lhe dar conhecimentos novos para mudar de vida. Eu achava tudo aquilo interessante, mas nunca havia parado para pensar porque estávamos ali, o que poderia modificar nessa história, o que dependia de mim mesma ou o que dependeria das circunstâncias. Mas ouvir as coisas que ele falava iluminou meu dia, e quis ouvir mais. Nunca havia conhecido ninguém que me dissesse ser possível uma vida além da fazenda. Achava que ali havia nascido e que ali morreria, como acontecia à maioria das pessoas.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Que tudo iria mudar. E a sentença que permaneceu mais exata em minha memória e resistiu aos golpes que minha vida sofreria nos anos vindouros foi que 'de seu movimento virá sua força e sua derrota'.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Também o vi proibir que se falasse do ocorrido em casa e entre os vizinhos. Não por malquerença, mas porque considerava desonesto falar de qualquer pessoa longe de sua presença. Queria, eu intuía, que continuássemos a bem-querer Bibiana, mesmo tendo ela quebrado a lealdade que regia o universo de nossa casa. Apesar de ser uma liderança entre o povo que vivia em Água Negra, meu pai se negava a ser juiz, e acreditava que qualquer pessoa poderia se redimir de seus erros.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Não me interessava por suas aulas em que contava a história do Brasil, em que falava da mistura entre índios, negros e brancos, de como éramos felizes, de como nosso país era abençoado. Não aprendi uma linha do Hino Nacional, não me serviria, porque eu mesma não posso cantar. Muitas crianças também não aprenderam, pude perceber, estavam com a cabeça na comida ou na diversão que estavam perdendo na beira do rio, para ouvir aquelas histórias fantasiosas e enfadonhas sobre os heróis bandeirantes, depois os militares, as heranças dos portugueses e outros assuntos que não nos diziam muita coisa.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Poder estar ao lado de meu pai era melhor do que estar na companhia de dona Lourdes [a professora], com seu perfume enjoativo e suas histórias mentirosas sobre a terra. Ela não sabia por que estávamos ali, nem de onde vieram nossos pais, nem o que fazíamos, se em suas frases e textos só havia histórias de soldado, professor, médico e juiz.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Com Zeca Chapéu Grande me embrenhava pela mata nos caminhos de ida e de volta, e aprendia sobre as ervas e raízes. Aprendia sobre as nuvens, quando haveria ou não chuva, sobre as mudanças secretas que o céu e a terra viviam. Aprendia que tudo estava em movimento — bem diferente das coisas sem vida que a professora mostrava em suas aulas. Meu pai olhava para mim e dizia: 'O vento não sopra, ele é a própria viração', e tudo aquilo fazia sentido. 'Se o ar não se movimenta, não tem vento, se a gente não se movimenta, não tem vida', ele tentava me ensinar.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“De imediato, Tobias abriu um sorriso quando entrou na casa. Temi por um momento que reclamasse por ter mexido em suas coisas, por ter tentado arrumar a bagunça, ainda que não tivesse conseguido fazer tudo naquelas horas que permaneci sozinha. Mas a diferença era clara. Ele olhava os cantos, a cama arrumada, o rasgo no colchão de palha de milho costurado — com linha e agulha que trouxe em minha trouxa —, a mesa limpa, as moscas que voavam mais distantes, a comida que fumegava no fogão. Não agradeceu, era um homem, por que deveria agradecer, foi o que se passou em minha cabeça, mas conseguia ver em seus olhos a satisfação de quem tinha feito um excelente negócio ao trazer uma mulher para sua tapera.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“De Maria guardava, sobretudo, as histórias das muitas fazendas por onde havia andado. Da avó que havia sido pega no mato a dente de cachorro. Maria estava magra, parecia ter uma fome permanente. Seu corpo miúdo tinha manchas púrpuras, era possível ver à luz do dia. Mulher bonita, minha mãe diria, mas maltratada. Todas nós, mulheres do campo, éramos um tanto maltratadas pelo sol e pela seca. Pelo trabalho árduo, pelas necessidades que passávamos, pelas crianças que paríamos muito cedo, umas atrás das outras, que murchavam nossos peitos e alargavam nossas ancas.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Mas eu persistia e repetia as palavras mais duras, as que não gostamos de ouvir, para mim mesma, nos caminhos que percorria sozinha e que com o passar do tempo foram se tornando mais frequentes. Não me furtava a dizer o que faria muitos correrem, temendo a virulência de uma língua. Eram palavras repetidas por minha voz deformada, estranha, carregada de rancor por muitas coisas, e que só fez crescer ao longo dos anos.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Como minha irmã, naquele breve período de quase dois anos em minhas contas, havia envelhecido! Estava com os quadris largos, não tinha mais o viço da mocidade. A única coisa que ainda a fazia parecer jovem eram as espinhas brilhantes que despontavam como pontos amarelos em seu rosto. Por todo o resto, parecia ter mais dez anos. Aquele tempo parecia ter passado com violência para ela, agora mãe de um menino. Pude ver seus seios despontarem da roupa que vestia, cheios, caídos de amamentar Inácio. Mas isso nada significava para nós mulheres da roça. Éramos preparadas desde cedo para gerar novos trabalhadores para os senhores, fosse para as nossas terras de morada ou qualquer outro lugar onde precisassem. A constatação que fazia era apenas em respeito à passagem de minha irmã da infância para a maturidade.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Não foram poucos os dias em que pensei em retornar à casa de meu pai. Mas algo me dizia que poderia dobrar o homem. Não deveria deixar a casa, acovardada. Se havia coisa que aprendi era que não deveria aceitar a proteção de ninguém. Se eu mesma não o fizesse, ninguém mais poderia.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Sabia que, mesmo depois de muitos anos, carregaria aquela vergonha por ter sido ingênua, por ter me deixado encantar por suas cortesias, lábia que não era diferente da de muitos homens que levavam mulheres da casa de seus pais para lhes servirem de escravas. Para depois infernizarem seus dias, baterem até tirar sangue ou a vida, deixando rastro de ódio em seus corpos. Para reclamarem da comida, da limpeza, dos filhos mal criados, do tempo, da casa de paredes que se desfaziam. Para nos apresentarem ao inferno que pode ser a vida de uma mulher.
A vida bem-sucedida de meu pai e minha mãe, ou até o momento de Bibiana e Severo, parecia ser uma exceção. Sofriam algumas penitências, nenhuma mulher estava livre delas, mas eram respeitadas, tinham voz dentro de casa. Nunca havia visto meu pai dirigir qualquer insulto à minha mãe. Se não eram calorosos e afetuosos entre si, também não eram indiferentes. Cada um sabia da necessidade do outro e concordava em ceder para avançar.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Quando me senti melhor do ferimento, comecei a construir uma nova casa. Não há como consertar as casas de barro, então o jeito é construir uma nova, em outra parte do terreiro. Era assim com todos que moravam na fazenda: enquanto fazíamos a nova, deixávamos a antiga tombar ali mesmo. Zezé ajudou a carregar o barro do rio, a cortar estacas para a forquilha e parede. Via como um encanto uma casa nascer da própria terra, do mesmo barro em que, se lançássemos sementes, veríamos brotar o alimento. Quantas vezes havia visto aquele ritual de construir e desmanchar casas, e ainda me maravilhava ao ver se levantar as paredes que seriam nosso abrigo.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Cheguei à casa de Maria Cabocla como quem não queria nada, e a certa distância pude ouvir o choro ecoando pela trilha em que caminhava a passos rápidos. Bati na porta que já se encontrava aberta, mas avisando que alguém iria entrar. Aparecido parou para me observar, estava confiante na covardia dos homens que ouviam o desespero daquela mulher e nada faziam.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Maria Cabocla aproveitou a fragilidade que ele transparecia para afastá-lo de vez. Mostrava as marcas do corpo, as que pareciam estar curadas, as que não curaram e as daquele instante. Sua raiva dizia muito das dores da alma — e sobre estas ela não falou —, aquelas que demoram a curar, as que no meio das lembranças precisamos afastar com um gesto de negação para que não se abata sobre nós o desânimo.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Se soubesse que tudo que se passa em meus pensamentos, essa procissão de lembranças enquanto meu cabelo vai se tornando branco, serviria de coisa valiosa para quem quer que fosse, teria me empenhado em escrever da melhor forma que pudesse. Teria comprado cadernos com o dinheiro das coisas que vendia na feira, e os teria enchido das palavras que não me saem da cabeça. Teria deixado a curiosidade que tive ao ver a faca com cabo de marfim se transformar na curiosidade pelo que poderia me tornar, porque de minha boca poderiam sair muitas histórias que serviriam de motivação para nosso povo, para nossas crianças, para que mudassem suas vidas de servidão aos donos da terra, aos donos das casas na cidade.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Era o que nos contavam. O medo atravessou o tempo e fez parte de nossa história desde sempre.
Era o medo de quem foi arrancado do seu chão. Medo de não resistir à travessia por mar e terra. Medo dos castigos, dos trabalhos, do sol escaldante, dos espíritos daquela gente. Medo de andar, medo de desagradar, medo de existir. Medo de que não gostassem de você, do que fazia, que não gostassem do seu cheiro, do seu cabelo, de sua cor. Que não gostassem de seus filhos, das cantigas, da nossa irmandade. Aonde quer que fôssemos, encontrávamos um parente, nunca estávamos sós. Quando não éramos parentes, nos fazíamos parentes. Foi a nossa valência poder se adaptar, poder construir essa irmandade, mesmo sendo alvos da vigilância dos que queriam nos enfraquecer.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Os mais jovens não viram muita diferença em enterrar os mortos na cidade ou n[o cemitério d]a Viração. Mas para os mais velhos aquela interdição era uma ofensa. A Viração existia havia mais de duzentos anos, era o que contavam. As mulheres diziam em suas conversas que só saíam de suas casas, só se recolheriam de suas vidas, para a Viração. Que não haveria conversa nem interdito, que não abriam mão de serem sepultadas naquele chão. Não abdicariam do destino de serem enterradas ao lado de seus parentes e compadres. Queriam estar à volta de compadre Zeca, assentado bem no meio daquele quadrado de terra seca, com metade do terreno cercado por um muro de um metro, enquanto a outra metade estava cercada pela caatinga. 'Daqui só saio para a Viração', foi o que mais ouvimos naqueles dias que anunciaram o interdito.
Por sorte, ninguém morreu naquele primeiro ano. Mas também ninguém se tranquilizou com o que estava por vir. Aquela mensagem dizia muito mais sobre nossas vidas do que sobre a morte em si. Se não pudéssemos deitar nossos mortos na Viração era porque, em breve, também não poderíamos estar sobre a mesma terra.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Um dia, meu irmão Zezé perguntou ao nosso pai o que era viver de morada. Por que não éramos também donos daquela terra, se lá havíamos nascido e trabalhado desde sempre. Por que a família Peixoto, que não morava na fazenda, era dita dona. Por que não fazíamos daquela terra nossa, já que dela vivíamos, plantávamos as sementes, colhíamos o pão. Se dali retirávamos nosso sustento.
Esse dia vive em minha memória. Não se apaga nem se afasta ainda que envelheça. O sol era tão forte que quase tudo ao alcance de minha visão estava branco, refletindo a luz intensa do céu sem nuvens. Meu pai retirou o chapéu, o calor fazia minar de seu corpo um suor grosso que lhe lavava o rosto, escorrendo pela fronte e pelas têmporas. Escorria pelo lado anterior de seus braços, formando grandes manchas em sua camisa surrada. O barro cobria sua calça, sua enxada, seus braços, o chapéu largo em suas mãos. Eu atirava milho e restos de comida para as galinhas. 'Pedir morada é quando você não sabe para onde ir, porque não tem trabalho de onde vem. Não tem de onde tirar o sustento', apertou os olhos, olhando para a cova diante de seus pés, 'aí você pergunta pra quem tem e quem precisa de gente para trabalho: ‘Moço, o senhor me dá morada?’.' De pronto seu olho se ergueu para meu irmão: 'Trabalhe mais e pense menos. Seu olho não deve crescer para o que não é seu'. Apoiou a enxada em pé no solo, segurando a ponta do seu cabo com um dos braços. 'O documento da terra não vai lhe dar mais milho, nem feijão. Não vai botar comida na nossa mesa.' Retirou papel e fumo do bolso e começou a fazer um cigarro. 'Está vendo este mundão de terra aí? O olho cresce. O homem quer mais. Mas suas mãos não dão conta de trabalhar ela toda, dão? Você sozinho consegue trabalhar essa tarefa que a gente trabalha. Esta terra que cresce mato, que cresce a caatinga, o buriti, o dendê, não é nada sem trabalho. Não vale nada. Pode valer até para essa gente que não trabalha. Que não abre uma cova, que não sabe semear e colher. Mas para gente como a gente a terra só tem valor se tem trabalho. Sem ele a terra é nada.'
Zezé voltou à lida, sem estender a conversa.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Fiquei atenta a tudo o que acontecia, sabia que nada retornaria. Olhei com certo encantamento o tempo caminhando, indomável como um cavalo bravio.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Antes dela, me abriguei em muitos corpos, desde que a gente adentrou matas e rios, adentrou serras e lagoas, desde que a cobiça cavou buracos profundos e o povo se embrenhou no chão como tatus, buscando a pedra brilhante. O diamante se tornou um enorme feitiço, maldito, porque tudo que é bonito carrega em si a maldição.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Meu povo seguiu rumando de um canto para outro, procurando trabalho. Buscando terra e morada. Um lugar onde pudesse plantar e colher. Onde tivesse uma tapera para chamar de casa. Os donos já não podiam ter mais escravos, por causa da lei, mas precisavam deles. Então, foi assim que passaram a chamar os escravos de trabalhadores e moradores. Não poderiam arriscar, fingindo que nada mudou, porque os homens da lei poderiam criar caso. Passaram a lembrar para seus trabalhadores como eram bons, porque davam abrigo aos pretos sem casa, que andavam de terra em terra procurando onde morar. Como eram bons, porque não havia mais chicote para castigar o povo. Como eram bons, por permitirem que plantassem seu próprio arroz e feijão, o quiabo e a abóbora. A batata-doce do café da manhã. 'Mas vocês precisam pagar esse pedaço de chão onde plantam seu sustento, o prato que comem, porque saco vazio não fica em pé. Então, vocês trabalham nas minhas roças e, com o tempo que sobrar, cuidam do que é de vocês. Ah, mas não pode construir casa de tijolo, nem colocar telha de cerâmica. Vocês são trabalhadores, não podem ter casa igual a dono. Podem ir embora quando quiserem, mas pensem bem, está difícil morada em outro canto'.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Mas o diamante não nos trouxe sorte nem bambúrrio. O diamante trouxe a ilusão, porque, quando instalaram as dragas, os rios foram se enchendo da areia que jorrava das grutas. Os rios foram ficando sujos e rasos. Sem abastança de água para pescar já não tinham porque pedir nada a Santa Rita Pescadeira. Ah, chegou a luz elétrica, e quem pôde comprou sua geladeira. Esses peixes miúdos que restaram por aqui não matam mais a fome de ninguém. Envergonham até quem pesca.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“O rio era sangue e lágrima, caudaloso e lento, como uma corrente de lama avançando pelas casas e chamando o povo para se unir ou fugir da fazenda. Nos momentos de forte emoção meu horizonte se embota, transbordo para os lados, não consigo reunir o que me compõe.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Fui tomada por uma profunda tristeza ao ver aquelas duas vidas desamparadas diante do que lhes haviam feito. Vi tanta crueldade ao longo do tempo, e mesmo calejada me comovo ao ver os homens derramando sangue para destruir sonhos. Vi senhores enforcarem seus escravos como castigo. Cortarem suas mãos no garimpo por roubarem um diamante. Acudi uma mulher que incendiou o próprio corpo por não querer ser mais cativa de seu senhor. Mulheres que retiravam seus filhos ainda no ventre para que não nascessem escravos. Que davam a liberdade aos que seriam cativos, e muitas delas morreram também por isso. Mulheres que enlouqueceram porque as separaram dos filhos, que seriam vendidos. Vi um senhor cruel deitar com mulheres negras e abandonar seus corpos castigados à morte, como se quisesse expurgar o mal que o fazia cair. Outro fez do corpo de seu escravo um reparo para o barco imprestável em que navegava. Entrava água na embarcação. O barco chegou ao seu destino com o homem afogado. Vi homens e mulheres venderem seus pedaços de terra por uma saca de feijão ou uma arroba de carne, porque não suportavam mais a fome da seca. Severo morreu porque pelejava pela terra de seu povo. Lutava pelo livramento da gente que passou a vida cativa. Queria apenas que reconhecessem o direito das famílias que estavam havia muito tempo naquele lugar, onde seus filhos e netos tinham nascido. Onde enterraram seus umbigos, no largo de terra dos quintais das casas. Onde construíram casas e cercas.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Atravessei o tempo como se caminhasse sobre as águas de um rio bravo. A luta era desigual e o preço foi carregar a derrota dos sonhos, muitas vezes.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Mas o desejo do povo, depois do enterro, foi queimar a casa de madeira e vidro. Queriam vê-la reduzida a cinzas, moída feito poeira, consumida pelas chamas. Sentiam vontade de destruir tudo o que lhes foi negado.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Alguém lembrou que ainda poderia haver justiça. Que por mais doloroso que fosse o desaparecimento de um líder, a solução para os problemas permanecia no horizonte, a ser perseguida em sua homenagem. Não iriam ceder à violência do momento e agir de forma irresponsável para pôr em risco seus sonhos e perderem de vez a batalha. Uma voz se levantou para dizer que era preciso acalmar os ânimos, embora estivessem se sentindo em pedaços pelo que tinha acontecido. Outra exortou por temperança, para que não deixassem o ódio falar mais alto.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Durante esse tempo, nasceram seus filhos, e ela cursou o magistério, realizando em parte os propósitos que a fizeram deixar a fazenda por um tempo. Nessa jornada percebeu que a vida além da Água Negra não era muito diferente no que se referia à exploração. Mas havia Severo, e os sonhos, e tudo que construíam juntos. Havia dificuldades e desentendimentos, mas havia, antes de qualquer coisa, afetos que ela mesma não poderia definir. Afetos que envolviam suas histórias e todas as coisas que apreendiam, sobre si e sobre sua gente. Como nessa jornada passaram a amar seu lugar! Sentiram vontade de retornar, à medida que foram acumulando informações sobre o que era pertencer a uma comunidade de moradores, talvez invisíveis para todo o resto, no coração de uma fazenda.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Chegamos à fazenda há muitos anos, cada um aqui sabe como foi. Essa história já foi repetida muitas vezes. Mil vezes. Muitos de nós, a maioria, posso dizer, nasceram nesta terra. Nasceram aqui, nesta terra que não tinha nada, só o nosso trabalho. Isto tudo aqui só existe porque trabalhamos esta terra. (...) Os donos pisavam os pés nesta terra só para receberem o dinheiro das coisas que plantávamos nas roças.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Quiseram impedir a pesca com a desculpa de que era para proteger os rios. Como se não fosse a gente que cuidasse das coisas. Como se não fôssemos parte de tudo isso. Estivesse tudo isso nas mãos de garimpeiro ou fazendeiro, estaria destruído.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Miúda e o povo daqui não diziam que eram pretos. Pretos não eram bemvistos, tinham que deixar a terra. Então dizia que era índia. Os outros diziam que eram índios. Índio não deixava a terra. Índio era tolerado, ninguém gostava, mas as leis protegiam, era o que pensavam. Os outros torciam o bico, porque viam que eram pretos. Mas o povo começava a contar que foi pego a dente de cachorro. Geralmente uma mulher era pega a dente de cachorro, então ninguém poderia questionar que não era uma índia legítima ou misturada com um preto. Miúda, atenta, começou a contar que havia sido pega a dente de cachorro como sua mãe. Se contava, pronto, todos acreditavam. Talvez por isso tenha sobrevivido à caminhada.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Pairo como o ar e desço como a chuva na terra. Desço lavando o sangue que derramaram sem piedade. O sangue do passado corre feito um rio. Corre nos sonhos, primeiro. Depois chega galopando, como se andasse a cavalo.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“'Por que a faca estava envolta naquele tecido sujo de sangue? Aquela mancha escura era sangue', suspirou. 'E por que minha avó guardava essa faca com tanto medo? Ela não temia outras coisas que podiam nos machucar da mesma forma, como um caco de espelho ou qualquer outra coisa.'
'Medo?', o polegar e o dedo do meio tocaram o lugar do coração. Belonísia queria entender aonde a irmã queria chegar.
'Minha avó tinha mais medo do que essa faca significava. Temia mais o segredo que ela guardava do que que pudesse nos ferir.'”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“O túmulo que jazia em ruína, cercado de mato, onde você não teve desejo de pôr as mãos uma única vez. Não por rancor, nem por descaso, mas por entender que aquele foi um erro que deveria ser suprimido de suas lembranças em definitivo, mesmo que a memória frustrasse seu querer.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Sofrer, esse sentimento difícil de exprimir e rejeitado por todos, mas que a unia de forma irremediável a todo seu povo. O sofrimento era o sangue oculto a correr nas veias de Água Negra.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Há muitos anos, sentiu seu corpo vibrar como a terra úmida daquele campo. Vivendo entre as mulheres jovens da fazenda, era como se sua sina de ser mãe estivesse também sendo traçada. Mas, como a chuva, esse desejo foi abandonando seu corpo sem explicação aparente. E, depois dessa experiência, a cada vez que se entregava à semeadura conseguia sentir a natureza vibrando, como no passado. Quando estava sozinha e sabia que não a observariam com estranheza pelo seu ato, deitava no chão, como viu seu pai fazer inúmeras vezes. Tentava escutar os sons mais íntimos, dos lugares mais recônditos do interior da terra, para livrar o plantio da praga, para reparar as dificuldades e ajudar na colheita.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Disse que era quilombola. Escutou que ninguém nunca havia falado sobre quilombo naquela região. 'Mas a nossa história de sofrimento e luta diz que nós somos quilombolas', respondeu, tranquila, diante do escrivão e do delegado.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Cada mulher sabe a força da natureza que abriga na torrente que flui de sua vida.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Belonísia era a fúria que havia cruzado o tempo. Era filha da gente forte que atravessou um oceano, que foi separada de sua terra, que deixou para trás sonhos e forjou no desterro uma vida nova e iluminada. Gente que atravessou tudo, suportando a crueldade que lhes foi imposta.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“Sobre a terra há de viver sempre o mais forte.”
(Itamar Vieira Junior, no livro “Torto Arado”)



“... adeus criancinhas douradas deste hilariante mundo louco...”
(Jack Kerouac, no livro “O Livro dos Sonhos”)



“— a maneira franco-canadense de usar o inglês para expressar humildade – significados – quem não é franco-canadense não entende uma coisa dessas.”
(Jack Kerouac, no livro “O Livro dos Sonhos”)



“Enquanto me acordo nesta cama de horror, presa de um pesadelo que só a vida seria capaz de inventar. Ah, fodam-se!”
(Jack Kerouac, no livro “O Livro dos Sonhos”)



“É só quando os sonhos perdem a importância que começa a suja interferência do mal – por sonhos se entenda o que se enxerga durante o sono – e não o que se deseja nos devaneios diurnos.”
(Jack Kerouac, no livro “O Livro dos Sonhos”)



“Vou começar a contar do dia em que saí do Internato Pencey. O Pencey é aquele colégio em Angerstown, na Pennsylvania. Vocês já devem ter ouvido falar nele, ou pelo menos visto os anúncios. Eles fazem propaganda em mais de mil revistas, mostrando sempre um sujeito bacana, a cavalo, saltando uma cerca. Parece até que lá no Pencey a gente passava o tempo todo jogando pólo. Pois nunca vi um cavalo por lá, nem mesmo para amostra. E, embaixo do desenho do sujeito a cavalo, vem sempre escrito: 'Desde 1888 transformamos meninos em rapazes esplêndidos e atilados'. Pura conversa fiada. Não transformam ninguém mais do que qualquer outro colégio. E não vi ninguém por lá que fosse esplêndido e atilado. Talvez dois sujeitos, se tanto. E esses, com certeza, já chegaram lá assim.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Enfim era dezembro, estava fazendo um frio de rachar, principalmente no alto daquele morro idiota. Eu estava só com um paletó, sem luvas nem nada. Uma semana antes alguém tinha entrado no meu quarto e roubado meu casaco de pelo de camelo, com as luvas forradas de pele no bolso e tudo. O Pencey estava cheio de vigaristas. A maioria dos alunos vinha de famílias riquíssimas, mas assim mesmo o colégio estava cheio de ladrões. Quanto mais caro um colégio, mais gente safada tem, no duro.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Eu já não morro de amores por gente doente, mas o negócio era ainda mais deprimente porque o velho Spencer estava usando um roupão tão velho e surrado que parecia já ter nascido dentro dele. De qualquer maneira, não me agrada muito ver um sujeito velho de pijama ou roupão. Fica sempre aparecendo o peito, todo ossudo e encalombado. E as pernas. Perna de gente velha na praia é sempre branca e sem cabelo.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— E a vida é um jogo, meu filho. A vida é um jogo que se tem de disputar de acordo com as regras.
— Sim, senhor, sei que é. Eu sei.
Jogo uma ova. Bom jogo esse. Se a gente está do lado dos bacanas, aí sim, é um jogo — concordo plenamente. Mas se a gente está do outro lado, onde não tem nenhum cobrão, então que jogo é esse? Qual jogo, qual nada.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Apesar disso, às vezes eu me comporto como se tivesse doze anos. É o que todo mundo diz, principalmente meu pai. Até certo ponto é verdade, mas não é totalmente verdade. As pessoas estão sempre pensando que alguma coisa é totalmente verdadeira. Eu nem ligo, mas tem horas que fico chateado quando alguém vem dizer para me comportar como um rapaz da minha idade. Outras vezes, me comporto como se fosse bem mais velho — no duro — mas aí ninguém repara. Ninguém nunca repara em coisa nenhuma.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“'Excelente'. Se há uma palavra que eu odeio é essa. Falsa como quê. Só de ouvir me dá vontade de vomitar.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Eu gostaria de pôr um pouco de juízo nesta sua cabeça, rapaz. Estou tentando ajudá-lo. Estou tentando ajudá-lo, tanto quanto posso.
E estava mesmo, isso a gente podia ver. Mas o caso é que vivíamos em mundos diferentes.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Sou bastante ignorante, mas leio um bocado.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Bom mesmo é o livro que quando a gente acaba de ler fica querendo ser um grande amigo do autor, para se poder telefonar para ele toda vez que der vontade. Mas isso é raro de acontecer.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Saiu do quarto levando o aparelho de barbear e uma toalha em baixo do braço, sem camisa nem nada. Andava sempre nu da cintura para cima, porque achava que tinha um físico fabuloso. E tinha mesmo, isso eu não posso negar.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Êi — disse Stradlater — quer me fazer um grande favor?
— Que favor? — respondi. Sem muito entusiasmo. Ele estava sempre pedindo à gente para lhe fazer um grande favor. Basta um sujeito ser bonitão, ou pensar que é o cara mais bacana do mundo, e está sempre pedindo aos outros que lhe façam um grande favor. Só porque eles se acham fabulosos, pensam que todo mundo também os acha fabulosos, e que a gente está doida para fazer-lhes um favor. De certo modo, até que é engraçado.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Isso é o tipo da coisa que me deixa aporrinhado. Um sujeito bocejar bem na hora que está pedindo à gente um grande favor.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Esse filho da puta desse Hartzell acha você o máximo em Inglês e sabe que você é meu companheiro de quarto. Por isso, vê lá se você vai botar todas as vírgulas no lugar e tudo.
Isso é outro negócio que me aporrinha um bocado. A gente escrever bem e o sujeito começar a falar em vírgulas. Era o que o Stradlater estava fazendo. Queria que se pensasse que as redações dele eram umas drogas só porque botava todas as vírgulas no lugar errado. Nisso ele era um pouco como o Ackley. Uma vez sentei ao lado do Ackley num jogo de basquete. Nós tínhamos um sujeito infernal no time, o Howie Coyle, que encestava lá do meio do campo sem a bola tocar na tabela nem nada. Ackley passou a droga do jogo todo dizendo que o Coyle tinha um corpo perfeito para jogar basquete. Puxa, que raiva que eu tenho disso.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Acabei me cansando de ficar sentado naquela pia, e aí me levantei e comecei a sapatear, só de farra. Não sei sapatear nem nada, mas o piso do banheiro era de pedra e por isso dava um som perfeito. Comecei a imitar um desses sujeitos do cinema, num desses musicais. Odeio o cinema como se fosse um veneno, mas me divirto imitando os filmes. O Stradlater me olhava pelo espelho, enquanto se barbeava. Tudo de que eu preciso é uma plateia. Sou um exibicionista.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Êi — eu disse — não diz a ela que eu fui expulso, tá bom?
— Está certo.
Isso era uma coisa boa no Stradlater. A gente não tinha que explicar cada merdinha a ele, como tinha de fazer com o Ackley. Acho que, principalmente, porque ele [Stradlater] não estava nunca interessado. Essa é que era a razão.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Não era muito fácil aporrinhá-lo. Ele era vaidoso demais.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Afinal resolvi não jogar [a bola de neve] em lugar nenhum. Fechei a janela e fiquei andando pelo quarto, endurecendo ainda mais a bola de neve. Algum tempo depois, quando o Brossard, o Ackley e eu tomamos o ônibus, eu ainda estava com ela na mão. O motorista abriu uma janela e me disse para jogá-la fora. Expliquei a ele que eu não ia atirar a bola em ninguém, mas não houve jeito de ele me acreditar. Ninguém nunca acredita na gente.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Ele ficava furioso quando era chamado de imbecil. Todos os imbecis detestam ser chamados de imbecis.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Esse é que é o problema com os imbecis como você. Nunca querem discutir coisa nenhuma. É assim que a gente descobre quem é boçal. Não discutem nunca um troço com inteligên...
Aí ele me mandou um murro tremendo e eu capotei. Não me lembro se cheguei a perder os sentidos, mas acho que não. Não é nada fácil nocautear uma pessoa, a não ser no cinema.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Garanto que ninguém nunca viu ferimento igual àquele. Tinha sangue espalhado pela boca e pelo queixo, e até no pijama e no roupão. Fiquei meio assustado e meio fascinado. Todo aquele sangue me dava um jeitão de machão. Na minha vida inteira só tinha entrado numas duas brigas, e apanhei nas duas vezes. Não sou muito de briga. Para dizer a verdade, eu sou é pacifista.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Ela olhou para mim e sorriu. Ela tinha um sorriso tremendamente simpático. Verdade. A maioria das pessoas ou não sabem sorrir ou têm um sorriso pavoroso.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— A senhora aceita um cigarro?
Ela olhou em volta: — Acho que não se pode fumar neste carro, Rudolph — ela disse.
Rudolph. Essa foi infernal!
— Não faz mal não. A gente pode fumar até eles começarem a reclamar — respondi.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“A mãe dele não disse nada, mas, puxa, valia a pena ver a cara dela. Parecia colada na poltrona. É sempre assim, a gente fala com a mãe de alguém, e a única coisa que elas querem ouvir é como o filho delas é bacana pra chuchu.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Um sujeito assim como o Morrow, que está sempre batendo com a toalha na bunda dos outros — pra machucar mesmo — não é safado só quando é garoto. É safado a vida toda. Mas aposto que, depois de toda aquela baboseira que eu falei, a mãe dele vai pensar sempre nele como o sujeito tímido e modesto pra burro, que não deixou a gente elegê-lo chefe da turma. Certamente vai pensar, não se sabe nunca. As mães não são lá muito espertas nesse tipo de coisa.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Prontinho, meu chapa. Pra onde a gente vai agora?
— Bem, o negócio é o seguinte: não quero me hospedar em nenhum hotel do lado leste, onde possa dar de cara com algum conhecido. Estou viajando incógnito.
Odeio dizer coisas quadradas, assim como "viajando incógnito", mas quando estou com gente burra fico burro também.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“No táxi, eu tinha posto só de farra meu chapéu de caça vermelho, mas tirei-o da cabeça na hora de entrar no hotel. Não queria passar por doido ou coisa que o valha. Aí é que está a ironia da estória. Nem sabia que o hotel estava cheio de malucos e de pervertidos. Havia um tarado em cada canto.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Me deram um quarto muito vagabundo. A única vista que eu tinha era a outra ala do hotel. Não que eu ligasse para isso. Estava deprimido demais para me preocupar se a vista do meu quarto era boa ou não. O empregado que me levou até o quarto devia andar pelos sessenta e cinco anos e conseguia ser mais deprimente do que o próprio quarto. Era um desses carecas que penteiam todo o cabelo do lado por cima da cabeça para tapear. Eu preferia ser careca de uma vez a fazer um troço desses. De qualquer jeito, que emprego fabuloso para um sujeito de sessenta e cinco anos: carregar a mala dos outros e ficar esperando uma gorjeta. Acho que ele não era muito inteligente nem nada, mas o troço não deixava de ser doloroso.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Mas vinha música do Salão Lavanda, por isso fui para lá. Apesar de meio vazio, me deram uma mesa horrível, bem no fundo. Eu devia ter sacudido uma nota no nariz do maître. Em Nova York, a gente fica sabendo que é verdade essa estória de que o dinheiro fala — é sério.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Não há uma boate no mundo onde a gente possa ficar muito tempo, a não ser que tome umas e outras e fique logo de porre. Ou então, a não ser que a gente esteja com alguma garota que deixe o sujeito maluco.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Chegamos mesmo a ter bastante intimidade. Não que tenha havido qualquer coisa de físico nem nada — porque não houve mesmo — mas nós passávamos o dia todo juntos. A gente não precisa entrar sempre nesse negócio de sexo para conhecer direito uma garota.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Não sei direito o nome da música que ele estava tocando quando entrei, mas só sei que ele estava esculhambando mesmo o troço pra valer. Dando uma porção de floreios imbecis nos agudos e outras palhaçadas que me aporrinham pra chuchu. Mas valia a pena ver os idiotas quando ele acabou. Era de vomitar. Entraram em órbita, igualzinho aos imbecis que riem como umas hienas, no cinema, das coisas sem graça. Juro por Deus que, se eu fosse um pianista, ou um autor, ou coisa que o valha, e todos aqueles bobalhões me achassem fabuloso, eu ia ter raiva de viver. Não ia querer nem que me aplaudissem. As pessoas sempre batem palmas pelas coisas erradas. Se eu fosse pianista, ia tocar dentro de um armário.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“O cara da Marinha e eu dissemos que tinha sido um prazer conhecer um ao outro. Esse é um troço que me deixa maluco. Estou sempre dizendo: 'Muito prazer em conhecê-lo' para alguém que não tenho nenhum prazer em conhecer. Mas a gente tem que fazer essas coisas para seguir vivendo.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“As pessoas estão sempre atrapalhando a vida da gente.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Bem que eu gostaria de saber qual o safado que tinha roubado minhas luvas no Pencey, porque minhas mãos estavam geladas. Não que eu fosse fazer muita coisa se soubesse. Sou um desses sujeitos covardes pra chuchu. Procuro não demonstrar, mas sou. Por exemplo, se eu tivesse descoberto quem roubou minhas luvas no Pencey, provavelmente teria ido até o quarto do vigarista e diria: 'Muito bem. Que tal ir me passando as luvas?'. Aí, o vigarista que as tinha roubado provavelmente responderia, com a voz mais inocente do mundo: 'Que luvas?'. Aí eu provavelmente ia até o armário dele e encontrava as luvas num canto qualquer, escondidas na porcaria das galochas ou coisa que o valha. Apanhava as luvas, mostrava a ele e perguntava: 'Quer dizer que essas luvas são tuas, não é?'. Aí o filho da mãe provavelmente olharia para mim, com a maior cara de anjinho, e diria: 'Eu nunca vi essas luvas em toda a minha vida. Se são tuas, pode levar. Não quero mesmo essa droga pra nada'. Aí eu provavelmente teria ficado uns cinco minutos de pé, no mesmo lugar, com as luvas na mão e tudo. Ia me sentir na obrigação de dar um soco no queixo do sujeito, quebrar a cara dele. Só que não ia ter coragem de fazer nada. Ia só ficar ali, de pé, tentando fazer cara de mau. Talvez dissesse alguma coisa bem cortante e sarcástica, para aporrinhar o sujeito - em vez de lhe dar um soco no queixo. Seja lá como for, se eu dissesse alguma coisa bem cortante e sarcástica, ele provavelmente se levantaria, chegaria perto de mim e perguntaria: 'Escuta, Caulfield. Você tá me chamando de ladrão?'. Aí, em vez de dizer que era isso mesmo, que ele era um filho da mãe dum ladrão, eu provavelmente só teria dito: 'Só sei é que a droga das minhas luvas estavam na droga das tuas galochas'. A essa altura o sujeito já saberia com certeza que eu não ia mesmo dar um soco nele e diria: 'Olha, vamos deixar esse negócio bem claro. Você tá me chamando de ladrão?'. Eu então provavelmente responderia: 'Ninguém está chamando ninguém de ladrão. Só sei que as minhas luvas estavam na porcaria das tuas galochas'. O negócio podia continuar assim durante horas. Finalmente eu iria embora sem ter dado nem um sopapo nele. Provavelmente ia para o banheiro, acendia um cigarro e ficava me olhando no espelho, fazendo cara de valente. De qualquer maneira, era nisso que eu estava pensando enquanto voltava para o hotel. Não é nada engraçado ser covarde.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Afinal, tirei a roupa e me deitei. Na cama, me deu uma bruta vontade de rezar ou coisa parecida. Mas não consegui. Não é sempre que consigo rezar quando tenho vontade. Em primeiro lugar, sou meio ateu. Gosto de Jesus e tudo, mas não dou muita bola para a maioria das outras coisas da Bíblia. Os Apóstolos, por exemplo. Pra falar a verdade, os Apóstolos são uns chatos. Depois que Jesus morreu e tudo eles trabalharam direitinho, mas, enquanto Ele estava vivo, não serviam pra nada. Deixavam Ele na mão o tempo todo. Gosto de todo mundo na Bíblia mais que dos Apóstolos. Pra dizer a verdade, o cara que eu mais gosto na Bíblia é aquele maluco que morava nos túmulos e vivia se cortando com as pedras. Gosto dez vezes mais daquele filho da mãe do que dos Apóstolos.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“O tal do Childs era Quaker e tudo, e não largava a Bíblia. Era um bom menino e eu gostava dele, mas nunca chegamos a um acordo sobre uma porção de troços da Bíblia, principalmente os Apóstolos. Ele cansou de repetir que, se eu não gostava dos Apóstolos, então não gostava de Jesus nem nada. Se foram escolhidos por Jesus, a gente tinha que gostar deles. Eu respondia que sabia que tinha sido Jesus quem tinha escolhido, mas que a escolha tinha sido feita ao acaso, porque Ele não teve tempo de andar por aí analisando meio mundo. Eu não culpava Jesus nem nada. Ele não tinha culpa de não ter tido tempo. Me lembro que um dia eu perguntei ao tal de Childs se ele achava que Judas, o cara que traiu Jesus e tudo, tinha ido para o inferno depois que se suicidou. Childs respondeu que não tinha nem dúvida. Aí é que discordei dele. Eu disse que era capaz de apostar um milhão que Jesus não tinha mandado Judas para o inferno. Até hoje eu botava dinheiro, se tivesse um milhão. Acho que qualquer um dos Apóstolos teria mandado ele para o inferno — e o mais depressa possível — mas aposto qualquer coisa como Jesus não mandou.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Pra falar a verdade, não suporto padre. Todos os que conheci, nas escolas por onde andei, tinham essa voz de juízo final quando faziam os sermões. Juro por Deus que detesto isso. Não sei por que diabo eles não falam com uma voz normal. E é por isso que soam tão cretinos quando falam.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Ela não me atraía muito, embora eu a conhecesse há anos. Antigamente eu achava a Sally muito inteligente, mas só de burro que eu sou. Só porque ela entendia de teatro, e peças, e literatura e todo esse negócio. Quando as pessoas sabem um bocado sobre essas coisas, a gente leva um tempão para descobrir se são burras ou não. No caso da Sally eu levei anos. Com certeza teria descoberto muito antes, se nós não tivéssemos namorado tanto. O meu problema é que eu sempre acho inteligente a pequena com quem estou me esfregando no momento. Uma coisa não tem droga nenhuma a ver com a outra, mas continuo pensando assim.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Para ser franco, não gosto muito de teatro. Não é tão ruim quanto o cinema, mas não é coisa que me faça vibrar. Pra começo de conversa, detesto os atores. Nunca se comportam como gente normal. Só pensam que se comportam. Alguns dos bons conseguem, mas ligeiramente, e de uma forma que não dá prazer de ver. E, se um ator é bom mesmo, a gente percebe logo que ele sabe que é bom, e isso estraga tudo.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Era uma garotinha muito simpática e bem educada. No duro, fico um bocado feliz quando uma criança sabe ser simpática e educada na hora em que eu acabo de apertar os patins dela ou coisa parecida. A maioria das crianças é assim. É mesmo. Perguntei se ela queria tomar um chocolate quente comigo ou outra coisa qualquer, mas ela disse que não, muito obrigada. Disse que tinha de se encontrar com uma amiguinha. Criança tem sempre um encontro marcado com algum amigo. Eu me esbaldo com isso.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Se a gente faz uma coisa bem demais, aí, depois de algum tempo, se não tiver muito cuidado, começa a se exibir. E aí a gente deixa de ser bom de verdade.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Os carros, por exemplo - eu disse. E falei numa voz muito calma. — A maioria das pessoas, são todas malucas por carros. Ficam preocupadas com um arranhãozinho neles, e estão sempre falando de quantos quilômetros fazem com um litro de gasolina e, mal acabam de comprar um carro novo, já estão pensando em trocar por outro mais novo ainda. Eu não gosto nem de carros velhos. Quer dizer, nem me interesso por eles. Eu preferia ter uma droga dum cavalo. Pelo menos o cavalo é humano, pôxa.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Aí pensei na cambada toda me metendo numa droga de cemitério, com meu nome num túmulo e tudo. Cercado de gente morta. Puxa, depois que a gente morre, eles fazem o diabo com a gente. Tomara que quando eu morrer de verdade alguém tenha a feliz ideia de me atirar num rio ou coisa parecida. Tudo, menos me enfiar numa porcaria dum cemitério. Gente vindo todo domingo botar um ramo de flores em cima da barriga do infeliz, e toda essa baboseira. Quem é que quer flores depois de morto? Ninguém.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Ele não entendeu patavina, por isso só fez dizer 'Ah, sei' — e me levou. É engraçado, basta a gente dizer alguma coisa que ninguém entende para que façam praticamente tudo que a gente quer.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“É gozado, os adultos ficam horríveis quando estão dormindo de boca aberta, mas as crianças não. As crianças ficam cem por cento. Podem até ter babado todo o travesseiro, que continuam cem por cento.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Puxa, você não faz ideia de como ele me deprimiu! Não quer dizer que ele fosse um mau sujeito — não, não era. Mas não é preciso ser um mau sujeito para deprimir a gente. Um cara pode ser bom e mesmo assim deprimir os outros.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Você não gosta de nada que está acontecendo.
Quando ela disse isso, fiquei ainda mais deprimido.
— Gosto sim. Gosto. É claro que gosto. Não diga isso. Droga, por que você tem que dizer um troço desses?
— Porque você não gosta. Você não gosta de nenhum colégio. Você não gosta de um milhão de coisas. Não gosta mesmo.
— Gosto! Aí é que você se engana... aí é que você está completamente enganada. Pomba, por quê que você diz isso?
Puxa, como ela estava me deprimindo.
— Porque não gosta. Então me diz uma coisa de que você goste.
(...)
— Uma coisa que eu goste muito, ou só uma coisa que eu goste?
— Que goste muito (...). Você não consegue nem pensar numa coisa.
— Consigo, sim. Consigo.
— Bom, então diz.
— Gosto do Allie — respondi. — E gosto de fazer o que estou fazendo agora. De sentar aqui com você, conversando e pensando numa porção de troços, e... (...) De qualquer maneira, gosto disso aqui, agora. Assim como estou agora. Sentado aqui contigo, batendo papo e só...
— Mas isso não é uma coisa!
— É muita coisa! Claro que é! Por quê que não ia ser? As pessoas nunca acham que um troço assim é alguma coisa. Já estou ficando cheio disso.
— Para de dizer coisa feia. Tá bem, então diz outro troço. Uma coisa que você quer ser. Assim como cientista... Ou advogado, ou coisa parecida.
— Eu não podia ser cientista. Não sou bom em ciências.
— Então advogado, igual ao papai e tudo.
— Não tenho nada contra os advogados, mas o negócio não me atrai. Até que é bacana quando um advogado está sempre salvando a vida dos sujeitos inocentes e coisas assim, mas um cara que é advogado não faz nada disso. Só faz ganhar um dinheirão, e jogar golfe, e jogar bridge, e comprar carros, e beber martinis, e fazer pinta de bacana. Mesmo se a gente salvasse as vidas dos sujeitos e tudo, como é que ia saber se estava fazendo o troço porque queria mesmo salvar a vida deles, ou porque queria era ser um advogado bom pra burro, pra todo mundo bater nas costas da gente e dar parabéns no tribunal quando acaba a porcaria do julgamento, os repórteres e tudo, como aparece na droga dos filmes? Como é que eu ia saber se não era na verdade um cretino? O problema é que não ia saber.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Não sei muito bem se a danada da Phoebe entendeu o que eu estava dizendo. Ela é muito criança e tudo. Mas, pelo menos, estava escutando. Se uma pessoa pelo menos presta atenção, aí não é tão ruim.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Fui eu que lhe ensinei a dançar e tudo, quando ela era bem pequenininha. Ela dança muito bem. Eu só tinha ensinado umas coisinhas, o resto ela aprendeu sozinha mesmo. É impossível a gente ensinar tudo a alguém.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— É um curso em que cada aluno tem que se levantar na aula e fazer um discurso. Sabe como é. Com espontaneidade e tudo. E, se o sujeito sai um pouquinho do assunto, todo mundo tem que gritar: 'Digressão!' o mais depressa possível. O negócio me deixava meio maluco. Tirei uma nota horrível.
— Por quê?
— Ah, sei lá. Aquela estória de digressão me chateava. Sei lá. O problema comigo é que eu gosto quando um sujeito sai do assunto. É mais interessante e tudo.
— Você não gosta que uma pessoa seja objetiva quando conta uma estória?
— Claro! Gosto que a pessoa seja objetiva e tudo. Mas não gosto que seja objetiva demais. Não sei. Acho que não gosto quando a pessoa é objetiva o tempo todo. Os garotos que conseguiam as melhores notas em Expressão Oral eram objetivos o tempo todo, isso eram. Mas tinha um garoto, o Richard Kinsella. Ele não era muito objetivo e a turma vivia gritando 'Digressão!' quando ele falava. Era horrível. Primeiro porque ele era um cara muito nervoso. Isso mesmo, nervosíssimo — e, quando chegava a hora de falar, os lábios dele começavam a tremer e, do fundo da sala, a gente mal conseguia ouvir o que ele estava dizendo.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Eu nem estava com muita vontade de tentar. Em parte por causa daquela dor de cabeça desgraçada. Pedi a Deus que a senhora Antolini chegasse com o café. Se há uma coisa que me aporrinha é isso, quando alguém diz que o café está pronto e não está pronto coisa nenhuma.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Mas o caso é que, muitas vezes, a gente só descobre o que interessa mais na hora que começa a falar sobre uma coisa que não interessa muito. Quer dizer, às vezes a gente não consegue evitar isso. O que eu acho é que a gente deve deixar em paz uma pessoa que começa a contar uma estória, se a estória é pelo menos interessante e o sujeito se anima todo com o assunto. Gosto de ver uma pessoa ficar toda animada com o assunto. É bonito.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“O senhor não conhece esse professor, o tal do Vinson. Ele às vezes deixava a gente maluca, ele e a droga da turma. Vivia dizendo à gente para unificar e simplificar. Há coisas que a gente simplesmente não pode fazer assim. O negócio é que a gente quase nunca consegue simplificar e unificar um troço, só porque alguém mandou.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Francamente, Holden, não sei o que lhe dizer.
— Eu sei. É difícil falar comigo. Compreendo.
— Tenho a impressão de que você está caminhando para alguma espécie de queda... uma queda tremenda. Mas, honestamente, não sei de que espécie... Está me ouvindo?
— Estou.
A gente via logo que ele estava procurando se concentrar e tudo.
— Talvez da espécie que faz com que a gente, aos trinta anos, se sente num bar e odeie todo mundo que entra com jeito de quem jogou futebol numa universidade. Ou, então, você conseguirá instruir-se o bastante para odiar todo mundo que diz: 'É um segredo entre mim e você'. Ou talvez acabe em algum escritório, atirando clipes na taquígrafa mais próxima. Não sei mesmo. Mas você entende o que estou querendo dizer, não entende?
— Entendo — respondi. E entendia mesmo. — Mas o senhor se engana sobre esse negócio de odiar os jogadores de futebol e tudo. O senhor se engana mesmo. Não tenho raiva de muita gente. Pode ser que, de vez em quando, eu odeie alguns sujeitos durante algum tempo, como esse cara que eu conheci no Pencey, o Stradlater, ou esse outro sujeito, o Robert Ackley. De vez em quando eu tinha ódio deles, confesso, mas isso não dura muito, esse é que é o caso. Depois de algum tempo, se eu não os visse, se não vinham ao meu quarto, ou se eu passava umas duas refeições sem encontrar com eles no refeitório — chegava a sentir falta deles. É isso mesmo, chegava a ficar com saudade deles.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Fiquei torcendo para que ele deixasse a conversa para outro dia, em vez de continuar naquela hora, mas ele estava embalado. Em geral, as pessoas se esquentam numa discussão na hora em que a gente está mais fria.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Esta queda para a qual você está caminhando é um tipo especial de queda, um tipo horrível. O homem que cai não consegue nem mesmo ouvir ou sentir o baque do seu corpo no fundo. Apenas cai e cai. A coisa toda se aplica aos homens que, num momento ou outro de suas vidas, procuram alguma coisa que seu próprio meio não lhes podia proporcionar. Ou que pensavam que seu próprio meio não lhes poderia proporcionar. Por isso, abandonam a busca. Abandonam a busca antes mesmo de começá-la de verdade.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Não quero te assustar — ele disse — mas vejo você, com toda a clareza, morrendo nobremente, de uma forma ou de outra por uma causa qualquer absolutamente indigna.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Por estranho que pareça, isso não foi escrito por um poeta. Foi escrito por um psicanalista chamado Wilhelm Stekel. Aqui está o que ele... Você ainda está me ouvindo?
— Claro que estou.
— Aqui está o que ele disse: 'A característica do homem imaturo é aspirar a morrer nobremente por uma causa, enquanto que a característica do homem maduro é querer viver humildemente por uma causa'.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Acho que um desses dias — ele falou — você vai ter que decidir para onde quer ir. E aí vai ter que começar a ir para lá. E sem perda de tempo. No seu caso, não se pode perder um minuto que seja.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Na hora em que você conseguir deixar para trás todos os Professores Vinsons, você vai começar a se aproximar cada vez mais — isto é, se você quiser, e se procurar, e se tiver paciência de esperar — da espécie de conhecimento que será muito, muito importante para você. Entre outras coisas, você vai descobrir que não é a primeira pessoa a ficar confusa e assustada, e até enojada, pelo comportamento humano. Você não está de maneira nenhuma sozinho nesse terreno, e se sentirá estimulado e entusiasmado quando souber disso. Muitos homens, muitos mesmo, enfrentaram os mesmos problemas morais e espirituais que você está enfrentando agora. Felizmente, alguns deles guardaram um registro de seus problemas. Você aprenderá com eles, se quiser. Da mesma forma que, algum dia, se você tiver alguma coisa a oferecer, alguém irá aprender alguma coisa de você. É um belo arranjo recíproco. E não é instrução. É história. É poesia.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Não estou querendo dizer que só os homens instruídos e cultos são capazes de contribuir com algo valioso para o mundo. Não é isso. O que eu quero dizer é que os homens instruídos e cultos, se de fato tiverem brilho e capacidade criadora — o que, infelizmente, é raro — tendem a deixar registros infinitamente mais valiosos do que aqueles que apenas têm brilho e capacidade criadora. Tendem a se expressar com mais clareza e, geralmente, têm a paixão de desenvolver seu pensamento até o fim. E — o que é mais importante — na grande maioria dos casos têm mais humildade do que o pensador menos culto.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Há outra coisa que uma educação acadêmica poderá proporcionar a você. Se você prosseguir nela por um tempo razoável, ela acabará lhe dando uma ideia das dimensões da sua mente. Do que ela comporta e, talvez, do que ela não comporta. Depois de algum tempo, você vai ter uma ideia do tipo de pensamento que sua mente deve abrigar. A vantagem disso é que talvez lhe poupe uma enormidade de tempo, que você perderia experimentando ideias que não se ajustam a você, não combinam com você. Você começará a conhecer as suas medidas exatas, e vestirá sua mente de acordo com elas.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Você é um garoto muito estranho. Muito estranho mesmo.
— Sei disso — respondi. Nem me dei ao trabalho de procurar muito pela gravata. Fui embora sem ela. — Até logo, Professor. Muito obrigado. Fora de brincadeira.
Ele me acompanhou até a saída e, quando chamei o elevador, continuou parado na droga da porta. Ficou só repetindo aquela estória de que eu era um garoto muito estranho, muito estranho mesmo'. Estranho uma ova. Ele ficou esperando a titica do elevador chegar. Juro que nunca vi um elevador demorar tanto em toda a droga de minha vida. Eu não sabia que porcaria ia dizer enquanto o elevador não vinha, e ele continuava ali, em pé, por isso falei:
— Vou começar a ler uns bons livros. Vou mesmo.
O negócio é que eu tinha que dizer alguma coisa.
Era uma situação embaraçosa pra burro.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Alguém tinha deixado uma revista no banco, ao meu lado, e comecei a ler, achando que assim ia parar de pensar no Professor Antolini e num milhão de outras coisas, pelo menos durante algum tempo. Mas a porcaria do artigo que comecei a ler quase que me fez sentir pior ainda. Era sobre os hormônios. Mostrava a aparência que a gente deve ter — a cara, os olhos e tudo — quando os hormônios estão funcionando direito, e eu estava todo ao contrário. Estava parecendo exatamente com o sujeito do artigo, que estava com os hormônios todos funcionando errado. Por isso comecei a ficar preocupado com os meus hormônios. Aí li outro artigo, sobre a maneira pela qual a gente pode saber se tem câncer ou não. Dizia lá que, se a gente tem alguma ferida na boca que demora a sarar, então isso é sinal de que a gente provavelmente está com câncer. E eu já estava com aquele machucado na parte de dentro do lábio há umas duas semanas. Por isso imaginei que estava pegando um câncer. A tal revista era um bocado boa para levantar o moral da gente. Acabei parando de ler e saí para dar uma volta. Calculei que devia morrer dentro de uns dois meses, já que estava com câncer. Foi mesmo. Eu estava certo de que ia morrer. Evidentemente, essa ideia não me deixou muito satisfeito.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Entrei num restaurante vagabundo e pedi café com roscas. Não houve jeito de engolir direito. O caso é que, quando a gente está muito deprimido, é difícil como o diabo engolir qualquer coisa.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Finalmente, decidi ir embora de vez. Resolvi que não voltaria para casa nunca mais, e nunca mais iria para colégio nenhum. Decidi que ia só encontrar com a Phoebe, para me despedir e tudo, e devolver o dinheiro de Natal que ela me havia emprestado. Aí começaria a viajar para o oeste, pegando caronas nos carros. Já sabia o que tinha de fazer: ia até o Túnel Holland e apanhava uma carona, depois pegava outra carona, e depois outra e mais outra. Assim, em poucos dias já estaria lá pelo oeste, num lugar muito bonito e ensolarado, onde ninguém me conhecesse e eu arranjasse um emprego. Calculei que podia achar trabalho num posto de gasolina em qualquer canto, pondo gasolina e óleo no carro dos outros. Mas não me importava que tipo de emprego ia ser, desde que ninguém me conhecesse e eu não conhecesse ninguém. Aí, bolei o que é que eu devia fazer: ia fingir que era surdo-mudo. Desse modo, não precisava ter nenhuma conversa imbecil e inútil com ninguém. Se alguém quisesse me dizer alguma coisa, teria de escrever o troço num pedaço de papel e me entregar. Depois de algum tempo iam ficar um bocado aporrinhados de ter que fazer tudo isso, e aí eu nunca mais precisaria conversar pelo resto da minha vida. Todo mundo ia pensar que eu era só um infeliz dum filho da mãe surdo-mudo, e iam me deixar em paz sozinho. Me deixavam botar gasolina e óleo na droga dos carros deles, e me pagavam um salário para fazer isso.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“É muito chato dizer alguma coisa nova para alguém que tem uns cem anos de idade. Eles não gostam de ouvir novidades.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Foi engraçado: ela me gritou 'Felicidades!', igualzinho ao velho Spencer quando eu saí do Pencey. Puxa, que raiva que me dá quando alguém berra 'Felicidades!' quando estou indo embora de algum lugar. É deprimente pra burro.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Teu amigo não sabe falar, é?
— Ele num é meu amigo, é meu irmão.
— Mas ele não sabe falar? — repeti. Olhei para o garoto que ainda não tinha dito uma palavra. — Será que você sabe falar? — perguntei a ele.
— Sei sim — respondeu — mas não tô com vontade.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“— Você sabe como é que os egípcios enterravam os mortos? — perguntei ao que falava.
— Não.
— É, mas devia. É muito interessante. Eles embrulhavam as caras deles nuns panos, tratados com um preparado químico secreto. Desse jeito eles podiam ficar enterrados milhares de anos nos túmulos, sem as caras apodrecerem nem nada. Ninguém sabe como é que eles faziam isso, só os egípcios. Nem a ciência moderna.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Esse é que é o problema todo. Não se pode achar nunca um lugar quieto e gostoso, porque não existe nenhum. A gente pode pensar que existe, mas, quando se chega lá e está completamente distraída, alguém entra escondido e escreve 'Foda-se' bem na cara da gente. É só experimentar. Acho mesmo que, se um dia eu morrer e me enfiarem num cemitério, com uma lápide e tudo, vai ter a inscrição 'Holden Caulfield', mais o ano em que eu nasci e o ano em que morri e, logo abaixo, alguém vai escrever 'Foda-se'. Tenho certeza absoluta.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Eu ia estabelecer essa regra, que ninguém podia fazer nada de falso quando me visitasse. Se alguém tentasse fazer qualquer coisa falsa, ia ter que ir embora.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Phoebe, mas ela não estava achando graça. Sabe como é criança quando está zangada com a gente, não acha graça em nada.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Todos os garotos ficavam tentando agarrar a argola dourada, e a Phoebe também, e eu cheguei a ficar com medo de que ela acabasse caindo da droga do cavalo. Mas não disse e nem fiz nada. O negócio com as crianças é que, se elas querem agarrar a argola dourada, o melhor é deixar elas fazerem o troço e não dizer nada. Se caírem, caíram, mas o errado é dizer alguma coisa para elas.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Uma porção de gente, principalmente esse cara psicanalista que tem aqui, vive me perguntando se eu vou me esforçar quando voltar para o colégio em setembro. Na minha opinião, isso é o tipo da pergunta imbecil. Quer dizer, como é que a gente pode saber o que é que vai fazer, até a hora em que faz o troço? A resposta é: não sei. Acho que vou, mas como é que eu posso saber? Juro que é uma pergunta cretina.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“A gente nunca devia contar nada a ninguém. Mal acaba de contar, a gente começa a sentir saudade de todo mundo.”
(J. D. Salinger, no livro: “The Catcher In The Rye”)



“Agora eu sabia: as coisas são inteiramente o que parecem – e por trás delas... não existe nada.”
(Jean Paul Sartre, no livro “A Náusea”)



“É porque estou pensando – digo rindo – que aqui estamos, todos nós, comendo e bebendo, para conservar nossa preciosa existência, e que não há nada, nada, nenhuma razão para existir.”
(Jean Paul Sartre, no livro “A Náusea”)



“Gostaria de me entender com exatidão antes que seja tarde demais.”
(Jean Paul Sartre, no livro “A Náusea”)



“Um gesto, um acontecimento no pequeno mundo colorido dos homens sempre é apenas relativamente absurdo: em relação às circunstâncias que o acompanham. Os discursos de um louco, por exemplo, são absurdos em relação à situação em que este se encontra, mas não em relação ao seu delírio.”
(Jean Paul Sartre, no livro “A Náusea”)



“São todos iguais! Pois bem, eu vi-a entrar, várias vezes, no carro dele e, nesses dias, era sempre muito desagradável para com os meus colegas na repartição.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Todo o tempo em que estivemos em Londres, gastando e gastando, eu só pensava em que talvez nunca mais a veria; pensei depois que me tornara muito rico, que era, por conseguinte, um bom partido como marido; mas logo vi que era ridículo, pois atualmente as mulheres só se casam por amor, especialmente moças como Miranda.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Havia momentos em que eu pensava poder esquecê-la. Contudo, esquecer não é uma coisa que possamos fazer, é algo que nos acontece ou não. A mim, não aconteceu.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“O que desejo dizer com tudo isto é que me embriaguei uma ou duas vezes, quando estava no Exército, especialmente na Alemanha, mas nunca tive quaisquer relações com mulheres. Devo confessar que nunca pensara muito nelas até ver Miranda. Bem sei que nada tenho para lhes agradar; conheço rapazes como Crutchley, que me parecem grosseiros, e que têm grande êxito no que respeita às moças. Algumas delas, que trabalhavam no Anexo da Câmara Municipal, olhavam para Crutchley de maneira verdadeiramente indecente. Deve ser qualquer coisa de animal que me faltou ao nascer. (E alegro-me por isso ter sucedido; se houvesse mais gente como eu, o mundo, na minha opinião, seria muito melhor.)”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Quando uma pessoa não tem dinheiro, pensa sempre que tudo seria muito melhor se o tivesse. Eu não queria que me considerassem mais do que o devido, mas notamos logo, no hotel, que, embora nos tratassem com todo o respeito, nos desdenhavam, na realidade, por termos todo aquele dinheiro e não sabermos o que fazer com ele. Continuaram tratando-me, atrás de mim, como o que eu era: um funcionário. O fato de gastar uma fortuna todos os dias em nada ajudava. Sempre que dizíamos ou fazíamos qualquer coisa, desmascaravam-nos logo. Quase que os ouvíamos dizer: 'Vocês não nos enganam, sabemos muito bem que não são da cidade! Por que não voltam para casa?'.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Não pertenço àquele gênero de homens que se aproveitam de toda e qualquer oportunidade para conseguirem os seus objetivos. Nunca fui assim e sempre tive aspirações mais altas, como se costuma dizer. Crutchley afirmava frequentemente que era necessário ser-se oportunista para se chegar aonde quer que fosse e dizia que bastava olhar para o velho Tom para se saber que não era suficiente ser adulador.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“(...) confesso que já não me agradava continuar sempre ao lado dela e de Mabel. Não é porque eu não gostasse delas, no entanto, quando saíamos juntos, disfarçavam ainda pior do que eu o que, na realidade, éramos. E o que éramos, tornava-se logo óbvio: gente pequena que nunca saíra de casa.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Tia Annie estava muito preocupada, receosa mesmo, e, na noite anterior à partida, teve uma conversa muito formal comigo, na qual me disse que eu não devia, de modo algum, casar-me sem que ela conhecesse a noiva... Disse-me uma porção de coisas sobre o fato de o dinheiro ser meu, de se tratar da minha vida, de eu ser muito generoso, e outras coisas no gênero; a verdade, porém, é que estava com medo de que eu me casasse com uma vagabunda qualquer e de que perdesse todo o dinheiro, o mesmo dinheiro de que ela, como antes dissera, se envergonhava tanto.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“É isso o que o dinheiro nos dá. Facilita-nos tudo... nunca há obstáculo.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Não creio que, na realidade, tenha tido qualquer intenção especial ao visitá-la.
Não sei. O que fazemos depois faz-nos sempre esquecer o que fizemos antes.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Haverá quem diga que tive muita sorte em encontrar aquela casa logo no primeiro dia; todavia, teria encontrado outra, mais tarde ou mais cedo. Tinha dinheiro.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Eu costumava dizer, falando comigo mesmo, que nunca realizaria aquele projeto; que era tudo simulação. E eu nunca teria tido aquela ideia, se não fosse todo o tempo e o dinheiro de que dispunha. Na minha opinião, muitas pessoas que poderão parecer felizes agora, teriam feito o mesmo que eu fiz, ou coisas semelhantes, se lhes fossem dados o tempo e o dinheiro para o fazerem. Quero dizer, fazer as coisas que desejam, embora sabendo que não as deviam fazer. Um antigo professor meu dizia sempre que o poder corrompe. E o dinheiro é poder.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Não é o que as pessoas dizem que as desmascara, e sim a maneira como se portam.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Fui a Lewes, essa manhã. Em parte, desejava ver os jornais. Comprei-os todos. A maioria trazia artigos sobre o caso.
(...)
Todos eles diziam que ela era muito bonita. Quase todos publicaram o seu retrato. Se fosse feia, ter-se-iam limitado a duas linhas na última página.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Certa vez, bem antes de a conhecer, li um livro chamado 'Os Segredos da Gestapo' — sobre as torturas e tudo que tiveram de praticar durante a guerra; uma das primeiras coisas que faziam a um prisioneiro era não permitirem que ele soubesse o que se passava fora da prisão. O que quero dizer é que não deixavam o prisioneiro saber coisa alguma, nem sequer que falasse com outro prisioneiro, para que ficasse completamente isolado do mundo.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“— Você sabe que sou budista? Detesto toda a gente que destrói a vida, seja ela qual for. Até mesmo a vida dos insetos.
— Mas você comeu a galinha — respondi, pensando que, desta vez, fora mais astuto do que ela.
— Desprezo-me por tê-lo feito. Se eu fosse uma pessoa melhor, como tento por vezes, seria vegetariana.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“(...) eu nunca poderia respeitar quem quer que fosse, e especialmente um homem, que fizesse coisas só para me agradar. O que eu desejaria é que ele as fizesse por pensar que seria justo proceder assim.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“— Quanto tempo terei de ficar aqui?
— Não sei. Depende.
— De quê?
Não lhe respondi; não sabia o que dizer.
— Dependerá de eu me apaixonar por você?
Fiquei calado.
— Se for isso, ficarei aqui até morrer.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“— As suas borboletas são muito belas, mas tristes.
— Tudo é triste, quando o fazemos triste — respondi-lhe.
— Mas foi você quem as tornou tristes!
Miranda olhou-me com uma expressão algo irritada.
— Quantas borboletas você já matou?
— Pode ver...
— Não, não posso. Estou pensando em todas as borboletas que poderiam ter nascido destas, se você as tivesse deixado viver. Estou pensando em toda a beleza viva que você eliminou.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Odeio cientistas (...). Odeio as pessoas que colecionam coisas, que as classificam e depois se esquecem da sua existência. É isso mesmo que hoje as pessoas estão fazendo com a arte. Classificam um pintor de impressionista, cubista ou qualquer outra coisa e depois deixam de o ver como um pintor vivo, individual...”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“— Não têm vida.
Miranda olhou-me de lado:
— Refiro-me a todas as fotografias. A diferença entre os desenhos e as fotografias é que os primeiros têm vida, mas as fotos são quase sempre coisas mortas e desinteressantes.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Por vezes, Miranda fazia as perguntas mais inesperadas e estranhas.
— Você acredita em Deus? — foi uma delas.
— Não muito — respondi-lhe.
— Tem de ser sim ou não.
— Não penso muito nisso. Não acho que tenha importância.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Como julga que eu não sinto as coisas como você, você pensa que eu não tenho sentimentos. O que sucede é que não sei exprimi-los adequadamente.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“A verdade é que Miranda não podia fazer coisa alguma que fosse feia. Era demasiado bela para isso.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Todos nós queremos coisas que não podemos ter. Para que nos consideremos seres humanos decentes, precisamos de aceitar isso.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Eu só penso nas coisas como sendo belas ou não. Não compreende? Não penso em coisas boas ou más. Só em coisas belas ou feias. Penso que muitas das coisas supostamente agradáveis são feias e que outras coisas, que são consideradas feias e desagradáveis, são, na realidade e na sua essência, verdadeiramente belas.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Pertencer significa duas coisas. Uma que dá e a outra que aceita o que se lhe dá. Você não me pertence porque eu não o aceito. Nada tenho para lhe dar em troca.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Os pensamentos que tenho são como maus desenhos. Devem ser rasgados imediatamente.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Como é possível que ele me ame? Como é que se pode amar uma pessoa que não se conhece?”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Ele procura desesperadamente agradar-me. Mas todos os loucos devem ser assim. Não são loucos na maior parte do tempo; com certeza que, de certo modo, ficam tão surpreendidos como as outras pessoas, quando, finalmente, fazem algo de terrível.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Foi como se eu caísse pelo mundo abaixo. Como se houvesse de súbito um grande precipício.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Faço todas as noites o que eu já não fazia há muitos anos. Deito-me e rezo. Não me ajoelho, pois sei que Deus despreza os que se ajoelham.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Recordo que G.P. (na primeira vez que o vi) me disse que os colecionadores são os piores animais da criação (...). São seres antivida, antiarte, antitudo.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“O homem ordinário é a praga da civilização.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Ele me comprou uma vitrola, discos e todo o resto que escrevi na lista que lhe dei. Ele gosta de comprar coisas para mim. Posso pedir o que me apetecer. Exceto liberdade.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“As coisas feias não merecem existir.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Percebi que toda a nossa época é uma burla, uma vigarice. A maneira como as pessoas falam do surrealismo e do cubismo, deste e daquele ismo, as longas palavras que empregam — grandes confusões de palavras e frases. Tudo isso para esconder o fato de um pintor saber ou não pintar.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“M. Você não se preocupa, então, com o que possa acontecer ao mundo?
C. Que importância tem o que penso?
M. Oh, meu Deus!
C. A nossa opinião não serve para nada, nessas coisas.
M. Escute, se houver um número suficiente de pessoas que acreditem que a bomba é uma coisa diabólica e que uma nação decente nem devia pensar em tê-la, sejam quais forem as circunstâncias, então o Governo terá de fazer alguma coisa. Não lhe parece?
C. Que esperança!”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Eu não creio que a Campanha Pelo Desarmamento Nuclear possa vir a influenciar o Governo. Isso é uma das primeiras coisas que temos de encarar. Mas o fato não impede que façamos essa campanha, para mantermos a nossa dignidade e respeito próprio, para mostrarmos a nós mesmos que nos preocupamos. E para mostrar aos outros, os sem esperança, que existe alguém que se preocupa. Estamos tentando que vocês se envergonhem, que pensem nisso, que façam alguma coisa.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“A única coisa que importa na vida é sentir e viver aquilo em que se acredita, desde que seja algo mais do que a crença no nosso próprio conforto.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“É como no futebol. Dois times desejam vencer um ao outro, até pode ser que se detestem, como equipes de um jogo, mas, se alguém lhes viesse dizer que o futebol é um desporte estúpido e ridículo, depressa se juntariam para defenderem o seu jogo.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“O verdadeiro artista entrega-se totalmente à sua arte. Menos do que isso e não se é um artista.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Não se deve ser afetado. Não devemos ter ideias preconcebidas ou atitudes definidas para impressionar os outros.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“É preciso ser-se das esquerdas, politicamente, porque os socialistas são as únicas pessoas que se preocupam com as outras, apesar dos seus muitos erros. Eles sentem, eles querem melhorar o mundo.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Quando sentimos profundamente alguma coisa, nunca nos deveríamos envergonhar de mostrar os nossos sentimentos.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Aceitamos que somos ingleses. Não devemos fingir que preferíamos ser franceses, italianos ou qualquer outra coisa. (Piers está sempre falando de sua avó americana.)”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Mas não devemos vergar-nos ante o nosso ambiente. Devemos eliminar tudo o que se opõe ao nosso lado criador (...). Se pertencemos à classe trabalhadora, temos de cauterizar [jogar fora] a classe trabalhadora que há em nós. E deveremos fazer sempre o mesmo, seja qual for a classe a que pertencermos, visto que as classes são conceitos primitivos e estúpidos.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“É preciso detestar esse negócio político da nacionalidade. É preciso detestar tudo, em política, arte ou qualquer outra coisa, que não seja genuíno, profundo e necessário. Não temos tempo para coisas estúpidas e triviais. É preciso viver seriamente.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“(...) nunca permiti que outras moças percebessem que sei que sou bonita; ninguém percebeu jamais que me impus não lucrar com essa vantagem injusta.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Houve um breve silêncio. Senti-me irreal, como se se tratasse de uma peça, e eu não soubesse que papel eu estava representando.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“As pessoas que se interessam pela natureza são sempre boas.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Tenho, por vezes, um desejo irresistível de chegar bem ao fundo de Calibã, de arrancar coisas a seu respeito de que ele não quer falar. Mas isso é mau. É como se eu me preocupasse com ele e com a sua miserável, úmida e mesquinha vida.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“As palavras são tão rudimentares, tão terrivelmente primitivas, quando comparadas com o desenho, a pintura, a escultura.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Como eu odeio a ignorância! A ignorância de Calibã, a minha ignorância, a ignorância do mundo! Oh, eu gostaria de aprender, aprender e aprender!”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“'E se titia nos vir?', perguntou-me G.P. rindo. 'Baber tem a pior reputação de toda a Cornualha.' 'É apenas minha tia', respondi-lhe, 'não minha dona.'”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Suponho que há pessoas que se emocionam verdadeiramente com a grande arte, porém nunca conheci um pintor a quem isso acontecesse. Comigo, é muito raro. Tudo o que vejo numa pintura é o supremo talento e domínio que passei toda a vida a tentar alcançar. E que não conseguirei... Nunca! Você é muito jovem. Compreende... mas ainda não pode sentir.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“É preciso aprender que pintar bem — no sentido acadêmico e técnico — é o menos importante de tudo. O que digo é que você tem essa habilidade, o que sucede a muitos milhares de pessoas. Mas aquilo que me interessa não está aqui no seu trabalho. Não o vejo aqui...
(...)
Contudo, por mais habilidosa que você seja em traduzir a personalidade para o traço ou para as tintas, isso de nada servirá, se a personalidade não valer a pena ser traduzida.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Tenho a impressão de que você possui algum talento lá dentro. Não sei bem. Isso é raro nas mulheres. O que quero dizer é que as mulheres procuram sempre ser perfeitas no que fazem, sobretudo na técnica, no bom gosto, na habilidade. Mas nunca podem compreender que se o nosso desejo é ir até aos máximos limites de nós mesmos, então a verdadeira forma que a nossa arte adquire deixa de ser muito importante para nós, seja nas palavras, nos sons ou na pintura, enfim, seja no que for.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“É um pouco como a sua voz (...). Você fala com a sua voz e a suporta por não ter outro remédio. Mas o que conta é o que você diz, não a voz. É isso mesmo que diferencia toda a verdadeira arte da outra espécie. Os artistas tecnicamente perfeitos abundam em todos os períodos e, em especial, nesta grande época de educação universal (...).
Os críticos elogiam essa perfeição técnica que, no fundo, nada significa. A arte é uma coisa cruel. Quem escreve pode fazer o que lhe apetece com as palavras. Mas uma pintura é como uma janela que se abre para o fundo do nosso coração.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“'Nunca aprenderei', disse eu. 'O que você tem de fazer é desaprender', explicou G.P., 'agora que já acabou de aprender. O resto é sorte. Não, um pouco mais do que sorte. Coragem, paciência.'”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“G.P. parece ser, de vez em quando, um verdadeiro jovem, de uma forma que não sei explicar. Talvez seja porque ele me fez olhar para dentro e ver tudo o que eu tinha em mim que era velho e empoeirado. Fez-me ver aquelas pessoas antiquadas que nos ensinam velhas ideias, velhos conceitos, velhas maneiras. É como cobrir plantas com várias camadas de terra velha; não admira que as infelizes raramente surjam frescas e verdes.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Tudo isso me enjoa: a cegueira, o marasmo, o atraso, os preconceitos e, sim, a pura malícia ciumenta da grande maioria (...).”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“A vida é uma brincadeira, é ridículo tomá-la a sério. Basta que sejamos sérios quanto à arte, mas podemos brincar um pouco com todo o resto.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“'Os homens são asquerosos', disse ele, ao fim de alguns segundos.
'O mais asqueroso que eles têm', redargui, 'é poderem dizer isso com uma expressão toda sorridente.'”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Ainda não consegui colocar a vida em compartimentos.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Escute, Miranda (...), lembre-se de que há vinte anos entre nós dois. Eu conheço a vida melhor do que você, vivi mais, atraiçoei mais e vi mais traições. Na sua idade é natural que esteja cheia de ideais. Você pensa que, por eu ser um artista e saber o que é importante na vida e na arte, devo ser um homem virtuoso. Mas eu não quero ser virtuoso. A atração que lhe provoco (se é que lhe provoco alguma) é devida simplesmente à minha fraqueza. E experiência, também. Não à bondade ou à virtude. Não sou um homem bom. É possível que, moralmente, eu ainda seja mais novo do que você.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Que música!...
As Variações de Goldberg.
Uma das últimas era muito lenta, muito simples, muito triste, mas tão bela, que não pode ser descrita por palavras ou desenhos, apenas pela própria música, tão bela ao luar!... Música lunar, tão prateada, tão distante, tão nobre.
Nós dois ali, naquele quarto. Sem passado, nem futuro. Que intensidade tão profunda. Um sentimento de que tudo tem de acabar: a música, nós próprios, a lua, tudo. A impressão de que se olharmos para o fundo das coisas, encontramos sempre tristeza, sempre e sempre, em toda a parte; mas uma bela tristeza prateada, como um rosto de Cristo.
Aceitar a tristeza. Saber que fingir que tudo é alegria é pura traição. Uma traição para com todas as pessoas que estavam tristes nesse momento, para com todas as pessoas que estão sempre tristes, traição para com tal música, tal verdade.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Conhece muita gente e tentou impressionar-me com nomes. Mas eu só respeito o que as pessoas sentem pela arte. Não o que elas sabem ou quem conhecem.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“E eu não gosto da maneira como você fala. Contudo, isso não quer dizer que eu não o considere digno da minha simpatia ou consideração.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“É verdade. Calibã é o Velho do Mar. Não posso suportar pessoas estúpidas como ele, com todo esse peso morto de egoísmo e de pequenez doentia. E os privilegiados, os poucos, têm de aguentar tudo. Os médicos e os professores e os artistas — não que esses não tenham tido os seus traidores, mas a pouca esperança que existe, está com eles — conosco.
Porque eu pertenço a esse grupo.
Pertenço ao grupo, sim. Sinto-o e tenho tentado prová-lo. Senti-o no meu último dia de escola. Poucos foram, entre nós, os que sentiram alguma coisa. Nunca mais voltarei a essa escola. Não poderia suportar aquela atmosfera asfixiante de fazer tudo como deve ser, com classe, como fazem as pessoas de bem. De me comportar como uma menina de boa família, enfim.
Por que razão devemos nós tolerar tão horrível calibanismo? Para que terão de ser martirizadas todas as pessoas criadoras e vitais, as verdadeiras boas pessoas, pelo grande fantoche universal?
Eu sou uma boa representante dessa situação.
Mártir. Estou fechada; não me posso desenvolver, crescer. Estou à mercê deste ressentimento, desta odiosa inveja dos Calibãs do mundo. Porque todos eles nos odeiam, odeiam-nos por sermos diferentes, por não sermos eles, por eles próprios não serem como nós. Perseguem-nos, abafam-nos, afastam-se de nós, troçam de nós, tentam não nos ver nem nos ouvir. Fazem todo o possível para evitar respeitar-nos e mesmo reconhecer a nossa existência. Admiram e até adoram os nossos maiores, depois de eles morrerem. Pagam milhares e milhares pelos Van Goghs e pelos Modiglianis que teriam desdenhado, quando eles ainda viviam. Nesses tempos, troçavam deles, chegavam a difamá-los.
Odeio-os.
Odeio as pessoas sem educação e as ignorantes. Odeio as pessoas pomposas e falsas. Odeio os invejosos e os ressentidos. Odeio os mesquinhos, os avaros e os insignificantes. Odeio todas as criaturas pequenas que não têm vergonha de ser tão pequenas e inúteis (...).
Amo a honestidade, a liberdade e a generosidade. Amo criar, amo fazer, amo viver uma vida cheia, amo tudo o que não está imóvel, que não está morto, que não copia.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Eu respondi-lhe que era melhor termos a Nova Gente do que gente pobre (...).
'A Nova Gente continua sendo gente pobre', disse-me ele. 'Tem uma nova forma de pobreza. Os outros pobres não tinham dinheiro, e estes não têm alma'.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Todas as pessoas decentes que conheço são anticonservadoras.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Estão corrompendo tudo, não há dúvida. Vulgarizam tudo. Chegam a matar as paisagens, como papai costumava dizer nos seus momentos mais rurais. A produção em massa... Tudo em massa.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Nunca me suicidarei, porque isso é a coisa mais desprezível que existe, só para fugir a uma vida que não me agrada. Mas, por vezes, confesso, a coisa é assustadora: pensar na luta pela vida é verdadeiramente odioso, se pensarmos a sério no assunto.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Pertenço a um grupo de pessoas que tem de lutar contra todo o resto. Não sei ao certo quem compõe o grupo — homens famosos, vivos ou mortos, que lutaram pelas causas justas, que criaram e pintaram com arte e carinho, e as pessoas não famosas que não mentem, que tentam não ser preguiçosas, que procuram ser humanas e inteligentes (...).
Não precisam de ser boas pessoas. Todas elas têm momentos de fraqueza. Momentos de sexo e de álcool. Momentos covardes e momentos de ambição financeira. Alguns pensam mesmo em matar-se. Mas uma parte, uma boa parte do grupo, está de corpo e alma com o movimento.
Os Poucos.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Mas, bem no fundo, Calibã é um deles — tem o mesmo ódio a tudo o que é fora do normal, desejando profundamente que toda a gente seja igual. E o desperdício de dinheiro! Para que serve o dinheiro, se as pessoas não sabem como usá-lo?.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“G.P. disse uma vez que as pessoas honestas são aquelas que não têm dinheiro. A pobreza força-as a terem boas qualidades e orgulho, em substituição ao dinheiro. Depois, quando têm dinheiro, não sabem o que fazer com ele. Esquecem todas as antigas virtudes, as quais, na realidade, não eram verdadeiras virtudes. Pensam que a única virtude é ganhar mais dinheiro e gastá-lo. Não podem sequer imaginar que há pessoas para quem o dinheiro nada significa, que as mais belas coisas da vida nada têm que ver com o dinheiro.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Calibã não acredita em nenhum outro mundo que não seja aquele em que vive. Afinal, Calibã é que está preso; encerrado no seu odioso e mesquinho mundo.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“É como um belo desenho de algo feio. Chegamos a esquecer que o modelo tem alguma coisa de feio.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Sei perfeitamente que, em muitos aspectos, G.P. representa agora uma espécie de ideal; o seu sentido do que tem importância, a sua independência, a sua recusa de fazer aquilo que os outros fazem. O fato de ele ter um lugar à parte.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Tenho estado aqui sentada, pensando em Deus. Não creio que continue acreditando em Deus. Não se trata apenas de mim. Penso que todos os milhões de pessoas que estiveram prisioneiras durante a guerra devem ter sentido o mesmo. Todas as Anne Franks. E durante toda a História. O que penso saber agora é que Deus não intervém. Deixa-nos sofrer. Quem reza pela liberdade pode sentir certo alívio só pelo fato de rezar, ou porque acontece qualquer outra coisa que lhe traz a liberdade, que a traria de todas as maneiras. Mas Deus não nos pode ouvir. Nada tem de humano, como seja, ouvir, ver, ajudar ou ter piedade. É possível que Deus tenha criado o mundo, bem como as leis fundamentais da matéria e da evolução. Planejou-o de forma a que certos indivíduos sejam felizes, outros tristes, alguns com sorte, outros não. Não sabe quem é triste e quem não o é, não sabe e não se preocupa. Assim, na realidade, não existe.
Estes últimos dias tenho-me sentido sem Deus. Senti-me também mais lúcida, menos cega, mais sã. Continuo acreditando num Deus. Mas é tão remoto, tão frio, tão matemático. Compreendi que temos de viver como se Deus não existisse. Rezas, missas e hinos religiosos — tudo tão estúpido e inútil.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Não vale a pena. Não sei odiar. É como se em mim houvesse uma pequena fábrica de boa vontade e generosidade produzindo todos os dias e tenho de expulsar uma boa dose do produto cá para fora. Se conservasse tudo dentro de mim, então explodiria, com certeza!”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“A violência e a força são coisas erradas. Se eu me servir da violência, descerei ao nível de Calibã. Significaria que não acredito verdadeiramente no poder da razão, da simpatia e da humanidade.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Gostaria muito de saber se há mais pessoas como ele. Claro, a vasta maioria — especialmente a Nova Gente — não se preocupa com as artes. Mas será isso por serem iguais a Calibã? Ou será apenas porque não pensam no assunto? Será que a arte os aborrece (de forma a não precisam dela nas suas vidas), ou será que os choca secretamente, levando-os a fingirem que não se preocupam com tais coisas?”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Contudo, escrever bem não basta (refiro-me a escrever as palavras adequadas, etc.) para ser bom escritor.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“O que me preocupa mais é a obscuridade dessas pessoas. O fato de não se preocuparem com o que quer que seja fora do seu mundo, da sua vida.
O fato de estarem fechadas numa espécie de caixa...”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Quero dizer que Calibã odeia as coisas e as pessoas que estão fora do seu mundo. Tem o mesmo egoísmo — nem sequer é um egoísmo honesto, porque culpa a vida e depois diverte-se em ser egoísta com a consciência em paz e sossego.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Nunca poderão conservar no seu seio os verdadeiramente inteligentes. Sobretudo, os mais novos... Queremos algo mais do que o dinheiro e manter as aparências.
Mas é uma verdadeira batalha. É como se estivéssemos numa cidade cercada, em estado de sítio. A Nova Gente nos rodeia... e nós teremos de resistir.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Li uma vez que ninguém pode aguentar mais de dez anos na prisão ou um ano de isolamento completo.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Olhando de fora, ninguém, mas ninguém, pode sequer imaginar o que é estar numa prisão. Há pessoas que pensam que, com tanto tempo para ler e pensar, as coisas não podem ser assim muito más. Mas é terrível. A lentidão do tempo... Eu até juraria que todos os relógios do mundo se atrasaram séculos desde que vim para aqui.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Detesto as pessoas que não fazem coisa alguma. Detesto-as.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“(...) matá-lo seria como destruir tudo aquilo em que acredito. Muitas pessoas diriam que eu fizera bem, que o fato de ter ido contra os meus princípios não tinha grande importância. Mas todo o mal do mundo é feito por ações e atitudes que, de início, pouca importância tiveram. É ridículo falar da falta de importância de certas ações. As pequenas ações e o oceano são coisas iguais.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Se ele me amasse verdadeiramente, não me poderia deixar partir.
Se ele me amasse verdadeiramente, já me teria deixado partir.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Os homens amuam-se quando não nos damos a eles e odeiam-nos quando nos damos (...).
Homens angustiados e mulheres magoadas.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Disse até que o perdoava.
Eu não estava sendo nobre. Desprezo-o demasiado para o odiar.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Tenho de confessar que ainda não sei manobrar a minha vida — ou a de quem quer que seja.
Afinal, sou eu quem precisa de ser acarinhada e consolada.
É como no dia em que nos apercebemos de que as bonecas são bonecas. Olho para a minha antiga personalidade e vejo quão ridícula ela era. Não passa de uma boneca com quem já brinquei demasiado. É um pouco triste como um fantoche no fundo de um armário.
Inocente, estropiado, orgulhoso e ridículo.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Somos tão fracas, fisicamente, tão incapazes, em tantos aspectos! Mas, mesmo assim, apesar de tudo, ainda sou mais forte do que os homens. Sabemos suportar a sua crueldade. Eles não podem suportar a nossa.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Um pensamento estranho: eu não desejaria que isto não tivesse acontecido. Porque, se fugir, serei uma pessoa completamente diferente e, creio, muito melhor. E, se não conseguir fugir, se acontecer alguma coisa de horrível, saberei do mesmo modo que pessoa que eu era e que teria continuado a ser, se isto não tivesse sucedido, não seria realmente a pessoa que agora desejo ser.
É como cozer no forno uma peça de cerâmica. Temos de nos arriscar às rachas e à perda da obra.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Odeio Deus. Odeio o que quer que fosse que criou este mundo, odeio o que quer que fosse que criou a raça humana, que tornou possíveis os homens como Calibã e situações como esta.
Se Deus existe, então deve ser uma aranha horrenda na escuridão.
Não pode ser bom.
(...)
O mundo está cada vez maior e mais escuro.
Mais e mais sofrendo por mais e mais. E mais e mais em vão.
É como se todas as luzes se tivessem fundido. Estou aqui na negra verdade.
Deus é impotente. Não nos pode amar. Odeia-nos, porque não nos pode amar.
Toda a mesquinhez, o egoísmo e as mentiras!”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“O polícia perguntou-me o que eu estava fazendo ali.
Eu lhe perguntei, por minha vez, se era proibido parar naquela rua.
— Depende do que você está fazendo — disse ele.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Julguei que ia enlouquecer. Olhei inúmeras vezes para o espelho, a fim de ver se havia algo de diferente no meu rosto. Tive a horrível ideia de que estava louco, de que todo o mundo o poderia perceber pelo meu rosto.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“A felicidade não se compra. Tia Annie disse essa frase mil vezes. Ha, ha!, pensava eu sempre. Tenho de ver isso, antes de acreditar. Sim, eu pensava assim. Mas agora já vi... já experimentei.
Porque tudo o que conta, afinal, é a sorte. É como nas apostas de futebol — pior, porque não há bons times nem maus times, nem empates verossímeis. Nunca se sabe o que vai acontecer, na vida... É sempre A versus B, C versus D, e ninguém sabe como são, na realidade, A, B, C, ou D... É também por isso que nunca acreditei em Deus. Penso que somos apenas insetos. Vivemos um pouco, morremos, e nada mais! Não há misericórdia. Não há sequer um Grande Além. Não há... nada!.”
(John Fowles, no livro “O Colecionador”)



“Aquele estúpido Karl mentiu a respeito dela, por omissão, como todos os agentes do mundo. Aprendem conosco a enganar, a não deixar vestígios, e acabam por enganar-nos também.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Sabia que estava acabado, mas isso constituía um fato da vida, que carregaria dali em diante como outros homens suportam a prisão ou o câncer. E como nada poderia preencher o abismo aberto entre o passado e o presente, encarava o seu declínio da mesma maneira que, um dia, enfrentaria, provavelmente, a morte: com ressentimento cínico e a coragem de um solitário.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“A espionagem tem uma lei moral — o que importa são os resultados obtidos.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Temos de viver sem compaixão, não é verdade? Mas é impossível. Toda essa rudeza que adotamos uns com os outros não passa de fingimento; na realidade, não somos assim. Quero dizer... uma pessoa não pode ser deixada eternamente no frio; em algum momento, tem de sair de lá.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“A princípio os colegas trataram-no com indulgência — talvez aquela decadência os assustasse como nos assustam os mendigos e os inválidos, pelo nosso receio de vir a ser como eles.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Você é um fanático que não deseja converter os outros, e isso é perigoso. Parece um homem que jurou vingar-se de qualquer coisa.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Odiavam-no porque ele conseguia ser o que, no íntimo do coração, todos desejavam ser: um mistério. (...) E odiavam-no porque, assim como o mundo exterior, ele não precisava deles.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Ashe era um exemplar típico daquela camada da humanidade que conduz as suas relações sociais de acordo com um princípio de ação e reação. Se encontrava brandura, avançava; se encontrava resistência, recuava. Como, pessoalmente, não tinha opiniões nem gostos, reagia conforme as opiniões e gostos do companheiro.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Aliás, deviam saber que (...) trapaceiros, mentirosos e criminosos são capazes de resistir a todas as tentações, e que cavalheiros respeitáveis são às vezes levados a cometer espantosas traições a troco de um cantinho num organismo oficial.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Como nos casamentos, acontecesse o que acontecesse, nada voltaria a ser como dantes.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Aparentemente, não acalentava ambições pessoais, mas mostrava-se implacável na destruição das dos outros.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Todo o nosso trabalho, o seu e o meu, se alicerça na teoria de que a coletividade é mais importante do que o indivíduo. (...) Só a necessidade coletiva pode justificar a exploração individual, não é verdade?”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Às vezes, como era advogado, perguntava apenas por prazer, para demonstrar a discrepância entre as evidências e a perfeita verdade.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“— Que quer dizer com filosofia? Não somos marxistas, não somos nada; somos apenas pessoas.
— Nesse caso, são cristãos? (...) Se não, o que os trouxe à profissão? (...) Devem ter uma filosofia.
— Devem ter por quê? Talvez não saibam, nem se importem com isso. Nem toda a gente tem uma filosofia.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“— Se não sabem o que querem, como podem estar convencidos de que têm razão?
— Quem lhe disse que estão convencidos disso?”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Nunca pretendemos ser absolutamente justos no processo de racionalização da sociedade. Não foi um romano qualquer que disse, segundo a Bíblia cristã, que 'era necessário morrer um homem para benefício de muitos'?”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Essa é a sua virtude, a sua grande virtude: a indiferença.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Um homem que representa um papel, não para outros, mas sozinho, expõe-se a perigos psicológicos evidentes. Em si mesma, a mentira não é particularmente difícil; trata-se de uma questão de prática, de perícia profissional, de uma habilidade, em suma, que muitos de nós podemos adquirir. Mas enquanto um vigarista, um ator ou um jogador profissional pode voltar da ribalta às fileiras dos seus admiradores, o agente secreto não goza dessa possibilidade. Para ele, o embuste é, antes de tudo, uma estratégia de autodefesa. Tem de proteger-se do interior e do exterior e contra os impulsos mais naturais. Mesmo que ganhe uma fortuna, o seu papel pode impedi-lo de comprar até uma lâmina de barbear; mesmo que seja um intelectual, pode ver-se obrigado a gaguejar apenas banalidades; mesmo que seja marido e pai afetuoso, terá de ocultar a sua vida àqueles em quem, naturalmente, devia confiar.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“É dos que atiram primeiro e perguntam depois. O princípio da intimidação... Estranho sistema numa profissão em que as perguntas são, logicamente, mais importantes que os tiros. (...) Estranho sistema, a não ser que tenhamos medo das respostas.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Gostaria que fossem mais honestos, mas também mentia a si própria acerca de tudo aquilo. Talvez todos mentissem, ou talvez os outros compreendessem melhor do que ela por que tinham de mentir tanto.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Há pessoas que criam canários, outras que aderem ao partido.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Não confiava muito nos alemães, embora lhe houvessem dito que os da Alemanha Ocidental eram militaristas e vingativos, e os da Alemanha Oriental, democratas e amantes da paz. Duvidava de que todos os maus alemães estivessem de um lado e todos os bons do outro ...).”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“Tinha voz agradável, (...), mas raro a utilizava. Talvez fizesse parte da sua extraordinária autoconfiança falar apenas quando expressamente o desejava, permitir longos silêncios em vez de trocar palavras sem sentido.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“É preciso destruir o conceito de que os trabalhadores intelectuais pertencem a uma categoria mais elevada! Não existem categorias, mas apenas trabalhadores; não há antítese entre trabalho físico e mental.”
(John Le Carré, no livro “O Espião Que Saiu do Frio”)



“No seio infinito das ondas o nauta sente-se isolado; é átomo envolto numa dobra do infinito.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“Para a fúria dos elementos inventou o Criador as rijezas cadavéricas da natureza. Diante da vaga impetuosa colocou o rochedo; como leito de furacão estendeu pela terra as infindas savanas da América e os ardentes areais da África.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“A savana permanece como foi ontem, como há de ser amanhã, até o dia em que o verme homem corroer essa crosta secular do deserto.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“Cada região da terra tem uma alma sua, raio criador que lhe imprime o cunho da originalidade. A natureza infiltra em todos os seres que ela gera e nutre aquela seiva própria; e forma assim uma família na grande sociedade universal.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“(...) no rosto anuviado perpassou o sorriso plácido e sereno das grandes almas, que uma cólera pequena não conturba. São essas almas como o grande oceano; qualquer borrasca não o agita; para subvertê-lo, é preciso o tufão dos Andes.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“Este mundo é governado por duas coisas: a força ou a astúcia. O mais, isso de lei, de liberdade e justiça, são palavras sonoras para o povo, que no fim de contas não passa de um menino a quem se acalenta com um chocalho...”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“(...) para mim a liberdade não é uma burla para enganar o povo, mas o primeiro bem, que não se perde sem desonra, e não se tira sem traição.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“— São coisas que não esquecem nunca.
— Não esquecem, bem sei; mas se perdoam.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“As súbitas antipatias são incompreensíveis; é este um mistério d'alma, que a ciência ainda não conseguiu perscrutar. Parece que há no magnetismo animal, como na eletricidade da atmosfera, um fluido de repulsão e um fluido de atração; um pólo para o amor e outro para o ódio.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“Por uma terna solicitude sofreava Manuel os impulsos do amor materno, poupando as forças da égua, que na impaciência de ver o filho, e talvez salvá-lo, podia matar-se. Tão comum é essa sublime insensatez na criatura racional, que não pode admirar no bruto!”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“(...) a indiferença e frieza que mostrava em seu trato, não provinham de um hábito somente; eram a repercussão interior da pouca estima em que o gaúcho tinha geralmente a raça humana.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“O espírito guarda ainda mais do que a matéria as primitivas impressões. É uma lâmina polida a consciência do menino, onde a luz da razão nascente esgrafia com extraordinário vigor as primeiras imagens da vida. Muitos outros raios projetam depois em nós sombras vigorosas, que todavia não desvanecem esse estereótipo indelével da infância.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“O gaúcho tinha consciência, mas não orgulho de seu valor. Para um rio-grandense (...), ser bravo, tanto como o mais bravo, era obrigação. Não havia mérito nisso.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“A outra fração muito mais numerosa do partido da resistência não tinha ideias de separação e independência. Limitava-se a restaurar e manter o que chamava liberdade, palavra tão vaga na linguagem dos partidos, que em seu nome se cometem os maiores atentados contra a lei e a justiça.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“Assim, por uma contradição muito frequente em política, dois interesses opostos, mas ofendidos, se reuniam para destruir o obstáculo comum. É o efeito dos governos fracos e perplexos como foi o da regência trina; sofrem ao mesmo tempo a irritação dos aliados e o desprezo dos adversários.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“Não se decepa um membro para dar-lhe força.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“Não recebeu a América, do Criador, as três raças de animais, amigos e companheiros do homem, o cavalo, o boi e o carneiro. Este fato, que à primeira vista parece uma anomalia da natureza, revela ao contrário um desígnio providencial. Regenerar é a missão da América nos destinos da humanidade. Foi para esse fim, que Deus estendeu de um polo a outro este vasto continente, rico de todos os climas, fértil em todos os produtos, e o escondeu por tantos séculos sob uma prega de seu manto inconsútil.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“O motivo por que você me quer matar, pouco me importa saber; eu nunca perguntei à jararaca por que morde a gente. Mas para que eu o mate, é preciso ter uma razão; não mato gente à toa.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“Há na natureza humana dessas excentricidades; o coração que nas grandes lutas atinge ao heroísmo, é de uma tibieza incrível nas pequenas contrariedades.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“A alma que uma vez subtrai-se ao domínio de outra, reage com um impulso irresistível. Não há pior déspota do que seja o cativo submisso, quando se revolta.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“Ora o povo tem o instinto gramatical; e portanto, nos verbos de uso vulgar, adotou a fórmula 'diz tu', 'faz tu', por mais natural e breve e eufônica.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“É natural que certos críticos não achando a palavra nos dicionários, a capitulem de erro, esquecendo que os léxicons, onde vão beber a lição da língua, são meramente portugueses e portanto omissos a respeito de muitos brasileirismos (...).
(...)
Cumpre que nos compenetremos desta verdade. O uso de nosso povo e o bom gosto dos escritores nacionais hão de cunhar palavras brasileiras, apesar das iras clássicas e das excomunhões dos gramáticos.”
(José de Alencar, no livro “O Gaúcho”)



“Ao anoitecer, aproximava-se da janela e olhava para a escuridão como quem se debruça sobre um abismo. (...)
O que se passa, Ludo? Tens medo de cair entre as estrelas?”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Amava a irmã. Evitava viajar para não a deixar sozinha. Passava as férias em casa. Alguns amigos elogiavam-lhe o altruísmo. Outros criticavam-lhe a excessiva indulgência. Ludo não se imaginava a viver sozinha. Inquietava-a, porém, ter-se tornado um peso.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“(...) ao fundo, um longo colar de praias abandonado entre a renda das ondas.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Há pessoas que confundem estupidez com coragem.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Deixe-nos ir e entrego-lhe uma mão-cheia de diamantes. Boas pedras. Você pode sair deste país e refazer a vida em qualquer outro lugar. Terá as mulheres que quiser.
Obrigado. Não pretendo sair, e a única mulher que quero está na minha casa.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Se, dormindo, sonhamos dormir, podemos, despertos, acordar dentro de uma realidade mais lúcida?”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Não confia nas pessoas, isso é certo. A humanidade nunca funcionou muito bem.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Dói-te alguma coisa?
O homem sacudirá a cabeça, negando. Nada. Não tem nada.
Como explicar que lhe dói a infância perdida?”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“A Kianda é uma entidade, uma energia capaz do bem e do mal. Essa energia se exprime através de luzes coloridas emergindo da água, das ondas do mar e da fúria dos ventos. Os pescadores prestam-lhe tributo. Quando eu era criança e brincava junto à lagoa, atrás deste prédio, encontrava sempre oferendas. Às vezes a Kianda sequestrava um passeante. As pessoas reapareciam dias depois, muito longe, junto a outras lagoas ou rios, ou numa praia qualquer. Isso acontecia muito. A partir de certa altura, a Kianda passou a ser representada como uma sereia. Transformou-se numa sereia, mas manteve os poderes originais.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Todos podemos, ao longo de uma vida, conhecer várias existências. Eventualmente, desistências. Aliás, o mais habitual.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Morri, pensou Jeremias. Morri, e aquela osga é Deus. Supondo que a osga fosse Deus, dir-se-ia hesitante no destino a dar-lhe. Tal indecisão parecia a Jeremias mais estranha do que ver-se face a face com o Criador, e este assmir a forma de um réptil.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Monte não gostava de interrogatórios. Ainda hoje se esquiva a falar sobre o assunto. Evita, inclusive, recordar os anos setenta, quando, para preservar a revolução socialista, se permitiram, utilizando um eufemismo grato aos agentes da polícia política, certos excessos. Confessou a amigos ter aprendido bastante acerca da natureza humana enquanto interrogava fracionistas, e jovens ligados à extrema esquerda, nos anos terríveis que se seguiram à Independência. Pessoas com uma infância feliz, afirmou, costumam ser difíceis de quebrar.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Aquilo que todos veem, deixa de ser visto, filosofava. (...) fingia-se de louco. Uma pessoa só consegue passar-se por alienada, só consegue que os outros acreditem nisso, se nesse processo enlouquecer um pouco.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Irritava-a ver um homem em perfeito estado, aliás, em muito perfeito estado, passar o dia estendido na rua, a fazer de maluco. O ex-presidiário endireitou-se, incapaz de reprimir a indignação:
Sou tremendamente maluco!
Não o suficiente, atalhou a enfermeira: Um verdadeiro maluco tentaria parecer um pouco mais circunspecto.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Monte interrogou-o. Pretendia comprovar a participação da enfermeira na conjura. Prometeu libertar os dois, caso o jovem revelasse o paradeiro de um mercenário português que Madalena teria socorrido. Pequeno Soba podia ter dito a verdade, que nunca ouvira falar no mercenário. Achou, apesar disso, que qualquer palavra trocada com o agente equivaleria a reconhecer-lhe legitimidade, e, assim, limitou-se a cuspir no chão. A teimosia deixou-lhe cicatrizes pelo corpo.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Não foi para isto que fizemos a Independência. Não para que os angolanos se matassem uns aos outros como cães raivosos.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Você ficará lá até passar a confusão.
Pode levar muito tempo até a confusão passar.
Vai passar, camarada. A maldade também precisa descansar.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“As pessoas não veem nas nuvens o desenho que elas têm, que não é nenhum, ou que são todos, pois a cada momento se altera. Veem aquilo por que o seu coração anseia.
Não vos agrada a palavra coração?
Escolham outra: alma, inconsciente, fantasia, a que acharem melhor. Nenhuma será a palavra adequada.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“A noite trazia morcegos. O voo dos morcegos, porém, nada tem a ver com o das aves. Os morcegos, como as alforrecas, são seres sem substância. Vê-se um morcego a riscar a sombra e não se pensa nele como algo feito de carne, de sangue, de ossos concretos, de febre e sentimentos. Formas esquivas, rápidos fantasmas entre os escombros, estão ali, não estão mais.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“HAIKAI
eu ostra cismo
cá com minhas pérolas
.
.
.
cacos no abismo.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”, poema de Christiana Nóvoa)



“O meu pai era padre. Foi um bom padre, e um excelente pai. Até hoje desconfio dos padres sem filhos. Como é possível ser padre, não sendo pai?”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Não gosto de polícias do pensamento. Nunca gostei.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Pode-se comer melhor sem gastar mais, explicou a Pequeno Soba: Tu e os teus amigos enchem a boca com palavras grandes, Justiça Social, Liberdade, Revolução, e entretanto as pessoas definham, adoecem, muitas morrem. Discursos não alimentam. O que o povo precisa é de legumes frescos e de um bom muzonguê, ao menos uma vez por semana. Só me interessam as revoluções que começam por sentar o povo à mesa.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Entretanto, rolaram anos. Caíram muros. Veio a paz, realizaram-se eleições, a guerra regressou. O sistema socialista foi desmantelado, pelas mesmas pessoas que o haviam erguido, e o capitalismo ressurgiu das cinzas, mais feroz do que nunca.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“A fraqueza, a vista que se esvai, isso faz com que tropece nas letras, enquanto leio. Leio páginas tantas vezes lidas, mas elas são já outras.
Erro, ao ler, e no erro, por vezes, encontro incríveis acertos.
No erro me encontro muito.
Algumas páginas são melhoradas pelo equívoco.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Afundo-me nos meus próprios sonhos. Talvez a isto se possa chamar morrer.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Dou-me conta de que transformei o apartamento inteiro num imenso livro. Depois de queimar a biblioteca, depois de eu morrer, ficará só a minha voz.
Nesta casa todas as paredes têm a minha boca.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“É sempre mais interessante ser arrebatado pelos céus, como Jesus Cristo ou a sua mãe, do que engolido pela terra. Isto, claro, se não nos estivermos a servir de uma linguagem metafórica.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Boa noite. Queria apenas saber onde arranjou o chapéu.
A garota sorriu:
Um mulato francês que esteve aqui ontem, ele o perdeu.
Perdeu o chapéu?
Ou o contrário, o mulato se perdeu. O chapéu me encontrou.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Não há nada para fotografar. Não se fotografam ausências.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Estamos perdidos!
Estamos? Quem se perdeu foi você!
O homem encarou-o enraivecido, como se o achasse responsável pelo delírio do mundo:
Esses caminhos estão mas é muito bêbados. Dava grandes socos no volante: Acho que sofremos um acidente geográfico!”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Fantasma morreu durante o sono. Nas últimas semanas comia pouco. Verdade seja dita, nunca comera muito - não havia muito para comer - e talvez isso explique o facto de ter vivido tantos anos. Experiências em laboratório demonstraram que a expectativa de vida de ratinhos sujeitos a uma baixa dieta calórica aumenta muito.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Podia saltar, pensou. Avançaria. Subiria ao parapeito, tão simples.
As mulheres, lá em baixo, vê-la-iam um instante, sombra levíssima, a adejar e a cair. Recuou, foi recuando, acuada pelo azul, pela imensidão, pela certeza de que continuaria a viver, mesmo sem nada que desse sentido à vida.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“A morte gira ao meu redor, mostra os dentes, rosna. Ajoelho-me e ofereço-lhe a garganta nua. Vem, vem, vem agora, amiga. Morde. Deixa-me partir.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“De noite, é como se a escuridão cantasse.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Parece-me mais fácil ter fé em Deus, não obstante ser algo tão para além da nossa limitadíssima compreensão, do que na arrogante humanidade. Durante muitos anos, afirmei-me crente por pura preguiça. Ser-me-ia difícil explicar a Odete, a todos os outros, a minha descrença. Também não acreditava nos homens, mas isso as pessoas aceitam com facilidade. Compreendi ao longo dos últimos anos que, para acreditar em Deus, é forçoso confiar na humanidade.
Não existe Deus sem humanidade.
Continuo a não acreditar, nem em Deus, nem na humanidade.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“EXORCISMO

lavro versos
curtos
como orações

palavras são legiões
de demónios
expulsos

corto advérbios
pronomes

poupo os pulsos.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“As mulheres, aqui, têm mais poder do que a gente julga.
Não duvido. Aqui e em toda parte. No fim, as mulheres ficarão com o poder todo.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Não tolerava erros, próprios ou alheios (...).”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Tudo o que é sólido se desmancha no ar, murmurou Monte, pensando em Marx, e pensando, como Marx, não em aviões, mas no sistema capitalista, que ali, em Angola, prosperando como bolor entre ruínas, vinha já apodrecendo tudo, e, dessa forma, engendrando o próprio fim.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Aconteceu o quê, Baiacu?
Baiacu encarou-os, triunfante. Nos dias seguintes seria escutado. As pessoas fariam roda para o ouvir. Um homem com uma boa história é quase um rei.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“A minha mãe dizia que os mortos sofrem de amnésia. Sofrem mais ainda com a pouca memória dos vivos (...). Conversar [com os mortos] sossega os mortos.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“A minha mãe me morreu quando eu era criança. Fiquei abandonado. Converso com ela, mas me faltam as mãos com que me protegia.
Tu ainda és uma criança.
Não consigo, avó. Como posso ser criança longe das mãos da minha mãe?”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Devo acrescentar, a bem da verdade, que não pactuava com racistas, lá isso não, mostrou-se sempre um tipo justo. Tratava brancos e pretos com idêntica arrogância.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Nós somos o coro grego. A voz da consciência nacional. É isso que somos. Estamos aqui, na penumbra, comentando o progresso da tragédia. Lançando alertas que ninguém escuta.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Se eu soubesse no que isto ia dar teria ficado em Paris.
E fazias o quê - lá, em Paris?
Nada!, suspirou Gavião: Nada, como aqui. Mas pelo menos fazia-o com elegância. Seria um flâneur.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Era um adolescente de olhos muito verdes, uma cabeleira indómita, apanhada num rabo-de-cavalo. Uma dessas figuras a que, em Angola, é costume chamar fronteiras perdidas, porque à luz do sol parecem brancos, e na penumbra se revelam, afinal, amulatados - de onde se conclui que, por vezes, as pessoas se conhecem melhor longe da luz.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Estavam nisto, há três dias, quando Jeremias viu o passado agachar-se diante de si. Envelhecera, o que nem sempre acontece, há passados que atravessam séculos sem que o tempo os corrompa.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“O Kubango passa a chamar-se Okavango ao cruzar a fronteira com a Namíbia. Sendo um grande rio não cumpre o destino comum aos seus pares: não deságua no mar. Abre os fortes braços e morre em pleno deserto. É uma morte sublime, generosa, que enche de verde e de vida as areias do Kalahari.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Certas pessoas padecem do medo de ser esquecidas. A essa patologia chama-se atazagorafobia. Com ele sucedia o oposto: vivia no terror de que nunca o esquecessem.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Morremos sempre de desânimo, ou seja, quando nos falha a alma - então morremos.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“(...) nenhum homem é livre enquanto outro estiver aprisionado.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Deus inventou a música para que os pobres pudessem ser felizes.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Mandou vir cervejas para os três:
Vamos beber à felicidade dos pobres.
Pequeno Soba protestou:
E eu?
Você?! Ah, ah, sempre me esqueço que você é rico. Aqui no nosso país, o primeiro sinal exterior de riqueza costuma ser a arrogância. Você não tem nada de arrogante. O dinheiro não lhe subiu a cabeça.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Deus pesa as almas numa balança. Num dos pratos fica a alma, no outro as lágrimas dos que a choraram. Se ninguém a chorou, a alma desce para o inferno. Se as lágrimas foram suficientes, e suficientemente sentidas, ascende para o céu. (...)
Vão para o Paraíso as pessoas de quem os outros sentem a falta. O Paraíso é o espaço que ocupamos no coração dos outros.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Não tenho onde vos sentar. Há trinta anos que não recebo visitas.
(...)
Ficaremos de pé. O meu pai diz que as cadeiras, mesmo as melhores, não melhoram as conversas.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Não se atormente mais. Os erros nos corrigem. Talvez seja necessário esquecer. Devíamos praticar o esquecimento. (...)
O pai não quer esquecer. Esquecer é morrer, diz ele. Esquecer é uma rendição.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Defendem alguns biólogos que uma única abelha, uma única formiga, não constituem senão células de um mesmo indivíduo. Os verdadeiros organismos são a colmeia e o formigueiro.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Assim que recebi o dinheiro do apartamento, comprei espelhos novos. Desfiz-me dos antigos. O meu vizinho estranhou:
A única coisa em condições neste seu apartamento são os espelhos.
Não! Irritei-me: Os espelhos estão assombrados.
Assombrados?!
Sim, vizinho. Cheios de sombras. Passaram demasiado tempo em estado de solidão.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Escrevo tateando letras. Experiência curiosa, pois não posso ler o que escrevi. Portanto, não escrevo para mim.
Para quem escrevo?
Escrevo para quem fui. Talvez aquela que deixei um dia persista ainda, em pé e parada e fúnebre, num desvão do tempo - numa curva, numa encruzilhada - e de alguma forma misteriosa consiga ler as linhas que aqui vou traçando, sem as ver.
Ludo, querida: sou feliz agora.”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Lamento tanto o tanto que perdeste.
Lamento tanto.
Mas não é idêntica a ti a infeliz humanidade?”
(José Eduardo Agualusa, no livro “Teoria Geral do Esquecimento”)



“Afastara-me uns dez anos do Santa Rosa. O engenho vinha sendo para mim um campo de recreio nas férias de colégio e de academia. Tornara-me homem feito entre gente estranha, nos exames, nos estudos, em casas de pensão. O mundo cresceu tanto para mim que o Santa Rosa se reduzira a um quase nada. Vinte e quatro anos, homem, senhor do meu destino, formado em direito, sem saber fazer nada. Nada de grande tinha aprendido, nenhum entusiasmo trazia dos meus anos de aprendizagem. Agora tudo estava terminado. Um simples ato de fim de ano, e a vida devia tomar outro rumo.
— Vamos ver para que dá o senhor – me disse o meu avô no dia de minha chegada.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Tudo em mim era falso, todos os meus sonhos se fixavam em absurdos. Pensava em barões, em carruagens, quando o velho José Paulino era um simples, um homem sem luxo. Procurava ligações com uma existência que fora de parentes remotos e que talvez nem fossem parentes. Falava dos Cavalcantis, dos Vieiras de Melo, dos Albuquerques, com um orgulho meio maluco. Via, no entanto, parentes bem próximos na miséria. Nô do Itapuá bebendo cachaça, o velho Baltasar de engenho a engenho levando mexericos, outros caídos na mais torpe existência. Construíra planos de vida de grande. As minhas preocupações de estudante não mediam a extensão das minhas ambições. Por que não teria a minha família o prestígio que as suas terras lhe deviam dar? Não era dona de toda a várzea do Paraíba? Não conservava em suas mãos o domínio sobre milhares de homens? Faltava um chefe no meio deles, um que fosse o cabeça, o mais sabido de todos. Levavam o tempo votando em bacharéis, a servir de encosto a prestígios de fora. E eles, os brancos, eram mandados por mulatos mais hábeis. Nunca fizeram nada. Que valia então a terra, o latifúndio dominando mais de dois municípios? Um homem de inteligência saberia aproveitar tudo isto, sair de dentro dos seus como o chefe, o mandão, conquistando brilho para todos eles. Era isto o que eu pensava realizar, ter essa força nas mãos e mover com ela as posições de destaque. Via-me cercado dos meus, impondo a vontade de uma família numerosa, recebendo festas, e o Santa Rosa um centro de vida, e eu sempre procurado para decidir, para orientar. Era um principado o que eu queria. E os meus anos de estudante levei-os entre extravagâncias, mulheres insignificantes, e com este sonho de grandeza na cabeça. Quando chegava ao engenho, nas férias, a vida modesta dos meus, o ar humilde da minha gente continham os ímpetos da imaginação excitada.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Dei para sair pelas manhãs, andar a pé até que me sentisse cansado. Eram caminhadas longas que eu fazia, pensando em tanta coisa que, às vezes, me surpreendia em lugares aonde não quisera ir. Ia à toa, a cabeça trabalhando nas minhas meditações sobre uma vida sem grandeza, sem estremecimento de paixão e de revolta. Passiva como a de um homem no fim de tudo. Era um vício meu, aquele de me abandonar aos planos da minha imaginação. Ela não tinha força de me arrancar do Santa Rosa, ou melhor, da casagrande do Santa Rosa.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Com que voz consternada me falou, deixando-me a impressão de que ia partir para uma masmorra, para suplícios medonhos. Sentou-se no chão, brincando de boneca como dantes. Comeu os biscoitos que lhe dei, com uma alegria inocente, como um pássaro que estivesse no mato gozando uns restinhos de liberdade.
Agora, devia estar noutro engenho, lembrando-se de mim, de corpo moído, até que um dia Deus se lembrasse dela e matasse a pobrezinha. Até aqui vinha sofrendo somente para satisfazer a não sei que desígnios. A providência adotava instrumentos cruéis e processos assim para tratar os seus anjos.
Não acreditava mais em Deus. Tomava tudo no mundo como uma obra do acaso, de surpresa, porque se houvesse o grande Deus dos meus dias de fé, Josefa não teria aquele destino, ou uma mão pesada cairia sobre a cabeça da velha Sinhazinha, advertindo-a dos seus erros e das suas misérias.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Mas, por que chorava naquele dia em que me chamou para o café? Teria sido veneta de doente? Ou ainda existiam naquela sua sensibilidade, comida pelo tempo, restos de afeição por um neto que lhe não fizera as vontades?
Queria que fosse bacharel. Fui bacharel. Não era da espécie que ele admirava, daqueles que soubessem fazer uso da carta, que botassem as coisas para a frente. Era um neto mole, sem saber falar no júri, sem coragem para a vida. Aquilo que mais lhe repugnava vivia comigo deitado na rede: a preguiça.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Ficaria sem liberdade com uma estranha dentro de casa. Noutros tempos estas visitas davam satisfação, enchiam a casa-grande de alegria. Agora, porém, viriam se aborrecer e aborrecer aos outros.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Eu mesmo, sem querer, me sentia preso àquela alegria contagiosa. Saía mais do quarto. Lia mais.
Não sabia ler agoniado, com peso na alma. Achava admiráveis aqueles que, no mais doloroso da existência, sabiam procurar um livro na estante e confundir as suas emoções com as dos outros, fugindo das suas próprias mágoas, através de páginas que outras mágoas provocaram. Triste, não podia ler. Fugia do livro como de um importuno, de uma companhia aborrecida.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Dizia todas essas coisas a Maria Alice. Ela, porém, não se arredava da sua opinião: a de que nós explorávamos estes homens. E me perguntava que moral eu queria de uma gente que não comia, que não tinha remédio, que viera da escravidão dos negros para aquela outra, que se iludia com três dias de folga para fazer o que quisesse. E me animava a fazer um estudo sobre o trabalhador do eito. Seria uma campanha admirável, levantada por um neto de senhor de engenho. Seria bonito: levantar-me a favor dos meus servos. Insistia para que escrevesse o primeiro artigo. Os dados estavam nas minhas mãos.
Uma vez perguntei-lhe se era comunista. Deu uma risada das suas e me respondeu que era somente humana. Então por que achava que os parentes do dr. Carlos de Melo pagavam uma miséria aos seus homens, queria subverter o mundo?”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Na estrada fui andando com a cabeça a trabalhar. Era um trabalho de destruição, uma análise minudente de um inimigo sobre outro. Quis fugir da dissecação cruel, mas o bisturi estava em mão de mestre. Cortava mesmo no podre.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“O engenho Comissário, em ruínas, com os restos do maquinismo exposto ao tempo. O melão-de-são-caetano gosta de enfeitar sempre estas desgraças. Onde houver uma casa caindo lá se encontra ele enramando com viço, com aquele gosto de hiena pelos cadáveres.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“E foi aquela desgraça, como se me tivesse despencado de um sobrado ao chão. Todo quebrado por dentro, de miolo mole, a andar angustiado, meio fora de mim, com vontades absurdas. Parecia-me uma cobra que tivesse perdido o veneno. O povo dizia isto: que as cobras quando iam ao banho, deixavam numa folha de mato o veneno que traziam na boca. Esqueciam-se do lugar. E ficavam de um canto para outro, adoidadas, sem rumo, até que descobrissem.
Fora comigo assim mesmo. Mas não achara o meu veneno. Cada dia que se passava, ele mais se escondia de mim.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Mandava matá-los a cacete. Mas, morcegos e sapos não faltavam no Santa Rosa. Via-os agora naquele voo, caindo de lado. Aqueles infelizes degradavam, mais do que os urubus, a bela faculdade de voar, dos pássaros. Andavam pelo espaço, como lesmas pelo chão.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“E o homem de vergonha me pegou ali mesmo. Juiz de dois pesos e de duas medidas: botava o gado no roçado daquele pobre e me avacalhava com Marreira e estava tremendo de medo da usina.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Recebera convite, mas me continha. Era mais seguro ficar mesmo na minha rede. Sair com cabra, seria feio. Desconfiariam da minha fraqueza. Preferi o meu quarto.
E ficar no meu quarto era mesmo que botar uma porção de gente para falar de mim. Porque os meus pensamentos se aproveitavam para se expandir.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Nem sabia que tivera pai. E não tivera mesmo não. Que relação poderia existir entre ele e aquele rapaz que lhe pegara a mãe às carreiras? Quantos naquelas condições não existiam pelos eitos dos engenhos!
O que era um filho feito sem amor, sem entusiasmo? Melhor que se fosse com a mãe. Assim era também com os bichos. Só as vacas e as cachorras amavam seus filhos. Nunca vira um touro dos meus cercados passando a língua nos bezerros. Fizera-os, e que as mães lhes dessem os úberes e amassem os filhos até que crescessem. Teoria de cínico, embuste de quem não sabia ser homem nem para os seus rebentos.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“— A gente não devia viver muito — me dizia ele — para não ver estas coisas.
E levantava-se. E os olhos azuis arregalavam-se para firmar a sua opinião (...).”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Nicolau andava triste, pelos cantos. Coisa aborrecida, a gente ver uma pessoa a sofrer por nossa conta. Preocupava-me com o negro, puxando conversa para ver se o arredava daquela tristeza.
— Seu doutô — me disse ele —, a coisa mais medonha do mundo é um homem trancar uma raiva.”
(José Lins do Rego, no livro “Banguê”)



“Começou a escurecer. Naqueles ermos, os bichos da noite, mal o sol se escondia, davam para gritar, para gemer, para piar. O canto dos passarinhos baixava de tom, mas a tristeza crescia de tamanho, para cobrir tudo de uma paz de fim de mundo.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“A minha filha não regula bem. Desde o dia do ataque de Aparício à fazenda do meu compadre Soares que ela só fala no miserável do bandido. É o que sobra para sertanejo. Quando não é a seca é o cangaceiro, é o soldado.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“É isto mesmo. Aparício anda por aí como se fosse mandado pelo demônio. Quando não mata, aleija. Deus quer e Deus pode. Domício era outro homem, sabia eu que aquele menino não se perderia assim. Mas que pode uma vontade de mãe? Pode mais é a sina de cada um. Eu não quero te dizer nada, não quero estar bulindo nos mandos do Alto. Sempre eu senti que Aparício tinha vindo para pagar uma dívida. O teu pai não sentia as coisas. O teu pai era como uma pedra de lajedo; no lugar que estava, ia ficando. Eu sabia. Bentinho, eu sabia que o filho que vivia nas minhas entranhas carregava as penas do teu povo. Nas noites de agonia, as dores do meu ventre não me enganavam. Eram as dores da sina triste. Eu não quero dizer nada, nada mais.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“E corria também do seu corpo de mãe castigada o sangue dos inocentes. No seu corpo curtido de dor Aparício ia deixando, a rifle e a punhal, as marcas das vinganças de Deus. Com aquela trouxa na cabeça, curvada, com os últimos raios do sol no verde da mataria, assemelhava-se a um quadro bronco de via-sacra. Era o destino que se arrastava como um verme de Deus.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“É verdade, Bentinho, Aparício pode muito com os homens. Isto eu te digo com toda a minha franqueza. Bom é a gente não se encontrar com ele, porque encontrando não larga mais.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“A negra da grota da vertente cantava um bendito. E a boca da noite se abria para comer o mundo. Somente aquela cantiga da negra dava sinal de gente na imensa solidão.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“A passarada recolhia-se aos ninhos. Cantava ainda numa mágoa de mãe triste a rola-cascavel que fizera o seu ninho na biqueira do copiá. Voz para cortar coração, voz de quem sofria como a velha Josefina. Outra vez Aparício dentro de casa, o castigo de Deus. De longe ela viu os dois vultos dos filhos que se aproximavam. Teria que contar-lhes tudo. Não mentiria para Domício. Estava escrito pela mão de Deus e que fosse o que Deus bem quisesse. E se se calasse? Se escondesse do filho o recado de Aparício? Não. Ela nunca que abrisse a boca para fugir da verdade. Domício ia se perder pela vontade do Alto.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Mãe mudou muito depois da morte do velho. Tu sabe, pai era aquele homem calado, aluado, mas valia muito para ela. Agora a coitada só tem mesmo nós. E é mesmo que não ter nada.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Quem paga tudo isto é o sertanejo que nem pode trabalhar sossegado. Quando não tem seca, tem soldado. Quando não tem soldado, tem cangaceiro.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Aninha me disse que vai à casa da velha ver as coisas. Mulher tem mais jeito. Mas, menino, eu para te falar com franqueza não dou mais nada pela tua mãe e até te digo: melhor que tivesse morrido. Ela está só neste mundo. Só conta mesmo com o filho homem, e doido vive muito. Vai ser um penar de anos e anos. É verdade, com as vontades de Deus ninguém pode.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Vinha a história da doença da mãe para bulir ainda mais com a sua natureza. Sempre se apoiou naquela força que era capaz de resistir a tantos aperreios. A velha mãe não sentia o tempo, e não temia desgraças. Cabeça de quem sabia pensar e sabia mandar. E Bentinho lhe contava aquelas histórias, a velha dizendo besteiras, aos gritos, com raiva de todos os filhos. Aparício chorou no dia da notícia. O irmão que era uma fera chorou, correndo lágrimas de seus olhos vermelhos.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“O sertanejo é como bigorna de ferreiro: só serve para apanhar.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“O velho estava numa agitação frenética:
— Não sei, não. Mas já estou sem esperança nenhuma. Vou morrer com a vergonha. Ali em cima está meu menino enterrado. A minha mulher morreu de pena e eu fiquei para pagar o mal que nunca fiz a ninguém. Que mal eu fiz, menino? De nada sei. O que fiz, menino?”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Menino, estou certo de que não vou te ver mais. Vida de cangaceiro não dura muito. A gente não vai morrer na rede. Tem que morrer mesmo na boca do rifle, por isto, morrer amarelo como eu estou, dando pena ao povo, não é morrer. Não, menino, já que caí na vida, tenho que sair desta desgraça com coragem.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Caí, vendo tudo. Sabia que estava me consumindo, mas uma coisa me dizia que não era a minha vez. Me pegaram, e aí o compadre deu a retirada. Estou certo que foi por minha causa. E fez mal. Fez mal. Cangaceiro não pode está cuidando de defunto. Tem é que brigar. Morrer é mesmo o trabaio da gente.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Ficamos compadres e estou com ele até morrer. No fogo de Jatobá ele deu retirada e foi uma errada. Viu o negro no chão baleado e amoleceu o coração. Nada disto. Cangaceiro de calibre não tem coração. O que vale é o fogo; morreu está morto e pronto. Tu, menino, tu não tem natureza para o cangaço. Mas pega. A gente começa embrulhando e termina comendo com gosto. Um dia tu tem que cair na vida porque irmão de cangaceiro não tem que escolher. Os 'mata-cachorros' não estão reparando que tu é de boa paz. Sendo mano de Aparício só tem que se fazer no rifle. Vai te despedindo desta vida.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“O menino está de cabeça virada com as histórias de Aparício. Te garanto que, a esta hora, já está na batida dos cangaceiros. Isto me ofende. Sou homem de matar, menino, mas de matar com a minha razão. Cangaceiro mata sem razão. Não. Vou ter desgosto com esta história do meu filho.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Não posso mais ouvir este velho. Dá-me um frio no coração e tenho até vontade de tomar as dores dele. Isto é que é sofrer. Menino, eu me lastimo e há por aí sofrimento mais grande do que o da gente. Este velho carrega nas costas um peso danado. E cada dia que passa mais a carga vai pesando. Só escapa mesmo com a morte.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Lembrou-se do Araticum e sentiu-se longe dos seus tempos de rapaz, como se tudo fosse de outro mundo. Deu-lhe então uma saudade repentina, um desejo de tornar a ser o que fora, de amar o que nem sabia o que era.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“E vendo Bem-Te-Vi perto do fogo, ao lado de Domício:
— Menino, tu já deste um fogo?
— Não, seu Vicente.
— Pois toma cuidado; a gente pensa que o negócio é duro e não é. É só ficar firme. Tenho visto cabra macho se borrar no primeiro fogo. Isto de coragem se pega com os outros.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“A voz do cabra era de veludo, macia e terna, por cima dos espinheiros. Zé Luís ouvia aquelas narrativas e fugia, pela cabeça, daquele lugar onde estava. Vinham as saudades da mãe, de Alice, do mestre Jerônimo. O coração apertava, e nem a fome e a sede podiam mais do que as suas saudades. Domício e Corisco falavam daquele paradeiro. A gente tem que aguentar, até a vontade de se perder.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Desde que Noca se chegava para ele, a sua vontade se derretia, o coração pulava-lhe no peito e amava com o seu verdor de anos.
— Menino — dissera-lhe uma vez —, estou desconfiada de que estou pegando barriga. Te garanto que Nô vai me matar, mas não faz mal não. Morta eu já estou. Agora estou vivendo outra vez. A gente tem mesmo que morrer.
E os olhos se encheram de lágrimas, olhos já baços pelo sofrimento, já cansados de tanta miséria.
— Menino, tu me veio para me dar um taco de alegria e não quero mais do que isto.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“E beijou-lhe a boca que parecia mais quente que o cano da arma. Já não sabia mais da morte. Agora era todo do outro mundo, de outra vida que não tinha dimensão e nem tempo.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“É, aquele bicho não tem coração de cangaceiro. Pelo que ouvi contar, tem ele qualquer coisa doendo, lá por dentro. É capaz de ser história de mulher, de amor acabado. Homem quando canta daquele jeito é porque tem ferida aberta dentro do peito.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“É. Numa noite de lua assim, dá vontade da gente correr mundo atrás de uma coisa que não existe.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“O melhor era se conformar, sujeitar-se às vontades de quem tinha razão. E, como nunca, chegava-lhe outra vez a certeza de que não podia fazer nada contra a sina que estava escrita. Os Vieira carregavam um destino cruel. O sangue dos antigos mandava de fato. Não podia fugir do castigo. Bem que a sua mãe, nas angústias dos seus padecimentos, dizia: 'Raça de cobra, raça de gente caipora, perseguida pelas iras de Deus.' Conformava-se com a perda de Alice. Não tinha forças para resistir, não tinha ânimo para lutar contra o destino. As águas corriam, como em riacho de inverno pesado, arrastando tudo à força.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“O conselho de Dioclécio, em vez de pacificá-lo, alarmou-o mais ainda. Decidia-se, naquele instante, a sua vida. Ficaria livre, de uma vez, de todos os aperreios. E não tinha coragem. Havia um visgo na sua alma.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“A morte estava dentro de casa e foi por isto que ela foi ficando debaixo do juazeiro. A casa, vista de fora, tinha a fisionomia de uma criatura que ela muito tinha amado mas que se perdera para sempre. Agora parecia-lhe uma pessoa estranha de quem nada podia falar.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Vinha anoitecendo. O silêncio deixava que a cantoria dos pássaros enchesse de alacridade aquela tristeza largada no mundo.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“É isto, minha filha, tu pode contar com a minha casa pobre. Amanhã pode acontecer a mesma coisa com a minha filha e queira Deus que apareça uma criatura pra olhar pra ela.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Alice sentiu-se como um passarinho novo em ninho quente. Já não lhe doía o frio lá de fora, a pancada da chuva nas penugens.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“— (...) Eu é que não fico mais nesta desgraça. Mas tenho pena. Aqui nasci e me criei.
Baixou a cabeça.
— O diabo da terra se gruda na gente e dói sair assim. É um fato.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“Rapaz, morrer é fácil, o diabo é viver.”
(José Lins do Rego, no livro “Cangaceiros”)



“— Pode deixar o menino sem cuidados. Aqui eles endireitam, saem feitos gente – dizia um velho alto e magro para o meu tio Juca, que me levara para o colégio de Itabaiana.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“O diretor dava o seu passeio pela cidade; e era como se o terror tivesse ido embora. Mas qual!, ficava a sua sombra, um decurião, tomando conta da gente.
— Seu Filipe, olhe estes meninos. O senhor é o responsável: da menor coisa tome nota. Não permita gritaria nem palestras com gente de fora.
O decurião ficava, legítimo representante da tirania, excedendo-se em zelos, provocando mesmo incidentes para o relatório do outro dia.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“Dos externos só restava um na sala, e eu também, até dar certa a minha lição. No salão deserto, a minha angústia crescia ainda. Apanhava no primeiro dia, e fora tudo num instante, nem sei como. Quando a velha Sinhazinha me pegara uma vez, a casa toda ficara comigo. A minha vaidade de menino se enchera com essa dedicação. Ali fora com indiferença geral que a palmatória tinira nas minhas mãos. Talvez porque o castigo não fosse uma exceção naquela casa, apanhava-se todos os dias.
Na parede da sala havia um quadro grande, representando a subida de Cristo aos céus. Parecia que estava ali para uma profanação. Jesus veria surrados todos os dias aqueles mesmos que queria que fossem a Ele, porque era deles o reino dos céus.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“— O Paraíba, no engenho, é maior do que aqui. Já atravessei uma vez de barreira a barreira.
Não sei por que me deleitava exagerando as coisas. Pode ser que fosse um vício da idade, mas eu tinha esse gosto pelo exagero, pelos fatos e as coisas maiores do que eram. Não resistia ao gosto de contar uma história com vantagens. No fundo não seria uma mentira: uma deformação talvez. Uma força imaginativa pondo-se acima da realidade.
— Deixa de goma, Doidinho. Não está vendo que você não atravessa o rio cheio?
— Pois eu mostro quando ele encher.
O colega tinha razão. Nunca atravessara o Paraíba.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“Já fazia o pelo-sinal antes de dormir. E começava a ter os meus medos dos pecados pelo castigo do alto. Quisesse ou não quisesse, a pedra amarrada ao pescoço, o fundo do rio, as penas do inferno deixavam-me alguma dúvida. Deus estava em toda parte. O homem não podia se esconder de seu olho vigilante. A minha cama não tremia tanto. Afugentava os fantasmas libertinos com estas preocupações que nunca tivera.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“A igreja cheia de lado a lado. Três confessionários atendiam a humanidade em chagas que procurava a misericórdia celeste. Poucos homens, mais mulheres do povo, pobres, cheirando a falta de banho, negras com pituim, a gente boa dos campos que deixava os filhos e as obrigações de casa para esse ajuste de contas com o Senhor.
Mas que pecados prevaleceriam diante de suas misérias, de seus estômagos vazios, de seus corações cândidos? Jesus Cristo amava os pobres, dizia a história sagrada. Logo aquela gente toda seria a sua gente. Os que Ele queria para companheiros de seu paraíso. Ali só havia pobreza. Os ricos eram bons demais para a confissão. Não se pensa em pecados com a barriga cheia. A fome é que nos traz essa vontade de purificação. Parece que o corpo sem os fiambres e os filés se sente mais perto da fome da terra. Mas quanto mais gordos eles ficassem, mais difícil seria passarem por aquele fundo de agulha, de que falava a minha história sagrada.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“E naquela espera de confessionário, daria tudo para vê-lo ajoelhado, recebendo do padre o perdão de Deus para os seus pecados. Ele era bom demais. No seu coração cabiam todas as criaturas do seu engenho. Mas a gente pecava por coisas que não pareciam mesmo pecado.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“Uma negra junto de mim contava a história da filha:
— Se perdeu, caiu no mundo.
Queria dizer muita coisa aquele triste 'caiu no mundo'. O mundo era esta coisa abominável que nos desgraçava. O padre dizia que era preciso resistir às tentações do mundo.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“Uma lua muito branca derramava-se pelas ruas na nossa volta ao colégio. E por baixo das castanheiras dormia gente esperando pela missa da madrugada. Povo bom, este, que deixava as suas camas de vara, a sua miserável comodidade, para ouvir os frades falarem de outro mundo, de uma outra vida, onde seriam recompensados de suas fomes e de suas doenças! Não é que viessem ali porque lhes prometessem barriga cheia. O que lhes prometiam era de muito longe: não era o gozo e a fartura que os outros desfrutavam na Terra.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“O jejum no colégio vinha-me instruir a respeito de fome, de pobres, de secas. Sabia agora por que os sertanejos cortavam a boca com gravatá, por que caíam pelos caminhos os retirantes, e de que morrera o gado do meu avô.
O velho Maciel estava outro para a gente. A palmatória entrara em férias também. Mas parece que ele ficara com o jejum para nos castigar. O pior é que não era contra ele que me revoltava. Virava-me contra o pobre do Cristo que se enchera de pregos na mão, se deixara lancear de lado a lado, para nos salvar. É monstruoso confessar: na sexta-feira santa blasfemei como um bêbado contra Deus. Mas se estava pior do que bêbado, se estava com fome! Nós tínhamos voltado da igreja à noitinha. Assistira ao ato inteiro com suores frios, os joelhos doendo, a cabeça tonta. O jejum não me servira para mortificações, para me elevar a Deus com o espírito. Não: ele me revoltava, me aproximava mais ainda das minhas fraquezas. Era um impaciente, que não suportava a menor restrição às suas precisões. E quando olhei para a sala de jantar, que não vi a mesa pronta, veio-me logo a certeza de que não se comia mais naquela noite. Na cozinha o fogão apagado, a negra Paula na igreja.
Fui para a cama porque não me aguentava mais nas pernas. O medo de uma vertigem me preocupava. Vira o Aurélio verde na igreja, caindo. Sempre tivera medo de perder os sentidos. E no meio sono, entre acordado e dormindo, fiquei esperando a hora da ceia. Na cama arrependi-me dos meus arrancos de raiva. Pecara grosseiramente. Num dia daqueles, tão grande, ofender a Nosso Senhor! O que seria a minha fome em relação ao sacrifício de Jesus, surrado, pingando sangue pelo caminho do Calvário, o coração atravessado de lado a lado e a cabeça para um canto, pendida pelo peso das dores! Tive medo, ali no quarto, sozinho, de um castigo. A cumeeira podia cair em cima de mim; podia morrer ali mesmo, como um bicho, em pecado mortal. Não pensava mais em comer. Saltei da cama para fora num ímpeto. E a mesa de jantar com os pratos e o feijão-de-coco e o bacalhau da quaresma para satisfazer ao sibarita incontentado. Mas tinha aprendido muita coisa sobre a fome.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“Grande expectativa. Se não me viessem buscar?... Uma noite com a dúvida dormindo comigo. E que companheira mais incômoda para uma noite em que se ia dormir pensando na liberdade? Que sofreguidão não seria a dos presos que premeditavam fugas, os que passavam meses furando paredes grossas de cadeia para fugir! Que sonhos não teriam estes homens, sonhos compridos com o mundo, com as alegrias da liberdade!”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“Era esta a vida que eu invejava, a pobre vida dos pastoreadores. Passavam um dia assim, e quando chegavam no engenho iam dormir nas tulhas de caroço de algodão, na companhia inquietante das pulgas. Amanheciam de corpo encalombado, mas nas noites de chuva era ali o melhor quente que encontravam. Andorinha, Macaxeira, Periquito – chamavam-se assim. Os seus nomes, eles mesmos até se esqueciam. Uns eram dados de presente no engenho pelos pais. Abandonavam-nos para os desvelos da mamãe bagaceira. Em pequenos achavam graça no que os molequinhos diziam. Amimávam-nos como aos cachorrinhos pequenos. Iam crescendo, e iam saindo da sala de visitas. E quanto mais cresciam mais baixavam na casa-grande. Começavam a lavar cavalos, levar recados. Os mais inteligentes ficavam, como o Zé Ludovina, no serviço doméstico do suserano. Os outros, perdiam o nome, bebiam cachaça, caíam no eito. E cair no eito, entre eles, era o mesmo que entre as mulheres se chama cair na vida.
E ali, metido na roupa do pobre, melancolicamente verificava que era um rico.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“Devia haver um meio de salvar o meu avô daquelas penas.
Perguntei um dia a tio Juca por que não se confessava. Ele riu-se para mim:
— Não tenho pecado não, menino. Lá em cima é que a gente dá contas a Deus.
— O senhor pode ir para o inferno.
— Que inferno! Inferno é isto aqui na Terra. Acredito nisso não.
(...)
Depois tio Juca saía, e eu continuava pensando na impiedade da minha gente. Pela legislação do catecismo não escaparia ali nenhum do inferno.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“Nada como um ato de força para a conquista do poder. De que me tinham valido todas as minhas condescendências para com eles, aquilo de tratá-los como um irmão de sangue? Não me valeram de nada. No dia, porém, em que me firmei como um forte, capaz de furar o outro de lanceta, o prestígio cresceu: 'Quem me disse isto foi Carlinhos', logo devia ser verdade; 'quem me mandou fazer isto foi Carlinhos', e estava bem-feito. Sinais evidentes de que eu mandava, de que podia afirmar. O chefe supremo não estava sozinho por ali. Comandava os meus moleques, os meus asseclas. Não andava mais com subserviências para com o primo Silvino. E se ele quisesse experimentar, que viesse.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“Faltava-me uma amizade que me envolvesse, arredando-me daqueles pensamentos. O colégio, um vazio humano para mim. Cadê Coruja, que me queria bem? Maria Luísa, que eu amava? Só havia gente sem correspondência com os meus entusiasmos, mais bichos do que gente. Clóvis, um fraco, que só podia viver com outros; João Câncio, Pão-Duro, José Augusto, os filhos de Simplício, Heitor – todos eles mais ou menos iguais. Procurasse um que fosse capaz de um afeto, de uma amizade grande, que não encontrava. Pobres arbustos humanos, incapazes de uma sombra, de uma boa sombra acolhedora.”
(José Lins do Rego, no livro “Doidinho”)



“— (...) Não sou criado de ninguém. Gritou comigo, não vai.
— Grita, mas é bom homem, mestre Zé.
— Eu sei. A bondade dele não me enche a barriga. Trabalho para homem que me respeite. Não sou um traste qualquer.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Estou perdendo o gosto pelo ofício. Já se foi o tempo em que dava gosto trabalhar numa sela. Hoje estão comprando tudo feito. E que porcarias se vendem por aí! Não é para me gabar. Não troco uma peça minha por muita preciosidade que vejo.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Foi pra trás. Veio cair nesta desgraça. É a vida, seu Laurentino. O mestre José Amaro não é homem para se queixar. Estou somente contando. Aguento no duro.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Sentado no seu tamborete, o velho José Amaro parou de falar. Ali estavam os seus instrumentos de trabalho. Pegou no pedaço de sola e foi alisando, dobrando-a, com os dedos grossos. A cantoria dos pássaros aumentara com o silêncio. Os olhos do velho, amarelos, como que se enevoaram de lágrima que não chegara a rolar. Havia uma mágoa profunda nele. Pegou do martelo, e com uma força de raiva malhou a sola molhada.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“O martelo do mestre era forte, mais alto que tudo. O pintor Laurentino foi saindo. E o mestre, de cabeça baixa, ficara no ofício. Ouvia o gemer da filha. Batia com mais força na sola. Aquele Laurentino sairia falando da casa dele. Tinha aquela filha triste, aquela Sinhá de língua solta. Ele queria mandar em tudo como mandava no couro que trabalhava, queria bater em tudo como batia naquela sola.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“O mestre cortava material para os arreios do tangerino do Gurinhém. Estava trabalhando para camumbembes. Era o que mais lhe doía. O pai fizera sela para o imperador montar. E ele ali, naquela beira de estrada, fazendo rédea para um sujeito desconhecido.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“— (...) Vou dar notícia ao major Ambrósio do assucedido.
— Este Ambrósio é um banana. Queria ser delegado nesta terra, um dia só. Mostrava como se metia gente na cadeia. Senhor de engenho, na minha unha, não falava de cima para baixo.
— Seu Augusto não é homem para isto, mestre Zé.
— Homem, não estou falando de seu Augusto. Estou falando é da laia toda. Não está vendo que, comigo delegado, a coisa não corria assim? Aonde já se viu autoridade ser como criado, recebendo ordem dos ricos? Estou aqui no meu canto mas estou vendo tudo. Nesta terra só quem não tem razão é pobre.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“— Seu Laurentino — foi ele dizendo —, um homem vale pelo que é e não pelo que tem. Você esteve comendo na mesa do coronel José Paulino e veio para a minha casa me meter inveja.
— O senhor está enganado, mestre Zé, não sou homem para isto. Não é a primeira vez que como em mesa de rico.
— Não estou enganado não. Eu não me engano.
Estalou na lama da estrada um cavalo esquipando. Os dois olharam e passou num ruço ligeiro o velho José Paulino, de chapéu do chile, grande, de rebenque na mão.
— Bom dia — falou ele, de longe.
O pintor Laurentino levantou-se para tirar o chapéu. O mestre José Amaro grunhiu por entre dentes um bom-dia de raiva.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“O mestre, então, teve vontade de falar com a família, de abrir-se com os seus, de sentir um agrado de sua filha. Era raro aquilo que sentia naquele instante. Era duro demais, era como um cardeiro cheio de espinhos.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Foi andando de estrada afora, queria estar só, viver só, sentir tudo só. A noite convidava-o para andar.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Que povo era aquele que era tão diferente de todos? Nunca poderia compreender aquele povo.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“A tarde chegava com a mesma tristeza de sempre.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“O latir dos cachorros fazia-lhe mal. Era como se fosse um agoiro. E à boca da noite as suas ideias ruins apertavam-lhe mais. Vinha-lhe um nó na garganta, um frio de lado, um medo que não sabia do que era. Medo de quê? Medo da morte não tinha, nunca tivera.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“A velha sinhá não sabia mesmo o que se passava com o seu marido. Fora ele sempre de muito gênio, de palavras duras, de poucos agrados. Agora, porém, mudara de maneira esquisita. Via-o vociferar, crescer a voz para tudo, até para os bichos, até para as árvores. Não podia ser velhice, a idade abrandava o coração dos homens. Pobre da Marta que o pai não podia ver que não viesse com palavras de magoar até as pedras. Por ela não, que era um resto de gente só esperando a hora da morte. Mas não podia se conformar com a sorte de sua filha.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“O doutor Samuel abriu processo. Eu disse a ele: 'Seu doutor, não precisa nada disto. Um homem do meu calibre não precisa da lei para se impor'.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“— Compadre, eu não estou pensando nestas coisas. Vivo aqui nesta tenda, e quero sair daqui para o cemitério.
— Besteira. O compadre tem o seu voto.
— O que é um voto, meu compadre?
— Um voto é uma opinião. É uma ordem que o senhor dá aos que estão de cima. O senhor está na sua tenda e está mandando num deputado, num governador.
— Compadre Vitorino, eu só quero mandar na minha família.
— É por isto que esta terra não vai para diante. É por isto. É porque um homem como o meu compadre José Amaro não quer dar valor ao que tem.
— Não tenho nada, compadre.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Calaram-se. Ele não queria ouvir voz de ninguém. Queria ser só neste mundo que não lhe dava alegria (...). Aqueles diabos tinham corrido com medo dele. Por que tinham medo dele? A sua mulher teria também medo dele? Estaria assim tão monstruoso que espantasse o povo?”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“— Tem até sentimento a cantoria dele — disse a moça.
— Coitado de seu José, que vida ele tem — respondeu-lhe dona Sinhá.
E depois, como querendo corrigir-se:
— Pode ser até mais feliz que muita gente.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“José Passarinho cantava porque era feliz, porque o mundo para ele não tinha mágoa para lhe dar.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Eu digo ao senhor, foi homem bom que me ensinou muita coisa. A gente aprende muita coisa, mestre, mas só enxada é que dá feijão e farinha.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Nunca pensara que aquele negro imundo, de cara de cachaceiro, tivesse tanta coisa dentro de si, aquela história, aqueles amores (...).”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Cheirava o manacá, cheirava a terra que ele nunca plantara. Fora sempre de seu ofício, sempre pegado no couro, cortando sola, batendo brocha. A terra lhe era distante. Viu a várzea coberta de lavoura, olhava as vazantes, os altos e nunca reparara que tudo aquilo era o poder, era a força verdadeira do homem. Sabia que o homem tirava tudo da terra, que a terra paria tudo. Só agora depois de velho era que pudera compreender aquela beleza de uma noite, a paz da noite, sem a agressividade da luz quente. Aquela luz fria da lua entrava-lhe de carne adentro. Sentia solidão. O que ele queria era viver só. Tudo o que o ligava à casa, à vida de sua casa, lhe doía, era como uma facada que lhe entrava no corpo.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“José Passarinho cantava com toda a sua alma. Queria agradar ao mundo.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Não queria pensar no passado. Para que se voltava para o tempo distante, para os dias que se perderam, para a vida que era toda morta?”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Aquela era a sua casa, aquelas as suas flores, tudo aquilo ela tinha como coisa de sua existência. Veio-lhe um amor desesperado por tudo. Mirou demoradamente a cerca que fizera com as baionetas, o chiqueiro dos porcos, as roseiras que plantara. Tudo viera de suas mãos. Poderia perder tudo aquilo?”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Era como se estivesse só no mundo, cercada pelo silêncio do mundo.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Nas mãos do capitão Tomás tudo rendia, tudo dava dinheiro. É verdade que tinha uma mulher que era a metade do seu esforço.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Uns foram acompanhar o carro desde Itambé até ali. Na areia do tabuleiro as rodas se enterravam fundo. Braços de negros, de curiosos, empurravam o carro. Para os cavalos cansados havia negros que os substituíam.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“A mulher viera lhe falar, com muito cuidado, da gravidez da filha. Gostou de saber. Podia ser que assim o homem [o genro] pegasse gosto pelas coisas da vida. Um filho era peso nas costas, era preocupação, era pensar no futuro.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Teriam que chegar em Campina. Sabiam que para aquelas bandas teriam muitas dificuldades. O povo do sertão não ia muito com a gente da várzea. O velho Tomás estava no seu direito, e ninguém poderia tomar o que era seu. E assim chegaram ao povoado (...). O capitão conversou com um cargueiro e o homem foi franco com ele:
— Capitão, isto aqui vai ser difícil para o senhor. Sertanejo é povo que estranha muito.
Na manhã seguinte foi à casa dum velho que era tido como o maior da terra. Contou a sua história e nem chegou a terminar, porque o velho foi lhe dizendo com toda a franqueza:
— É difícil, seu capitão. É muito difícil. Aqui eu moro, nesta Campina Grande, há muitos anos, e não conheço ladrão nenhum. Se o negro ganhar o sertão, o senhor não acha mais. Isto é terra livre, capitão. O povo destas bandas não tem marcos na terra.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“O capitão, nos seus silêncios, vivia para dentro de si com violência.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Pensou na doçura de Amélia e ficou com medo do genro. Seria uma natureza como a do major Ursulino, escondida atrás daqueles modos finos? O outro, pelo menos, não escondia os seus intuitos malvados.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Depois daquele incidente, seu Lula deixou de falar com a sogra. A princípio aquela atitude doeu em D. Mariquinha. Amélia procurava por todos os meios corrigir a falta do marido. Tinha pena da filha quando aparecia para agradá-la. Era um coração de ouro. Agora sabia que não seria feliz com aquele homem. Tomás era homem duro, sem agradar, sem muita conversa, mas tinha coração generoso. Aquele Lula, todo de mesuras, todo não me toques, tinha gênio perigoso. Muito sofria uma mulher casada com um marido assim.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Ele queria o que era de direito. O juiz não lhe deu direito nenhum.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Quando a menina adoecera, fez o possível para dar tudo que era de suas energias para a neta. O genro não saía do quarto da doentinha, fora de uma dedicação sem limites. Até o admirara. Os pais daquela Ribeira sofriam com as doenças dos filhos, mas deixavam que só as mães cuidassem deles. Via o genro com todo aquele desvelo pela filha, e abrandou o seu ódio.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“O povo cercava os negros libertos para ouvir histórias de torturas. Fazia-se romance com os sofrimentos das vítimas de Deodato.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Neném era a cara do pai. Dela não tinha coisa nenhuma. Achava linda a sua filha. Tinha aqueles cabelos louros, e os olhos azuis, a pele macia, branca como alfenim. E era uma menina doce, tão sem gênio que encantava a todo mundo.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“O que lhe valia a vida, sem nada que lhe desse uma alegria real?”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Pensava em Deus e se recolhia ainda mais. Deus era o seu consolo, a sua força para resistir ao desânimo daqueles dias que vinham, terríveis, depois do ataque. Mas amava a Deus, e odiava a todos os homens. Era um amor doente, desesperado, que o consumia como uma chama.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Neném não viera para a mesa do chá. Quis que ela viesse. Mandou que a mulher fosse chamá-la. E quando a viu de olhos vermelhos de chorar, com a cabeça baixa, imaginou o ódio que não lhe teria. Era pai, e pai era somente para aguentar as fraquezas dos filhos. Estava sereno.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Tudo se sumira. Era como se todo o mundo que ele pisara com os pés, que vira com os seus olhos, que pegara com as suas mãos, se perdesse num instante. E ele ficasse ali só, sem ninguém, incapaz de ouvir; incapaz de ver.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“— Hein, está muito enganado.
— É o que lhe digo, primo — respondia Vitorino. — Nunes Machado não era homem. Morreu de bala como passarinho. Essa gente do Partido Liberal queria era limpar os currais dos conservadores.
— Não é verdade. O meu pai morreu no campo de honra, hein, Capitão Vitorino?
— Que honra, primo. Honra de quê?”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Este Lula de Holanda tem luxo, de besta qu]]e é. Chegou aqui mais pobre do que Jó, e só anda de carro. Bicho preguiçoso.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“(...) seu Lula, só, com a noite que se aproximava, sentiu-se um pouco superior a tudo o que o cercava. Viera ali o homem mais rico da várzea pedir-lhe para ajudá-lo na sua política e ele negou-lhe auxílio.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“D. Amélia conformava-se com as impertinências do marido. Cada vez mais sentia ela que a doença do seu Lula morreria com ele. Não lutou mais, não sofreu mais. Era tudo como Deus quisesse. A vida que tinha que viver seria aquela, sem outro remédio que vivê-la. Tinha pena da filha, mas ao mesmo tempo para que lhe desejar casamento que fosse como o seu? Para que ligar-se a um homem que viesse magoá-la, arrancar-lhe a paz de espírito? Via Neném no seu jardim, nos seus silêncios, na sua paz e não se queixava de não vê-la casada.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“As coisas caminhavam como água de rio, com a correnteza levando tudo.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Deus a livrasse que Lula soubesse de uma coisa daquela. O orgulho de Lula era uma doença que nem a devoção curaria. Um senhor de engenho sustentado pelo trabalho de sua mulher!”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Agora ouvia uma cantoria fanhosa, um gemer que abafava o canto dos galos. Da casa de Macário saíam vozes chorando uma morta. A alma de Joaquina, na noite de lua, se embalava naquele pranto que queria tocar o coração de Deus. D. Amélia fechou a porta da cozinha. Dentro de sua casa havia uma coisa pior do que a morte. Não havia vozes que amansassem as dores que andavam no coração do seu povo.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“A princípio pensou que fosse fácil abandonar aquela casa. Nunca sentira por aquele pedaço de terra o que agora estava sentindo. Viu que era duro abandonar aquela besteira que via todos os dias como coisas sem importância. (...) Alípio lhe dera aquele conselho. Manuel de Úrsula lhe falara em direito. Direito de pobre. Não podia haver direito de pobre. Na rede, deitado, sem coragem de botar os pés para fora de casa, era como se estivesse numa cadeia, preso, domado por um poder que não venceria.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Toda a razão estava com ele. Não tinha razão a sua mulher, não tinha razão o senhor de engenho. Todos eram contra ele. Aqueles meninos, aquelas mulheres, aquele Coronel Lula, todos do mundo que o cercava eram grades de ferro que o prendiam, que faziam de um homem trabalhador como ele um monstro, um perigo, um criminoso.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Passarinho lhe dissera que os cangaceiros respeitavam as famílias, o capitão aparecera na varanda do sobrado, com o peito cheio de medalhas. Parecia um príncipe. O povo gostava do homem. Soltava os presos, dava de comer aos infelizes. E o tenente Maurício, por onde passava, era como um pé de vento, assombrando os homens, como aquele oficial do catorze, dos tempos do Quebra-Quilos, aquele de quem a sua mãe lhe falava como de um enviado do demônio. Ela lhe contava dos coletes de couro, das surras que o catorze dera por onde passava. Era assim aquele governo, era assim com tudo que tocava aos pequenos. Aquele Lula de Holanda, sem que nem mais, mandava que ele se fosse de uma casa que o seu pai levantara. Anos e anos perdidos. E Manuel de Úrsula vinha lhe falar em direito. Pobre não tinha direito. Quem sabia dar direito aos pobres era o capitão, era Jesuíno Brilhante, era o cangaço que vingava, que arrasava um safado como Quinca Napoleão.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“— (...) Mas me falaram de briga do senhor com o senhor do engenho.
— Me botou para fora.
— Mas por quê, mestre?
— Ora por quê, seu Torquato; porque é dono, e manda do jeito que quer.
— É o diabo, mestre. Leva um homem a vida inteira numa propriedade, cria raiz na terra, e chega uma ordem para botar para fora, como se corta um pé de pau. Isto não é direito. É por isto que eu digo todo dia: homem para endireitar este mundo só mesmo um Capitão Antônio Silvino.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“— Mestre, em que está a questão com o coronel Lula? — perguntou um dos rapazes.
— Eu não tenho questão. O homem me botou para fora. E eu não saio. É só isto. Agora que me venha arrancar daqui. Ainda há força neste mundo que pode mais que uma vontade de senhor de engenho.
— Botou advogado, mestre?
— Não tenho posses para isto. Tenho o meu direito e quem tem direito não teme.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Já havia na vila muitos senhores de engenho que tinham vindo para livrar Vitorino. Todos queriam bem ao velho desbocado, mas cheio de tanta bondade. Sem juízo, dizendo o que lhe vinha à boca, tudo com a mais cândida inocência (...). Todos queriam acompanhar o velho. Vitorino, na hora de embarcar, abraçou-se com a mulher que só fazia chorar.
— Acaba com isto, mulher. Cadeia foi feita para homem. Me matam mas não me dobram.
E quando o trem saiu com o velho Vitorino, a estação estava cheia de gente que viera ver a partida do prisioneiro. Todos se espantavam da coragem, do jeitão atrevido do velho. Era homem que ninguém dava nada por ele e não tinha medo de coisa nenhuma.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Sofreu com as mágoas de sua mãe. E lá um dia falou com ela de seus planos. Teria que levá-la para o Rio. Podiam viver muito bem com o que ganhava. Não pensava em casar-se. Pelo contrário, a vida de embarcado, de homem largado por este mundo, não era para casamento. Lembrara-se de levar a sua mãe.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“O piano tocava nas tardes como aquela. A boa música de D. Amélia lavava mágoas e dores. Tudo se fora na enchente do tempo. Luís queria levá-la para o Rio. Não podia ficar por ali para ver a desgraça de tudo. Vitorino não tinha consciência para sofrer. Não sofria, não era capaz de sentir que tudo se acabara, que eles em breve veriam o fim da família que fora tão grande, tão cheia de riqueza.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“O cego Torquato, contando a sua história, arrancava lágrimas do sacristão Policarpo. A fala mansa do cego detalhou uma por uma as surras que levara. Era um pobre homem que vivia da bondade dos bons cristãos. E sem que nem mais, faziam aquilo com ele. O que podia um cego fazer contra os grandes deste mundo?”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“O juiz apareceu para mostrar a representação que fizera à Capital. Não era político mas tudo aquilo só acontecia porque o governo não respeitava a Justiça. Todos se calaram.”
(José Lins do Rego, no livro “Fogo Morto”)



“Meu avô, em pé, olhava de uma ponta da calçada as suas plantas de cana submersas, a sua safra quase toda perdida. Mas não se lastimava, porque sabia que riqueza em limo lhe trouxera o rio para suas terras. Ele mesmo dizia:
— Gosto mais de perder com água do que com sol.”
(José Lins do Rego, no livro “Menino De Engenho”)



“Eles pareciam felizes de qualquer forma, muito submissos e muito contentes com o seu destino. A cheia tinha-lhes comido os roçados de mandioca, levando o quase nada que tinham. Mas não levantavam os braços para imprecar, não se revoltavam. Eram uns cordeiros.
— O que vale é a saúde e a proteção de Deus, diziam sempre.
Mas, coitados, com que saúde e com que Deus estavam eles contando!”
(José Lins do Rego, no livro “Menino De Engenho”)



“Era um menino triste. Gostava de saltar com os meus primos e fazer tudo o que eles faziam. Metia-me com os moleques por toda parte. Mas, no fundo, era um menino triste. Às vezes dava para pensar comigo mesmo, e solitário andava (...).”
(José Lins do Rego, no livro “Menino De Engenho”)



“Tinha um medo doentio da morte. Aquilo da gente apodrecer debaixo da terra, ser comido pelos tapurus, me parecia incompreensível. Todo o mundo tinha que morrer. As negras diziam que alguns ficavam para semente. Eu me desejava entre estes felizardos. Por que não podia ficar para semente?”
(José Lins do Rego, no livro “Menino De Engenho”)



“O mundo de um menino solitário é todo dos seus desejos.”
(José Lins do Rego, no livro “Menino De Engenho”)



“Não me saiu do engenho um negro só. Para esta gente pobre a abolição não serviu de nada. Vivem hoje comendo farinha seca e trabalhando a dia. O que ganham nem dá para o bacalhau.”
(José Lins do Rego, no livro “Menino De Engenho”)



“Os meus pensamentos vinham assim de fontes envenenadas de pessimismo. Menino, e pingando em cima da minha infância este ácido corrosivo que me secava a alegria de viver. E os meus parentes ainda mais me sacrificando, em vez de me deixarem no contato inocente com os meus pequenos prazeres. O diabo daquele doutor me fechara num inferno, ali, a dois passos de um paraíso de portas abertas.
Os pensamentos ruins principiavam a fazer ninho no meu coração. Batiam asas por fora, mas vinham sempre terminar comigo, nas soluções que me davam, nos sonhos que me faziam sonhar, nos ódios a que me arrastavam. Por debaixo dos sapotizeiros, nas sombras amigas destas árvores, à espera dos canários, só pensava pensamentos maus. Criava assim dentro de mim uma pessoa que não era a minha. As reclusões forçadas, a que submetiam o menino que precisava de ar e de sol, iam perdendo mais a minha alma que salvando o meu corpo.”
(José Lins do Rego, no livro “Menino De Engenho”)



“Em junho iria para o colégio. Estava marcado o dia de minha partida.
— Lá ele endireita.
Recorriam ao colégio como a uma casa de correção. Abandonavam-se em desleixos para com os filhos, pensando corrigi-los do castigo dos internatos. E não se importavam com a infância, com os anos mais perigosos da vida.”
(José Lins do Rego, no livro “Menino De Engenho”)



“Queriam me endireitar, fazer de mim um homem instruído. Quando saí de casa, o velho José Paulino me disse:
— Não vá perder o seu tempo. Estude, que não se arrepende.”
(José Lins do Rego, no livro “Menino De Engenho”)



“Ricardo esticou o corpo na porta da rua. O sol ainda se anunciava com dourado nas barras. Nem os passarinhos tinham acordado. Só as vacas para o leite e eles que tiravam leite das vacas. Podia ainda estar dormindo. O que atrasaria dormir até as cinco horas?”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“— Negro fiel. Podia se fazer um mandado por ele sem susto. Fazia tudo depressa e com vontade.
Se fosse no outro tempo, o capitão do mato daria conta da peça de primeira, os jornais anunciariam as qualidades, os sinais de Ricardo, até que ele voltasse para os seus, para a mãe e o dono. Ambos lhe queriam bem, bem diferente. O coronel ainda gritou quando soube da escapula do moleque:
— Negro fujão, pensa que lá por fora vai ter vida melhor. Vai é morrer de fome. Outros têm se arrependido.
Mas o coronel sentiu o seu moleque fugido. Andou a tatear atrás de outro que o substituísse. Experimentando. Mandou o João de Joana à estação buscar os jornais. No outro dia Mané Severino. Vendo assim a quem elegeria pelas qualidades ao lugar de Ricardo. Tateou uma semana até que se decidiu por um. Fez-lhe falta e grande o seu moleque ensinado.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“E a sua saudade foi se desviando, foi dando lugar a que pensasse na vida. Tinha 16 anos. Para que chorar? Chorava de besta que era. Deixara a bagaceira e ia se empregar. Empregar — como essa palavra era diferente de alugar! No engenho os trabalhadores eram alugados. Achava bonito quando a negra Joana dizia na 'rua' falando de uma filha que se fora para Recife: 'Maria está empregada em casa de uma família.' Joana mesmo frisava a palavra para ofender a todos eles que eram como escravos, sem dia de serviço pago, trabalhando pelo que comiam, pelo que vestiam. Alugar, trabalhador alugado! Não, ele ia se empregar. Era subir um pouco mais, mas era subir.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Nascera para ser menor que os outros. Em pequeno vivia pela sala com os senhores lhe ensinando graça para dizer. Os meninos brancos brincavam com ele. Mais tarde viu que não valia nada mesmo. Só para o serviço, para lavar cavalos, rodar moinho de café, tirar leite. Negro era mesmo bicho de serventia. Andava pelo mato, espetando os pés atrás do gado. Em casa Mãe Avelina botava jucá e pronto. Não se falava mais nisto. E no entanto, quando Carlinhos ralava o joelho na calçada, corria gente de todo canto da casa. Davam água fria ao menino por causa do susto e passavam pedaço de pano pela ferida. Ricardo só podia sentir essas cousas. Ele tinha uma alma igual à dos outros. E sabia mesmo fazer tudo melhor. E apesar disso, quando o outro crescesse, seria dono, e ele um alugado como os que via na enxada. Não tinha raiva de Carlinhos por isso, mas sentia inveja, vontade de ser como ele, de andar de carneiro e poder comprar gaiola de passarinho, de não ter obrigação nenhuma. O que aprendeu num ano que passou na escola, nada lhe valia. Deu somente para lhe abrir uma brecha para o mundo, para a vida. Ninguém passaria por aquela brecha tão estreita.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Às tardes, Ricardo ficava sentado debaixo das mangueiras do quintal. Quase sempre a esta hora as cigarras cantavam na rua do Arame. E nesta hora triste, enquanto o bate-boca das mulheres retinia lá por fora, o negro botava para pensar. Não era propriamente para pensar, era para sofrer.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Ricardo dormia assim. Quando o sono não chegava, era ruim para ele, porque a cantiga dos homens bulia com o coração do negro. Coração feito mais de carne do que os dos outros. Nele qualquer coisa doía, feria fundo.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Ricardo trabalhava com ela na lavagem dos vasilhames, das garrafas, e o trabalho em comum traz sempre umas ligações íntimas, uma certa confiança entre os trabalhadores.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Havia mais de ano que Ricardo trabalhava na padaria do seu Alexandre. Do negro besta que chegara do engenho ia uma diferença enorme. Não era que tivesse ficado ruim, se perdido na cidade. Não. O que ele tinha era aprendido a viver mais um pouco. Era difícil aprender a viver, custava muito, empenhava-se o que se possuía de mais puro para se chegar ao fim.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Ali pelo menos tinha água para os meninos tomarem banho e caranguejo. Aquele curtume piorara tudo. Não sabia por que o governo deixava aquilo. Pobre não tinha direito de reclamar. O couro podre empestava tudo, até ali fedia. Lá isto era. Pobre não nascera para ter direito.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“O moleque no entanto chegou em casa pensando. Por que era que o seu Alexandre [dono da padaria] gostava da greve? O portuga não se cansava de elogiar o movimento. Greve assim valia a pena, dizia ele. Se fosse para servir operário, seu Alexandre não se enchia assim de tanta satisfação. Pareceu até ao moleque da bagaceira que o rapaz de olhos vivos estava com razão. Seu Lucas no outro dia chamou-o também para falar:
— Menino, você está com os grevistas? Não acredite nisso não. Não vá atrás de conversas dessa gente da padaria. Sou negro como eles, posso falar porque sou pobre. Gente de pé no chão nunca tem razão. No fim o povo é quem leva na cabeça. O melhor é a gente se conformar com o que tem. Para que está aí com rebuliço?”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Quando seu Lucas não achava uma solução ali mesmo mandava recados, pedia para aparecerem no Fundão. Lá no contato mais direto com Deus a coisa se arranjava melhor. Para todo mundo falava mal das greves, das Sociedades de operários. Para que negro metido em Sociedade? Tudo aquilo era para o seu Lucas uma invenção do diabo. E o povo do Fundão gostava dele de fato. De vez em quando chegavam presentes, ofertas dos seus paroquianos. Os negros da seita dele não se metiam com operários de Sociedade. O pastor combatia a revolução com Deus. Cantar era melhor. Cantar para o céu as suas desgraças, chamar Deus em socorro de suas necessidades. Se Deus não mandasse o que eles pediam, acreditavam que não, que tinham sido de fato atendidos. Cantavam, dançavam para se consolar, para que Deus ouvisse seus negros suando a noite inteira, batendo com os pés no chão para acordar a sua misericórdia. Um dia o coração de Deus se amoleceria e os negros seriam mais felizes ainda. Os filhos ficariam bons das doenças, as mulheres não perderiam os maridos, os maridos seriam protegidos por Deus. O povo de seu Lucas era manso, verdadeiras ovelhas que ele botava para casa quando queria.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Cordeiro é que vibrava nessas reuniões, mas logo depois, no silêncio dos seus estudos, ele esfriava nos seus entusiasmos, sentindo que a revolução que encontrava nos livros não podia ser construída sem uma minoria, sem que as classes que se preparavam para a luta se firmassem na realidade, num conhecimento verídico dos fatos. Uma coisa curiosa: ele que sonhava com as massas libertas, não podia suportar o contato do povo em comício ou em qualquer parte. Sempre que se dirigia a multidões, a grupos, era para sofrer decepções. Lembrava-se da reunião da rua do Lima em que quisera denunciar as manobras mesquinhas do dr. Pestana. Fora um fracasso. Ele vendo-se fortalecido pela verdade, com a consciência de que estava defendendo o proletariado, e no entanto, enxotado da sede da União Geral como um malfeitor. Aquilo lhe doeu como uma facada. Era preciso que existissem nas classes operárias homens que por eles mesmos se impusessem aos seus companheiros, sem que para isso fosse necessário trair miseravelmente a classe como Clodoaldo e muitos outros. Cordeiro lia os mestres da revolução, decepcionado com o meio em que vivia. As grandes correntes que deviam se desencadear pelos seus leitos naturais mudavam de curso. Não era que faltasse aos homens que conhecia coragem para agir. Faltava-lhes a consciência da ação. Deixavam-se manobrar como bonecos por mãos de empreiteiros, de mestres de obras desonestos.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Em casa sofria mais ainda. Depois da morte de Francisco que não vinha dormindo como antigamente. O barulho da padaria o irritava. Chegara um padeiro novo que cantava embolada até acabar o serviço. As cortadeiras batiam nas tábuas no compasso da música cabocla, que não variava, no mesmo tom fanhoso, com as palavras correndo. Cantiga diferente daquela de seu Antônio. O que esta tinha de triste, de feita de dor, a do padeiro era de força, de impulsos, de uma alegria desembestada. Mas enfadava. O moleque gostava da cantoria do galego, morto de saudade, caindo ao peso dos ais. Ricardo queria mesmo sofrer. A saudade de casa parecia quase como um pretexto.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Ah!, se ele soubesse cantar como o seu Antônio, se soubesse gemer como o mestre! Soltaria as suas mágoas para que fossem procurar outros pelo mundo.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Joaquim não gostara de ser guia de cego. Os pés se queimavam nas calçadas quentes:
— Uma esmolinha pelo amor de Deus.
Esperavam que respondesse lá de dentro. Havia casas onde ficavam um tempo enorme atrás da resposta. Davam sempre esmolas. Cego é mendigo preferido pela caridade.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Quando chegaram no poste de parada, o sol descia com toda a sua pompa de cores sobre o mangue cheio. Maré plena. Só se viam de fora os mocambos mergulhados. Havia ouro na água serena, um ouro de raios de sol, brilhando para a vista. Aquilo era como se fosse uma pilhéria de Deus. Para que gastar tanto luxo com lama, com excrementos boiando, com tanta miséria?”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“O balaieiro ia saindo sem ele. A freguesia não queria saber que o moleque Ricardo estivera no ensaio geral do Paz e Amor. Pão fresco. Queriam pão fresco. A corneta do moleque saiu acordando as criadas, aborrecendo os dorminhocos dos domingos, do dia que Deus deixara para que os homens descansassem. Os donos de padaria não sabiam disto não. Pão fresco antes de tudo.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Cordeiro não dispunha de força para lutar e nem para impor opiniões. Era apesar de tudo um tímido, uma consciência que sofria, uma inteligência capaz de muita coisa, desprovida porém de capacidade para a ação. Aquele discurso na sede dos operários na rua do Lima aleijara-o para sempre. Alheou-se de tudo. Ficou um expulso de sua geração. Um homem inútil para o momento. Operários ludibriados e estudantes venais. Outro teria empenhado a vida para salvar qualquer coisa ainda. Ele compactuava com a miséria, com a sua indiferença. E apesar de tudo era o melhor de todos.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Me mostre de lá quem faz uma coisa destas? Eles só têm língua. Estão muito anchos com a polícia. Deixe estar. Um dia o pau ronca nas costas deles. Você já viu soldado querer coisa com paisano? Está tudo muito bem agora. De com pouco estão tocando fogo no operário. Operário que se fie nessas marmotas.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Ricardo ele mesmo nunca sentira entusiasmo pelas conversas de Florêncio. Não acreditava no que o amigo acreditava com tanto coração. O moleque da bagaceira não compreendia o que Florêncio procurava com o seu sacrifício. Dias melhores para os seus. Florêncio tinha razão nisto. Sofria tanto, as coisas para ele corriam tão mal que tudo que desejasse para si era justo. Se Ricardo pudesse, os filhos do amigo, a mulher, teriam a vida boa. Mas Ricardo não sentia como devia sentir pelos outros. Não se inflamava de ódio contra os donos, os senhores. A verdade é que seu Alexandre fazia raiva a qualquer um. Mas era seu Alexandre. E ele não conhecia os outros patrões. Se lhe viessem pedir uma ajuda para um colega necessitado, ele dava. Não sabia porém acreditar, não acreditava nos sonhos que ferviam na cabeça de Florêncio. Não acreditava no dr. Pestana. Ele vivia somente. Trabalhando, achava que estava fazendo uma obrigação. Via os outros. Os balaieiros suando e doentes no trabalho, reclamando com palavras feias na boca a vida que levavam. Havia nas palavras dos companheiros ódio aos ricos, aos brancos.
(...)
Que tinham eles que ver com o dr. Pestana? E ainda mais para que este negócio de pegar em armas, de matar? O negro tinha medo da morte. Espantava-se de ver operários como aquele Filipe Néri que iam para um barulho sem se importar com o que lhes acontecesse. Estes homens valentes pareciam gente com outro sangue, com outra carne do que os outros. Morrer brigando. Passar a faca no outro. Sentir a bala, tudo isto Ricardo olhava com pavor. Podia ser que fosse covardia. Que tivesse o sangue-frio. E Florêncio era como Néri? Não era não. E no entanto não teve medo de morrer, vivia no meio do perigo, inocente, sem cuidado de espécie alguma. O masseiro [Florêncio] alimentava a ilusão de uma reviravolta na vida. Ele falava no mundo onde os filhos dos pobres não precisassem andar com os urubus no cisqueiro. O moleque do Santa Rosa [Ricardo] ganhava 140 mil-réis por mês. Dormia de rede. Sonhava com namoro. Não podia querer morrer por coisa nenhuma.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Esperava-se somente a hora de romper a guerra. O dr. Pestana lançava as proclamações, os últimos incentivos aos seus homens. Morressem todos eles, que ficando o chefe com a deputação estaria tudo muito bem.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Na rua do Cisco todo o mundo sabia. Para eles ali era uma alta patente o posto do tesoureiro do Paz e Amor. Aquele povo moído de miséria admirava a coragem. Um homem valente ficava lendário entre eles. Nascimento Grande era apontado como um valor. Um homem extraordinário. Os feitos do grande valentão se repetiam, se gabavam. A família de seu Abílio gozava deste prestígio. A própria língua da velha Nanoca cortava o couro deles com mais brandura.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Na noite da paz assinada o sono do casal devia ter sido leve. O marido livre dos perigos da campanha, a mulher com a cadeira de deputado assegurada. Os operários voltariam para o trabalho. Sim, era preciso não esquecer os operários. Uma legislatura durava três anos. Eles agradariam os trouxas. Pestana sabia fazer estas coisas com arte. Na primeira greve conduziria os trabalhadores, faria meetings, e o prestígio era o mesmo. Enganar operário era fácil. Eles teriam as massas como um urso na corda.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Roubar para Ricardo era uma cousa monstruosa. Negro ladrão era para ele a pior de todas as afrontas. Mas também nunca passara fome, nunca vira filho chorando, mulher a se lastimar. Para que então dizer que não furtaria?”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Aqueles homens tinham esperança numa vida melhor. Queriam mudar. Eles falavam em aumento de salários. Em horas de serviço. Falavam numa vida melhor. Simão sem dúvida que sonhava com mais um quilo de carne verde para o feijão com os filhos. Comer mais, encher a barriga, dormir mais. Florêncio morrera com o pensamento nestas coisas. Devia o pobre ter morrido com o desespero de deixar a família para sempre na precisão. Eles queriam viver. O moleque não media a extensão desta vontade, porque ele sofria por outros motivos. Casara-se com uma moça da rua do Cisco, uma menina boa, e se abusara dela, da família, da casa. Comer, comia bem. Mas sofria mais do que Simão e Deodato. Queria fugir e não tinha coragem. Não tinha coragem para aquilo que todo o fraco podia fazer, fugir.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Eu não falo porque não gosto, mas melhor é a gente falar assim como Simão, dizendo tudo o que a gente sente, sem vergonha.”
(José Lins do Rego, no livro “O Moleque Ricardo”)



“Ali na vila do Açu a vida era miúda como a gente. Nunca crescera, nunca tivera fausto, ninguém suspirava naquele canto do mundo pelos dias passados. Não era uma cidade morta que tivesse crescido, criado nome, cheia de glórias de outros tempos. Fora sempre aquilo que era, nunca dera mais do que dava.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“O Padre Amâncio há vinte anos que pastoreava aquele rebanho escasso. Não era uma freguesia de muito trabalho, embora a sua história fosse das mais desgraçadas de todo o sertão. Há quase um século que correra sangue pelos seus campos, sangue de gente, sangue derramado para embeber a terra em nome de Deus. Aquilo pesava na existência da vila como um crime nefando, pesava no destino de gerações e gerações.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Quem podia levar a sério um magistrado que dava escândalos daquele. Por isto que viera cair no Açu. Se prestasse, não o mandariam para aquele oco do mundo. Tudo que era gente ordinária soltavam no Açu para curtir pena. O juiz andava botando as manguinhas de fora, desmoralizando a justiça, e o governo o mandava para o Açu para endireitar. Ali o bicho criava vergonha ou se desgraçava de uma vez.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Ele, Antônio Bento, estava pecando. Confessar-se-ia aos pés do padrinho, diria tudo, poria às claras todas as violências de seus ódios. E quando voltava das confissões, os conselhos do Padre Amâncio amansavam-lhe o furor. Recuava, comungava pensando no perdão. 'Perdoai as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores'. Perdoar tudo, esquecer agravos, ser inteiramente da paz que Deus oferecia aos homens do mundo. Vinha porém lá um dia e todos estes propósitos se quebravam. Voltava ao ódio, aos desejos de vingança atroz.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Estava aborrecido do mundo. Viera andando à toa, até ali. Andando como se não fosse para parte nenhuma. Para ele o mundo era igual, tudo igual, tudo triste, tudo acabado. E pegava na viola e tocava. Era triste o que ele tocava. Os versos eram tristes, as mágoas imensas. Às vezes a voz de Dioclécio se sumia na mágoa, se perdia como soluço.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“A negra Maximina foi quem primeiro conheceu:
— Este menino está outro. Nem parece o mesmo.
Sentira a mudança de Antônio Bento. Ela vinha com ele há doze anos. De fato, ele estava outro, se outro fosse ter Antônio Bento sentido a vida mais sua, com mais gosto. Ele estava usando os seus olhos, os seus braços, o seu coração. Dantes era aquilo que se via, vivendo com os outros mandando nele, tocando sino, lavando cavalo, levando recado, um Antônio Bento que não era nada porque era de todos.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“O padre, no púlpito, aos domingos, martelando no mesmo tema: os grandes da terra deviam dar o exemplo aos mais humildes. O que poderiam exigir dos ignorantes os que sabiam, os poderosos, se eram eles próprios que não se davam a respeito?”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“O Major Evangelista dizia para quem quisesse ouvir: se naquela terra houvesse uma autoridade, não aconteceria uma miséria daquelas.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Para Dioclécio não havia grandes, não havia hora, não havia obrigação. Dele era o mundo (...). A sua bondade não tinha força. Ele, Antônio Bento, devia abandonar tudo e cair no mundo. Sim, estava virando poeta. Uma coisa começava a existir para ele fora do quotidiano, um desejo de fugir do lugar em que estava. Não era para ser grande, ganhar dinheiro, ser importante. Queria dizer alguma coisa aos outros, botar o seu coração para agir.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“E assim a vida do rapaz ia variando na valorização que ele estava dando às coisas. No mais, continuava fazendo tudo como dantes. As suas obrigações eram as mesmas. Apenas ele era outro (...).”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“O Padre Amâncio ensinara a amar a Deus, a ser bom e a ser justo. E ele Antônio Bento não amava a ninguém, odiava os outros. Maximina era boa, o padrinho era um santo. Mas não sabia por que se sentia separado de todos, até desses dois.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“À noite morreu. D. Fausta, no seu quarto, não botava uma lágrima. Foi censurada: Era um coração de pedra. E os homens do Açu, na conversa, todos elogiavam o Major. Fora um homem de bem, um amigo de primeira ordem. O escrivão Paiva e Joca Barbeiro estavam lá. Todo o mundo sabia que eles andavam atrás do emprego do Major. Mas a morte libertava todo o mundo de ruindade e dava direito a todos de estarem ali com o defunto, na intimidade.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Era assim a casa-grande do Araticum. Devia ser assim cem anos atrás. Não seria o velho Bentão que a viesse modificar, dar-lhe formas novas. Quem o visse pela primeira vez, diria o homem que ele era. Alto e magro, de barba rala, deixada ao tempo, de olhar duro de gavião, e calado, furiosamente calado, como se o uso da palavra o constrangesse. Os vizinhos não gostavam de tratar com o velho. Desde moço que parecia um velho, um doente. Nem nas trovoadas de janeiro a sua mulher e os filhos viam o chefe da família mudar de humor. O mesmo de sempre, nas secas, nas trovoadas, na miséria, na meia fartura. Um homem duro demais. (...) Naquele oco do mundo, escondido dos homens, Bento Vieira não tinha partido, não recebia ordens de ninguém, não devia favores. (...) Não se sabia se era feliz ou infeliz, nem a mulher pudera espreitar no marido um desabafo, uma palavra de satisfação ou de dor. (...) Ela mesma reconhecia, media e avaliava o homem que Deus lhe dera para companheiro de seus dias. Mulher de sertanejo não tinha direito de escolher, de amar quem quisesse.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Queria só o que desse para comer e vestir. E o mais que a seca comesse, que a chuva levasse.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Bem que ele dissera à mulher que não deixasse o menino se criar por longe. Mas a seca mandava neles todos como o maior cangaceiro.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Tu nada tem que vê com a história da Pedra. Deus andou castigando por lá. Na Judeia também fizeram o mesmo. O sangue dele correu na Judeia como correu na Pedra. E como há de correr pelo mundo. O sangue de Cristo não para de correr, meninos! O mundo foi feito com sangue, meninos. Foi com sangue que Deus preparou Adão. O sangue tem força pra tudo, para entrar pela terra e varar as profundas.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Tou ouvindo o sino tocando. Tu não escuta porque os ouvidos do povo vive entupido. O mal do mundo é este, meninos. O povo tem os ouvidos entupidos e os olhos fechados.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Tu não tem culpa de nada. Mas Deus não esquece.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Chamei ele pra vim comigo aqui pra o Araticum. E ele me falou franco. Em casa de família de cangaceiro não metia os pés. Família de cangaceiro paga por tudo, fica bode expiatório de tudo que o filho faz.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Bento achava que não. Não acreditava naquilo.
— Tu acredita, Bentinho. Não quer é dizer. Mas tu acredita.
De fato, Bento parecia que acreditava.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Ficou com os olhos molhados narrando, contando as desgraças dos seus. O Padre Amâncio falou emocionado: era aquilo mesmo. Estava há vinte anos naquele sertão e era sempre assim que combatiam o cangaço. Não sabiam escolher os perigosos, descobrir os maus. Iam em cima de criaturas mansas como se se atirassem em cima de feras. Os tenentes não eram culpados. Chegavam ali às tontas, castigando, implantando o terror para ver se davam jeito à coisa. Tudo errado. E o cangaço assim aumentava sempre.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Eu sou do sertão. Sertanejo vive sofrendo como couro de fazer torrado. É um apanhar que não tem conta. Quando não é cangaceiro, é a força [policial].”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Estivera três meses em companhia do bispo, na visita pastoral. Era um homem fraco, infelizmente muito da política. Tomaria logo o partido das autoridades. Seria capaz de vir com penalidades para cima dele, só para dar satisfações aos poderosos. O que adiantaria à causa de Cristo o seu sacrifício? Não viria outro padre para ali. Ninguém queria o Açu, e os pobres iam ficar sem a ajuda de Deus.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“O melhor seria tolerar. E foi o que fez. Arrependeu-se até de ter procurado D. Fausta. A mulher devia estar com ódio dele. Rezaria muito pela filha do Major. No fundo era uma doente, uma pobre doente, e ele sem verificar essas coisas foi procurá-la, ser áspero com ela. Devia pedir desculpas a D. Fausta. Não fazia para não desmoralizar a religião. Era preciso que o povo não desconfiasse de afrouxamentos, da velhice dele.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“A lâmpada do sacrário vacilava. Aquela luz de manhã à noite estava ali para que Deus não pudesse ficar às escuras, sem uma luz em seu louvor. Fugiu do pensamento de incréu e fechou a igreja. E sentiu-se o único homem do mundo, cercado de paredes grossas, no meio dos santos, com aquele cheiro de rosas murchas, com aquele bafo de coisas velhas. O silêncio era grande demais. Os morcegos calados, e a lâmpada parada sem o vento que entrava pelas portas abertas. Tudo no fim. Bento deixou a igreja desolado, como se estivesse nu por dentro dele mesmo, sem coisa nenhuma para cobrir as suas vergonhas. Nunca lhe viera na cabeça uma ideia daquela de não acreditar em Deus. Só podia ser um sopro do diabo.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Sertanejo é assim mesmo: vem santo, vem cangaceiro, vem a volante. Menino, bom é ser como teu pai, que não sabe de nada do mundo. Muitas vezes eu invejo o gênio de Bentão. Deitado na rede, e o mundo que rode à vontade.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“— Mas Padre Amâncio, o senhor não brinque com essa gente. Só deram um ataque na Pedra porque eles estavam cometendo crimes, e o governo só castigou quando foi preciso.
O padre achava que não. Sempre havia a oportunidade para se evitar represália sangrenta. O povo tinha bom coração. Fossem com jeito que tudo se tirava do povo.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Deitou-se para dormir e o sono não chegou. A imagem da Pedra na cabeça. Lembrou-se de quando estivera lá, com Frei Martinho. Lembrou-se da beleza da Pedra com o sol em cima, dos catolezeiros gemendo ao vento, como os coqueiros da praia de Goiana. As duas pedras grandes como duas torres de uma igreja aterrada. Desceu com o frade, andaram a pé. Viram os imbuzeiros enormes, o mato grande cobrindo a terra onde correra sangue de gente. E aquilo parecia-lhe de mil anos atrás. A natureza consertara tudo. Dera um aspecto tão selvagem aos arredores que lhe parecia que nunca andara pessoa alguma por ali. E no entanto a história falava de coisas horríveis. O frade sabia também a história e lhe falara de fatos idênticos por outras terras, por outros cantos do mundo. O homem era um só por este mundo de Deus. O lugar da Pedra era bonito.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Só bala de soldado liquida isto. Agora não pensem vocês que com vinte praças se faz o serviço. Sertanejo, quando acredita em santo briga como onça, O Tenente Maurício não pense que bota o povo de lá pra correr com um tiroteiozinho. O povo cai em cima da tropa com vontade de morrer.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Os fanáticos olhavam para Bento com admiração. Admirados dos trajes que ele trazia, daquela roupa de grande. Aquilo, junto da miséria que lhes cobria os corpos, escandalizava. Domício foi saindo com Bento para um canto. Havia gente de todo jeito aboletada por debaixo de árvores, agasalhada pelas latadas. Fazia pena examinar a miséria que estava ali. Uma população de descarnados, de sujos, de feridentos, um resto de vida. E Bento foi sentindo a tristeza de tudo. O ajuntamento fedia. Choravam meninos nus. Velhos estendidos pelo chão. Doentes gemendo. O que havia de desgraça no sertão se reunira, se ajuntara em derredor da Pedra Bonita, à espera da voz de Deus, que desse a todos um quinhão de felicidade, de abastança.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“E tinha medo. Corria para casa e lá dentro era que a ideia desgraçada mais se ligava ao seu corpo. Rezar não adiantava. Nada valia. Nem sabia mesmo se acreditava em Deus.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Não dispunha de força para pensar no mundo, que não fosse a Pedra Bonita e o Açu. O mundo era aquilo, cercado de ódio, de vingança, de sangue, de cangaço, de sofrimento.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Para ele Antônio Bento não havia jeito. E o outro mundo? O que havia no outro mundo? Não acreditava e acreditava ao mesmo tempo. E Bento não dormia. (...) Não havia lugar que lhe desse pouso. O Deus do santo visível, agindo, curando, arrebatando Domício e sua mãe. E o Deus do sacrário quieto, escondido no vinho e no pão do catecismo.”
(José Lins do Rego, no livro “Pedra Bonita”)



“Custava a compreender. O mundo dava voltas que só o diabo sabia. E Deus? O que diria Deus daquilo tudo? Deus não sabia de nada. Perdidos no meio do mar, eles estavam perdidos dos olhares de Deus. Deus não devia olhar para preso de Fernando [de Noronha]. O padre, que aparecia para dizer missa, vinha como se fosse um desgarrado, chegando até eles por acaso. Sem dúvida que não era para ali que tinha vindo. Perdera-se de outras terras. Simão e Deodato não queriam saber de Deus, de ninguém. Eles só falavam de vingança, de traição dos amigos, de Sebastião que fugira, o único homem em quem eles confiavam, o último ser para quem eles olhavam sem aquela raiva que guardavam para todos os outros.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Estava só, sozinho, ao léu. Lembrava-se daqueles que fugiam da ilha em quatro paus de jangada, soltos ao vento, e às ondas. Dias e dias assim sem ver terra. Céu e mar. Mar e céu. Até que a morte aparecia como o grande porto, aberto a todas as embarcações da terra. Lembrava-se destes, das agonias, dos desesperos. Estava quase assim. Para onde iria, se não tinha vontade de nada?”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Ricardo ali ficou nos primeiros dias de sua volta a Recife e tudo aquilo que ele via de triste ainda mais o fazia sentir-se de fora, de bem fora daquela cidade, daquele povo, de tudo o que parecia arranjado de propósito para fazer um coração fraco como o dele sofrer.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“E bem que não queria se lembrar. Melhor que nada disso pudesse existir para ele. Bem que desejava que uma coisa viesse e escurecesse todas as suas recordações, que o seu passado se sumisse, se danasse para as profundas. Tudo que era da vida passada vinha-lhe como uma dor. Queria cortar todas as ligações, fugir para uma coisa nova, para uma ideia diferente. E era impossível. O passado vinha a propósito de tudo. Uma palavra de algum companheiro, uma referência besta era a picada para as recordações que ele não queria mais ter. (...) Tinha até vontade de chorar quando a coisa lhe chegava de supetão, quando uma cantiga qualquer lhe acordava os sentidos para um dia feliz, para uma hora, um minuto em que fora todo de sua alegria. E sucedia-lhe que agora era que ele descobrira que fora feliz, em alguns instantes da vida. Uma coisa se passara há tanto tempo e somente com a recordação é que ele via que fora feliz.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“A cara de Jesuíno refletia uma dor enorme. Ricardo teve pena do amigo. Aquilo era uma besta de bondade, incapaz de ofender uma mosca, e no entanto só merecia de Deus o que era de desgraça. Até da mulher do pobre se serviam, sacudindo aquele monte de ossos para dançar, gritar, estrebuchar como um bicho qualquer. E Deus ficava assim para Ricardo como um Sebastião maior, querendo tudo dos pobres, tirando tudo do povo. Depois que viesse o reino do céu, como o dia da vitória de Sebastião. Tudo não passava de conversa. Não acreditava mais em Deus. Mas desde que se surpreendia com aqueles pensamentos de incréu ficava com medo. Deus tinha olhos e ouvidos que viam e escutavam tudo, que iam até aos pensamentos, aos desejos, às vontades. Deus entrava pelas portas fechadas, atravessava as paredes grossas, furava a terra, rompia as nuvens. Então ficava com medo de castigos. Leopoldina não seria mesmo mulher de Deus? Ou tudo aquilo não passaria de sabedoria de Oscar? Por que então Deus não lhe dava os filhos como ela queria que eles fossem? Deus e Sebastião só queriam uma coisa: fazer o povo sofrer.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Melhor era mesmo voltar, nem que fosse para o eito, nem que fosse para ser cabra de esteira, tombar cana, ser negro de confiança, ser o que quisessem que ele fosse. Ali era que não podia ficar. Não tinha amor por mulher, não tinha a fé de Leopoldina, a coragem de Sebastião, a raiva de Deodato, a bondade de Jesuíno. Não tinha nada que merecesse guardar. Tudo que fora seu, se fora: mulher, amigos. Odete morrera, Guiomar se matara, Florêncio, Simão, d. Isabel, Mané Caixeiro, Pai Lucas se foram para o outro mundo. O amor de seu Manuel enchera-lhe os dias da ilha de uma satisfação incalculável. E não podia falar disto a ninguém. Amor de um homem que era uma miséria para os outros. O moleque Ricardo se ligara com um criminoso em Fernando [de Noronha]. Deus livrasse ele de que viessem a saber disto. Cairia na boca do povo e estava desgraçado para o resto da vida. E no entanto para ele o criminoso de três mortes fora quem melhor no mundo gostara de si.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Não teve, porém, coragem de abrir os olhos do marido. E se arrependeu. Devia ter sido franca e se opor mesmo à história da usina. O marido estava tão cheio de entusiasmo, só falando na coisa, que teve pena de dar o seu voto. Antes tivesse dado. Mulher bem que via as coisas melhor que os homens. Eles dizem que não, que mulher não sabe para onde vão os negócios. Ela tinha aquele receio de que um dia viesse um arrependimento.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Morcegos e corujas gostavam da casa de d. Inês. As negras tremiam com o canto das corujas, com o cortar de mortalhas das pobres agourentas. Quem tinha a sua dor, quem pensava na morte, quem tratava de seus doentes ouvia coruja passando por cima da casa, como um aviso impiedoso. Era mesmo que um médico desenganar, mandar cuidar do enterro. A casa de d. Inês fora ninho de corujas. Viveram as pobres no meio das almas, aprendendo com elas os mistérios, a adivinhar as desgraças.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Pensando bem nas coisas o moleque se voltava para Deus, sem saber se acreditava nele, se confiava no seu poder. Pai Lucas acreditava. Pai Lucas chamava Deus para o seu corpo e para o corpo dos outros e Deus vinha, estrebuchava nas carnes da mulher de Jesuíno e era manso, doce, sereno na voz de Pai Lucas, rezando alto. A dúvida do moleque provinha das injustiças do mundo. Deus não mandava em tudo? Então por que Simão, bom, morria, e Florêncio e tanta gente boa que fazia tanta falta? E outros ficavam por aí que nem serviam de fogo?”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Ricardo conjeturava com os fatos, mas no íntimo tinha medo de Deus. As suas desconfianças só eram com relação aos outros. Chegando nele Deus existia, ele temia os poderes do Alto, os castigos do céu. Nestes momentos arrependia-se de pensar coisas que machucassem a Onipotência.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“A gente, que vinha trabalhar nas máquinas, no cozinhamento, exigia, não se conformando com as casas de palha dos moradores. Era gente que havia passado por outras usinas, que não se submetia ao que os cabras do eito aguentavam. Por isto fizera para eles aquele arruado de casas de telhas, de chão de tijolo. Por lá moravam os chamados operários da usina. Não seriam nunca submissos e fáceis de ser mandados como os homens do campo, os trabalhadores de dois mil-réis por dia, que recebiam vale da usina, a carne de ceará e a farinha seca, de cabeça baixa, satisfeitos da vida, como se a vida só tivesse de grande para lhes dar aquela miséria que desfrutavam.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Até aquela data, vivera de vento em popa, com a sua usina campeando, poderosa. A vassalagem à sua esteira era incontestada. Plantar cana para o dr. Luís era uma frase que se repetia de Santa Rita ao Pilar. A chaminé da São Félix parecia uma torre de castelo feudal, olhando de cima os pequenos que procuravam a sua sombra. A diferença era que ela não protegia aos que chegavam, aos que se abrigavam. A esteira da São Félix devorava, triturava, a balança da São Félix pesava à sua vontade, só se enganava para um lado, como uma aliada incondicional do usineiro.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Feliciano não se importava com seu Ernesto. Não tinha raiva dele. Voltava sempre e ficava por debaixo do pé de juá, conversando e, quando não tinha com quem conversar, falando só. Diziam que estava de miolo mole, que era da idade. Por isto os feitores da usina não se incomodavam com o que Feliciano dizia. Ofensa de doido não doía em ninguém.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“O velho nada queria dizer ao genro. Admirava o dr. Juca, a sua ousadia, aquela maneira confiante de falar. Gente moça tinha direito a tudo. O tempo dele se fora, era bom deixar a rapaziada fazer das suas.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Afinal de contas o que ele estava fazendo não havia usineiro que não fizesse. Usina pedia as terras livres para cana. Do contrário teria que estragar o seu trabalho se fosse amolecer o coração. Havia muita diferença dum coração de senhor de engenho para um coração de usineiro.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Agora porém o açude estava cercado e ninguém podia meter a mão, porque era ele que matava a sede da usina. Usina queria água doce, que não lhe estragasse as máquinas. Caldeira de usina era mais delicada que barriga de gente.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Seu Ernesto era de opinião que uma pessoa naquele estado devia morrer. Para que se arrastar, como uma lesma, pelo mundo, só dando nojo aos outros?”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“Tio Feliciano dera os seus santos para os pobres rezarem, abrindo o seu oratório para que as mulheres fossem cantar as suas ladainhas, e estava no estado em que estava. Deviam tratar do negro, como de gente. Os pobres da usina faziam ruindade com ele. Se tivesse filho, tio Feliciano teria casa e gente para tratar dele. Mas não, levara a vida servindo aos santos, dando tudo que era seu para as festas, para as velas do seu oratório. O seu orgulho fora aquele de ter debaixo de suas telhas Deus e os seus santos. E Deus abandonava Feliciano e o povo acompanhava Deus naquela crueldade sem tamanho.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“O povo do campo nem deu pela coisa. Já estavam acostumados. As filhas entregavam o que tinham a quem quisessem, que eles não se apaixonavam pela coisa. Só aos que subiam de condição, a honra da família dava trabalho. Mas os pobres do eito, os chamados trabalhadores, estes nem sabiam nem indagavam. Fossem pra onde quisessem.
Com a usina, eles haviam ficado mais pobres, mais miseráveis. O senhor de engenho ainda consentia que ficassem com dois dias para eles. Eram donos de dois dias na semana, senhores de dois dias para fazer o que bem lhes viesse às ventas. A usina comera-lhes estas regalias. A semana inteira e nos dias de moagem, de domingo a domingo, de dia e de noite. Quem era que podia se incomodar com honra de filha, quem dispunha de tempo para brigar pela virgindade de filhas? As que se casavam, aproveitavam as santas missões, porque dinheiro não dava para pagar padre, fazer vestido branco. Antigamente as noivas faziam o seu roçado, plantavam o seu algodão, juntavam o seu pecúlio para o enxoval. Todos trabalhavam no roçado da noiva. Pai, mãe, irmãos, todos davam o seu adjutório. E a usina chegou. Terra era só para cana. Dia de serviço era para a usina. Desgraçara-se tudo ainda mais. Não havia mais ninguém que pudesse levantar a cabeça, fazer a sua festa com uma arroba de algodão. Tudo era para a usina e ainda recebiam aqueles vales, que só corriam no barracão. As casas de negócio, que existiam pelo Santa Rosa, tiveram que fechar. O barracão tinha de tudo, para que loja e venda pelas terras da usina? Recebiam os seus vales e caíam no barracão. Seu Ernesto sortira muito bem o estabelecimento. O preço do barracão era sem competência. Bem fizera João Rouco, que ganhara o mundo, bem fizeram todos os outros, que se danaram. Os operários da usina tinham casa de tijolo, recebiam em moeda corrente. Eles não. Eles eram mais abaixo do que cachorro. Cachorro. Bem que queriam passar como o cachorro do galego, comendo de grande, tomando banho todos os dias. Diziam que aquele galego ganhava mais que um governador. A mulher do galego andava a cavalo, falava com eles, perguntando as coisas. Vida boa para aquele galego. Tinha automóvel, como o doutor, morava na casa-grande. Vida boa para o cachorro que ele tinha.”
(José Lins do Rego, no livro “Usina”)



“(...) a bondade das pessoas não é melhor do que elas são, também sujeita a eclipses e contradições, constante só raramente (...)”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) a cobardia é pior que o polvo, o polvo tanto encolhe como estende os braços, a cobardia só sabe encolhê-los (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) Acomode o corpo para receber o afago derradeiro do sol que vai pousar-se no mar por um segundo, de todos o mais longo, porque o olhamos e ele se deixa olhar.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) à falta de convictas certezas faz-se de conta.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) agora se vê como tinha razão aquele admirável entendedor de sensações e impressões que afirmou ser a paisagem um estado de alma, o que ele não soube foi dizer-nos como seriam as vistas no tempo em que não havia no mundo mais que pitecantropos, com pouca alma ainda, e, além de pouca, confusa.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) a importância relativa dos assuntos é variável, ele é o ponto de vista, ele é o humor do momento, ele é a simpatia pessoal, a objetividade do narrador é uma invenção moderna, bata ver que nem Deus Nosso Senhor a quis no seu Livro.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) ainda há quem não acredite em coincidências, quando coincidências é o que mais se encontra e prepara no mundo, se não são as coincidências a própria lógica do mundo.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) a lua está perdida entre os ramos da figueira, vai levar toda a noite à procura do caminho.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) A minha sabedoria está-me aqui a segredar que tudo só parece, nada é, e temos de contentar-nos com isso (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) Aonde vais, Vou para a festa, Donde vens, Venho da festa, mesmo sem a ajuda de pontos de exclamação e reticências vê-se logo a diferença que há entre a alegre expectativa da primeira resposta e a desencantada fadiga da segunda, só na página em que ficam escritas parecem iguais.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) aos povos pequenos ninguém dá ouvidos, não é mania da perseguição, mas histórica evidência.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) artifícios ornamentais de um canto plano que sonha com asas de música plena (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) as povoações que Dois Cavalos atravessa têm aquele ar adormecido que dizem ser o próprio das terras do sul, indolentes lhes chamam as tribos do norte, são desprezos fáceis e soberbas de casta de quem nunca teve de trabalhar com este sol às costas.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) as vidas não começam quando as pessoas nascem, se assim fosse, cada dia era um dia ganho, as vidas principiam mais tarde, quantas vezes tarde de mais, para não falar daquelas que mal tendo começado já se acabaram, por isso é que o outro gritou, Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) a verdade está sempre à nossa espera, chega o dia em que não podemos fugir-lhe.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Como se teria formado a arreigada superstição, ou convicção firme, que é, em muitos casos, a expressão alternativa paralela, ninguém hoje o recorda, embora, por obra e fortuna daquele conhecido jogo de ouvir o conto e repeti-lo com vírgula nova, usassem distrair as avós francesas a seus netinhos com a fábula (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) continuamos sem saber que feições são as suas, parece este homem que se esconde, e não é tal, quantas vezes aconteceu mostrarmo-nos como quem somos, e não valeu a pena, não estava lá ninguém para ver.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Decidir é dizer sim ou não, sopro da boca para fora, as dificuldades é depois que vêm, na parte prática, como diz a grande experiência do povo, ganha à custa de tempo e da paciência para suportá-lo, com poucas esperanças e mudanças ainda menos.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) dependendo mais do leitor do que da leitura, embora esta em tudo dependa daquele, por isso nos é tão difícil saber quem lê o que foi lido e como ficou o que foi lido por quem leu (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) de que adiantaria falar de motivos, às vezes basta um só, outras vezes nem juntando todos, se as vidas de cada um de vocês não vos ensinaram isto, coitados, e digo vidas, não vida, porque temos várias, felizmente vão-se matando umas às outras, senão não poderíamos viver.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Dificílimo acto é o de escrever, responsabilidade das maiores, basta pensar no extenuante trabalho que será dispor por ordem temporal os acontecimentos, primeiro este, depois aquele, ou, se tal mais convém à necessidade do efeito, o sucesso de hoje posto antes do episódio de ontem, e outras não menos arriscadas acrobacias, o passado como se tivesse sido agora, o presente como um contínuo sem princípio nem fim, mas, por muito que se esforcem os autores, uma habilidade não podem cometer, pôr por escrito, no mesmo tempo, dois casos no mesmo tempo acontecidos.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) diga-se, em todo o caso, que seria muito interessante, além de educativo, sermos uma vez por outra espreitadores de nós próprios, provavelmente não gostaríamos.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“E aqueles espectadores sensíveis, que ainda os há, aqueles que por um nada se põem a lacrimejar e a disfarçar o nó da garganta, esses fizeram o de costume quando não se pode aguentar mais, diante da fome em África e outras calamidades, desviaram os olhos.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) é bem certo que as palavras nunca estão à altura da grandeza dos momentos.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) é grande falta de sensibilidade dos desenhadores topógrafos, aposto que da terra deles nunca se esqueceram, de futuro lembrem-se do vexame que é ir uma pessoa ao mapa ver se está lá o lugar onde veio ao mundo e encontrar um espaço em branco, vazio, desta maneira é que se têm gerado gravíssimos problemas de identidade pessoal e nacional.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Em as várias artes, e por excelência nessa de escrever, o melhor caminho entre dois pontos, ainda que próximos, não foi, e não será, e não é a linha a que chamam recta, nunca por nunca ser, modo este enérgico e enfático de responder a dúvidas, calando-as.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) em verdade os povos são inconscientes, lançam-nos numa jangada ao mar e continuam a tratar das vidas como se estivessem numa terra firme para todo o sempre, palrando como Moisés quando descia o Nilo na condessinha de verga, a brincar com as borboletas, com tanta sorte que não o viram os crocodilos.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) E nós ficávamos a ver navios, comentou um português, os outros julgaram ter entendido que os navios de que ele falava eram os que fossem passando no novo canal, ora, só nós, portugueses, é que sabemos que são muito outros esses tais barcos, levam carga de sombras, de anelos, de frustrações, de enganos e desenganos, atestados os porões, Homem ao mar, gritaram, e ninguém lhe acudiu.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) enquanto um único querer não prevalece perturba-se o conjunto e confunde-se o itinerário.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) e o pensamento calou-se, cala-se sempre quando a vontade é firme.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) é para isto que o silêncio verdadeiramente serve, para que possamos ouvir o que se diz não ter importância.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) era isto ao entardecer, quando o rumor das ondas mal se ouve, breve e contido como um suspiro sem causa.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) esse é um dos efeitos do tempo, apagar (...)”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) Faz favor, mágicas palavras que substituem identificação formal, a linguagem está cheia destes e de outros mais difíceis enigmas.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) Fica sabendo que a mais fácil das coisas difíceis do mundo seria salvar Veneza (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) há momentos em que mesmo o amor deve conformar-se com a sua insignificância (...)”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) isto diziam os pecadores arrependidos, que sempre exageram.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) limitara-se a perguntar, quem julgue que isso é o mais fácil está muito enganado, não tem conta o número de respostas que só está à espera das perguntas.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Mas é verdade que há diferenças de mundo para mundo, toda a gente sabe que em Marte os homens são verdes, enquanto na Terra os há de todas as cores, menos essa.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) mas foi sol de pouca dura, era então a noite dos tempos.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Muito mais e muito melhor que as boas lições, sempre prosperaram e frutificaram os maus exemplos, e não se sabe por que aceleradas vias usam-se transmitir-se (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) Na nossa vida nunca roubamos nada, é sempre na vida dos outros (...)”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) não ficou uma alma viva. As mortas, porque tinham morrido, deixaram-se ficar, com aquela inabalável indiferença que as distingue da restante humanidade.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) não há rancor nas crianças, é o que as salva (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) não percebiam o que se passava, ou tinham uma ideia vaga, formada apenas de palavras cujo sentido se compreendera por metade, ou nem isso, tão inseguramente que não se acharia grande diferença entre o que um julgava e o que o outro ignorava.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) Não quero entrar em vãs filosofias, mas responda-me se vê alguma ligação entre o facto de um macaco ter descido de uma árvore há vinte milhões de anos e a fabricação de uma bomba nuclear, A ligação é, precisamente, esses vinte milhões de anos (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) Não sei, e o resto seria igual, com algumas variantes, mas mínimas, sobretudo formais, mas aí mesmo se deveria acautelar, porque, como se sabe, pela forma se chega ao fundo, pelo continente ao conteúdo, pelo som da palavra ao significado dela.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) Nas perguntas que fazes é que mentes, se já sabias antes a resposta (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) nos grandes momentos precisamos sempre de grande frases, e esta, Estava escrito, não sabemos que prestígio tem que ocupa o primeiro lugar nos prontuários do estilo fatal.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“O erro é só nosso, com este gosto de drama e tragédia, esta necessidade de coturno e gesto largo, maravilhamo-nos, por exemplo, diante de um parto, aquela azáfama de suspiros e gemidos, e gritos, o corpo que se abre como um figo maduro e lança para fora outro corpo, e isso é maravilha, sim senhor, mas não menor maravilha foi o que não pudemos ver, a ejaculação ardente dentro da mulher, a maratona mortífera, e depois a fabricação lentíssima de um ser por si próprio, é certo que com ajudas, esse que será, para não irmos mais longe, este que isto escreve, irremediavelmente ignorante do que lhe aconteceu então e também, confessemo-lo, não muito sabedor do que lhe acontece agora.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“O instinto conduz este cão, mas não sabemos o quê ou quem conduz o destino (...)”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) o que conta é o momento, nós apenas o servimos (...)”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) o que eu muito gostaria de saber é como ele (o mundo) será quando não houver homens e os efeitos que só eles causam, o melhor é nem pensar em tal imensidão, que faz tonturas, ora, bastará que sobrevivam uns animaizitos (...), afinal, a única grande verdade é que o mundo não pode ser morto.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) os outros assistiram de longe, em casa, no teatro doméstico que é a televisão, no pequeno retângulo de vidro, esse pátio de milagres onde uma imagem varre a anterior sem deixar vestígios, tudo em escala reduzida, mesmo as emoções.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Passados quinze minutos, que, segundo a frase, pareceram quinze séculos, embora ninguém ainda tivesse vivido estes para comparar com aqueles (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) pois quem nasce não vem a falar da barriga da mãe, e quem morre não fala depois de ter entrado na barriga da terra.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) por cima das árvores apareceu o primeiro alvor da lua, agora terão as estrelas de apagar-se.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Porém, conjunção coordenada adversativa que sempre anuncia oposição, restrição ou diferença, e que, aplicada ao caso, vem lembrar que mesmo as boas coisas para uns precisamente têm os seus poréns para outros (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) por enquanto há uma brisa fresca e límpida, lástima não poder guardá-la no bolso para quando viesse a ser precisa na hora do calor.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) para observar a que extremo foram omissos, por exemplo, os evangelistas quando se limitaram a escrever que Jesus amaldiçoou a figueira, parece que deveria a informação bastar-nos e não basta, não senhor, afinal, vinte séculos passados, ainda não sabemos se a árvore desgraçada dava figos brancos ou pretos, lampos ou serôdios, de capa-rota ou pingo-de-mel, não que com a falta esteja padecendo a ciência cristã, mas a verdade histórica seguramente sofre.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Pensando bem, não há um princípio para as coisas e para as pessoas, tudo o que um dia começou tinha começado antes, a história desta folha de papel, tomemos o exemplo mais próximo das mãos, para ser verdadeira e completa, teria de ir remontando até aos princípios do mundo, de propósito se usou o plural em vez do singular, e ainda assim duvidemos, que esses princípios princípios não foram, somente pontos de passagem, rampas de escorregamento, pobre cabeça a nossa, sujeita a tais puxões, admirável cabeça, apesar de tudo, que por todas as razões é capaz de enlouquecer, menos por essa.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Quantas vezes, para mudar a vida, precisamos da vida inteira, pensamos tanto, tomamos balanço e hesitamos, depois voltamos ao princípio, tornamos a pensar e a pensar, deslocamo-nos nas calhas do tempo com um movimento circular, como os espojinhos que atravessam o campo levantando poeira, folhas secas, insignificâncias, que para mais não lhes chegam as forças, bem melhor seria vivermos em terra de tufões.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) que não pensassem mais neles, que se lhes tinha mudado o mundo, e a vida, não tinham culpa, em geral eram pessoas de vontade fraca, daquelas que vão adiando decisões, estão sempre a dizer amanhã, amanhã, mas isto não significa que não tenham sonhos e desejos, o mau é morrerem antes de poderem e saberem viver deles alguma pequena parte.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) ressecam e morrem as plantas, depois renascem e vivem, o homem é que ainda não conseguiu aprender como se repetem os ciclos, com ele é uma vez para nunca mais.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Sabido é que todo efeito tem sua causa, e esta é uma universal verdade, porém, não é possível evitar alguns erros de juízo, ou de simples identificação, pois acontece considerarmos que este efeito provém daquela causa, quando afinal ela foi outra, muito fora do alcance do entendimento que temos e da ciência que julgávamos ter.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) Se eu a não vir, é porque ela nunca existiu, afinal tem inteira razão Roque Lozano, que para que as coisas existam duas condições são necessárias, que homem as veja e homem lhes ponha nome.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) se não pensara nas conseqüências de um acto que parecia não ter sentido, e esses, recordai-vos, são os que maior perigo comportam (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) Se um dia tiveres um filho, ele morrerá porque tu nasceste, desse crime ninguém te absolverá, as mãos que fazem e tecem são as mesmas que desfazem e destecem, o certo gera o errado, o errado produz o certo, Fraca consolação para um aflito, Não há consolação, amigo triste, o homem é um animal inconsolável.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) supondo que não é incorreto usar medidas geralmente de dinheiro em aferições de tempo, tendo em conta que um não compra o outro e este altera o valor daquele.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) talvez a vida goste de cultivar, uma vez por outra, o sentido do dramático, se o telefone toca pensamos, Que será, se à porta nos batem pensamos, Quem será, e damos ao pensamento voz perguntando, Quem é.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) tão certo como haver realmente destino.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) tem raízes no inferno, que, como sabemos, é o lugar aonde vai dar toda a sabedoria (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) uma palavra, quando dita, dura mais que o som e os sons que a formaram, fica por aí, invisível e inaudível para poder guardar o seu próprio segredo (...).”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) um remorso vivo, que é o que são os remorsos mesmo depois de mortos.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“(...) vê-se-lhe o princípio, não se lhe conhece o fim, é como a vida.”
(José Saramago, no livro “A Jangada de Pedra”)



“Não achou resposta, as respostas não vêm sempre que são precisas, e mesmo sucede muitas vezes que ter de ficar simplesmente à espera delas é a única resposta possível.”
(José Saramago, no livro "Ensaio Sobre a Cegueira")



“(...), é extraordinário como se formam um homem e uma mulher, indiferentes, lá dentro do seu ovo, ao mundo de fora, e contudo com este mundo mesmo se virão defrontar, como rei ou soldado, como frade ou assassino, (...), alguma coisa sempre, que tudo nunca pode ser, e nada menos ainda. Porque, enfim, podemos fugir de tudo, não de nós próprios.”
(José Saramago, no livro "Memorial do Convento")



“A fama, ai de nós, é um ar que tanto vem como vai, é um cata-vento que tanto gira ao norte como ao sul, e tal como sucede passar uma pessoa do anonimato à celebridade sem perceber porquê, também não é raro que depois de ter andado a espanejar-se à calorosa aura pública acabe sem saber como se chama.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) aliás, a pele é tudo quanto queremos que os outros vejam de nós, por baixo dela nem nós próprios conseguimos saber quem somos (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“A metáfora sempre foi a melhor forma de explicar as coisas.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) As consciências calam-se mais do que deviam, por isso é que se criaram as leis (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) A solidão, Sr. José, declarou com solenidade o conservador, nunca foi boa companhia, as grandes tristezas, as grandes tentações e os grandes erros resultam quase sempre de se estar só na vida (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) a tal ponto exigente parece ser esta nossa necessidade de ir pelo mundo a dizer quem somos, mesmo quando acabamos de ouvir, Ah, é você, como se por nos terem reconhecido nos conhecessem e não houvesse mais nada a saber de nós, ou o pouco que ainda restasse não merecesse o trabalho de uma pergunta nova.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) a vida tinha-lhe ensinado que a melhor maneira de defender os segredos próprios ainda é guardar respeito aos segredos alheios (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) Dar razões para o que se faz ou deixa de fazer é o que há de mais fácil, quando percebemos que as não temos ou não as temos suficientes tratamos de inventá-las (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“Em geral não se diz que uma decisão nos aparece, as pessoas são tão zelosas da sua identidade, por vaga que seja, e da sua autoridade, por pouca que tenham, que preferem dar-nos a entender que reflectiram antes de dar o último passo, que ponderaram os prós e os contras, que sopesaram as possibilidades e as alternativas, e que, ao cabo de um intenso trabalho mental, tomaram finalmente a decisão. Há que dizer que estas coisas nunca se passaram assim.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) e não prestamos atenção, sempre o mais importante nos escapa.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) é por de mais sabido que o espírito humano, muitas vezes, toma decisões cujas causas mostra não conhecer, sendo de supor que o faz depois de ter percorrido os caminhos da mente com tal velocidade que depois não é capaz de os reconhecer e muito menos de os reencontrar.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) Este não pareço eu, pensou, e provavelmente nunca o havia sido tanto.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) É velha, É uma senhora de idade, Deixa-te de hipocrisias, idade temo-la nós todos, a questão está em saber-se quanta, se é pouca, és novo, se é muita, és velho, o resto é conversa (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) Homem, não tenhas medo, a escuridão em que estás metido aqui não é maior do que a que existe dentro do teu corpo, são duas escuridões separadas por uma pele (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) mas sabendo nós, enfim, que o que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca e que é preciso andar muito para alcançar o que está perto.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“Na Conservatória Geral não era assim, na Conservatória Geral só existiam palavras, na Conservatória Geral não se podia ver como tinham mudado e iam mudando as caras, quando o mais importante era precisamente isso, o que o tempo faz mudar, e não o nome, que nunca varia.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) Não faça caso, são disparates da minha cabeça, quando chegamos a velhos e percebemos que se nos está a acabar o tempo, dá-nos para imaginar que temos na mão o remédio de todos os males do mundo e desesperamos por não nos prestarem atenção (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) não falta mesmo quem sustente que Deus, antes de se pôr a amassar o barro com que depois os fabricou, começou por desenhar com um pau de giz o homem e a mulher na superfície da primeira noite, daí é que nos veio a única certeza que temos, a de que fomos, somos e seremos pó, e que em uma noite tão profunda como aquela nos perderemos.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) na vida todos os cuidados são poucos, mormente quando se abandonam as vias rectas do proceder honesto para enveredar pelos atalhos tortuosos do crime.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) no casamento existem três pessoas, há a mulher, há o homem, e há o que chamo a terceira pessoa, a mais importante, a pessoa que é constituída pelo homem e pela mulher juntos (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“O espírito humano, porém, quantas vezes será preciso dizê-lo, é o lugar predilecto das contradições, aliás nem se tem observado ultimamente que elas prosperem ou simplesmente tenham condições de existência viáveis fora dele (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“Ou não está, ou são os seus olhos que se recusam a ver.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) os pesadelos da infância nunca se realizam, muito menos se realizam os sonhos (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) perdoai-vos uns aos outros, como é costume dizer-se, A frase conhecida não é assim, é amai-vos uns aos outros, Dá no mesmo, perdoa-se porque se ama, ama-se porque se perdoa (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) por quantos sofrimentos têm de passar as pessoas que saíram da tranquilidade dos seus lares para se meterem em loucas aventuras.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“Quanto aos pensamentos metafísicos, meu caro senhor, permita-me que lhe diga que qualquer cabeça é capaz de os produzir, o que muitas vezes não consegue é encontrar as palavras.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) que as vidas são como os quadros, precisaremos sempre de olhá-las quatro passos atrás (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) Quem somos nós para falar de consequências, se da fila interminável delas que incessantemente vêm caminhando na nossa direção apenas podemos ver a primeira (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) Se dorme mal, é porque está doente, uma pessoa saudável dorme sempre bem, a não ser que tenha algum peso na consciência, uma falta censurável, daquelas que a consciência não perdoa, a consciência é muito importante (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) simplesmente recebo ordens, Então só tem de cumpri-las, Engana-se, tenho de fazer muito mais do que cumpri-las, tenho de interpretá-las, Porquê, Porque entre o que ele manda e o que ele quer há geralmente diferença (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) Só a partir dos setenta é que se tornará sábio, mas então de nada lhe vai servir, nem a si nem a ninguém.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) Só porque vivemos absortos é que não reparamos que o que nos vai acontecendo deixa intacto, em cada momento, o que nos pode acontecer (…)”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) tirando acontecimentos excepcionais, em todo o caso não tão excepcionais quanto isso, como sejam as catástrofes naturais ou os conflitos bélicos, não é costume verem-se nas ruas os mortos misturados com os vivos.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“(…) Toma as minhas metáforas a sério, se quiseres, mas não as repitas como se fossem tuas.”
(José Saramago, no livro “Todos os Nomes”)



“— Não sei bem o que o senhor entende por 'glória' — disse Alice.
Humpty Dumpty sorriu com desdém. — Claro que você não sabe, até eu lhe dizer. O que eu quero dizer é: 'eis aí um argumento arrasador para você'.
— Mas 'glória' não significa 'um argumento arrasador' — objetou Alice.
— Quando uso uma palavra — disse Humpty Dumpty em tom escarninho —, ela significa exatamente aquilo que quero que ela signifique... nem mais nem menos.
— A questão — ponderou Alice — é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes.
— A questão — replicou Humpty Dumpty — é saber quem é que manda. É só isso.”
(Lewis Carroll, no livro “Alice no País das Maravilhas”)



“Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens.”
(Livro das Evidências)



“O amor tem mil inimigos, mas o pior deles é o tempo.”
(Luís Fernando Veríssimo, no conto “Inimigos”)



“Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada.”
(Machado de Assis, no conto “A Cartomante”)



“(...) a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo.”
(Machado de Assis, no conto “A Cartomante”)



“Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um drama.”
(Machado de Assis, no conto “A Cartomante”)



“Mas o desejo de servir tem mil maneiras de se manifestar.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“Qual importa mais à vida, ser Dom Quixote ou Sancho Pança? O ideal ou o prático? A generosidade ou a prudência? Oliveira não hesitava entre esses dois opostos papéis; nem sequer pensara neles. Estava no período do coração.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“Almoçou pouco. O estômago acompanhava a dor do coração.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“(...) um ministro é muitas vezes um amanuense do destino, que só parece ocupar-se em me perturbar a vida e multiplicar todos os esforços. Que queres? Eu já estou acostumado, não resisto; dia virá em que estes golpes terão um termo. Dia virá em que eu possa vencer a má fortuna de uma vez para sempre. Tenho o remédio nas mãos.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“A gratidão de quem recebe um benefício é sempre menor que o prazer daquele que o faz (...). A explicação desta diferença está talvez neste fundo de egoísmo que há em todos nós.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“(...) suspiras em silêncio e queres que ela te adivinhe. Nunca chegarás ao cabo. Tem-se comparado o amor à guerra. Assim é. No amor, querem-se atos de bravura como na guerra. Avança afoitamente e vencerás.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“— Não te zangues, disse Magalhães. Eu não sou nenhum espírito rasteiro; também, conheço as delicadezas do coração. Nada vale mais que um amor verdadeiro e desinteressado. Não se me há de censurar, porém, que eu procure ver o lado prático das coisas; um coração de ouro vale muito; mas um coração de ouro com ouro vale mais.
— Cecília é rica.
— Pois tanto melhor!”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“O estouvamento na velhice é, por via de regra, um senão.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“D. Mariana, antes de casar, professava um princípio seu: o casamento é um estado vitalício; cumpre não precipitar a escolha do noivo.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“Salvante a barriga, Vasconcelos era ainda um belo velho, uma ruína magnífica.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“Quando o acusavam deste ceticismo político, respondia com uma frase que, se não discriminava as suas opiniões, abonava o seu patriotismo:
— Somos todos brasileiros.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“— O senhor está brincando comigo?
— Brincando! disse Magalhães. Tudo quanto quiser, menos isso; não se brinca com o amor ou o sofrimento.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“Eu peço perdão aos meus leitores, se entro nestas explicações a respeito da comida.
Quer-se um herói romântico, acima das necessidades vulgares da vida humana; mas não posso deixar de as mencionar, não por sistema, mas por ser fiel à história que estou contando.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“Mas é nas grandes crises que o espírito do homem se mostra grande.”
(Machado de Assis, no conto “Almas Agradecidas”)



“Parece que há duas sortes de vocação, as que têm língua e as que a não tem. As primeiras realizam-se; as últimas representam uma luta constante e estéril entre o impulso interior e a ausência de um modo de comunicação com os homens.”
(Machado de Assis, no conto “Cantiga de Esponsais”)



“Era ela a mais querida dos pais. Tinha na sua fragilidade a razão da preferência. Um instinto secreto dizia aos velhos que ela não havia de viver muito; e como que para desforrá-la do amor que havia de perder, eles a amavam mais do que às outras filhas. Era ela a mais moça, circunstância que acrescia àquela, porque ordinariamente os pais amam o último filho mais do que os primeiros, sem que os primeiros pereçam inteiramente no seu coração.”
(Machado de Assis, no conto “Cinco Mulheres - Parte I - Marcelina”)



“Entro no teto conjugal como num túmulo, escrevia Carolina na manhã do casamento à amiga Lúcia; deixo as minhas ilusões à porta, e peço a Deus que não perca só isso.”
(Machado de Assis, no conto “Cinco Mulheres - Parte III - Carolina”)



“Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude uma ideia antes própria de homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança.”
(Machado de Assis, no conto “Conto de Escola”)



“Quero entranhar-me no mundo da reflexão e do estudo, mas o meu coração, solteiro talvez, talvez viúvo, pede-me versos ou imaginações. Triste alternativa, que para nenhuma resolução me guia! Este estado, tão comum nos que realmente se dividem entre sentir e pensar, é uma dor d'alma, é uma agonia do espírito.”
(Machado de Assis, no conto “Felicidade pelo Casamento”)



“Ânsia de amar, ânsia de ser feliz, que haverá no mundo que mais nos envelheça a alma e nos faça sentir as misérias da vida? Nem é outra a miséria: esta, sim, este ermo e estas aspirações; esta solidão e estas saudades; esta tão própria sede de uma água que não há tirá-la de nenhuma Noreb, eis a miséria, eis a dor, eis a tristeza, eis o aniquilamento do espírito e do coração.”
(Machado de Assis, no conto “Felicidade pelo Casamento”)



“Do semear depende a colheita. Mas que terra é esta que tanto gasta em restituir o que se lhe confiou?”
(Machado de Assis, no conto “Felicidade pelo Casamento”)



“Volta-se de um amor, escreve um humorista, como de um fogo de artifício: triste e aborrecido.”
(Machado de Assis, no conto “Felicidade pelo Casamento”)



“É certo que as naturezas capazes de resistir ao choque das paixões humanas são inteiramente raras. O mundo regurgita de almas melindrosas, que, como a sensitiva dos campos, se contraem e murcham ao menor contato. Sair salvo e rijo dos combates da vida é caso de rara superioridade.”
(Machado de Assis, no conto “Felicidade pelo Casamento”)



“Vi muita gente boquiaberta diante das vidraças da rua do Ouvidor, manifestando no olhar o mesmo entusiasmo que eu quando contemplava os meus rios e as minhas palmeiras. Lembrei-me com saudade das minhas antigas diversões, mas tive o espírito de não condenar aquela gente. Nem todos podem compreender os encantos da natureza, a maioria dos epíritos só se nutrem de quinquilharias francesas. Agradeci a Deus não me ter feito assim.”
(Machado de Assis, no conto “Felicidade pelo Casamento”)



“Os homens medíocres caem facilmente neste engano de confundir com a paixão amorosa o que muitas vezes não passa de uma simples feição do espírito da mulher. E este equívoco dá-se sempre com os espíritos medíocres, porque são os mais presunçosos e os que andam na plena convicção de conhecerem todos os escaninhos do coração humano. Pouca que seja embora a prática que eu tenho do mundo, o pouco que tenho visto, e algo que tenho lido, o muito que tenho refletido, deu-me lugar a poder tirar esta conclusão.”
(Machado de Assis, no conto “Felicidade pelo Casamento”)



“Eu não tinha a ciência de entreter horas sobre coisas indiferentes, em conversa com uma pessoa que me não era indiferente.”
(Machado de Assis, no conto “Felicidade pelo Casamento”)



“Esta dúvida era pior que a certeza.”
(Machado de Assis, no conto “Felicidade pelo Casamento”)



“— Acaso nunca pensaste em ser homem político?
— Oh! nunca! respondeu o bacharel espantado com a pergunta. Por que razão pensaria eu na política?
— Pela mesma razão por que outros pensam...
— Mas eu não tenho vocação.
— A vocação faz-se.”
(Machado de Assis, no conto “Longe dos Olhos”)



“João Aguiar deu uma gargalhada. O pai pareceu rir também, mas reparando bem não era um riso, era uma careta.”
(Machado de Assis, no conto “Longe dos Olhos”)



“Mas tu não vês a impossibilidade de semelhante coisa? Impossível, não digo que seja; tudo pode acontecer neste mundo, se a natureza o pede. Mas a sociedade tem suas leis que não devemos violar, e segundo elas esse casamento é impossível.”
(Machado de Assis, no conto “Longe dos Olhos”)



“Tudo se pode vencer, disse ele; o que é preciso é ser constante.”
(Machado de Assis, no conto “Longe dos Olhos”)



“Graças a este equívoco, os dois podiam repetir essas doces práticas em que cada um ouvia o seu próprio coração e falava do objeto escolhido por ele. Não era um diálogo, eram dois monólogos (...).”
(Machado de Assis, no conto “Longe dos Olhos”)



“(...) está-me a parecer que a felicidade que sonhamos quase nunca sai à medida dos nossos desejos, e que mais vale uma quimera que uma realidade.”
(Machado de Assis, no conto “Longe dos Olhos”)



“Talvez tenha razão, disse ele enfim, a realidade não será sempre tal qual a sonhamos. Mas isto mesmo é uma harmonia da vida, é uma grande perfeição do homem. Se víssemos logo a realidade como ela há de ser quem daria um passo para ser feliz?...”
(Machado de Assis, no conto “Longe dos Olhos”)



“— A desconfiança é o único defeito dele, dizia Serafina ao filho do comendador; mas é grande (...). Preferia que o defeito fosse outro.
— Outro qual?
— Outro qualquer. A desconfiança é uma triste companheira; arreda toda a felicidade.”
(Machado de Assis, no conto “Longe dos Olhos”)



“Não há dor eterna.”
(Machado de Assis, no conto “Longe dos Olhos”)



“No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.”
(Machado de Assis, no conto “Missa do Galo”)



“Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“— A saúde da alma, bradou ele, é a ocupação mais digna do médico.
— Do verdadeiro médico, emendou Crispim Soares.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“A proposta excitou a curiosidade de toda a vila, e encontrou grande resistência, tão certo é que dificilmente se desarraigam hábitos absurdos, ou ainda maus.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“Isso de estudar sempre, sempre, não é bom, vira o juízo.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“(...) achou no Corão que Maomé declara veneráveis os doidos, pela consideração de que Alá lhes tira o juízo para que não pequem.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“(...) e, se lhe tinham inveja, era a santa e nobre inveja dos admiradores.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“Não há remédio certo para as dores da alma.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“Crispim Soares, ao tornar a casa, trazia os olhos entre as duas orelhas da besta ruana em que vinha montado; Simão Bacamarte alongava os seus pelo horizonte adiante, deixando ao cavalo a responsabilidade do regresso. Imagem vivaz do gênio e do vulgo! Um fita o presente, com todas as suas lágrimas e saudades, outro devassa o futuro com todas as suas auroras.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“(...) trata-se de uma experiência científica. Digo experiência, porque não me atrevo a assegurar desde já a minha ideia; nem a ciência é outra coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante. Trata-se, pois, de uma experiência, mas uma experiência que vai mudar a face da terra. A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“Há melhor do que anunciar a minha ideia, é praticá-la.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“Suponho o espírito humano uma vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“O atrevimento foi grande, pensaram as duas damas. E uma e outra pediam a Deus que removesse qualquer episódio trágico - ou que o adiasse ao menos para o dia seguinte. Sim, que o adiasse.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“Uma vez, por exemplo, compôs uma ode à queda do Marquês de Pombal, em que dizia que esse ministro era o 'dragão aspérrimo do Nada' esmagado pelas 'garras vingadoras do Todo'.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“Nada tenho que ver com a ciência; mas, se tantos homens em que supomos juízo, são reclusos por dementes, quem nos afirma que o alienado não é o alienista?”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“(...) não achou Crispim Soares outra saída em tal crise senão adoecer; declarou-se doente e meteu-se na cama.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“O povo, tomado de uma cega piedade que lhe dá em tal caso legítima indignação, pode exigir do governo, certa ordem de atos; mas este, com a responsabilidade que lhe incumbe , não os deve praticar, ao menos integralmente, e tal é a nossa situação. A generosa revolução que ontem derrubou uma câmara vilipendiada e corrupta, pediu em altos brados o arrasamento da Casa Verde, mas pode entrar no ânimo do governo eliminar a loucura? Não. E se o governo não a pode eliminar, está ao menos apto para discriminá-la, reconhecê-la? Também não, é matéria de ciência. Logo, em assunto tão melindroso, o governo não pode, não quer dispensar o concurso de Vossa Senhoria (o alienista Simão Bacamarte). O que lhe pede é que de certa maneira demos alguma satisfação ao povo. Unamo-nos, e o povo saberá obedecer.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“(...) o terror também é pai da loucura.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“Ele respeitava os namorados e não poupava as namoradeiras, dizendo que as primeiras cediam a um impulso natural e as segundas a um vício.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“João Pina foi absolvido, atendendo-se a que ele derrocara um rebelde. Os cronistas pensam que deste fato é que nasceu o nosso adágio: - ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão; - adágio imoral, é verdade, mas grandemente útil.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“(...) a prudência é a primeira das virtudes em tempos de revolução (...).”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“A vereança, concluiu ele, não nos dá nenhum poder especial nem nos elimina do espírito humano.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“A aflição do egrégio Simão Bacamarte é definida pelos cronistas itaguaienses como uma das mais medonhas tempestades morais que têm desabado sobre o homem. Mas as tempestades morais só aterram os fracos; os fortes enrijam-se contra elas e fitam o trovão.”
(Machado de Assis, no conto “O Alienista”)



“— Trago-lhe o grande homem que há de ser, disse ele ao reitor.
— Venha, acudiu este, venha o grande homem, contanto que seja também humilde e bom. A verdadeira grandeza é chã.”
(Machado de Assis, no conto “O Caso da Vara”)



“Disse-lhe que era preciso tirar o moço do seminário, que ele não tinha vocação para a vida eclesiástica, e antes um padre de menos que um padre ruim.”
(Machado de Assis, no conto “O Caso da Vara”)



“Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada.”
(Machado de Assis, no conto “Pai Contra Mãe”)



“Ela cosia agora mais, ele saía a empreitadas de uma cousa e outra; não tinha emprego certo.
Nem por isso abriam mão do filho. O filho é que, não sabendo daquele desejo específico, deixava-se estar escondido na eternidade.”
(Machado de Assis, no conto “Pai Contra Mãe”)



“Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.”
(Machado de Assis, no conto “Um Apólogo”)



“Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Contei esta hitória a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!”
(Machado de Assis, no conto “Um Apólogo”)



“O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Verdade é que cada um sabe melhor de si.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Prazos largos são fáceis de subscrever; a imaginação os faz infinitos.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Que as pernas também são pessoas, apenas inferiores aos braços, e valem de si mesmas, quando a cabeça não as rege por meio de ideias.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Há coisas que só se aprendem tarde; é mister nascer com elas para fazê-las cedo. E melhor é naturalmente cedo que artificialmente tarde.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Mas vão lá matar a preguiça de uma alma que a trazia do berço e não a sentia atenuada pela vida!”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Creio que prima Justina achou no espetáculo das sensações alheias uma ressurreição vaga das próprias. Também se goza por influição dos lábios que narram.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Os sonhos do acordado são como os outros sonhos, tecem-se pelo desenho das nossas inclinações e das nossas recordações.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Assim, apanhados pela mãe, éramos dois e contrários, ela encobrindo com a palavra o que eu publicava pelo silêncio.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Talvez abuso um pouco das reminiscências osculares; mas a saudade é isto mesmo; é o passar e repassar das memórias antigas.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Padre Cabral estava naquela primeira hora das honras em que as mínimas congratulações valem por odes. Tempo chega em que os dignificados recebem os louvores como um tributo usual, cara morta, sem agradecimentos.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“A imaginação foi a companheira de toda a minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de empacar, as mais delas capaz de engolir campanhas e campanhas, correndo.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Quantas intenções viciosas há assim que embarcam, a meio caminho, numa frase inocente e pura! Chega a fazer suspeitar que a mentira é muita vez tão involuntária quanto a transpiração.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“(...) as contradições são deste mundo.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“(...) a mentira é dessas criadas que se dão pressa em responder às visitas que 'a senhora saiu', quando a senhora não quer falar a ninguém. Há nessa cumplicidade um gosto particular; o pecado em comum iguala por instantes a condição das pessoas, não contando o prazer que dá a cara das visitas enganadas, e as costas com que elas descem...”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Há pessoas a quem as lágrimas não acodem logo nem nunca; diz-se que padecem mais que as outras.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“A alopatia é o erro dos séculos, e vai morrer; é o assassinato, é a mentira, é a ilusão.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Foram cócegas da mocidade; coçou-se, passou, estava bom.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Escobar veio abrindo a alma toda, desde a porta da rua até ao fundo do quintal. A alma da gente, como sabes, é uma casa assim disposta, não raro com janelas para todos os lados, muita luz e ar puro. Também as há fechadas e escuras, sem janelas, ou com poucas e gradeadas, às semelhanças de conventos e prisões. Outrossim, capelas e bazares, simples alpendres ou paços suntuosos.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos (...).
É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Há alguma exageração nisto; mas o discurso humano é assim mesmo, um composto de partes excessivas e partes diminutas, que se compensam, ajustando-se. Por outro lado, se entendermos que a audiência aqui não é das orelhas, senão da memória, chegaremos à exata verdade.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Antes de concluir este capítulo, fui à janela indagar da noite por que razão os sonhos hão de ser assim tão tênues que se esgarçam ao menor abrir de olhos ou voltar de corpo, e não continuam mais.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Em tudo isso mostrava a minha amiga tanta lucidez que eu bem podia deixar de citar um terceiro exemplo, mas os exemplos não se fizeram senão para ser citados, e este é tão bom que a omissão seria um crime.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Minha mãe, depois que lhe respondi às mil perguntas que me fez sobre o tratamento que me davam, os estudos, as relações, a disciplina, e se me doía alguma coisa, e se dormira bem, tudo o que a ternura das mães inventa para cansar a paciência de um filho, concluiu (...).”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Tanto melhor para a justiça dela; o louvor dos mortos é um modo de orar por eles.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“A vida é cheia de obrigações que a gente cumpre, por mais vontade que tenha de as infringir deslavadamente.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Não precisa correr tanto; o que tiver de ser seu às mãos lhe há de ir.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“O anseio de escutar a verdade complicava-se em mim com o temor de a saber.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“(...) nada há mais feio que dar pernas longuíssimas a ideias brevíssimas.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Ora, há só um modo de escrever a própria essência, é contá-la toda, o bem e o mal.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“No fim, lembrou-me que a Igreja estabeleceu no confessionário um cartório seguro, e na confissão o mais autêntico dos instrumentos para o ajuste de contas morais entre o homem e Deus. Mas a minha incorrigível timidez me fechou essa porta certa; receei não achar palavras com que dizer ao confessor o meu segredo. Como o homem muda! Hoje chego a publicá-lo.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Nem eu, nem tu, nem ela, nem qualquer outra pessoa desta história poderia responder mais, tão certo é que o destino, como todos os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho. Eles chegam a seu tempo, até que o pano cai, apagam-se as luzes, e os espectadores vão dormir.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“O destino não é só dramaturgo, é também o seu próprio contrarregra, isto é, designa a entrada das personagens em cena, dá-lhes as cartas e outros objetos, e executa dentro os sinais correspondentes ao diálogo, uma trovoada, um carro, um tiro.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Um dos erros da Providência foi deixar ao homem unicamente os braços e os dentes, como armas de ataque, e as pernas como armas de fuga ou de defesa. Os olhos bastavam ao primeiro efeito. Um mover deles faria parar ou cair um inimigo ou um rival, exerceriam vingança pronta, com este acréscimo que, para desnortear a justiça, os mesmos olhos matadores seriam olhos piedosos, e correriam a chorar a vítima.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Um dos costumes da minha vida foi sempre concordar com a opinião provável do meu interlocutor, desde que a matéria não me agrava, aborrece ou impõe.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Mas onde a perfeição é maior é no emprego do zero. O valor do zero é, em si mesmo, nada; mas o ofício deste sinal negativo é justamente aumentar. Um 5 sozinho é um 5; ponha-lhe dois 00, é 500. Assim, o que não vale nada faz valer muito, coisa que não fazem as letras dobradas, pois eu tanto 'aprovo' com um p como com dois pp.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Isso prova que as ideias aritméticas são mais simples, e portanto mais naturais. A natureza é simples. A arte é atrapalhada.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“(...) a vaidade é um princípio de corrupção.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Ao certo, ninguém sabe se há de manter ou não um juramento.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“(...) dizia o rei que os bons amigos deviam ficar longe uns dos outros, não perto, para se não zangarem como as águas do mar que batiam furiosas no rochedo que eles viam dali.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)




“(...) os que amam a natureza como ela quer ser amada, sem repúdio parcial nem exclusões injustas, não acham nela nada inferior.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Tudo acaba, leitor; é um velho truísmo, a que se pode acrescentar que nem tudo o que dura dura muito tempo.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“(...) não é só o céu que dá as nossas virtudes, a timidez também, não contando o acaso, mas o acaso é um mero acidente; a melhor origem delas é o céu. Entretanto, como a timidez vem do céu, que nos dá a compleição, a virtude, filha dela, é, genealogicamente, o mesmo sangue celestial.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“As pessoas valem o que vale a afeição da gente, e é daí que mestre Povo tirou aquele adágio que quem o feio ama bonito lhe parece.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“Mas o que pudesse dissimular ao mundo, não podia fazê-lo a mim, que vivia mais perto de mim que ninguém.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“A vida é tão bela que a mesma ideia da morte precisa de vir primeiro a ela, antes de se ver cumprida.”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“A doença foi rápida. Mandei chamar um médico homeopata.
— Não, Bentinho - disse ele -; basta um alopata; em todas as escolas se morre. Demais, foram ideias da mocidade, que o tempo levou; converto-me à fé de meus pais. A alopatia é o catolicismo da medicina...”
(Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”)



“E ambos pararam a distância, tomados daquele invencível desejo de conhecer a vida alheia, que é muita vez toda a necessidade humana.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“Tinham fé, mas tinham também vexame da opinião, como um devoto que se benzesse às escondidas.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“Há contradições explicáveis.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“(...) eu sei como as cousas se passaram, e refiro-as tais quais. Quando muito, explico-as, com a condição de que tal costume não pegue. Explicações comem tempo e papel, demoram a ação e acabam por enfadar. O melhor é ler com atenção.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“A conclusão é que, por uma ou por outra porta, amor ou vaidade, o que o embrião quer é entrar na vida. César ou João Fernandes, tudo é viver, assegurar a dinastia e sair do mundo o mais tarde que puder.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“Talvez essas razões não fossem propriamente dele, mas ouvidas a alguém, decoradas sem esforço e repetidas com convicção.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“Tinha o coração disposto a aceitar tudo, não por inclinação à harmonia, senão por tédio à controvérsia.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“(...) tinha que nas controvérsias uma opinião dúbia ou média pode trazer a oportunidade de uma pílula, e compunha as suas de tal jeito, que o enfermo, se não sarava, não morria, e é o mais que fazem pílulas.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“O que o berço dá só a cova o tira, diz um velho adágio nosso.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“As ideias querem-se festejadas, quando são belas, e examinadas, quando novas.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“No princípio era o amor, e o amor se fez carne.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“(...) o tempo é um rato roedor das cousas, que as diminui ou altera no sentido de lhes dar outro aspecto.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“Há, nos mais graves acontecimentos, muitos pormenores que se perdem, outros que a imaginação inventa para suprir os perdidos, e nem por isso a história morre.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“... o tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo, uma flor, um pássaro, uma dama, um castelo, um túmulo. Também se pode bordar nada. Nada em cima de invisível é a mais sutil obra deste mundo, e acaso do outro.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“Paga o que deves, vê o que te não fica.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“Esta necessidade de capturar o tempo é uma necessidade da alma e dos queixos; mas ao tempo dá Deus habeas-corpus.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“O mal calado não se muda, mas não se sabe.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“Nem sempre os filhos reproduzem os pais. Camões afirmou que de certo pai só se podia esperar tal filho, e a Ciência confirma essa regra poética. Pela minha parte creio na Ciência como na Poesia, mas há exceções, amigo. Sucede, às vezes, que a natureza faz outra cousa, e nem por isso as plantas deixam de crescer e as estrelas de luzir. O que se deve crer sem erro é que Deus é Deus; e, se alguma rapariga árabe me estiver lendo, ponha-lhe Alá. Todas as línguas vão dar ao céu.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“Mas tudo cansa, até a solidão.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“Há frases assim felizes. Nascem modestamente, como a gente pobre; quando menos pensam, estão governando o mundo, à semelhança das ideias. As próprias ideias nem sempre conservam o nome do pai; muitas aparecem órfãs, nascidas de nada e de ninguém. Cada um pega delas, verte-as como pode, e vai levá-las à feira, onde todos as têm por suas.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“— Então crê que Paulo será sempre isto?
— Sempre, não digo; também não digo o contrário. Baronesa, a senhora exige respostas definitivas, mas diga-me o que é que há definitivo neste mundo (...)?”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“(...) o homem, uma vez criado, desobedeceu logo ao Criador, que aliás, lhe dera um paraíso para viver; mas não há paraíso que valha o gosto da oposição. Que o homem se acostume às leis, vá; que incline o colo à força e ao bel-prazer, vá também; é o que se dá com a planta quando sopra o vento. Mas que abençoe a força e cumpra as leis sempre, sempre, sempre, é violar a liberdade primitiva, a liberdade do velho Adão.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“(...) finalmente o burro preferiu a marcha à pancada, tirou a carroça do lugar e foi andando.
Nos olhos redondos do animal viu Aires uma expressão profunda de ironia e paciência. Pareceu-lhe o gesto largo de espírito invencível. Depois leu neles este monólogo: 'Anda, patrão, atulha a carroça de carga para ganhar o capim de que me alimentas. Vive de pé no chão para comprar minhas ferraduras. Nem por isso me impedirás que te chame um nome feio, mas eu não te chamo nada; ficas sendo sempre o meu querido patrão. Enquanto te esfalfas em ganhar a vida, eu vou pensando que o teu domínio não vale muito, uma vez que me não tiras a liberdade de teimar'...”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“O olho do homem serve de fotografia ao invisível, como o ouvido serve de eco ao silêncio.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“O discurso é que ele não esqueceu, mas quem é que esquece os discursos que faz? Se são bons, a memória os grava em bronze; se ruins, deixam tal ou qual amargor que dura muito. O melhor dos remédios, no segundo caso, é supô-los excelentes, e, se a razão não aceita esta imaginação, consultar pessoas que a aceitem, e crer nelas. A opinião é um velho óleo incorruptível.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Não vale a pena, moço; o que importa é que cada um tenha as suas ideias e se bata por elas, até que elas vençam. Agora que outros as interpretem mal é cousa que não deve afligir o autor.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“As virtudes devem ser grandes e as anedotas engraçadas. Também as há banais, mas a mesma banalidade na boca de um bom narrador faz-se rara e preciosa.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Pensando bem, não recusaria passar o Rubicon; só lhe faltava a força necessária. Quisera querer. Quisera não ver nada, nem passado, nem presente, nem futuro, não saber de homens nem de cousas, e obedecer aos dados da sorte, mas não podia.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Há dessas virtudes feitas de acanho e timidez, e nem por isso menos lucrativas, moralmente falando. Não valem só estoicos e mártires. Virtudes meninas também são virtudes.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Não é que ainda dançasse, mas sabia-lhe bem ver dançar os outros, e tinha agora a opinião de que a dança é um prazer dos olhos. Esta opinião é um dos efeitos daquele mau costume de envelhecer. Não pegues tal costume, leitora. Há outros, também ruins, nenhum pior, este é o péssimo. Deixa lá dizerem filósofos que a velhice é um estado útil pela experiência e outras vantagens. Não envelheças, amiga minha, por mais que os anjos te convidem a deixar a primavera; quando muito, aceita o estio. O estio é bom, cálido, as noites são breves, é certo, mas as madrugadas não trazem neblina, e o céu aparece logo azul. Assim dançarás sempre.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Que multidão de dependências na vida, leitor! Umas cousas nascem de outras, enroscam-se, desatam-se, confundem-se, perdem-se, e o tempo vai andando sem se perder a si.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Flora disse como pôde a inveja que lhe metia a vista da princesa, não para brilhar um dia, mas para fugir ao brilho e ao mando, sempre que quisesse ficar súdita de si mesma. Foi então que ele lhe murmurou, como acima: — Toda alma livre é imperatriz.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Tudo é possível debaixo do sol e da lua. A nossa felicidade, barão, é que morreremos antes.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Era talvez excesso de pudor. Há muito excesso nesse sentido, e o acertado é perdoá-lo. Há também excessos contrários, condescendências fáceis, pessoas que entram com prazer na troca de alusões picantes. Também se devem perdoar.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“(...) há estados da alma em que a matéria da narração é nada, o gosto de a fazer e de a ouvir é que é tudo.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Considere mais a vontade do céu, que vela por todas as criaturas que se querem, salvo se uma só é que quer a outra, porque então o céu é um abismo de iniquidades.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Aires suspirou em segredo, e curvou a cabeça ao Destino. Não se luta contra ele, dirás tu; o melhor é deixar que pegue pelos cabelos e nos arraste até onde queira alçar-nos ou despenhar-nos.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no cérebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Tudo são instrumentos nas mãos da Vida.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Não há mal que não traga um pouco de bem, e por isso é que o mal é útil, muita vez indispensável, alguma vez delicioso.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Tudo é pior que nada.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Aires quis aquietar-lhe o coração. Nada se mudaria; o regímen, sim, era possível, mas também se muda de roupa sem trocar de pele. Comércio é preciso. Os bancos são indispensáveis. No sábado, ou quando muito na segunda-feira, tudo voltaria ao que era na véspera, menos a constituição.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“As ocasiões fazem as revoluções.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Santos aceitou o conselho, mas vai muito do aceitar ao cumprir, e a aparência era mui diversa do coração. O coração batia-lhe. A cabeça via esboroar-se tudo.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Sobre isto escrevi agora algumas linhas, que não ficariam mal, se as acabasse, mas recuo a tempo, e risco-as. Não vale a pena ir à cata das palavras riscadas. Menos vale supri-las.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Assim um medo vence a outro, e a gente acaba por dar o que negou.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Ninguém sabia se a vitória do movimento era um bem, se um mal, apenas sabiam que era um fato.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Acharia um pretexto para resistir, se buscasse algum, mas amigos e cartas não deixavam buscar nada. Santos acabou aceitando. Provavelmente era essa mesma a inclinação íntima. Muitas há que precisam ser atraídas cá fora como um favor ou concessão da pessoa.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“O que é preciso é não deixar esfriar o ferro, batê-lo sempre, e renová-lo.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“A música tinha para ela a vantagem de não ser presente, passado ou futuro; era uma cousa fora do tempo e do espaço, uma idealidade pura.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Não havia governo definitivo. A alma da moça ia com esse primeiro albor do dia, ou com esse derradeiro crespúsculo da tarde, — como queiras, — em que nada é tão claro ou tão escuro que convide a deixar a cama ou acender velas. Quando muito, ia haver um governo provisório. Flora não entendia de formas nem de nomes. A sonata trazia a sensação da falta absoluta de governo, a anarquia da inocência primitiva naquele recanto do Paraíso que o homem perdeu por desobediente, e um dia ganhará, quando a perfeição trouxer a ordem eterna e única. Não haverá então progresso nem regresso, mas estabilidade.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Poetas de um e outro regímen tiraram imagem do fato para cantarem a alegria e a melancolia do mundo. A diferença é que a segunda abafava os seus suspiros, enquanto a primeira levava longe os seus tripúdios.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“(...) a comissão entrava a aborrecê-lo, posto que na correspondência oficial dissesse exatamente o contrário. Se tais papéis mostrassem sempre o coração da gente, Batista, cujas instruções eram aliás, de concórdia, parecia querer levar a concórdia a ferro e fogo; mas o estilo não é o homem. O coração de Batista fechava-se, quando ele escrevia, e deixava ir a mão adiante, com a chave do coração apertada...”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Serve-se muita vez a liberdade parecendo sufocá-la.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“O dia da opressão é a véspera da liberdade.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Pessoas do tempo, querendo exagerar a riqueza, dizem que o dinheiro brotava do chão, mas não é verdade. Quando muito, caía do céu.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Não é a ocasião que faz o ladrão, dizia ele a alguém; o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: 'A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito'.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Nenhum obséquio, por ínfimo que seja, esquece ao beneficiado. Há exceções. Também há casos em que a memória dos obséquios aflige, persegue e morde, como os mosquitos; mas não é regra. A regra é guardá-los na memória, como as joias nos seus escrínios; comparação justa, porque o obséquio é muita vez alguma joia, que o obsequiado esqueceu de restituir.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Como era sonho, a imaginação trazia espetáculos desconhecidos, tais e tantos que mal se podia crer bastasse o espaço de uma noite. E bastava. E sobrava.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Evocado algum tempo depois de morto, confessou ele ainda uma vez a sua fórmula, como a única das únicas, e excomungou a quantos pregassem o contrário. Aliás, os dissidentes já o haviam excomungado também, declarando abominável a sua memória, com aquele ódio rijo, que fortalece alguma vez o homem contra a frouxidão da piedade.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Não só de fé vive o homem, mas também de pão e seus compostos e similares.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Há muito remédio contra a insônia. O mais vulgar é contar de um até mil, três mil ou mais, se a insônia não ceder logo. É remédio que ainda não fez dormir ninguém, ao que parece, mas não importa. Até agora, todas as aplicações eficazes contra a tísica vão de par com a noção de que a tísica é incurável. Convém que os homens afirmem o que não sabem, e, por ofício, o contrário do que sabem; assim se forma esta outra incurável, a Esperança.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Parece que, se amasse exclusivamente o primeiro, o segundo podia chorar lágrimas de sangue, sem lhe merecer a menor simpatia. Que o amor, conforme as ninfas antigas e modernas, não tem piedade. Quando há piedade para outro, dizem elas, é que o amor ainda não nasceu de verdade, ou já morreu de todo, e assim o coração não lhe importa vestir essa primeira camisa do afeto. Perdoa a figura; não é nobre, nem clara, mas a situação não me dá tempo de ir à cata de outra.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“(...) nada há pior que falar de sensações sem nome.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Não era verdade, mas não é a verdade que vence, é a convicção. Convence-te de uma ideia, e morrerás por ela.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“— (...) se concordo, é porque eles só dizem o que eu penso.
— Já o tenho achado em contradição.
— Pode ser. A vida e o mundo não são outra cousa. A senhora não saberá isto bem, porque é moça e ingênua, mas creia que a vantagem toda é sua. A ingenuidade é o melhor livro e a mocidade a melhor escola.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Vinham de estar com Aires no teatro, uma noite, matando o tempo. Conheceis este dragão; toda a gente lhe tem dado os mais fundos golpes que pode, ele esperneia, expira e renasce. Assim se fez naquela noite. (...) a questão era matar o tempo, e os três o deixaram estirado no chão.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Mais tarde, tendo adquirido do tempo a noção idealista que ora possuía, compreendeu que tal dragão era juntamente vivo e defunto, e tanto valia matá-lo como nutri-lo.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Nada era verdade, mas nem só a verdade se deve dizer às mães.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Os próprios segredos cansam de calar — calar ou dormir; fiquemos com este outro verbo, que serve melhor à imagem. Cansam e ajudam a seu modo aquilo que imputamos à indiscrição alheia.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Tudo estava acabado. Era só escrever no coração as palavras do espírito, para que lhe servissem de lembrança. Flora escreveu-as, com a mão trêmula e a vista turva; logo que acabou, viu que as palavras não combinavam, as letras confundiam-se, depois iam morrendo, não todas, mas salteadamente até que o músculo as lançou de si.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Como pode um só teto cobrir tão diversos pensamentos? Assim é também este céu claro ou brusco, — outro teto vastíssimo que os cobre com o mesmo zelo da galinha aos seus pintos... Nem esqueça o próprio crânio do homem, que os cobre igualmente, não só diversos, senão opostos.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Este mundo é dos namorados. Tudo se pode dispensar nele; dia virá em que se dispensem até os governos, a anarquia se organizará de si mesma, como nos primeiros dias do paraíso. Quanto à comida, virá de Boston ou de Nova Iorque um processo para que a gente se nutra com a simples respiração do ar. Os namorados é que serão perpétuos.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Conheci um homem que adoeceu velho, se não de velho, e despendeu no rompimento final um tempo quase infinito. Já pedia a morte, mas quando via o rosto descarnado da derradeira amiga espiar da porta entreaberta, voltava o seu para outro lado e engrolava uma cantiga de infância, para enganá-la e viver.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“'Quando um não quer, dois não brigam', tal é o velho provérbio que ouvi em rapaz, a melhor idade para ouvir provérbios. Na idade madura eles devem já fazer parte da bagagem da vida, frutos da experiência antiga e comum. Eu cria neste; mas não foi ele que me deu a resolução de não brigar nunca. Foi por achá-lo em mim que lhe dei crédito. Ainda que não existisse, era a mesma cousa.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Aires não tinha aquele triste pecado dos opiniáticos; não lhe importava ser ou não aceito.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Conte com as circunstâncias, que também são fadas. Conte mais com o imprevisto. O imprevisto é uma espécie de deus avulso, ao qual é preciso dar algumas ações de graças; pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“— Pois então podem contá-lo a mim. Eu serei discreto como um túmulo.
Aires sabia que os túmulos não são discretos. Se não dizem nada, é porque diriam sempre a mesma história; daí a fama de discrição. Não é virtude, é falta de novidade.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Contadas todas as horas de agonia que tem havido no mundo, quantos séculos farão?”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)




“Enfim, a morte chega, por muito que se demore, e arranca a pessoa ao pranto ou ao silêncio.”
(Machado de Assis, no livro “Esaú e Jacó”)



“Cada obra pertence ao seu tempo.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Sem embargo do ardor político do tempo, não estava ligado a nenhum dos dois partidos, conservando em ambos preciosas amizades, que ali se acharam na ocasião de o dar à sepultura. Tinha, entretanto, tais ou quais ideias políticas, colhidas nas fronteiras conservadoras e liberais, justamente no ponto em que os dois domínios podem confundir-se.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Também a dor tem suas volúpias; tia e sobrinho queriam nutri-la com a presença dos objetos pessoais do morto, no lugar de suas predileções quotidianas.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“— Mas a tristeza é necessária à vida (...). As dores alheias fazem lembrar as próprias, e são um corretivo da alegria, cujo excesso pode engendrar o orgulho.
Camargo temperou esta filosofia, que lhe pareceu demasiado austera, com algumas ideias mais acomodadas e risonhas.
— Deixemos a cada idade a sua atmosfera própria, concluiu ele, e não antecipemos a da reflexão, que é tornar infelizes os que ainda não passaram do puro sentimento.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“(...) viveu a vida de família, na idade em que outros, seus companheiros, viviam a das ruas e perdiam em cousas ínfimas a virgindade das primeiras sensações.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Não se deliberam sentimentos, ama-se ou aborrece-se, conforme o coração quer.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Uma criança, subitamente transferida ao colégio, não desfolha mais tristemente as primeiras saudades da casa de seus pais. Mas a asa do tempo leva tudo.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Por enquanto somos estranhas uma à outra; mas nenhuma de nós é má.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“— Titia... disse Estácio jovialmente; minha irmã conhece já a casa toda e suas dependências. Resta somente que lhe mostremos o coração (...). Não quererá lhe mostrar o seu?
— Não vale a pena! respondeu D. Úrsula com afetada bonomia; coração de velha é casa arruinada.
— Pois as casas velhas consertam-se, replicou Helena sorrindo.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Mediante os seus recursos, e muita paciência, arte e resignação — não humilde, mas digna —, conseguia polir os ásperos, atrair os indiferentes e domar os hostis.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“(...) ouviu o padre, prometeu o que este exigia, mas foi promessa feita na areia; o primeiro vento do coração apagou a escritura.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“O Dr. Matos era um velho advogado que, em compensação da ciência do direito, que não sabia, possuía noções muito aproveitáveis de meteorologia e botânica, da arte de comer, do voltarete, do gamão e da política (...). Posto soubesse efetivamente alguma cousa dos assuntos que lhe eram mais prezados, não ganhou o pecúlio que possuía professando a botânica ou a meteorologia, mas aplicando as regras do direito, que ignorou até a morte.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“A reputação dos homens amorosos parece-se muito com o juro do dinheiro: alcançado certo capital, ele próprio se multiplica e avulta. O conselheiro desfrutou essa vantagem, de maneira que, se no outro mundo lhe levassem à coluna dos pecados todos os que lhe atribuíam na terra, receberia dobrado castigo do que mereceu.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“A origem da moça continuava misteriosa; vantagem grande, porque o obscuro favorecia a lenda.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“(...) quer saber a verdadeira razão do mau sucesso de suas afeições? É deixar-se levar mais pelas aparências que pela realidade; é porque dá menos apreço às qualidades sólidas do coração do que às frívolas exterioridades da vida. Suas amizades são das que duram a roda de uma valsa, ou, quando muito, a moda de um chapéu; podem satisfazer o capricho de um dia, mas são estéreis para as necessidades do coração.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Francamente, é para lastimar uma amizade, ganha entre duas quadrilhas e perdida por causa de um chapéu? Não vale a pena esperdiçar afetos, Eugênia; sentirá mais tarde que essa moeda do coração não se deve nunca reduzir a trocos miúdos nem despender em quinquilharias.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Estácio viu murmurar, crescer e desabar a tempestade. A moça articulava algumas frases soltas, batia no chão com o pezinho mimoso, que por acaso esmagou uma pobre erva, alheia às divergências morais daquelas duas criaturas. Ora parava e desandava o caminho; mas logo se dirigia para o moço, com as pálpebras trêmulas de cólera e um remoque nos lábios; comprazia-se em torcer a ponta da manga ou morder a ponta do dedo. Estácio, afeito a essas explosões, não lhes sabia remédio próprio: tanto o silêncio como a réplica eram ali matérias inflamáveis. Contudo, o silêncio era o menor dos dois perigos.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“O amor de Estácio tinha a particularidade de crescer e afirmar-se na ausência e diminuir logo que estava ao pé da moça. De longe, via-a através da névoa luminosa da imaginação; ao pé era difícil que Eugênia conservasse os dotes que ele lhe emprestava.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“O medo? O medo é um preconceito dos nervos. E um preconceito desfaz-se; basta a simples reflexão.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Valem muito os bens da fortuna, dizia Estácio: eles dão a maior felicidade da terra, que é a independência absoluta. Nunca experimentei a necessidade; mas imagino que o pior que há nela não é a privação de alguns apetites ou desejos, de sua natureza transitórios, mas sim essa escravidão moral que submete o homem aos outros homens. A riqueza compra até o tempo, que é o mais precioso e fugitivo bem que nos coube.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“(...) aquele homem gastará muito mais tempo do que nós em caminhar. Mas não é isso uma simples questão de ponto de vista? A rigor, o tempo corre do mesmo modo, quer o esperdicemos, quer o economizemos. O essencial não é fazer muita cousa no menor prazo; é fazer muita cousa aprazível ou útil.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Sobretudo, peço-lhe que escreva em seu espírito esta verdade: é que sou uma pobre alma lançada num turbilhão.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Ela tem o poder de concentrar a amargura no coração; também a dor tem suas hipocrisias.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Tarde ou cedo o temperamento domina as circunstâncias da origem.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Os espíritos, disse ele, nascem condores ou andorinhas, ou ainda outras espécies intermédias. A uns é necessário o horizonte vasto, a elevada montanha, de cujo cimo batem as asas e sobem a encarar o sol; outros contentam-se com algumas longas braças de espaço e um telhado em que vão esconder o ninho. Estes eram os obscuros, e, na opinião dele, os mais felizes. Não seduzem as vistas, não subjugam os homens, não os menciona a história em suas páginas luminosas ou sombrias; o vão do telhado em que abrigaram a prole, a árvore em que pousaram, são as testemunhas únicas e passageiras da felicidade de alguns dias. Quando a morte os colhe, vão eles pousar no regaço comum da eternidade, onde dormem o mesmo perpétuo sono, tanto o capitão que subiu ao sumo estado por uma escada de mortos, como o cabreiro que o viu passar uma vez e o esqueceu duas horas depois.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Saiba que detesto igualmente a filosofia da obscuridade e a retórica dos poetas. Sobretudo, gosto que me respondam em prosa quando falo em prosa.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Ora, eu falo de cousas sérias; e convém não confundir alhos, que são a metade prática da vida, com bugalhos, que são a parte ideológica e vã.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Já escolhi, disse Estácio; pedia-lhe conselho para apoiar melhor a minha própria decisão. Não é esse o destino de todos os conselhos?”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“O casamento não é uma solução, penso eu; é um ponto de partida. O marido fará a esposa. Convenho que Eugênia não tem todas as qualidades que você desejaria; mas não se pode exigir tudo: alguma cousa é preciso sacrificar, e do sacrifício recíproco é que nasce a felicidade doméstica.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Caminhara para o casamento com os olhos fechados; ao abri-los, viu-se à beira de uma cousa que lhe pareceu abismo, e era simplesmente um fosso estreito. De um pulo poderia transpô-lo; mas, se não era irresoluto nem débil, tinha ele acaso vontade de dar esse salto?”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“O melhor modo de viver em paz é nutrir o amor-próprio dos outros com pedaços do nosso.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“A beleza é como a bravura; vale mais se não a metem à cara dos outros.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“O casamento é a pior ou a melhor cousa do mundo; pura questão de temperamento.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“A riqueza não deve ser dissipada, mas é certo que impõe obrigações imprescindíveis, e seria da maior inconveniência viver a gente abaixo de seus meios. Não farás isso nem cairás no extremo oposto; procura um meio-termo, que é a posição do bom senso. Nem dissipada nem miserável.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Ele contemplava-a com o mesmo orgulho com que o joalheiro admira o adereço que lhe saiu das mãos. Era a ternura do egoísta; amava-se na própria obra.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Todo o incômodo é aprazível quando termina em legado.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“(...) as despedidas mais longas são as mais difíceis de suportar.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Mendonça sentiu que metade de seu destino estava acabada, e que a outra metade ia começar, mais circunspecta que a primeira. O relógio em que ele viu bater essa hora fatídica foram os olhos de Helena. Mendonça começava a amar.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Eu não sei o que é amar o tumulto exterior; acho que é dispersar a alma e crestar a flor dos sentimentos.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“(...) o estado da doente é perdido, que a morte é certa; mas que a vida pode prolongar-se ainda por muitos dias. Vê que expectativa! Estou com raiva de mim mesmo; esses últimos dias da enferma pesam sobre mim como se fora o punho fechado do destino. Se a morte é certa, por que viver uns dias mais? E é vida isso, ou é morrer aos goles, sem consciência do que se perde nem do que se vai ganhar?”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“A reflexão corrigiu a espontaneidade e o padre reassumiu o gesto usual, com essa dissimulação que é um dever, quando a sinceridade é um perigo.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Que são minutos e que são meses? Paixões de largos anos, chegando ao casamento, acabam muitas vezes pela separação ou pelo ódio, quando menos pela indiferença. O amor não é mais que um instrumento de escolha; amar é eleger a criatura que há de ser companheira na vida, não é afiançar a perpétua felicidade de duas pessoas, porque essa pode esvair-se ou corromper-se. Que resta à maior parte dos casamentos, logo após os anos de paixão? Uma afeição pacífica, a estima, a intimidade. Não peço mais ao casamento, nem lhe posso dar mais do que isso.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Ao cabo de alguns minutos, sorriu; compreendera que, apenas suspeitada a sua felicidade, já a inveja lhe deitava na taça uma gota de veneno. Ergueu os ombros, resoluto a suportar tranquilo essa lívida companheira do êxito.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Nada há definitivo no mundo, nem o infortúnio nem a prosperidade. O que a tua imaginação supõe estar perdido , acha-se apenas transviado ou oculto...”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Naquele corpo mediano havia uma águia cativa. Entre as quatro paredes da casa, limitada a vista pelos arbustos e as flores do jardim, Melchior olvidava o tempo e eliminava o espaço, vivendo a vida retrospectiva ou profética, doce e misteriosa volúpia das almas solitárias. Melchior era um solitário; sem embargo das relações sociais, que ele cultivava, amava sobretudo estar separado dos homens. Nessas horas, que eram a maior parte do tempo, lia ou meditava, esquecido ou estranho a todas as cousas do seu século.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Estima-te, é certo; mas a estima é flor da razão, e eu creio que a flor do sentimento é muito mais própria no canteiro do matrimônio.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Mendonça saiu dali sem rancor, mas sem pesar. O coração sangrava-lhe, a consciência ia contente.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Ocupado, sem dúvida, em adormecer organizações menos sensíveis e existências menos complicadas, o sono fez-lhe apenas uma curta visita.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Quem sabe por que fios tênues se prendem muitas vezes os acontecimentos humanos?”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Mas a suspeita é a tênia do espírito; não perece enquanto lhe resta a cabeça.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Estácio teria recusado o convite, porque o espetáculo da pobreza lhe repugnava aos olhos saturados da abastança.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“(...) nenhuma precaução é inútil em cousa nenhuma da vida.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“— Há de perdoar-me, interrompeu Estácio com um ar de familiaridade indiscreta, que lhe não era habitual; eu creio que um homem forte, moço e inteligente não tem o direito de cair na penúria.
— Sua observação, disse o dono da casa sorrindo, traz o sabor do chocolate que o senhor bebeu naturalmente esta manhã antes de sair para a caça. Presumo que é rico. Na abastança é impossível compreender as lutas da miséria, e a máxima de que todo o homem pode, com esforço, chegar ao mesmo brilhante resultado, há de sempre parecer uma grande verdade à pessoa que estiver trinchando um peru... Pois não é assim; há exceções. Nas cousas deste mundo não é tão livre o homem, como supõe, e uma cousa, a que uns chamam mau fado, outros concurso de circunstâncias, e que nós batizamos com o genuíno nome brasileiro de caiporismo, impede a alguns ver o fruto de seus mais hercúleos esforços. César e sua fortuna! Toda a sabedoria humana está contida nestas quatro palavras.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“(...) além, ficam duas braças de quintal; para lá do quintal... o infinito da indiferença humana.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“— (...) Tenho amigos e alguma influência; poderia arranjar-lhe melhor posição...
O desconhecido refletiu um instante.
—Aceitaria? perguntou Estácio.
— Estou pensando na maneira de recusar. Ouro é o que ouro vale. Eu vexar-me-ia eternamente de dever qualquer melhora da sorte ao cumprimento de um dever de caridade.
— Já me não admira a vida pobre que tem tido.
— Excessivo escrúpulo, talvez?...
— Escrúpulo desarrazoado.
— Antes de mais que de menos.
— Nem de menos nem de mais; mas só a porção justa.
— A porção varia, conforme as necessidades morais de cada um.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Inocente ou culpada, Helena aparecia-lhe naquele momento como uma recordação das horas felizes — doce recordação que os sucessos presentes ou futuros podiam somente tornar mais saudosa, mas não destruiriam nunca, porque é esse o misterioso privilégio do passado.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Melchior não condenava nem absolvia; esperava.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“(...) a tentação usa essa tática serpentina e dolosa; é insinuante como a calúnia, e pertinaz como a suspeita.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“(...) cada minuto lhe ia tornando mais clara a verdade revelada, e o que era obscuro fizera-se-lhe enfim transparente. É assim que a luz de um astro, acesa desde séculos, chega finalmente a ferir a retina de nossos olhos mortais.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Paz aos mortos! observou Melchior. Os atos de seu pai já não pertencem à jurisdição deste mundo.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Haveria naquela casa uma geração de dores, destinadas a abater o orgulho da riqueza com o irremediável espetáculo da debilidade humana?”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“Tinha vinte anos quando deixei a casa paterna; possuía alguns estudos poucos, meia dúzia de patacões, muito amor e muita esperança. Era de sobra para a minha idade, mas insuficiente para o meu futuro.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“O poeta que disse que a saudade é um pungir delicioso, não consultou meu coração.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“O passado é um pecúlio para os que já não esperam nada do presente ou do futuro; há ali sensações vivas que preenchem as lacunas de todo o tempo.”
(Machado de Assis, no livro “Helena”)



“A violência e a opressão não levarão à paz.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Não era frade, mas queria como eles a solidão e o sossego. A solidão não era absoluta, nem o sossego ininterrompido; mas eram sempre maiores e mais certos que cá embaixo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) e, porque nenhuma vocação apostólica o incitava a abrir a outros a porta de seu refúgio, podia dizer-se que fundara um convento em que ele era quase toda a comunidade, desde prior até noviço.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Um observador atento podia adivinhar por trás daquela impassibilidade aparente ou contraída as ruínas de um coração desenganado. Assim era; a experiência, que foi precoce, produzira em Luís Garcia um estado de apatia e ceticismo, com laivos de desdém.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Alguns poderiam temê-lo, outros detestá-lo, sem que merecesse execração nem temor. Era inofensivo por temperamento e por cálculo. Como um célebre eclesiástico, tinha para si que uma onça de paz vale mais que uma libra de vitória.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Luís Garcia amava a espécie e aborrecia o indivíduo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Uma profissão honesta aparava os golpes possíveis da adversidade.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“O tempo, esse químico invisível, que dissolve, compõe, extrai e transforma todas as substâncias morais, acabou por matar no coração do viúvo, não a lembrança da mulher, mas a dor de a haver perdido.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) um homem de mais ou de menos [na guerra] não pesaria nada na balança do destino.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Jorge está formado, disse ela, mas não tem queda para a profissão de advogado nem para a de juiz. Goza por enquanto a vida; mas os dias passam, e a ociosidade faz-se natureza com o tempo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“— (...) O obséquio que hoje exige de mim, quem sabe se mo não lançará em rosto um dia como ato de leviandade?
— Nunca.
— Nesse dia, observou Luís Garcia sorrindo levemente, há de ser tão sincera como hoje.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“O coração humano é a região do inesperado.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Havia ali a massa de um homem futuro, à espera que os anos, cuja ação é lenta, oportuna e inevitável, lhe dessem fixidez ao caráter e virilidade à razão.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Repito-lhe o conselho: não se atire de cabeça para baixo numa aventura sem fundo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“O Sr. Antunes, que não era de extremas filosofias, tinha a convicção de que debaixo do sol, nem tudo são vaidades, como quer o Eclesiastes, nem tudo perfeições, como opina o doutor Pangloss; entendia que há larga ponderação de males e bens, e que a arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“O Sr. Antunes recebeu dois golpes em vez de um: o de o ver morrer [o patrão], e o de o não ver testar. Os aneurismas têm dessas perfídias inopináveis.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Os presentes mais queridos guardam-se.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) tinha a alma acima do destino. Era orgulhosa, tão orgulhosa que chegava a fazer da inferioridade uma auréola; mas o orgulho não lhe derivava de inveja impotente ou de estéril ambição; era uma força, não um vício, – era o seu broquel de diamante, – o que a preservava do mal.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) disse que não estava disposta a ser sua nora, porque Jorge não a amaria nunca; e, conquanto, não visse no casamento uma página de romance, entendia que a antipatia ou total indiferença era o mais frouxo dos vínculos conjugais.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Intolerável é a dor que não deixa sequer o direito de arguir a fortuna. O mais duro dos sacrifícios é o que não tem as consolações da consciência.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“A vida não é uma égloga virgiliana, é uma convenção natural, que se não aceita com restrições, nem se infringe sem penalidade.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) a lei do coração é anterior e superior às outras leis.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) a que viria o arrependimento, se era tarde?”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Os corações discretos são raros; a maioria não é de gaviões brancos, que, ainda feridos, voam calados, como diz a trova; a maioria é das pegas, que contam tudo ou quase tudo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Não se sentia feliz nem infeliz, mas nesse estado médio, que é a condição vulgar da vida humana.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“A viúva tinha a verdadeira generosidade, que consiste menos em prestar o obséquio do que em dissimulá-lo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) o que é raro não é impossível.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) à taça da vida não pedia mais do que alguns goles, poucos. Que importa? A vida conjugal é tão somente uma crônica; basta-lhe fidelidade e algum estilo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) há um prazo fatal para que as graças percam o primitivo frescor, e a flor expire o seu último cheiro, – ao passo que a natureza social tem a decrepitude precoce, e um princípio de corrupção, que destrói em breve termo todas as florescências do primeiro sol.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) há ocasiões em que o mais indiferente é um herói.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) quando os olhos estavam mais atentos na página aberta, o espírito saía pé ante pé e deitava a correr pela infinita campanha dos sonhos vagos. Voltava de quando em quando; e os olhos, que haviam chegado mecanicamente ao fim da página, tornavam ao princípio, a reatar o fio da atenção. Como se a culpa fosse do livro, trocava-o por outro, e ia da filosofia à história, da crítica à poesia, saltando de uma língua a outra, e de um século a outro século, sem outra lei mais que o acaso.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“A noite caiu de todo, e a alma de Estela mergulharia também na vaga e pérfida escuridão do futuro.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) não havia cedido a nenhum plano preconcebido; ia à feição do tempo, metia-se por um atalho, sem saber se iria dar à estrada reta ou a um abismo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Na secretária, ao pé deste, havia um maço de coisas que serviam, um maço pequeno; a grande maioria era a dos destroços inúteis. Não é isso mesmo a imagem do passado? Luís Garcia desdobrava às vezes um jornal, avaramente guardado havia anos; duas cruzes ou alguns traços indicavam o trecho que nesse tempo lhe chamara a atenção. Relia-o agora; buscava o motivo da reserva e sorria. A impressão que comunicara algum interesse ao escrito desaparecera de todo; o escrito era um esqueleto. Também as cartas eram assim. Raras escapavam à destruição.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Uma hora inteira gastou nesse cogitar solitário, a sós com a suspeita e o remorso. Também remorso, porque de quando em quando aterrada com a vista do caminho andado, a alma recuava e estremecia; tinha horror de si mesma. Mas a figura pálida da madrasta surgia ao pé dela, com a expressão que lhe vira pouco antes, e a consciência fazia as pazes com a malícia.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Talvez o mais lastimoso efeito dos desvios domésticos é essa corrupção dos corações ingênuos, impassíveis testemunhas do que ignoram um dia, do que suspeitam, percebem e sabem na seguinte manhã.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Grossas lágrimas e quentes lhe romperam dos olhos; Iaiá deixou-as cair; sorveu-as com seus próprios beijos. Quando essa primeira explosão acabou, acabou para se não repetir mais. Enxutos os olhos, Iaiá pôde finalmente refletir, e a reflexão dominou a angústia.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Não conhecia a hipocrisia, mas acabava de suspeitá-la; começava, talvez, a aprendê-la.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) sei que as paixões governam os homens, e que a força de as reger não é vulgar. Por isso mesmo é que se estima a virtude. No dia em que a natureza se fizer comunista e distribuir igualmente as boas qualidades morais, a virtude deixa de ser uma riqueza; fica sendo coisa nenhuma.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) sejamos justos com a natureza humana. Virtudes inteiriças são invenções de poetas.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) a palavra de honra não obriga a consciência, quando é dada para salvar uma questão de honra. O senhor poderia dá-la sem sinceridade nem remorso.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Das qualidades necessárias ao xadrez, Iaiá possuía as duas essenciais: vista pronta e paciência beneditina; qualidades preciosas na vida, que também é um xadrez, com seus problemas e partidas, umas ganhas, outras perdidas, outras nulas.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“O professor é o pai intelectual do discípulo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Não há nada como a ausência para fazer esquecer tudo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“— Acha que eu fazia bem em me casar com ele?
— Bem ou mal, conforme o amor que lhe tiver. Esse é o ponto necessário, e em meu conceito, o ponto duvidoso.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“— Nada, não creio; só se me jurasse; era capaz de jurar?
— Juro.
— Em nome de sua mãe? concluiu ela fitando-lhe uns olhos cuja expressão imperativa contrastava com o tom submisso da palavra.
Jorge hesitou um instante. Tinha ceticismo bastante para proferir uma fórmula vaga de juramento; mas recusou diante da fórmula positiva.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“A resposta, disse ele, já está escrita. Não querendo matá-lo, pus aqui algumas gotas de esperança; não ousaria contudo mandar o remédio, sem ouvi-la.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“A noite era clara e serena; os milhões de estrelas que cintilavam pareciam rir dos milhões de angústias da terra.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) quando estimo alguém, perdoo; quando não estimo, esqueço. Perdoar e esquecer é raro, mas não é impossível.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Não há que rir de sentimentos sinceros.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) resista um pouco a essas sensações, cujo excesso pode perturbar-lhe a existência. Não é só o coração que lhe fala, é também a imaginação, e a imaginação, se é boa amiga, tem seus dias de infidelidade. Dê um pouco de poesia, à vida, mas não caia no romanesco; o romanesco é pérfido.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“— Penso que o amor verdadeiro, ou ao menos o melhor é o que não vê nada em volta de si, e caminha direito, resoluto e feliz aonde o leva o coração. Para que servem os olhos abertos?
— A senhora quer saber muita coisa, disse Jorge sorrindo. Não basta que o coração lhe diga: ame a este; é preciso que os olhos aprovem a escolha do coração.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) é lícito não distinguir entre o sentimento que fala e a conveniência que restringe.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) não se dão conselhos ao coração que ama.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Não se brinca com um inimigo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“— Que noiva receou nunca de um amor antigo, começado e acabado, antes dela ser amada também? Que o novo amor seja sincero e fiel, eis o que se deve pedir e exigir. Quanto ao passado, é como os defuntos; reza-se por ele, quando se reza.
— Tenho medo de almas do outro mundo, tornou Iaiá sorrindo.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“(...) aumentou a vitalidade de um sentimento, que é a forma desinteressada do egoísmo, – a felicidade de fazer outrem feliz.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões.”
(Machado de Assis, no livro “Iaiá Garcia”)



“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí; fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“O melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego, como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína feição.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“A minha ideia, depois de tantas cabriolas, constituíra-se ideia fixa. Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) cumpre advertir que a natureza é uma grande caprichosa e a história uma eterna loureira.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Todavia, importa dizer que este livro é escrito com pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade do século, obra supinamente filosófica, de uma filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, coisa que não edifica nem destrói, não inflama nem regela, e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Não se riam dessa vitória comum da farmácia e do puritanismo. Quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas vezes lhe sobrevivem? Mal comparando, é como a arraia-miúda, que se acolhia à sombra do castelo-feudal; caiu este e a arraia ficou. Verdade é que se fez graúda e castelã... Não, a comparação não presta.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) trazia comigo a ideia fixa dos doidos e dos fortes. Via-me, ao longe, ascender do chão das turbas, e remontar ao céu, como uma águia imortal, e não é diante de tão excelso espetáculo que um homem pode sentir a dor que o punge.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Recuou o sol, sacudi todas as misérias, e este punhado de pó, que a morte ia espalhar na eternidade do nada, pôde mais do que o tempo, que é o ministro da morte. Nenhuma água de Juventa igualaria ali a simples saudade.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Creiam-me, o menos mau é recordar; ninguém se fie da felicidade presente; há nela uma gota da baba de Caim. Corrido o tempo e cessado o espasmo, então sim, então talvez se pode gozar deveras, porque entre uma e outra dessas duas ilusões , melhor é a que se gosta sem doer.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) eu, prestes a deixar o mundo, sentia um prazer satânico em mofar dele, em persuadir-me que não deixava nada.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) e eu perguntava a mim mesmo o que diriam de nós os gaviões se Buffon tivesse nascido gavião...”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“O silêncio daquela região era igual ao do sepulcro: dissera-se que a vida das coisas ficara estúpida diante do homem.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua mãe e tua inimiga (...). Não te assustes, minha inimizade não mata; é sobretudo pela vida que se afirma. Vives; não quero outro flagelo (...). Sim, verme, tu vives. Não receies perder esse andrajo que é teu orgulho; provarás ainda, por algumas horas, o pão da dor e o vinho da miséria. Vives: agora mesmo que ensandeceste, vives; e se a tua consciência reouver um instante de sagacidade, tu dirás que queres viver. (...) eu não sou somente a vida; sou também a morte, e tu estás prestes a devolver-me o que te emprestei. Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do nada.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“— Que mais queres tu, sublime idiota?
— Viver somente, não te peço mais nada. Quem me pôs no coração este amor da vida, se não tu? E, se eu amo a vida, porque te hás de golpear a ti mesma, matando-me?
— Porque já não preciso de ti. Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem. O minuto que vem é forte, jucundo, supõe trazer em si a eternidade, e traz a morte, e perece como o outro, mas o tempo subsiste. Egoísmo, dizes tu? Sim, egoísmo, não tenho outra lei. Egoísmo, conservação.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim - flagelos e delícias - desde essa coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura - nada menos que a quimera da felicidade - ou lhe fugia perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Mas é sestro antigo da Sandice criar amor às casas alheias, de modo que, apenas senhora de uma, dificilmente lha farão despejar. É sestro; não se tira daí; há muito que lhe calejou a vergonha. Agora, se advertirmos no imenso número de casas que ocupa, umas de vez, outras durante as suas estações calmosas, concluiremos que esta amável peregrina é o terror dos proprietários.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Que isto de método, sendo, como é, uma coisa indispensável, todavia é melhor tê-lo sem gravata nem suspensórios, mas um pouco à fresca e à solta, como quem não se lhe dá da vizinha fronteira, nem do inspetor de quarteirão. É como a eloquência, que há uma genuína e vibrante, de uma arte natural e feiticeira, e outra tesa, engomada e chocha.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Dessa terra e desse estrume é que nasceu esta flor.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Meu pai, que à força de persuadir os outros da nossa nobreza, acabara persuadindo-se a si próprio (...).”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Que querias tu, afinal, meu velho mestre de primeiras letras? Lição de cor e compostura na aula; nada mais, nada menos do que quer a vida, que é das últimas letras.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Como ostentasse certa arrogância, não se distinguia bem se era uma criança com fumos de homem, se um homem com ares de menino.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Uma noite, logo no fim de uma semana, achei ensejo propício para morrer. Subi cauteloso, mas encontrei o capitão, que junto à amurada, tinha os olhos fitos no horizonte (...). Fiquei só; mas a musa do capitão varrera-me do espírito os pensamentos maus; preferi dormir, que é um modo interino de morrer.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Eu, que meditava ir ter com a morte, não ousei fitá-la quando ela veio ter comigo.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“A Universidade esperava-me com as suas matérias árduas, estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da lei (...). No dia em que a Universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigada no cérebro, confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso. Explico-me: o diploma era uma carta de alforria; se me dava a liberdade, dava-me a responsabilidade.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“A infeliz padecia de um modo cru, porque o cancro é indiferente às virtudes do sujeito; quando rói, rói; roer é o seu ofício.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“A dor suspendeu por um pouco as tenazes; um sorriso alumiou o rosto da enferma, sobre o qual a morte batia a asa eterna. Era menos um rosto do que uma caveira: a beleza passara, como um dia brilhante; restavam os ossos, que não emagrecem nunca.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Mas esse duelo do ser e do não ser, a morte em ação, dolorida, contraída, convulsa, sem aparelho político ou filosófico, a morte de uma pessoa amada, essa foi a primeira vez que a pude encarar. Não chorei; lembra-me que não chorei durante o espetáculo: tinha os olhos estúpidos, a garganta presa, a consciência boquiaberta. Quê? uma criatura tão dócil, tão meiga, tão santa, que nunca jamais fizera verter uma lágrima de desgosto, mãe carinhosa, esposa imaculada, era força que morresse assim, trateada, mordida pelo dente tenaz de uma doença sem misericórdia? Confesso que tudo aquilo me pareceu obscuro, incongruente, insano.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Jamais o problema da vida e da morte me oprimira o cérebro; nunca até esse dia me debruçara sobre o abismo do Inexplicável; faltava-me o essencial, que é o estímulo, a vertigem...”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há plateia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Apertava ao peito a minha dor taciturna, com uma sensação única, uma coisa a que poderia chamar volúpia do aborrecimento. Volúpia do aborrecimento: decora esta expressão, leitor; guarda-a, examina-a, e se não chegares a entendê-la, podes concluir que ignoras uma das sensações mais sutis desse mundo e daquele tempo.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“— Mas, dirás tu, como é que podes assim discernir a verdade daquele tempo, e exprimi-la depois de tantos anos?
Ah! indiscreta! ah! ignorantona! Mas é isso mesmo que nos faz senhores da terra, é esse poder de restaurar o passado, para tocar a instabilidade das nossas impressões e a vaidade dos nossos afetos. Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) não te deixes ficar aí inútil, obscuro e triste; não gastei dinheiro, cuidados, empenhos, para te não ver brilhar, como deves, e te convém, e a todos nós; é preciso continuar o nosso nome, continuá-lo e ilustrá-lo ainda mais. Olha, estou com sessenta anos, mas se fosse necessário começar a vida nova, começava, sem hesitar um só minuto. Teme a obscuridade, Brás; foge do que é ínfimo. Olha que os homens valem por diferentes modos, e que o mais seguro de todos é valer pela opinião dos outros homens. Não estraques as vantagens da tua posição, os teus meios...”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“O melhor que há, quando se não resolve um enigma, é sacudi-lo pela janela fora; foi o que eu fiz; lancei mão de uma toalha e enxotei essa outra borboleta preta, que me adejava no cérebro. Fiquei aliviado e fui dormir. Mas o sonho, que é uma fresta do espírito, deixou novamente entrar o bichinho, e aí fiquei eu a noite toda a cavar o mistério, sem explicá-lo.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) esta injúria merecia ser lavada com sangue, se o sangue lavasse alguma coisa nesse mundo.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Então considerei que as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) negociava com o único fim de acudir à paixão do lucro, que era o verme roedor daquela existência.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) e eis me surge o passado, ei-lo que me lacera e beija; ei-lo que me interroga, com um rosto cortado de saudades e bexigas...”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Não há, às vezes, um certo vento morno, não forte nem áspero, mas abafadiço, que nos não leva o chapéu da cabeça, nem redemoinha nas saias das mulheres, e todavia é ou parece ser pior do que se fizesse uma e outra coisa, porque abate, afrouxa, e como que dissolve os espíritos? Pois eu tinha esse vento comigo; e, certo de que ele me soprava por achar-me naquela espécie de garganta entre o passado e o presente, almejava por sair à planície do futuro.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Havia alguma afetação naquele desdém; era um arrebique do gesto. Lá dentro, ela padecia, e não pouco - ou fosse mágoa pura, ou só despesa; e porque a dor que se dissimula dói mais, é mui provável que Virgília padecesse em dobro do que realmente devia padecer. Creio que isto é metafísica.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Outra coisa que também me parece metafísica é isto: — Dá-se movimento a uma bola, por exemplo; rola esta, encontra outra bola, transmite-lhe o impulso, e eis a segunda bola a rolar como a primeira rolou. Suponhamos que a primeira bola se chama... Marcela — é uma simples suposição; a segunda, Brás Cubas; — a terceira, Virgília. Temos que Marcela, recebendo um piparote do passado rolou até tocar em Brás Cubas — o qual, cedendo à força impulsiva, entrou a rolar também até esbarrar em Virgília, que não tinha nada com a primeira bola; e eis aí como, pela simples transmissão de uma força, se tocam os extremos sociais, e se estabelece uma coisa que poderemos chamar — solidariedade do aborrecimento humano.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“O lábio do homem não é como a pata do cavalo de Átila, que esterilizava o solo em que batia; é justamente o contrário.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Meu pai ficou atônito com o desenlace, e quer-me parecer que não morreu de outra coisa. Eram tantos os castelos que engenhara, tantos e tantíssimos os sonhos, que não podia vê-los assim esboroados, sem padecer um forte abalo no organismo.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Mas eu era moço, tinha o remédio em mim mesmo. Meu pai é que não pôde suportar facilmente a pancada.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Pena de maus costumes, ata uma gravata ao estilo, veste-lhe um colete menos sórdido; e depois sim, depois vem comigo.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Os versos dele agradavam e valiam mais do que os meus; mas ele tinha necessidade da sanção de alguns, que lhe confirmasse o aplauso dos outros.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Com efeito, bastou-me atentar no costume do faquir. Sabe o leitor que o faquir gasta longas horas a olhar para a ponta do nariz com o fim único de ver a luz celeste. Quando ele finca os olhos na ponta do nariz, perde o sentimento das coisas externas, embeleza-se no invisível, apreende o impalpável, desvincula-se da terra, dissolve-se, eteriza-se. Essa sublimação do ser pela ponta do nariz é o fenômeno mais excelso do espírito, e a faculdade de a obter não pertence ao faquir somente: é universal. Cada homem tem necessidade e poder de contemplar o seu próprio nariz, para o fim de ver a luz celeste, e tal contemplação, cujo efeito é a subordinação do universo a um nariz somente, constitui o equilíbrio das sociedades. Se os narizes se contemplassem exclusivamente uns aos outros, o gênero humano não chegaria a durar dois séculos: extinguia-se com as primeiras tribos.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“A conclusão, portanto, é que há duas forças capitais: o amor, que multiplica a espécie, e o nariz, que a subordina ao indivíduo. Procriação, equilíbrio.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Assim, eu, Brás Cubas, descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Usualmente, quando eu perdia o sono, o bater da pêndula fazia-me muito mal; esse tique-taque soturno, vagaroso e seco parecia dizer a cada golpe que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava então um velho diabo, sentado entre dois sacos, o da vida e da morte, a tirar as moedas da vida para dá-las à morte, e contá-las assim:
— Outra de menos...
— Outra de menos...
— Outra de menos...
— Outra de menos...
O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-lhe corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e eu pudesse contar todos os meus instantes perdidos. Invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo. O derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Sim senhor, amávamos. Agora, que todas as leis sociais no-lo impediam, agora é que nos amávamos deveras.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Eis-nos a caminhar sem saber até onde, por que estradas escusas; problema que me assustou, durante algumas semanas, mas cuja solução entreguei ao destino. Pobre Destino! Onde andarás agora, grande procurador dos negócios humanos? Talvez estejas a criar pele nova, outra cara, outras maneiras, outro nome, e não é impossível que... Já me não lembra onde estava... Ah! nas estradas escusas.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) então compreendi que a ambição dele andava cansada de bater as asas, sem poder abrir o voo.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Entrei na política por gosto, por família, por ambição, e um pouco por vaidade. Já vê que reuni em mim só todos os motivos que levam o homem à vida pública.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Não é o primeiro que me promete alguma coisa, replicou, e não sei se será o último que não me fará nada. E para quê? Eu nada peço.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Contudo, não pude deixar de comparar outra vez o homem de agora com o de outrora, entristecer-me e encarar o abismo que separa as esperanças de um tempo da realidade de outro tempo...”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) só as grandes paixões são capazes de grandes ações.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Não falava muito nem sempre; possuía a grande arte de escutar os outros, espiando-os; reclinava-se então na cadeira, desembainhava um olhar afiado e comprido, e deixava-se estar. Os outros, não sabendo o que era, falavam, olhavam, gesticulavam, ao tempo que ela olhava só, ora fixa, ora móbil, levando a astúcia ao ponto de olhar às vezes para dentro de si, porque deixava cair as pálpebras; mas, como as pestanas eram rótulas, o olhar continuava o seu ofício, remexendo a alma e a vida dos outros.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“O mundo era estreito para Alexandre; um desvão de telhado é o infinito para as andorinhas.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) donde se poderia deduzir que o vício é muitas vezes o estrume da virtude. O que não impede que a virtude seja uma flor cheirosa e sã.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) podia chegar aos setenta, aos oitenta, aos noventa anos, sem adquirir jamais aquela compostura austera, que é a gentileza do ancião. A velhice ridícula é, porventura, a mais triste e derradeira surpresa da natureza humana.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Duvidava da superstição, sem chegar a rejeitá-la.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Quem escapa a um perigo ama a vida com outra intensidade.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) havia no Lobo Neves certa dignidade fundamental, uma camada de rocha, que resistia ao comércio dos homens. As outras, as camadas de cima, terra solta e areia, levou-lhas a vida, que é um enxurro perpétuo.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Sim, essas camadas de caráter, que a vida altera, conserva ou dissolve, conforme a resistência delas, essas camadas mereceriam um capítulo, que eu não escrevo, por não alongar a narração.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) a veracidade absoluta era incompatível com um estado social adiantado, e que a paz das cidades só se podia obter à custa de embaçadelas recíprocas...”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Ao contemplar o vestido, cobrindo casta e redondamente o joelho, foi que eu fiz uma descoberta sutil, a saber, que a natureza previu a vestidura humana, condição necessária ao desenvolvimento da nossa espécie. A nudez habitual, dada a multiplicação das obras e dos cuidados do indivíduo, tenderia a embotar os sentidos e a retardar os sexos, ao passo que o vestuário, negaceando a natureza, aguça e atrai as vontades, ativa-as, reprodu-las, e conseguintemente faz andar a civilização.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Vulgar coisa é ir considerar no ermo. O voluptuoso, o esquisito, é insular-se o homem no meio de um mar de gestos e palavras, de nervos e paixões, decretar-se alheado, inacessível, ausente. O mais que podem dizer, quando ele torna a si — isto é, quando torna aos outros — é que baixa do mundo da lua; mas o mundo da lua, esse desvão luminoso e recatado do cérebro, que outra coisa é senão a afirmação desdenhosa da nossa liberdade espiritual?”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Se nesse mundo não fosse uma região de espíritos desatentos, era escusado lembrar ao leitor que eu só afirmo certas leis, quando as possuo deveras; em relação a outras restrinjo-me à admissão da probabilidade.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Nenhum cavalheiro chega uma hora mais tarde ao lugar em que o espera a sua dama.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Lembra-me que desviei o rosto e baixei os olhos ao chão. Recomendo este gesto às pessoas que não tiverem uma palavra pronta para responder, ou ainda às que recearem encarar a pupila de outros olhos.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Fosse como fosse, tudo estava explicado, mas não perdoado, e menos ainda esquecido.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Meu coração tinha ainda que explorar; não me sentia incapaz de um amor casto, severo e puro. Em verdade, as aventuras são a parte torrencial e vertiginosa da vida, isto é, a exceção; eu estava enfarado delas; não sei até se me pungia algum remorso.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Disse-me ele que a frugalidade não era necessária para entender o Humanitismo, e menos ainda praticá-lo; que esta filosofia acomodava-se facilmente com os prazeres da vida, inclusive a mesa, o espetáculo e os amores; e que, ao contrário, a frugalidade podia indicar certa tendência para o ascetismo, o qual era a expressão acabada da tolice humana.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Mas o tempo (e é outro ponto em que eu espero a indulgência dos homens pensadores!), o tempo caleja a sensibilidade, e oblitera a memória das coisas; era de supor que os anos lhe despontassem os espinhos, que a distância dos fatos apagasse os respectivos contornos, que uma sombra de dúvida retrospectiva cobrisse a nudez da realidade; enfim, que a opinião se ocupasse um pouco com outras aventuras.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) é que a opinião é uma boa solda das instituições domésticas.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) mas o eflúvio da manhã quem é que o pediu ao crepúsculo da tarde?”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) se guardares as cartas da juventude, acharás ocasião de 'cantar uma saudade'. Parece que os nossos marujos dão este nome às cantigas de terra, entoadas no alto mar. Como expressão poética, é o que se pode exigir mais triste.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Suporta-se com paciência a cólica do próximo.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Matamos o tempo; o tempo nos enterra.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Um cocheiro filósofo costumava dizer que o gosto da carruagem seria diminuto, se todos andassem de carruagem.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Crê em ti; mas nem sempre duvides dos outros.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) mas a avareza é apenas a exageração de uma virtude, e as virtudes devem ser como os orçamentos: melhor é o saldo que o deficit.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Em suma, poderia dever algumas atenções, mas não devia um real a ninguém.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Que há entre a vida e a morte? Uma curta ponte.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Saltar de um retrato a um epitáfio, pode ser real e comum; o leitor, entretanto, não se refugia no livro, senão para escapar à vida.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Quincas Borba, porém, explicou-me que epidemias eram úteis à espécie, embora desastrosas para uma certa porção de indivíduos; fez-me notar que, por mais horrendo que fosse o espetáculo, havia uma vantagem de muito peso: a sobrevivência do maior número. Chegou a perguntar-me se, no meio do luto geral, não sentia eu algum secreto encanto em ter escapado às garras da peste; mas esta pergunta era tão insensata, que ficou sem resposta.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Grande coisa é haver recebido do céu uma partícula da sabedoria, o dom de achar as relações das coisas, a faculdade de as comparar e o talento de concluir! Eu tive essa distinção psíquica; eu a agradeço ainda agora no fundo do meu sepulcro.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Amável Formalidade, tu és, sim, o bordão da vida, o bálsamo dos corações, a medianeira entre os homens, o vínculo da terra e do céu; tu enxugas as lágrimas de um pai, tu captas a indulgência de um Profeta. Se a dor adormece, e a consciência se acomoda, a quem, senão a ti, devem esse imenso benefício? A estima que passa de chapéu na cabeça não diz nada à alma; mas a indiferença que corteja deixa-lhe uma deleitosa impressão. A razão é que, ao contrário de uma velha fórmula absurda, não é a letra que mata; a letra dá vida; o espírito é que é objeto de controvérsia, de dúvida, de interpretação, e conseguintemente de luta e de morte.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Cinquenta anos! Não é ainda a invalidez, mas já não é a frescura.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) fica sabendo que a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) o chorão, que inclina os seus galhos para a terra, é árvore de cemitério; a palmeira, ereta e firme, é árvore do deserto, das praças e dos jardins.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Há coisas que melhor se dizem calando.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) nem todos os problemas valem cinco minutos de atenção.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) é que o prazer do beneficiador é sempre maior que o do beneficiado. Que é o benefício? é um ato que faz cessar certa privação do beneficiado. Uma vez produzido o efeito essencial, isto é, uma vez cessada a privação, torna o organismo ao estado anterior, ao estado indiferente.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“Nem o remorso é outra coisa mais do que o trejeito de uma consciência que se vê hedionda.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“De modo que, se eu disser que a vida humana nutre de si mesma outras vidas, mais ou menos efêmeras, como o corpo alimenta os seus parasitas, creio não dizer uma coisa inteiramente absurda.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“E, aliás, gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“A taxa da dor é como a moeda de Vespasiano; não cheira à origem, e tanto se colhe do mal como do bem.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“A única objeção contra a palavra do Quincas Borba é que não me sentia doido, mas não tendo geralmente os doidos outro conceito de si mesmos, tal objeção ficava sem valor.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“(...) ao chegar a este outro lado do mistério; achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
(Machado de Assis, no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”)



“É melhor sonhar a vida do que vivê-la, ainda que vivê-la seja ainda sonhá-la.”
(Marcel Proust, no livro “Em Busca do Tempo Perdido”)



“Contempla o rio enorme, vivo, deus líquido, incomparavelmente útil, aproveitável, dadivoso. E tem-lhe inveja. Por que não nasceu peixe, alimento, ou qualquer de belo coisa, pedra até, seja, linda por seu só existir sendo, impensante?”
(Marcos Bagno, no conto “A Experiência”)



“Mas qual o seu rumo? Não tem, verdade eis. E o busca? Inevitável. Quem sabe se aqui, aonde não viria, encontrará um que norteie polo sua alma inquieta, melancolizada por tempestades de mil dúvidas? Quem, se alguém? Sabe? Ninguém sabe.”
(Marcos Bagno, no conto “A Experiência”)



“Ri, franca, como só podem rir as pessoas esquecidas de sofrer.”
(Marcos Bagno, no conto “A Experiência”)



“Também uma cordilheira de torres de igrejas seculares, e para que tantas, se dizem o deus um só?”
(Marcos Bagno, no conto “A Experiência”)



“Dos ondes mais repletos e mais distantes - bússolas sabei-vos vãs! - que se chamam quandos. O tempo.”
(Marcos Bagno, no conto “A Hipérbole Translúcida”)



“(...) que coisa terá chorado tanto de encher um rio todo?”
(Marcos Bagno, no conto “A Hipérbole Translúcida”)



“Aliás (e não acreditou que nisso quase pensava), de que lhe servido tinham todos aqueles anos de reclusão, toda aquela devoção inútil a um passado irretrocessível, se o passado é nem deus? Tornou à cadeira de balanço, curvada pela dor de tal ideia, que lhe aparecia, a um tempo só, blasfêmia contra um amor indescritível, que lhe cabia preservar, e certeza de que lhe arrependia o à solidão haver-se vendida.”
(Marcos Bagno, no conto “A Invenção das Horas”)



“As lembranças de um morto devem morrer também, um radicalismo inédito em sua vida.”
(Marcos Bagno, no conto “A Invenção das Horas”)



“E tentou medir a profundidade de sua tristeza ali agora. Era um abismo.”
(Marcos Bagno, no conto “A Invenção das Horas”)



“Horrorizou-se por haver pensado casa-prisão, mas se repreendeu não.”
(Marcos Bagno, no conto “A Invenção das Horas”)



“Mas um desejo atendido não é trivial milagre quotidiano.”
(Marcos Bagno, no conto “A Invenção das Horas”)



“Por que fora ela devotar-se àquela doentia solidão?”
(Marcos Bagno, no conto “A Invenção das Horas”)



“Bastou, porém, aquela vez em que tentou comunicar-se e os em redor dele todos meninos se riram. É que Manu gagaguejava, lhe a vir as palavras custavam e, quando vinham, eram num arranco só, atropeladas, sem modos. Quem disse que a fala é uma linha só, contínua? A de Manu: novelos embaraçadíssimos, de pontas atadas, que competiam para se verem livres, ganhar o dia pela porta da boca, poucas vezes aberta. Bastou-lhe. Sofreu.”
(Marcos Bagno, no conto “A Via Láctea”)



“No carro, de volta, Manu, carregando os peixinhos com zelo extremoso, deles não tirava os apaixonados mudos olhos. Pensava, contudo, em arapongas. Há de gritar assim porque sofre, presa, achou. Dois dias depois, quase mata a mãe de susto ao lançar ao ar um grito histérico, altíssimo e prolongado, triste de fazer dó. Corre a mãe ao quarto o que é, Manu, pelo amor de Deus? Uiraponga, mãe, eu, também é, sou? e tinha umas lágrimas que não se atreviam além dos olhos.”
(Marcos Bagno, no conto “A Via Láctea”)



“São poucos minutos até que sumam, e o apartamento, grande, se torna imenso de ausências, ausências que Manu aprendeu, sozinho, suportar, ninguém lho pedisse.”
(Marcos Bagno, no conto “A Via Láctea”)



“televisão, caixa de banais mistérios, previsíveis, que amava. Tentou seduzir Manu a que ingressasse ele também naquela paixão pela tela luminosa, desenfreada. O menino, mas, não se deu muito bem com a coisa. Não via assim tanta graça, se conhecia imaginar, concebia, tantas mil vezes muito mais coloridas coisas e lindas de só ver.”
(Marcos Bagno, no conto “A Via Láctea”)



“(...) um amor que não se sabe, como cabe aos amores aliás.”
(Marcos Bagno, no conto “A Via Láctea”)



“Beijaria todas estas pessoas, não fosse um crime, constata. A decisão que ora toma é para a vida.”
(Marcos Bagno, no conto “Contra o Céu não Valem Mãos”)



“Há quem da vida cobre pouco. Viver, o em si, já é que lhes baste: assim, sem projeções, sem nem cálculos para o futuro - inúteis, todos, porque o futuro é um só e, neste sê-lo, nenhum não é, mas a vida.”
(Marcos Bagno, no conto “Contra o Céu não Valem Mãos”)



“Questão sem prumo, sem rumo: nada não serve a nada, tudo se presta a ser, a ser e só, existir - não bastasse?.”
(Marcos Bagno, no conto “Lenda da Pipoca”)



“(...) seu nome? Sem nome, apelativo morto, caprichosamente apagado por Tempo, o deus único e múltiplo dos que quantos são, e são.”
(Marcos Bagno, no conto “Lenda da Pipoca”)



“Soube. Contaram-lhe. Do futuro. Que não havia. Para ele e seus todos, milhares de milhões, incontáveis seus, os da terra própria. O que fizesse? Nada houvesse que. Viveria? Não, mas sobre-.”
(Marcos Bagno, no conto “Lenda da Pipoca”)



“A curiosidade é um fósforo aceso desleixado num bosque: ou bem a gente o apaga quando ainda é fósforo ou bem a gente se esquece do bosque, irremediavelmente incendiado.”
(Marcos Bagno, no conto “Medo, Flor & Solidão”)



“Dormiu, sonhava com ela, sonhos que ocultava de si mesmo, no fingir querer esquecê-los.”
(Marcos Bagno, no conto “Medo, Flor & Solidão”)



“E lhes bastava, que a vida modesta não nos faz mal: riqueza, aliás, luxo, aliás, fartura, aliás... todos pecados merecedores do castigo divino, o único que realmente existia.”
(Marcos Bagno, no conto “Medo, Flor & Solidão”)



“É sempre tão solitário viver?”
(Marcos Bagno, no conto “Medo, Flor & Solidão”)



“Médico, nenhum viesse: curar o estabelecido por Ele - mesmo se possível - seria crime.”
(Marcos Bagno, no conto “Medo, Flor & Solidão”)



“Medrosíssima cresceu. Coisa e culpa da mãe: beata fanática. Criou nos filhos a mais cruel acreditança em Deus: o vingativo, o castiguento, o cobrador. Orava antes da mais pífia ação, da menor das atitudes. Jamais puniu, tocou os filhos: a pena havia de vir, mais cedo ou tarde, certeira e justa, fulminante, das mãos próprias do Senhor. E dizia-o de uma forma tamanha, a fazer acreditar quem mesmo tivesse certeza de Ele nem existir.”
(Marcos Bagno, no conto “Medo, Flor & Solidão”)



“O corpo dilacerado, mas o espírito intacto.”
(Marcos Bagno, no conto “Medo, Flor & Solidão”)



“Porque nada fala, ou quase, dizem-no de bom coração. Sabe-se lá.”
(Marcos Bagno, no conto “Medo, Flor & Solidão”)



“(...) é um deus, um ser-estar que pensa, logo quer. (...) Quereu e quis poder um tanto se apagar, de quando em quando não trabalhar, que trabalho - conto o nosso tradicional - foi o mal único (e mais não precisasse de que já tão grande basta), a maldição e a praga sorte que o deus-Deus rogou ao tudo vivente do universo e do espaço e tempo.”
(Marcos Bagno, no conto “Mitos da Nação Rosarana”)



“(...) fica abolido porque não gosto do barulho que fazeis quando se brotais: a flor vai ser testemunha, mãe e guardiã do silêncio que me precedeu.”
(Marcos Bagno, no conto “Mitos da Nação Rosarana”)



“Ainda crê me Deus? Eu não mais, sabe. Deus, só vale a pena a gente acreditar enquanto vive. Depois, é saber, no após além, o que há e o que não: pôr em ordem a toda acreditança. A própria morte será o quê? Aliás, a vida é? Viver é muito perigoso, viver é um descuido prosseguido? Não. Digo e rerredigo: a vida não há, o que há é um ir à morte. E esta - nonada.”
(Marcos Bagno, no conto “Revereda”)



“As guerras, não há mais de uma: é essa: a de cada um, qual, contra o tempo, imigo mor. E é pena de guerrear essa guerra? Vê que não vale, já perdida des sempre, o momento primeiro de luz vista.”
(Marcos Bagno, no conto “Revereda”)



“Não se espante o senhor. É esperar o seu tempo: fique velho e saberá a sábia lição: tempo é acostumar-se a tudo, a qualquer. Não se espanta? É porque é homem de visão sem viseira, aberto leque, tudo abana.”
(Marcos Bagno, no conto “Revereda”)



“Nem ademais, o tempo nunca careceu de o a gente medir, que ele se sabe todo e inteiro, feito como fosse um rio sem cabeça nem boca, um rio só, transcontino, de eternável rolar. O tempo não seria de ser o próprio, Deus?”
(Marcos Bagno, no conto “Revereda”)



“Travessia - a vida é só uma, toda.”
(Marcos Bagno, no conto “Revereda”)



“E talvez fosse da natureza do amor existir mesmo sem palavra alguma...”
(Marina Colasanti, no conto “Um Amor Sem Palavras”)



“Farturão de caatinga possui o Sertão dos Confins. Léguas e léguas dessa tristura de cerrado feio, espinhento e seco — desconsolado terreno — último furo em matéria de terra que não presta, frequentada quase que só pelos lagartões tiú, povinho sonso, surdo e rabudo, mestre em lanhar a chicote as canelas dos passantes descuidados.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Não senhor, não consta das cartas. Município novo, recém-emancipado, mas com prefeitura e câmara de vereadores já em funcionamento. Muito falada que foi essa primeira eleição municipal. Entretanto, se a Vila dos Confins não aparece em mapa algum, a despeito de existir o lugarejo desde o tempo das sesmarias, a culpa não é da Vila nem de ninguém de lá. Culpa mesmo do Governo, que, afinal de contas, sempre foi, é e será ele o culpado de tudo o que acontece de errado e malfeito por esse mundo de Nosso Senhor.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Antigamente era que adversário morria adversário; hoje, não: com essa balbúrdia de tanto partido, nenhum vence sem coligação. Veja como tudo tem mudado: nas eleições passadas, nós nos aliamos aos democratas para vencer os liberais; nas últimas, nos unimos aos liberais para derrotar os democratas; agora, o boato é que os democratas estão se aproximando dos liberais para acabarem com a gente... Nessa confusão toda, sobram apenas os mais duros, que ninguém é bobo de fazer casa com pau bichado...”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Não olha para trás, não sente saudades, não deixa nem carrega consigo amor nenhum.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Sucuri, quando bate a boca em focinho de boi, bate definitivo. Não é à toa que se prepara para os duros imprevistos da empreitada. Errou o golpe, bambeou a laçada, fraquejou — pode mudar de pouso, que rês mais nenhuma volta ao bebedouro. A notícia corre o pasto, de boca em boca de rês, aumentada de um ponto em cada versão, como acontece com toda história importante — malgrado a opinião dos que afirmam que bicho não conversa.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Mas animal de estima quando aleija, fazendeiro nenhum aprecia tê-los nos pastos, que é um enjoado remoer de eterno desgosto.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Galo de briga com a vista vazada morre da banda cega. Todas as desgraças passam a chegar-lhe do lado escuro: o adversário, mal percebe a fraqueza do outro, descruza e cruza de novo o pescoço, e batoqueia e esporeia sem dó nem piedade, na nova e vantajosa posição.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Cedo ainda, e não queria ficar sozinho — a pior consequência da doença, ele a conhecia: era a insônia, a prisão na cama quente e úmida, o lento desenrolar dos mais aborrecidos pensamentos.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Paulo queria adiar a conversa com o Neca. Não era fácil obter assentimentos imediatos; cansativa, isto sim, a conversa para convencer alguém fora da política a meter-se nas suas enrascadas. As lutas municipais modificavam hábitos, exigiam trabalho, criavam inimizades, e, sobretudo, davam despesa.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Política do interior não é política de centro grande — em que os adversários se abraçam e esquecem ofensas...”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“O senhor pode achar graça. Pode até pensar que estou querendo apenas ser-lhe agradável. Mas vou-lhe dizer a verdade: sou tão roceiro, tão sertanejo, tão fazendeiro quanto o senhor. Só que o senhor conseguiu fazer tudo isso, fincou toda esta madeira, realizou o seu sonho. Eu ainda ando como o senhor andava nos seus tempos de peão de boiadeiro... Mas o diabo é que me botaram nas mãos, quando eu era menino, caderno e livro, em vez de uma boa vara de ferrão. Sentaram-se em banco de escola em vez de me montarem em pelo num poldro sem costeio. Meteram-me um freio água-choca nos queixos e me puxaram de rastro para um caminho que não era o meu...”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Depois, ninguém tem obrigação de nascer sabendo... Se o Osmírio mostrava desembaraço na Capital, na roça vivia fazendo feio (...). Se ele, Chico Belo, se avexava ainda em certas partes, avexava-se menos que o doutorzinho num curral. Pelo menos, atravessava as ruas! E o Osmírio, que nem a muque passava no meio da vacada? Andava mas era colado ao tabuado das cercas, cacete na mão, borrando-se todo.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Mas a manhã ignorava o rebuliço e as preocupações da Vila: nascia tranquila e fresca.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Pereirinha tinha razão. Sem radical reforma da lei eleitoral, as eleições continuariam sendo uma farsa. Bastava a conivência do escrivão eleitoral para se inundarem as seções de eleitores-fantasmas. E o processo era simples. Nos últimos dias do alistamento, o partido reunia as certidões de idade remetidas pelos cartórios de paz e que sobravam, entregando-as aos cabos eleitorais de confiança. Cada um deles se incumbia de fazer porção de requerimentos, tudo com a própria letra, assinando-os com o nome constante da certidão de idade. E davam entrada às petições e assinavam o recibo e os títulos respectivos. Um eleitor ficava, assim, de posse de vários títulos, reproduzindo-se em vários eleitores. Compareciam nas seções, votavam, assinavam as folhas de votação, e não havia jeito de apanhar a fraude: a assinatura conferia com a do título... Nas cidades onde as seções eram muitas, avalie-se o número de eleitores-fantasmas: um sujeito só a votar como Antônio, como Francisco, como José, como Venefredo... Tantos cabos desse tipo multiplicados pelo número de seções... e olhem o estrago.
Pereirinha estava mesmo com a razão. Sigilo... Voto secreto... Bobagens, bobagens!”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Na frente de gente estranha, gente da cidade, o eleitor da roça atarantava-se todo. Roupa nova de brim, sapatão apertado, colarinho abotoado e gravata garroteando o pescoço desacostumado de tais vexames. Mão forçuda e no entanto incapaz de segurar a caneta, a não ser com os cinco dedos convocados para a tarefa mal aprendida. Dessem-lhe uma tora de peroba de oito braças de roda e um bem encabado machadão, e antes do escurecer se ouviria o ronco feio do gigante despencado das alturas, arrasando mais de litro de mato no tombo colossal. Mas aquele pauzinho maneiro, envernizado, escorreguento — ei, coisa excomungada!
O fiscal olhava, esperando. Não havia escapulir.
O eleitor benzeu-se por dentro, e começou. Carro de boi em trilheiro de serra — lá vai ele subindo e descendo, aos trancos. A pena de aço ringe no papel — a mesma cantiga do eixo do carro, untado a azeite de mamona. Curva fechada, apertada demais. Vence-a, porém, começando a descida — não é fácil, não senhor, senão desembesta, pirambeira abaixo! Sobe outra vez — mais ladeiras, mais curvas, mais lances a pique. Barbaridade!
Altamirando Bento de Araújo. Isso mesmo, seu moço — Araújo, das bandas do São Francisco...
O presidente da Mesa consulta os mesários, os fiscais. Todos aceitam — tácita combinação: começassem as impugnações, e seria um nunca parar. Rabiscou mal-mal, voto válido. Partido nenhum se importava; permitia-se, até, interrompesse o eleitor a assinatura, e esperasse de lado, refazendo forças, recriando coragem. Passado o mal-estar, tinha direito a nova tentativa.
Botina desgraçada! Gravata lazarenta! Porqueira de paletó!”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“O caipira veste a cara que sempre usa por ocasião das velhacadas: cara séria, tristonha, de doente crônico. Sai da cabina mancando, humilde, olhos no chão. Enfia, maljeitoso, a sobrecarta na urna quadrada. E vai para a rua, para o sol... Oi, servicinho entojado!
Altamirando Bento de Araújo. Podem chamá-lo de tudo o que for nome feio, que ainda é pouco. Praga das maiores, o peste: eleitor consciente.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“O corgo dos Moreiras desembocava no rio Urucanã, bem menos de meia légua acima do porto dos Confins. Barra estreita, escondida no meio das folhagens e touceiras do barranco. Marcava-a, porém, de longe, o encorpado pé-de-pato — pau raro naqueles sertões, ali nascido e criado por obra e graça de Deus. Esta, talvez, a mais certa explicação para o esquisito daquela árvore crescida em terreno tão malpropício.
Acaba mesmo louco varrido quem se mete a investigar o misterioso destino das árvores. Na insignificante barra dos Moreiras, um pé-de-pato! E solteirão, ainda mais, vivendo em sociedade estranha — povo vegetal de baixa categoria — na arenosa terra branca da beira do Urucanã. Pateiro dos legítimos, irmão ou parente próximo dos vistos e invejados pés-de-pato da terra roxa de Volte Grande ou de Veadinho do Porto.
De onde, como viera, desguaritada, a semente?
Em bucho de peixe morto, boiante e arribadiço, largado a apodrecer no barranco pelas águas retirantes do fim de cheia? Impossível, que eram outras as vertentes: mil cabeças e mil braços tinha o avantajado corpanzil da serra — implacável divisor a impedir o intercâmbio via barriga de peixe da flora ribeirinha. Por terra, viajando nos porões da pança de bicho andejo? Difícil: costuma ser rápida a digestão do animal de pelo, e, de um ponto a outro, media-se o chão por dezenas e dezenas de marchas de sol a sol. Nem mula-sem-cabeça, com o capeta no corpo, chegaria a tempo. Pelos ares, em moela viageira — patão-trombeteiro, quem sabe? Humm, hum! Longe, muito longe, as matas paulistanas do Rio Grande... E nas cacundas de redemoinho — viajando engarupada em maluco pião de ventania? Aparecida em fundo de canoa? Esquecida em capanga de garimpeiro? Doente do juízo acaba mesmo quem se envolve em tais indagações. Via aquática, ou terrestre, ou aérea — em que buchos ou moelas ou em que descômodos veículos viajasse — o líquido e certo é que apacera por ali a semente. E brotara e crescera: e virara árvore corpulenta e sombrosa, pernalonga e ramalhuda, ensinando ao canoeiro onde abicar o bote e encher o cabação de água fresca.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Além do mais, rio cheio carrega fartura de guloseimas. Rara a folha navegante que não vire asilo de náufragos. Formigões e mandruvás, aranhas e lacraias, piolhos-de-cobra, filhotes de lagartixa, gafanhotos... Muita gostosura de frutinha, muito broto de ramo e muita flor de finíssimo paladar. Ror de bichinhos de asa, mas com as voadeiras barreadas, quando não desconjuntadas de vez. E tudo o que é raça de minhoca — cotós e lombrigonas, magriças ou rechonchudas, molengos fiapos ou encapetadas molas espirais. Muita comida viajando a contragosto, mas viajando, nas frágeis jangadas da folharia rodante e nos desmantelados comboios das afunda-não-afunda touças de capim.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Paulo continuava imaginando coisas. Na água limpa, os pequenos, os fracos, os imprudentes: a comida. Na água suja, os grandões, os malvados, os velhacos: a fome.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Aprenda isto, Seu Gerôncio: velhacaria é no reino das águas, uns se defendendo dos outros, desde o dia em que nascem. Quem não aprende essa regra acaba no bucho dos mais espertos. Peixe é bicho muito inteligente: inventa modas, muda de cor para se confundir com o lodo do fundo, fabrica e esparrama em volta tinta escura... São uns sabidões, Seu Gerôncio. Burro é quem pensa que peixe é burro... E quem aprende essas malícias não passa a descoberta adiante. Nas águas, Seu Jorge, não há desses cavalheirismos dos homens, não senhor. O primeiro trabalho do peixe, mal nasce e abre os olhos, é o de se defender dos pais — da mãe, principalmente — que começam a comer a ninhada, um por um.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Mas o sol tinha de seguir viagem, que do outro lado do mundo esperavam por ele.”
(Mário Palmério, no livro “Vila Dos Confins”)



“Eu só poderia te dar uma noção do nada se não tivéssemos nascido. Agora é tarde, é muito tarde, minha filha... Ah! Deliciosamente tarde!”
(Mário Quintana, no poema “Aula de Filosofia”)



“Não sou violenta.
Não sou maldosa.
Sou um resultado.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“O sangue escorreu até secar no chão e os cadáveres ficaram presos ali, feito madeira boiando depois da enxurrada.
Estavam colados no chão, até o último deles. Um pacote de almas.
Seria o destino?
O azar?
Foi isso que os grudou assim?
É claro que não.
Não sejam estúpidos.
Provavelmente, teve mais a ver com as bombas atiradas, lançadas por seres humanos escondidos nas nuvens.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Sim, lembro-me dela com frequência e, num de meu vasto sortimento de bolsos, guardei sua história para contar. É uma dentre a pequena legião que carrego, cada qual extraordinária por si só. Cada qual uma tentativa — uma tentativa que é um salto gigantesco — de me provar que você e a sua experiência humana valem a pena.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“E os sacolejos.
Por que eles (os humanos) sempre os sacodem (os que acabaram de morrer)?
É, eu sei, eu sei, imagino que tenha algo a ver com o instinto. Para estancar o fluxo da verdade.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Os empobrecidos sempre tentam continuar andando, como se a relocação ajudasse. Desconhecem a realidade de que uma nova versão do mesmo velho problema estará à sua espera no fim da viagem — aquele parente que a gente evita beijar.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Quando viesse a escrever sua história, ela se perguntaria exatamente quando os livros e as palavras haviam começado a significar não apenas alguma coisa, mas tudo.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Liesel sabia. Mas isso não queria dizer que tinha de aceitar.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Ele já me havia tapeado numa guerra mundial, mas depois seria posto em outra (como uma espécie perversa de recompensa)...”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Para a maioria das pessoas, Hans Hubermann mal chegava a ser visível. Uma pessoa não especial. Com certeza, tinha excelentes habilidades como pintor. Sua habilidade musical era superior à média. Mas, de algum modo, e tenho certeza de que você deve ter conhecido gente assim, ele conseguia parecer simples parte do cenário, mesmo quando estava na frente de uma fila. Vivia apenas por ali, sempre. Indigno de nota. Não importante nem particularmente valioso.
O frustrante nessa aparência, como você pode imaginar, era ela ser completamente enganosa, digamos. Decididamente, havia valor nele, e isso não passou despercebido para Liesel Meminger. (A criança humana — tão mais arguta, às vezes, do que o adulto espantosamente grave!) Ela percebeu de imediato.
O jeito dele.
O ar tranquilo perto dele.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Ela possuía a habilidade singular de irritar quase todas as pessoas que encontrava. Mas realmente amava Liesel Meminger. Seu jeito de demonstrá-lo é que era estranho. Implicava agredi-la com a colher de pau e com as palavras, a intervalos variáveis.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Os Hubermann tinham dois filhos, mas eles eram mais velhos e tinham saído de casa. (...) Os dois logo entrariam na guerra. Uma faria projéteis. O outro os dispararia.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Em algum lugar, bem no fundo, havia uma comichão em seu peito, mas ele fazia questão de não coçar. Tinha medo do que pudesse vazar dela.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“O Sr. Steiner ia conduzindo a bicicleta com uma das mãos e Rudy com a outra. Estava tendo dificuldade era para conduzir a conversa.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Ele era o maluco que se pintara de preto e derrotara o mundo inteiro.
Ela era a roubadora de livros que não tinha palavras.
Mas, acredite, as palavras estavam a caminho e, quando chegassem, Liesel as seguraria nas mãos feito nuvens, e as torceria feito chuva.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“E mostraria a mim, mais uma vez, que uma oportunidade conduz diretamente a outra, assim como o risco leva a mais risco, a vida, a mais vida, e a morte, a mais morte.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Como a maioria dos sofrimentos, esse começou com uma aparente felicidade.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“A voz da mãe era surpreendentemente calma e atenciosa. Como você pode imaginar, isso deixou a menina preocupadíssima. Ela preferia ouvir a mãe e o pai brigando. Adultos aos cochichos dificilmente inspiravam confiança.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“As labaredas cor de laranja acenavam para a multidão, à medida que papel e tinta se dissolviam dentro delas. Palavras em chamas eram arrancadas de suas frases.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Depois disso, ambos se concentraram em respirar, porque não havia mais nada a fazer nem dizer.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Seus olhos não fizeram nada do que o susto normalmente descreve. Nada de fechar bruscamente, nada de pálpebras batendo, nenhum sobressalto. Essas coisas acontecem quando se acorda de um sonho ruim, não quando se acorda dentro dele.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“— Depressa! — gritou Arthur. Sua voz estava muito longe, como se ele a houvesse engolido antes de ela lhe sair da boca.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Como podia aparecer e pedir a pessoas que arriscassem suas vidas por ele? Como podia ser tão egoísta?”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Uma observação pequena porém digna de nota: Ao longo dos anos, vi inúmeros rapazes que pensam estar correndo para outros rapazes. Não estão. Eles correm para mim.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Ele sobreviveu assim: não entrou em combate nesse dia.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Aos poucos, os dois tornaram-se amigos, graças ao fato de que nenhum deles estava terrivelmente interessado em combater. Preferiam enrolar cigarros a se enrolar na neve e na lama. Preferiam lançar dados a lançar projéteis. Uma sólida amizade alicerçou-se no jogo, no fumo e na música, para não falar no desejo comum de sobrevivência.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“— (...) Não se pode casar com um judeu, mas não há lei alguma que proíba lutar com um.
— Provavelmente, há uma lei que recompensa isso... desde que você vença.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“O porão era o único lugar apropriado para ele, no que lhe dizia respeito. Nem pensar em frio e solidão. Ele era judeu e, se havia um lugar em que estava destinado a existir, tratava-se de um porão, ou qualquer outro desses lugares ocultos de sobrevivência.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Imagine sorrir depois de levar um tapa na cara. Agora, imagine fazê-lo vinte e quatro horas por dia.
Era essa a tarefa de esconder um judeu.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“(...) Um rapaz ainda é um menino, e os meninos às vezes têm o direito de ser teimosos.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Vez por outra, ela o observava. Decidiu que a melhor maneira de resumi-lo era como uma imagem de pálida concentração. Pele de tom bege. Um pântano em cada olho. E respirava feito um fugitivo. Desesperado, mas mudo. Só o peito é que o denunciava como um ser vivo.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Quando Max ficava só, sua sensação mais clara era a de estar desaparecendo.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Em primeiro lugar, queremos uma luta boa e limpa — e se dirigiu ao Führer — a menos, é claro, Herr Hitler, que o senhor comece a perder. Caso isso ocorra, estarei perfeitamente disposto a fechar os olhos para qualquer tática inescrupulosa que o senhor queira empregar para triturar na lona esse fedor e imundície judaicos — e baixou a cabeça, com grande cortesia.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Liesel não se incomodava com a comida. (...) Era o livro que ela queria. (...) Não suportaria que ele lhe fosse dado por uma velha solitária e patética. Roubá-lo, por outro lado, parecia um pouco mais aceitável. Roubá-lo, em certo sentido doentio, era como merecê-lo.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Liesel exercia o direito flagrante da pessoa que um dia fez parte de uma família. Está muito bem que essa pessoa resmungue e se lamurie e critique seus familiares, mas não permite que ninguém mais o faça. É nessa hora que você empertiga a coluna e demonstra lealdade.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Na Rua Munique, Rudy avistou Deutscher andando pela calçada com uns amigos e sentiu necessidade de lhe atirar uma pedra. Você pode muito bem perguntar que diabo ele estava pensando. A resposta é: provavelmente, nada. Provavelmente, ele diria que estava exercendo seu direito sagrado à estupidez. Ou isso, ou a simples visão de Franz Deutscher provocou-lhe uma ânsia de se destruir.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Por outro lado, você é um ser humano — deve entender dessa obsessão consigo mesmo.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Dizem que a guerra é a melhor amiga da morte, mas devo oferecer-lhe um ponto de vista diferente a esse respeito. Para mim, a guerra é como aquele velho chefe que espera o impossível. Olha por cima do ombro da gente e repete sem parar a mesma cosia: 'Apronte logo isso, apronte logo isso'. E aí a gente aumenta o trabalho. Faz o que tem que ser feito. Mas o chefe não agradece. Ele pede mais.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Deus.
Sempre pronuncio esse nome, ao pensar naquilo.
(...)
Digo o nome d'Ele na vã tentativa de compreender. 'Mas não é sua função compreender.' Essa sou eu respondendo. Deus nunca diz nada. Você acha que é a única pessoa a quem Ele nunca responde? (...) Sou obrigada a continuar, porque, embora isso não se aplique a todas as pessoas da Terra, é verdade para a vasta maioria: a morte não espera ninguém — e, quando espera, em geral não é por muito tempo.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Fazia vinte e dois meses que Max não via o mundo lá fora.
(...)
— E o que lhe pareceu?
(...)
— Havia estrelas. Elas queimaram meus olhos.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Os rostos sofredores de homens e mulheres esgotados estendiam-se para eles, implorando não tanto ajuda — já haviam ultrapassado essa fase —, mas uma explicação. Apenas alguma coisa que diminuísse aquela perplexidade.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“O que uma pessoa diz e o que acontece costumam ser duas coisas diferentes.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Veio também o reconhecimento de que havia uma grande beleza no que ela estava testemunhando naquele instante, e a menina resolveu não o perturbar.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Conosco, o inimigo não está do outro lado da montanha nem em nenhuma direção específica. Está em toda parte.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Sempre pareço saber o que acontece, quando há neve e armas e as várias confusões da linguagem humana.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Por algum motivo, os homens agonizantes sempre fazem perguntas cujas respostas já sabem. Talvez seja para poderem morrer tendo razão.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Estavam apavorados, não há dúvida, mas não tinham medo de mim. Era o medo de estragarem tudo e terem que se enfrentar novamente, e terem que enfrentar o mundo.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Que foi que dissemos antes? Diga uma coisa um número suficiente de vezes, e você nunca mais a esquece.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Sua alma sentou-se. Veio a meu encontro. As almas desse tipo sempre o fazem — as melhores. As que se levantam e dizem: 'Sei quem você é e estou pronta. Não que eu queira ir, é claro, mas irei'.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Os homens da LSE tentaram segurá-la em seus braços poeirentos, mas a menina que roubava livros conseguiu safar-se. Os humanos desesperados sempre parecem capazes de fazê-lo.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Tive vontade de lhe explicar que constantemente superestimo e subestimo a raça humana — que raras vezes simplesmente a estimo.”
(Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”)



“Podes crer-me, desocupado leitor — e não preciso jurar —, que eu quisera fosse este livro, como filho que é do entendimento, o mais formoso, galhardo e discreto que se pudera imaginar. Foi-me impossível, todavia, contrariar a ordem da natureza, já que nesta cada coisa engendra a sua semelhante. Assim, que poderia brotar do estéril e inculto engenho meu, sendo a história de um filho ressequido, magro, caprichoso e cheio de pensamentos vários, nunca imaginados por outro homem, tal como se nascido num cárcere, onde todo incômodo se aloja e todo ruído triste habita?”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Se a um pai sucede ter filho feio e sem graça, o amor que ao mesmo consagra lhe venda os olhos, para que suas faltas não veja; antes as julga virtudes, encantos, e as relata aos amigos como se foram sutilezas e donaires.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Sempre vos julguei discreto e prudente em todas as ações; hoje vejo, porém, que estais tão longe disso como o céu da terra. Como é possível que coisas de tão pouco valor, tão facilmente remediáveis, possam ter força para tornar indeciso e absorto um engenho como o vosso, tão maduro, tão dado a romper e superar dificuldades maiores? Garanto que não é falta de habilidade, mas sobra de preguiça e penúria de discurso.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“A razão da sem-razão que à minha razão se faz de tal maneira a minha razão enfraquece, que com razão me queixo da vossa formosura.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Para concluir: embebeu-se tanto na leitura, que a ler passava as noites de claro em claro e os dias de turvo em turvo; com o muito ler e o pouco dormir se lhe secou de tal maneira o cérebro, que perdeu o juízo.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Tais pensamentos o fizeram hesitar no propósito; mais forte era, porém, sua loucura que outra razão qualquer, e assim decidiu fazer-se armar cavaleiro pelo primeiro que encontrasse, à imitação de outros muitos que o mesmo fizeram, segundo lera nos livros.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Logo se dizia (como se verdadeiramente estivesse enamorado): 'Ó princesa Dulcineia, senhora deste cativo coração! muito agravo me fizestes com despedir-me e reprochar-me, na rigorosa determinação de me não deixar aparecer ante a vossa formosura. Peço-vos, senhora, que vos lembreis deste vosso submisso coração, que tantas dores padece pelo vosso amor'. A estes ia ele acrescentando outros disparates, todos moldados no que aprendera dos livros e imitando, no que podia, a linguagem dos mesmos. Com isso caminhava tão devagar, e o sol subia tão rápido e com tanto ardor, que fora bastante para derreter-lhe os miolos, se os tivera.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Meus arreios são as armas,
Meu descanso o pelejar.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) para mim é indiferente que me deem oito moedas de real, ou uma só moeda de oito. É possível que as truchuelas sejam como a vitela, que é melhor que a vaca, ou o cabrito, que é melhor que o bode. Mas, seja o que for, que venha logo; porque o trabalho e o peso das armas não se podem suportar sem o governo das tripas.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) vinde agora um por um (como pede a ordem da cavalaria), ou todos juntos, como é costume e má usança entre os da vossa ralé, aqui vos aguardo e espero, confiado na razão que de minha parte tenho.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) não me surpreenderia se ao meu tio, uma vez curado da enfermidade cavaleiresca e lendo esses livros, lhe desse na telha fazer-se pastor e meter-se pelos bosques e prados, cantando e tocando, ou (o que seria pior) fazer-se poeta, o que, segundo dizem, é doença incurável e contagiosa.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Quando se acercaram de Dom Quixote, já se tinha este erguido da cama e prosseguia em seu berreiro e desatinos, espalhando golpes e cutiladas a torto e a direito, tão acordado como se nunca houvesse dormido.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Não é melhor ficar quieto em casa, em vez de ir-se pelo mundo afora, atrás de pão melhor que o de trigo, sem se lembrar de que muitos vão buscar lã e saem tosquiados?”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) coisa mal feita e pior pensada, havendo e devendo ser os historiadores pontuais, verdadeiros e nada apaixonados, sem que nem o interesse, nem o medo, nem o rancor, nem a afeição os façam torcer o caminho da verdade, cuja mãe é a história, êmula do tempo, depósito das ações, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do porvir.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— (...) quero que te sentes aqui ao meu lado e na companhia desta boa gente, e que te mostres igual a mim, que sou teu amo e natural senhor, comendo no meu prato e bebendo onde eu beber; pois da cavalaria andante se pode dizer o mesmo que do amor: iguala todas as coisas.
— Grande generosidade a sua! — exclamou Sancho. — Mas devo dizer a vosmecê que, se eu tivesse de comer, comeria tão bem e melhor em pé e sozinho, como sentado ao lado de um imperador. E para falar verdade, muito melhor me sabe o que como no meu rincão, sem melindres nem respeitos, ainda que seja pão e cebola, do que os perus de outras mesas, onde me seja forçoso mastigar devagar, beber pouco, limpar-se amiúde, não espirrar nem tossir se tiver vontade, nem fazer outras coisas que a solidão e a liberdade trazem consigo. Assim pois, senhor meu, essas honras, que vosmecê me quer dar por ser ministro e aderente da cavalaria andante, como o sou na qualidade de escudeiro de vosmecê, troque-as por outras, que me sejam mais cômodas e de melhor proveito; quanto àquelas (embora as dê por bem recebidas), renuncio desde já, até o fim do mundo.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— (...) talvez, ou sem talvez, não tenhais nunca ouvido semelhante coisa, em todos os dias da vossa vida, ainda que vivais mais anos do que Sarna.
— Dizei 'Sara' — corrigiu Dom Quixote, não podendo suportar a troca de palavras do cabreiro.
— Vida de sobra tem a sarna — respondeu Pedro; — mas se me haveis, senhor, de andar recriminando a cada passo as palavras, não acabaremos num ano.
— Perdão, amigo — replicou Dom Quixote; — mas há tanta diferença entre 'sarna' e 'Sara', que vos adverti. Todavia, vós me respondestes muito bem, porque vive mais a sarna do que viveu Sara. Continuai, pois, a vossa história, que não vos interromperei mais em nada.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Demais, haveis de considerar que não escolhi a formosura que tenho, pois, tal qual é, o céu ma deu de graça, sem que eu a pedisse, nem a escolhesse; assim como não tem culpa a víbora da peçonha que traz, embora mortífera, por lha haver dado a natureza, tampouco mereço ser repreendida por formosa, porque a formosura, na mulher honesta, é como o fogo distante, ou a espada afiada, que nem ele queima, nem ela corta a quem se lhes não aproxima. A honra e as virtudes são adornos da alma, sem os quais não deve o corpo parecer formoso, ainda que o seja.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Senhor, sou homem pacífico, manso, sossegado, e sei dissimular qualquer injúria, porque tenho mulher e filhos para sustentar e criar. Portanto, fique vosmecê também avisado (já que não pode ser mandado) de que jamais erguerei a espada contra vilão, nem contra cavaleiro, em nenhuma circunstância; e daqui por diante, perante Deus, perdoo quantos agravos se me têm feito e me hão de fazer, embora mos tenha feito, ou faça, ou haja de fazer pessoa alta ou baixa, rico ou pobre, fidalgo ou plebeu, sem excetuar nenhum estado ou condição.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Experimente vosmecê se se pode levantar, e ajudemos ao Rocinante [o cavalo de Dom Quixote], embora ele não o mereça, porque foi a causa principal de todo esse desconcerto. Nunca esperei tal coisa do Rocinante; julgava-o pessoa casta e tão pacífica como eu. Enfim, bem dizem que é preciso muito tempo para se conhecerem as pessoas, e que não há nada seguro nesta vida.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— A mim não me deram tempo de reparar nisso — respondeu Sancho —, porque, mal pus a mão na minha durindana, me benzeram os ombros com seus paus, de maneira que se me foi a vista dos olhos e a força dos pés, caindo eu onde agora me encontro e onde pouco me importa saber se foram afronta, ou não, as bordoadas; o que me importa é a dor dos golpes, que me hão de ficar tão impressos ne memória como no lombo.
— Com tudo isso hás de saber, irmão Pança — replicou Dom Quixote —, que não há lembrança que o tempo não apague, nem dor que a morte não consuma.
— E que desdita pode haver maior — replicou Pança — que aquela que só o tempo consome e a morte acaba?”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— E se o afirmo, é porque essa bestinha poderá suprir agora a falta do Rocinante, conduzindo-me a algum castelo, onde possa curar estas feridas. Não me desonrará tal montaria, porque me lembro de haver lido que aquele bom velho Sileno, aio e pedagogo do alegre deus do riso, quando entrou na cidade das cem portas, ia muito a seu gosto cavalgando formosíssimo asno.
— Na verdade, devia ir cavalgando, como diz vosmecê — ponderou Sancho; — mas há grande diferença entre ir cavalgando e ir atravessado como um monte de trapos.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— Encomendo ao diabo tudo isso, meu amo, pois não vejo homem, nem gigante, nem cavaleiro de quantos vosmecê me vem citando; pelo menos, os meus olhos não o percebem. Talvez seja tudo encantamento, como os fantasmas desta noite.
— Como dizes tal coisa?! — exclamou Dom Quixote. — Pois então não ouves o relinchar dos cavalos, o tocar dos clarins, o rufar dos tambores?
— O que oiço — respondeu Sancho — são apenas muitos balidos de ovelhas e carneiros.
E era verdade, porque os dois rebanhos já se aproximavam.
— O modo que tens — disse Dom Quixote — faz que não vejas, nem oiças direito, Sancho. Um dos efeitos do medo é perturbar os sentidos e fazer que não pareçam as coisas o que são; e se tanto te arreceias, põe-te de lado e deixa-me sozinho, pois basto eu para levar à vitória o partido em favor do qual me declarar.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Sabe, Sancho, que nenhum homem é mais que outro se não faz mais que outro.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— Desventurado de mim! — exclamou Dom Quixote, ouvindo as tristes novas que lhe dava o escudeiro; — antes quisera que me tivessem arrancado um braço, uma vez que não fosse o da espada. Porque te faço saber, Sancho, que boca sem queixais é como moinho sem mós, e muito mais se deve estimar um dente que um diamante.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— (...) E quero que saiba Vossa Reverência que sou um cavaleiro da Mancha, de nome Dom Quixote, e que meu ofício e profissão é andar pelo mundo endireitando tortos e desfazendo agravos.
— Não sei o que seja isso de endireitar tortos — disse o bacharel —, pois a mim, de direito que era, me entortastes, deixando-me de perna quebrada, a qual nunca mais ficará direita, em todos os dias da minha vida; e o agravo, que em mim desfizestes, foi deixar-me agravado de tal maneira, que agravado ficarei para sempre. Grande desventura a minha, de vos haver encontrado nesse rebuscar de aventuras.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Se por acaso quiserem saber esses senhores quem foi o valoroso que os pôs em tal estado, diga-lhes vosmecê que foi o famoso Dom Quixote de La Mancha, que por outro nome se chama 'o Cavaleiro da Triste Figura'.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— Senhor, não sei por que quer vosmecê meter-se em tão tenebrosa aventura. Agora é noite, ninguém nos vê aqui, bem podemos mudar de rumo e desviar-nos do perigo, embora passemos três dias sem beber. E se não há quem vos veja, menos haverá quem nos chame de covardes; tanto mais que ouvi pregar ao cura da nossa aldeia (que vosmecê bem conhece) que quem busca o perigo nele perece. Assim, não é bom tentar a Deus empreendendo tão desaforado feito, onde não se pode escapar senão por milagre (...). E se tudo isso não mover, nem abrandar esse duro coração, mova-o o pensar e crer que, apenas se tenha vosmecê apartado daqui, eu de medo entregarei minha alma a quem a quiser levar.
— Como podes tu, Sancho, ver onde está essa linha, nem onde está essa boca ou essa nuca de que falas, se é tão escura a noite, que em todo o céu não se vê uma só estrela!
— De fato — ponderou Sancho; — mas tem o medo muitos olhos, e vê as coisas debaixo da terra, quanto mais em cima no céu!”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) o bem que vier para todos seja, e o mal para quem o for buscar.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Mas vá lá que assim seja, pois de uma vez se paga por tudo, segundo ouvi dizer: 'Quem te quer bem é quem te faz chorar'.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Veja bem vosmecê o que diz e melhor o que faz.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— Mau cristão és tu, Sancho — disse Dom Quixote; — porque nunca te esqueces da injúria que te fizeram uma vez; sabe, todavia, que é de alma nobre e generosa nunca fazer caso de ninharias.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Pois te faço saber, Sancho, que há duas espécies de linhagens no mundo: umas derivam a sua descendência de príncipes e de monarcas, a quem, pouco a pouco, foi o tempo desgastando, até acabarem em ponto, como pirâmide invertida; outras se originam de gente baixa e vão subindo de grau em grau, até chegarem a ser grandes senhores. A diferença está em que uns foram, e já não são, outros são, e não eram.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Vai sempre pensativo e triste, porque os outros ladrões, que por lá ficam e que aqui vão, o maltratam e aniquilam, dele zombam e o desprezam, porque confessou e não teve coragem de dizer não. Pois, afirmam eles, tantas letras tem um não como um sim, e feliz do delinquente que tem na língua, à sua escolha, a vida ou a morte, e não na das testemunhas e provas; e a mim me parece que não andam muito errados.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— Pareces inteligente — disse Dom Quixote.
— E infeliz também — respondeu Ginés —, porque sempre as desventuras perseguem o talento.
— Perseguem os velhacos — corrigiu o comissário.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) uma das qualidades da prudência é não fazer por mal o que se pode fazer por bem (...).”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Coisa dura me parece tornar escravos aos que Deus e a natureza fizeram livres.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— Senhor — respondeu Sancho —, retirar-se não é fugir; nem o esperar é cordura, quando o perigo sobrepuja a esperança. É o próprio dos sábios guardar-se hoje para amanhã e não aventurar tudo num dia.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) o diabo é sutil, e debaixo dos pés surge ao homem coisa em que tropece e caia, sem saber como, nem onde.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Mesmo que a vossa desventura fosse daquelas que cerram as portas a todo gênero de consolo, pensava ajudar-vos a chorá-la e carpi-la o melhor que pudesse, pois é sempre um consolo, nas desgraças, achar quem as lamente.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Meu nome é Cardênio; minha terra, uma das melhores cidades desta Andaluzia; minha linhagem, nobre; meus pais, ricos; minha desventura, tanta, que a devem ter chorado os meus pais e sentido a minha parentela, sem a poderem aliviar com sua riqueza: pois, para remediar desditas do céu, pouco valem os bens da fortuna.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Com essa proibição, mais se ateou em nós ambos a chama do desejo, porque, se fizeram silenciar as nossas línguas, não o puderam fazer às nossas penas, as quais, com mais liberdade que as línguas, soem dar a entender a quem estimam o que se encerra em nossas almas. Muitas vezes, a presença da coisa amada perturba e emudece a intenção mais determinada e a língua mais atrevida.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Quando algum pintor quer sair famoso na sua arte procura imitar os originais dos mais célebres pintores que conhece. Essa mesma regra se verifica em todos os mais ofícios ou profissões de monta, que abrilhantam as repúblicas. (...) como também nos mostrou Virgílio, na pessoa de Eneias, o valor de um filho piedoso e a sagacidade de um valente e entendido capitão, não os pintando ou descobrindo como foram, mas como deviam ser, para que suas virtudes servissem de exemplo aos homens vindouros.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Ia dizendo Sancho tudo isso tão repousadamente, limpando as narinas de quando em quando, e com tão pouco senso, que os dois se admiraram de novo, avaliando como se tornara veemente a loucura de Dom Quixote, a ponto de arrastar consigo o juízo daquele pobre homem.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Embora seja costume dizer que, pelas selvas e campos, se acham pastores de vozes excelentes, isto é mais exagero de poetas que realidade.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Quem menoscaba meus bens?
Desdéns.
Quem aumenta meus queixumes?
Ciúmes.
Quem me prova a paciência?
Ausência.

(...)

Quem me causa tanta dor?
Amor.
Quem manda os tormentos meus?
Os céus.
Quem, desta glória, o assassino?
Destino.

(...)

Quem mudará minha sorte?
A morte.
O bem do amor, quem o alcança?
Mudança.
E seus males, quem o cura?
Loucura.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Assim, sem querer vingar-me dos meus maiores inimigos (o que me teria sido fácil fazer, pois nem pensavam em mim), quis vingar-me de mim mesmo e executar sobre a minha pessoa o castigo que eles mereciam, usando, talvez, rigor maior que o que com eles usaria se os matasse logo ali; pois quem recebe morte repentina depressa termina a pena, ao passo que o que a dilata com tormentos sempre mata sem pôr fim à vida.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Aos que hão de vir darei o exemplo de que a mim só me faltou o que sobra a todos os infelizes: a impossibilidde de achar a ventura lhes serve de consolo, e a mim me causa ainda maiores sentimentos e males.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Ninguém há na terra, de quem se possa esperar conselho nas dúvidas, alívio nas aflições, remédio nas desgraças!”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Sou tua vassala, mas não tua escrava; a nobreza do teu sangue não tem nem pode ter a força de desonrar e menosprezar a humildade do meu; e tanto me prezo de vilã e lavradora como te prezas tu de senhor e cavaleiro.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) um mal chama outro, segundo se diz, e (...) o fim de uma desgraça costuma ser o princípio de outra maior (...).”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) nem sempre a fortuna põe a par dos males os remédios (...).”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) quem bem está e mal escolhe, não se queixe do mal que lhe suceder.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Os bons amigos devem experimentar-se e valer-se uns dos outros, como disse um poeta, 'usque ad aras', querendo dizer com isso que não se deviam valer de sua amizade em coisas que fossem contra Deus. E se é este o conceito de um gentio sobre a amizade, quão melhor não deve ser o de um cristão, que sabe que por nenhuma amizade humana se há de perder a divina?”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Lembra-te de que é justo que se negue o possível a quem busca o impossível.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— Então é verdade tudo o que dizem os poetas enamorados?
— Enquanto poetas, não — respondeu Lotário; — mas, enquanto enamorados, são tão breves como verdadeiros.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) porque o amor, segundo ouvi dizer, umas vezes voa, outras anda; com este corre, com aquele vai devagarinho; a uns entibia, e a outros abrasa; a uns fere, e a outros mata; num mesmo ponto principia a carreira dos seus desejos, e ali mesmo os acaba e conclui; pela manhã, costuma pôr cerco a uma fortaleza, e à noite a leva de vencida, porque não há força que lhe resista. (...) porque o amor não tem melhor ministro, para executar o que deseja, do que a ocasião; da ocasião se serve em todos os seus feitos, principalmente no começo.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) o amor, sim, poderosa desculpa de maiores erros.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) voltemos à preeminência das armas sobre as letras: matéria que até agora está por averiguar, conforme as razões alegadas de parte a parte. E entre as que se alegam diz-se que, sem as letras, não se poderiam sustentar as armas, porque também tem a guerra suas leis e a estas se sujeita, e o estudo das leis pertence às letras e aos letrados. A isso respondem as armas, dizendo que não se poderão as leis manter sem elas, porque com as armas se defendem as repúblicas, se conservam os reinos, se guardam as cidades, se asseguram os caminhos, se livram os mares dos corsários, e, finalmente, não fossem as armas, estariam as repúblicas, os reinos, as monarquias, as cidades, os caminhos de terra e mar sujeitos ao rigor e à confusão que acarreta a guerra, enquanto dura e tem licença de usar seus privilégios e forças.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“É coisa apurada que o que mais custa mais se estima, e mais se deve estimar.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Bem hajam aqueles séculos benditos, que careceram da espantosa fúria desses endemoninhados instrumentos da artilharia, a cujo inventor tenho para mim que o inferno lhe está dando o prêmio da sua invenção diabólica: pois permitiu que um braço infame e covarde tire a vida a qualquer cavaleiro valoroso, e que, sem saber como, nem por onde, em meio do brilho e coragem que acendem e animam os peitos valentes, chegue uma bala desmandada, disparada por quem talvez tenha fugido espantado ante o resplendor que fez o fogo ao disparar a máquina maldita; e a bala corta e, num instante, põe termo aos pensamentos e à vida de quem merecia gozá-la por longos séculos.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) poucas vezes, ou nunca, vem o bem puro e simples, sem ser acompanhado de algum mal que o turve ou sobressalte (...).”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Assim prosseguiu o cura, contando com muita brevidade o que acontecera ao cativo e a Zoraia. A tudo isso prestava tanta atenção o ouvidor, que nunca havia sido tão ouvidor como naquele instante.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) mais força tem o tempo para desfazer e mudar as coisas que as vontades humanas.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) a virtude é mais perseguida dos maus que amada dos bons.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“E se a isso se me respondesse que os que tais livros compõem os escrevem como coisas de mentira, não estando assim obrigados a atentar em delicadezas, nem em verdades, responder-lhes-ia que tanto a mentira é melhor quanto mais parece verdadeira, e tanto mais agrada quanto mais tem de duvidoso e possível. As fábulas mentirosas têm de casar-se com o entendimento dos que as lerem escrevendo-se de maneira que facilitem os impossíveis, aplainem as grandezas, surpreendam os ânimos, causando-lhes admiração, suspensão, alvoroço e entretenimento tais que andem no mesmo passo a admiração e a alegria juntas. E todas essas coisas não as poderá fazer quem fugir da verossimilhança e da imitação, nas quais consiste a perfeição do que se escreve.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Se é melhor ser louvado dos poucos sábios que burlado pelos muitos néscios, nem por isso me quero sujeitar ao juízo confuso do vulgo desvanecido, que é geralmente quem mais lê semelhantes livros.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“É melhor ganhar pão com muitos que fama com poucos.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) em poucos dias, pelo valor do meu braço, com o favor do céu e não me sendo contrária a sorte, hei de ver-me rei de algum reino, onde possa mostrar a gratidão e liberalidade que meu peito encerra. Por minha fé, senhor, que a ninguém pode mostrar o pobre a virtude da liberalidade, ainda que a possua em sumo grau; e o agradecimento que só consiste no desejo é coisa morta, como é morta a fé sem obras.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“— (...) só sei que, tão logo tivesse eu o condado, saberia reger, pois tenho tanta alma como outro e tanto corpo como o que o tem mais; e tão rei seria do meu Estado como cada qual do seu. Sendo assim, faria o que quisesse; e fazendo o que quisesse, faria o meu gosto; e fazendo o meu gosto, estaria contente; e estando contente, não teria mais o que desejar; e não tendo mais o que desejar, acabou-se; venha pois o Estado, adeus e vejamo-nos, como disse um cego a outro.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“Não digo que os deixem escolher entre coisas ruins e más, mas que lhes ofereçam coisas boas e, entre as boas, que escolham eles a seu gosto.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 1”)



“(...) os agravos despertam a cólera nos humildes peitos (...).”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“O que não pude deixar de sentir é que me tachasse de velho e de manco, como se em minha mão estivesse haver detido o tempo, para que por mim não passasse, ou como se minha manqueira houvesse nascido em alguma taverna, e não na mais alta oportunidade que viram os séculos passados, e os presentes, e não esperam ver os vindouros. Se minhas feridas não resplandecem aos olhos de quem as mira, são pelo menos estimadas, na estima dos que sabem onde se ganharam; que o soldado melhor parece morto na batalha que livre na fuga (...).”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) é bom advertir que não se escreve com as cãs, mas com o entendimento, que sói melhorar com os anos.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“A abundância das coisas, mesmo que boas, faz com que se não estimem, e em algo se estima a carência, até das más.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Ampare-te Deus, pobre Dom Quixote, pois me parece que te despenhas do alto cume de tua loucura para o profundo abismo de tua simplicidade!”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) é próprio e natural dos poetas desdenhados e não aceitos por suas damas, fingidas ou não fingidas, mas sempre aquelas que escolheram para senhoras de seus pensamentos, vingar-se com sátiras e libelos, vingança, por certo, indigna de peitos generosos (...).”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Veremos em que vai parar esta máquina de disparates de tal cavaleiro e tal escudeiro, que parece terem sido os dois forjados no mesmo molde, e não valeriam um real as loucuras do amo sem as nescidades do criado.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Olha, Sancho — observou Dom Quixote: — perseguida é a virtude, onde quer que se mostre em grau eminente.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Mas uma coisa é escrever como poeta, e outra como historiador. O poeta pode contar e cantar as coisas, não como foram, mas como deviam ser; e o historiador deve escrevê-las, não como deviam ser, mas como foram, sem aditar nem tirar à verdade ponto algum.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Quando eu quisesse esquecer as bordoadas que me deram — disse Sancho —, não o consentiriam os vergões, que ainda estão frescos nas costelas.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Por Deus, senhor — tornou Sancho. — A ilha que eu não governar com os anos que tenho não a governarei com os de Matusalém. O mal está em a dita ilha entreter-se não sei onde, e não em faltar-me, a mim, o miolo para governá-la.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Não há livro tão mau — observou o bacharel —, que algo de bom não conhetenha [máxima de Plínio, o Velho].”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) como as obras impressas se olham devagar, facilmente se veem suas faltas, e tanto mais se esquadrinham quanto maior é a fama de quem as compôs. Os homens famosos por seu engenho, os grandes poetas, os ilustres historiadores, sempre, ou no mais das vezes, são invejados por aqueles que têm por gosto e especial entretenimento julgar os escritos alheios, sem haver dado alguns próprios à luz do mundo.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Meta cada um a mão no seu peito e não se ponha a julgar (...); que cada qual é como Deus o fez, e ainda pior muitas vezes.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) as obras que se fazem depressa nunca se acabam com a perfeição que requerem.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Além disso, tenho ouvido dizer, e creio que de meu próprio amo, que entre os extremos de covarde e de temerário está o meio da valentia.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“O melhor tempero do mundo é a fome, e como esta não falta aos pobres, sempre comem com gosto.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) sempre ouvi dizer, a meus avós, que quem não sabe gozar da ventura, quando vem, não se deve queixar, se ela passa.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) mas outra vez vos digo que façais o que vos der na vontade. Com esta carga nascemos nós, as mulheres: ser obedientes aos maridos, ainda que sejam alimárias.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Que é isto, senhora ama? Que lhe aconteceu, que parece querer arrancar-lhe a alma?
— Não é nada, senhor Sansão, mas meu amo se vai; vai-se sem dúvida!
— Vai-se por onde, senhora? — perguntou Sansão. — Rompeu-se-lhe alguma parte do corpo?
— Vai-se pela porta de sua loucura — respondeu ela.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Senhor, já tenho minha mulher reluzida a deixar-me ir com vosmecê, aonde me queira levar.
— Deves dizer 'reduzida', Sancho, e não 'reluzida' — observou Dom Quixote.
— Uma ou duas vezes — respondeu Sancho —, se bem me lembro, supliquei a vosmecê não me emendar os vocabos, desde que entenda o que quero dizer com eles. E, quando não os entender, diga: 'Sancho, diabos, que te não entendo'. E, se eu não me explicar, então poderá emendar-me, pois sou tão fócil...
— Não te entendo, Sancho — disse logo Dom Quixote —, pois não sei que quer dizer 'sou tão fócil'.
— 'Tão fócil' — esclareceu Sancho — quer dizer 'sou tão assim'...
— Menos te entendo agora — replicou Dom Quixote.
— Pois, se não me pode entender — tornou Sancho —, não sei como dizê-lo; não sei mais e valha-me Deus.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Teresa disse (...) que eu ponha com vosmecê os pingos nos is, e que fique o preto no branco, porque quem corta não embaralha, e mais vale um toma que dois te darei. E eu digo que conselho de mulher é pouco, mas quem não o toma é louco.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Enfim, quero saber o que ganho, pouco ou muito que seja; que sobre o indez põe a galinha dez, e muitos poucos fazem um muito, e enquanto se ganha algo, nada se perde.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Lembra-te, filho, de que mais vale boa esperança que ruim posse e boa queixa do que má paga.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Ó inveja, raiz de infinitos males, carcoma das virtudes! Todos os vícios, Sancho, trazem em si algo de deleite; mas o da inveja somente traz desgostos, rancores e raiva.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) considere costumar-se dizer que o bom coração quebranta a má ventura, e onde não há toicinhos faltam espetos; e também se diz: donde não se espera, daí é que sai.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Ora bem, todas as coisas têm remédio, a não ser a morte, sob cujo domínio temos todos de passar, queiramos ou não, ao acabar a vida.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Senhor, as tristezas não se fizeram para os animais, mas para os homens. Se, porém, os homens as sentem em demasia, animais se tornam.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Entreguemos, porém, tudo a Deus, que é o sabedor de todas as coisas que hão de suceder neste vale de lágrimas, neste mau mundo que temos e onde raramente se encontra o que esteja sem mescla de maldade, embuste e velhacaria.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) nós por cá nos arranjaremos e passaremos o melhor que pudermos, buscando nossas aventuras e deixando que o tempo faça das suas, que ele é o melhor médico destas e de outras maiores enfermidades.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) embora todas, ou a maior parte das vezes, em que Sancho queria falar por contraste e à moda da corte, acabasse seu argumento por despenhar-se do cume de sua simplicidade para a profundeza de sua ignorância.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Porventura, senhor cavaleiro — perguntou o do Bosque —, sois enamorado?
— Sou-o, por desventura — explicou Dom Quixote —, embora os danos que nascem dos bem colocados pensamentos antes se devam ter propriamente por mercês que por desditas.
— Esta é a verdade — replicou o do Bosque —, se não nos perturbassem a razão e o entendimento os desdéns, que, por serem muitos, parecem vinganças.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Não há caminho tão plano — replicou Sancho — que não tenha algum tropeço ou barranco; em outras casas cozem favas e na minha caldeiradas; mais acompanhantes e apaniguados deve ter a loucura que a discrição.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“E tanto o vencedor é mais honrado
quanto mais é o vencido reputado.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) saiba, meu senhor, que não hei de pelejar. Lutem nossos amos, se é do seu gosto, e bebamos e vivamos nós, que o tempo se encarregará de tirar-nos as vidas, sem que andemos buscando estímulos para que se acabem antes de chegarem a sua sazão e termo e caírem de maduras.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Cuide cada qual do que lhe importa, embora o mais acertado fosse cada qual deixar dormir sua cólera; ninguém entra no pensamento alheio, e quem vem buscar lã pode sair tosquiado. Deus abençoou a paz e maldisse as rixas, pois, se um gato acossado, preso e apertado se muda em leão, eu, que sou homem, sabe Deus em que me poderei mudar.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Por certo, senhor Sansão Carrasco, que tivemos o merecido. Com facilidade se pensa numa empresa e se vai a ela, mas com dificuldade, na maioria das vezes, dela se sai. Dom Quixote é louco e nós, sensatos; ele vai-se rindo e são, vosmecê fica moído e triste. Vejamos, pois, agora: quem é mais louco? Quem o é porque não o pode deixar de ser, ou quem o é espontaneamente?”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Os filhos, senhor, são pedaços das entranhas de seus pais e assim se hão de querer, bons ou maus que sejam, como se quer às almas que nos dão vida. Aos pais compete encaminhá-los desde pequenos pelas estradas da virtude, da boa criação e dos bons e cristãos costumes, para que, quando crescidos, sejam báculos da velhice de seus pais e glória de sua posteridade. Por acertado não tenho, porém, o forçá-los a estudar esta ou aquela ciência, embora não seja danoso persuadi-los. E quando não se precisa estudar para 'pane lucrando', por ser o estudante tão venturoso que lhe deu o céu pais que o pão lhe deixem, seria eu de parecer que o deixassem seguir aquela ciência a que mais inclinado o virem; e embora a da poesia seja menos útil do que deleitável, não é daquelas que soem desonrar a quem as possui.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Pois bem sei o que é a valentia, virtude que se coloca entre dois extremos viciosos, como são a covardia e a temeridade. Menos mal, porém, será que o valente chegue e suba ao ponto de temerário, do que desça e chegue ao ponto de covarde. Assim, como é mais fácil vir o pródigo a ser liberal do que o avaro, também mais fácil é dar com o temerário em verdadeiro valente, do que subir o covarde à verdadeira valentia.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Não me parece mal essa humildade — respondeu Dom Quixote —, pois não há poeta que não seja arrogante e não pense de si mesmo que é o maior do mundo.
— Não há regra sem exceção — observou Dom Lourenço. — Algum haverá que o seja e não o pense.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Não é curioso dizer-se que Dom Lourenço folgou por ver-se louvado de Dom Quixote, embora o tivesse por louco? Ó força da adulação, até onde te estendes e quão dilatados são os limites de tua jurisdição agradável!”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) só me contento com lembrar a Vossa Mercê que, sendo poeta, poderá ser famoso se se guiar mais pelo parecer alheio do que pelo próprio; pois não há pai nem mãe a quem pareçam feios os filhos, e nos que são filhos do entendimento é mais corrente esse engano.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) o amor e a afeição com facilidade cegam os olhos do entendimento, tão necessários para escolher estado. No do matrimônio, enorme é o perigo de errar e para acertar é mister grande tento e particular favor do céu. Quem quer fazer longa viagem, se é prudente, antes de pôr-se a caminho busca alguma companhia segura e aprazível, que o possa acompanhar. Por que, então, não fará o mesmo quem há de caminhar a vida inteira, até o paradeiro da morte, e ainda mais se a companhia o há de seguir na cama, na mesa, e por toda parte, qual é a da mulher com seu marido? A esposa não é mercadoria que, uma vez comprada, se devolve, se troca ou se cambia, pois o casamento é acidente irreparável, que dura enquanto a vida durar; é um laço que, uma vez posto ao pescoço, volve-se nó górdio, impossível de desatar, se o não corta a garra da morte.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Deus fará o melhor — disse Sancho —, pois Deus, que dá a doença, dá o remédio. Ninguém sabe o que está por acontecer. Daqui até amanhã há muitas horas, e, em uma hora, ou mesmo num instante, a casa cai. Já vi chover e fazer sol tudo ao mesmo tempo. Há quem se deite são à noite e não se possa mover no outro dia. Digam-me: por ventura há quem se gabe de ter posto freio à roda da fortuna? Não, por certo.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Sobre bom cimento se pode levantar bom edifício e o melhor cimento e alicerce do mundo é o dinheiro.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Tanto vales quanto tens e tanto tens quanto vales. Só há duas linhagens no mundo, como dizia minha avó, e são a do ter e a do não ter, embora ela preferisse a do ter. Nos dias de hoje, senhor Dom Quixote, antes se toma o pulso ao haver que ao saber. Um asno coberto de ouro parece melhor que um cavalho com albarda.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Por minha boa-fé, senhor — respondeu Sancho —, não se deve fiar na descarnada, quero dizer, na morte, a qual tanto come cordeiro como carneiro. Ouvi nosso cura dizer que ela com igual pé pisava as altas torres dos reis e as humildes choças dos pobres. Tem essa senhora mais poder que melindres; de nada se enoja, de tudo come e tudo engole; enche seus alforjes de toda espécie de gentes, idades e preeminências. Não é segador que durma a sesta, pois a todas as horas sega, cortando tanto a erva seca como a verde. E não parece que mastiga, mas que engole e traga quanto vê à sua frente, pois tem fome canina, que nunca se farta; e embora não tenha barriga, dá a entender que está hidrópica e sedenta de beber, sozinha, a vida de todos os viventes, como quem bebe um jarro de água fria.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Não há motivo para tomardes vingança dos agravos que o amor nos faz. Lembrai-vos de que o amor e a guerra são uma só e a mesma coisa. Assim como na guerra é lícito e costumeiro usar de ardis e estratagemas para vencer o inimigo, assim nas contendas e competições amorosas se têm por bons os embustes e patranhas que se fazem para se conseguir o fim desejado, desde que não sejam em menoscabo e desonra do objeto amado.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) pois também os pobres virtuosos e discretos têm quem os siga, ampare e honre, como os ricos têm quem os lisonjeie e acompanhe.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“E que o de se casarem os enamorados é fim da maior excelência, advertindo que o maior adversário do amor é a fome e a contínua necessidade, porque o amor é todo alegria, regozijo e contentamento, principalmente quando o amante está de posse da coisa amada, de que são inimigas declaradas e adversas a precisão e a pobreza.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Essa pergunta e essa resposta não são tuas, Sancho — disse Dom Quixote. — De alguém as ouviste.
— Cale-se, senhor — replicou Sancho. — Por minha fé, se dou para perguntar e responder, não acabarei de agora até amanhã. Sim, porque, para perguntar tolices e responder disparates não hei mister de andar buscando ajuda de vizinhos.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Com efeito, agora acabo de conhecer que todos os prazeres desta vida passam como sombras e sonhos, ou murcham como a flor do campo.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Creia-me Vossa Mercê, senhor Dom Quixote de La Mancha, que isso que se chama necessidade em qualquer parte se usa, e por tudo se estende, e a todos alcança, e mesmo aos encantados não perdoa (...).”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) menos mal faz o hipócrita que se finge de bom do que o público pecador.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“À guerra me leva
a bolsa vazia;
tivesse eu dinheiro
que lá não iria.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“E isto que agora lhe quero dizer, leve-o na memória, pois lhe será de muito proveito e alívio em seus trabalhos: e é que afaste a imaginação dos sucessos adversos que poderão vir, pois o pior de tudo é a morte e, sendo esta boa, o melhor de tudo é morrer.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Tanto mais quanto já se vai dando ordem para que se cuidem e remedeiem os soldados velhos e estropiados, pois não fica bem se faça com eles o que soem fazer os que alforriam e dão liberdade a seus negros, quando já são velhos e não podem servir, pois, lançando-os de casa com o título de libertos, escravos os fazem da fome, de que só se alforriarão com a morte.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Agora digo — interveio Dom Quixote — que quem muito lê e muito anda muito vê e muito sabe.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Simplicidade, rapaz. Não te metas a alturas, que toda afetação é má!”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Não foge quem se retira — respondeu Dom Quixote. — Deves saber, Sancho, que a valentia que se não funda sobre a base da prudência temeridade se chama, e as façanhas do temerário mais se atribuem à boa sorte que a seu ânimo.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Por minha fé, senhor meu amo, pouco sentimos o mal alheio (...).”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Ouvi dizer que isto a que chamam natureza é como um oleiro que faz vasos de barro. Quem faz um vaso formoso também pode fazer dois, e três e cem.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Muitas graças não se podem dizer com poucas palavras.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Senhora minha, embora tivessem princípio, minhas desgraças nunca terão fim.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) o haver-me repreendido em público e tão asperamente passou os limites todos da boa repreensão, que melhor se assenta sobre a brandura que sobre a aspereza. Nem fica bem, sem ter conhecimento do pecado, chamar ao pecador, sem mais nem menos, mentecapto e maluco.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Endereço sempre minhas intenções a bons fins, que são os de fazer bem a todos e mal a ninguém.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) por muitas experiências, sabemos não ser mister muita habilidade ou muitas letras para alguém ser governador, pois por aí há centenas que mal sabem ler e governam como gerifaltes. O ponto está em que tenham boa intenção e desejam acertar em tudo, pois nunca lhes faltará quem os aconselhe e encaminhe no que devem fazer.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) segundo me disse Sansão Carrasco, que é pessoa bacharelada por Salamanca, e os tais não podem mentir, senão quando se lhes antolha ou lhes vem muito a calhar. Assim, não há para que ninguém se meta comigo. Já, pois, que tenho boa fama e, como ouvi meu amo dizer, mais vale o bom nome que as muitas riquezas (...).”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Em verdade, senhora — confessou Sancho —, em minha vida tenho bebido por vício. Com sede, também pode ser, pois nada tenho de hipócrita. Bebo quando me dá vontade e, quando não a tenho, para não parecer melindroso ou malcriado.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Senhora, onde há música não pode haver coisa má.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) vá-se o diabo para os diabos e o temos para os mesquinhos. O bom coração quebranta a má ventura, como bem sabeis.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Lembre-se, Sancho, de que as obras de caridade tíbia e frouxamente feitas não têm méritos e nada valem.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“A duquesa minha senhora beija-te mil vezes as mãos; retribuí-lhe com duas mil, pois coisa não há que menos custe e mais valha, embora barata, do que os bons modos, como diz meu amo.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Sabe: os ofícios e grandes cargos não são senão um golfo profundo de confusões.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) deves pôr os olhos em quem és, procurando conhecer-te a ti mesmo, que é o mais difícil conhecimento que se pode imaginar.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Olha, Sancho: se tomas por meio a virtude e te empenhas em praticar atos virtuosos, não há para que ter inveja aos nascidos príncipes e senhores; porque o sangue se herda e a virtude se adquire. E vale por si só a virtude o que não vale o sangue.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Se acaso dobrares a vara da justiça, não seja com o peso da dádiva, mas com o da misericórdia.
Quando te suceder julgar algum pleito de algum teu inimigo, afasta a mente de tua ofensa e põe-na na verdade do caso.
Não te cegue a paixão própria em causa alheia. Os erros que fizeres nela serão na maior parte das vezes sem remédio e, se remédio tiverem, será à custa de teu crédito e mesmo de tua fazenda.
(...)
Ao que castigares com obras, não trates mal com palavras, pois basta ao desditoso a pena do suplício, sem o acréscimo das más razões.
Ao culpado que cair sob tua jurisdição, considera-o homem miserável, sujeito às condições da depravada natureza nossa. Em tudo quanto te couber, sem fazer agravo à parte contrária, mostra-te piedoso para com ele, e clemente. Porque, embora sejam todos iguais os atributos de Deus, mais resplandece e campeia, a nosso ver, o da misericórdia que o da justiça.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Anda devagar; fala com descanso, mas não de modo a parecer que te escutas a ti mesmo, pois toda a afetação é má.
(...)
Sê temperante no beber, considerando que o vinho demasiado não guarda segredos nem cumpre palavra.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— 'Eructar', Sancho — explicou Dom Quixote —, quer dizer 'arrotar'. Este é um dos mais torpes vocábulos que tem a nossa língua, embora seja muito significativo. Assim, a gente cuidadosa se valeu do latim, e em vez de arrotar diz eructar, pondo em lugar de arrotos, eructações. E ainda que alguns não entendam esses termos, pouco importa. O uso os irá introduzindo com o tempo, para que se entendam com facilidade. Isso é enriquecer a língua, sobre a qual têm poder o vulgo e o uso.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Lembra-te, ó bom Sancho, de que a diligência é mãe da boa ventura, e a preguiça, sua adversária, jamais chegou ao fim pedido pelo bom desejo.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Se o cântaro dá na pedra, ou a pedra no cântaro, sempre é pior para o cântaro.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“E como se contém e encerra nos estreitos limites da narrativa, tendo embora habilidade, suficiência e talento para tratar do universo inteiro, pede não se despreze seu trabalho e louvores lhe sejam dados, não pelo que escreve, mas pelo que deixou de escrever.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Eu, embora mouro, bem sei, pelas relações que tive com cristãos, que a santidade consiste na humildade, na fé, na caridade, na obediência e na pobreza. Apesar disso, porém, digo que muito há de ter de Deus quem chegar a contentar-se com ser pobre, se não se tratar daquela espécie de pobreza de que fala um dos maiores santos cristãos: 'Tende todas as cosias como se as não tivésseis'. A isso chamam pobreza de espírito.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) e tinha tão boa memória que, se não se esquecesse de tudo quanto queria lembrar, em toda a ilha não haveria memória igual.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Quem sabe se esta solidão, esta ocasião e este silêncio não irão despertar meus desejos adormecidos, fazendo com que, ao cabo de meus anos, venha a cair onde nunca tropecei? Em casos semelhantes, melhor é fugir que esperar batalha.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Sempre é mais louvado fazer o bem do que o mal. Isso o daria eu firmado por meu nome, se soubesse assinar. Neste caso não falei por mim mesmo, mas veio-me à memória um preceito, entre outros muitos, que me deu meu amo Dom Quixote, na noite antes que eu viesse a ser governador desta ilha. Foi que, quando a justiça estivesse em dúvida, que desviasse e acolhesse a misericórdia.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Para ganhar a boa vontade do povo que governas, entre outras coisas duas deves fazer: uma, ser bem-criado com todos, embora isto já de outra vez te haja dito; a outra, proporcionar abundância de mantimentos. Não há coisa que mais fatigue o coração dos pobres que a fome e a carestia.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Sê pai das virtudes e padrasto dos vícios.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) a ingratidão é filha da soberba e um dos maiores pecados que se conhecem.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Pensar que as coisas desta vida sempre hão de durar sem mudança é escusado; antes parece que ela anda toda a rodo, digo, à roda. Da primavera vai-se ao verão, deste ao estio, do estio ao outono, do outono ao inverno, e este volta à primavera; e assim torna a andar o tempo com esta roda contínua. Só a vida humana corre para seu fim, mais ligeira que o vento, sem esperar renovar-se senão na outra vida, que não tem termos que a limitem.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Sei que o bem que se ganhou perde-se, e o que mal se ganhou perde-se a ele e ao dono.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Quantos não pensados acontecimentos soem ocorrer a cada passo, aos que vivem neste mísero mundo!”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Às vezes ia às escuras e às vezes sem luz, mas nenhuma vez sem medo.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Bem-vindo é um mal, quando outro não o acompanha.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Não te aborreças, Sancho, nem te incomodes com o que ouvires. Seria um nunca acabar. Vem tu com segura consciência e digam o que disserem. Querer atar a língua dos maldizentes é o mesmo que querer colocar portas no campo. Se o governador sai rico de seu governo, dizem que foi um ladrão; se sai pobre, que foi tolo e mentecapto.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“E o menino cego, a que soem chamar habitualmente Amor por essas ruas, não quis perder a ocasião que se lhe oferecia de triunfar de uma alma lacaiesca e pô-la na lista de seus troféus. Assim, chegando-se bonitamente a ele e sem que ninguém o visse, perfurou o pobre lacaio com uma flecha de duas varas de comprimento pelo lado esquerdo, atravessando-lhe todo o coração. E pôde fazê-lo com plena segurança, pois o Amor é invisível e entra e sai por onde quer, sem que ninguém lhe peça conta dos feitos.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os céus deram aos homens. Com ela não se podem igualar os tesouros que a terra encerra ou o mar encobre. Pela liberdade, assim como pela honra, pode-se e deve-se arriscar a vida. Ao contrário, o cativeiro é o maior mal que aos homens pode sobrevir.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Lembra-te, Sancho — ponderou Dom Quixote —, de que o amor nem olha a respeitos nem guarda termos de razão em seus discursos. Tem a mesma condição que a morte: tanto acomete aos altos alcáçares dos reis como as humildes choças dos pastores. Quando toma inteira posse de uma alma, o primeiro que faz é tirar-lhe o temor e a vergonha.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Lembra-te, Sancho — retrucou Dom Quixote —, de que há duas espécies de formosura: uma, da alma; a outra, do corpo. A da alma campeia e se mostra no entendimento, na honestidade, no bom proceder, na liberalidade, na boa educação, e todas estas partes cabem e podem estar em um homem feio. Quando se lança a vista a esta formosura e não à do corpo, sói nascer o amor com ímpeto e com vantagem. Eu, Sancho, bem vejo que não sou formoso. Também conheço, contudo, que não sou disforme. E basta a um homem de bem não ser monstro para ser querido, desde que tenha os dotes de alma de que te falei.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Com a razão que me assiste, podes dar por vencidos a todos quantos a quiserem contradizer.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) não são burlas as que molestam, nem há passatempos que valham, se feitos com dano de terceiro.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Irmão — interveio Dom Antônio —, segui vosso caminho e não deis conselhos a quem vo-los não pede.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Quem sou eu?
Foi-lhe respondido.
— Tu o sabes.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Não imprimo meus livros para alcançar fama no mundo, que já nele sou conhecido por minhas obras. Lucros quero, pois sem eles não vale migalha a boa fama.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Sancho, embora detestasse ser governador, como fica dito, todavia desejava voltar a mandar e a ser obedecido; esta má ventura traz consigo o mando, mesmo sendo de burla.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Não sabes tu que não é valentia a temeridade? As esperanças duvidosas devem fazer os homens atrevidos, porém não temerários.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Muito bem o pinta e facilita vosmecê — tornou Sancho. — Mas do dito ao feito vão muitos passos.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Sempre ouvi dizer que mais vale boa esperança que posse ruim.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) quem hoje cai pode amanhã levantar-se, a não ser que prefira ficar na cama. Quero dizer, a menos que se deixe abater, sem recobrar novos brios para novas pendências.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Não se abraçaram uns aos outros, porque, onde há muito amor, não costuma haver demasiada desenvoltura.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) por meio de favores e dádivas, muitas coisas difíceis se conseguem.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Tão de valentes corações é, meu amo, ter resignação nas desgraças quanto alegria nas prosperidades.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Sem dúvida, este teu amo, Sancho amigo, deve ser um louco.
— Como, deve? — respondeu Sancho. — Não deve nada a ninguém. Tudo paga, principalmente quando a moeda é a loucura.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Se mal não lembro, já uma vez te disse que os rifões são sentenças breves, tiradas da experiência e especulação de nossos antigos sábios. O provérbio que não vem a calhar, antes é disparate que sentença.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Só entendo que, enquanto durmo, não tenho temor, nem esperança, nem trabalho, nem glória. Bem haja quem inventou o sono, capa que cobre todos os humanos pensamentos, manjar que tira a fome, água que afugenta a sede, fogo que aquece o frio, frio que tempera o ardor, e em suma, moeda geral com que todas as coisas se compram, balança e peso que igualam o pastor ao rei e o simples ao discreto.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Sim, nesta casa tudo é cortesia e bom comedimento; mas, para os vencidos, o bem se muda em mal e o mal em pior.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Agora venho a conhecer clara e distintamente que há encantadores e encantamentos no mundo, dos quais Deus me livre, pois não me sei livrar.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Torno a suplicar que me deixe vosmecê dormir, porque o sono alivia as misérias dos que as têm acordados.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Disse um diabo a outro: 'Vede que livro é este'. O outro diabo respondeu: 'Esta é a Segunda parte da história de Dom Quixote de La Mancha, não composta por Cide Hamete, seu autor, mas por um aragonês que diz ser natural de Tordesilhas'. E disse o outro diabo: 'Tirai-mo daí e metei-o nas profundezas dos infernos, para que meus olhos não mais o vejam'. 'É tão ruim?', perguntou o outro. 'Tão mau', respondeu o primeiro, 'que, se eu mesmo de propósito tentasse fazê-lo pior, não o conseguiria'.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Não me alterei ouvindo dizer que ando como corpo fantástico pelas trevas do abismo, nem pelas claridades da terra, porque não sou aquele de quem essa história trata. Se ela for boa, fiel e verdadeira, terá séculos de vida; se, porém, for má, de seu parto à sepultura não será mui extenso o caminho.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“(...) há físicos que, matando o enfermo que curam, querem ser pagos de seu trabalho, que não passa de assinar uma receita de alguns remédios, não feitos por eles, mas pelo boticário, e o resto que leve a breca.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Falando grosseiramente, o asno suporta a carga, mas não a sobrecarga.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— E esse Dom Quixote — indagou o nosso herói — levava consigo um escudeiro chamado Sancho Pança?
— Sim, levava — respondeu Dom Álvaro. — E embora tivesse fama de ser muito gracioso, nunca lhe ouvi dizer graça que a tivesse.
— Isso creio eu muito bem — interveio neste ponto Sancho —, pois o dizer graças não é para todos. Este Sancho de que vosmecê fala, senhor fidalgo, deve ser algum grandíssimo velhaco, insosso e também ladrão. O verdadeiro Sancho Pança sou eu, e tenho graças como chuva. Senão, faça vosmece a experiência e ande atrás de mim, pelo menos um ano, e verá que me caem a cada passo, tais e tantas que, sem saber eu a maior parte das vezes o que digo, faço rir quantos me escutam.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“— Como vindes assim, marido meu, que chegais a pé e derreado, e mais trazeis aspecto de desgovernado que de governador?
— Cala-te, Teresa — respondeu Sancho. — Muitas vezes, onde há espetos não há toicinhos. Vamos para nossa casa, que lá ouvirás maravilhas. Dinheiro trago, e é o que importa, ganho por minha indústria e sem dano de ninguém.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“A maior loucura que um homem pode fazer nesta vida é deixar-se morrer, sem mais nem menos, sem que ninguém o mate, nem deem cabo dele outras mãos que não as da melancolia.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Encerrou com isto o testamento, e, tomado de um desmaio, espichou-se na cama. Alvoroçaram-se todos e acudiram a socorrê-lo. Nos três dias que viveu depois deste em que fez o testamento, desmaiava muito amiúde. Andava a casa em alvoroto, mas, apesar de tudo, comia a sobrinha, bebia a ama e se regozijava Sancho Pança, pois isto de herdar algo apaga ou mitiga no herdeiro a memória da pena que é razão que deixe o morto.”
(Miguel de Cervantes, no livro “Dom Quixote - Volume 2”)



“Alheio às perguntas capciosas, Botão só se preocupava com a aflição do seu patrono, talvez a única pessoa a desconhecer que fora designado exclusivamente para dar aparência de legalidade ao processo.
(...)
O advogado, que permanecera na sala, indagou:
— Por que acusam o meu cliente de traficante de drogas, se antes o incriminavam de estuprador e cúmplice de centenas de adultérios?
— Que ingenuidade, amigo. Você está há pouco tempo entre nós e ignora que aqui só prevalece a vontade do Juiz (...). Se decidiu que esse palhaço cometeu outro delito, não nos cabe discutir e sim preparar as provas necessárias à sua condenação.”
(Murilo Rubião, no conto “Botão-de-Rosa”, no livro “O Convidado”)



“O Presidente do Tribunal leu a sentença que condenava Botão-de-Rosa à pena de morte, a ser cumprida no dia seguinte, e exortou a todos que respeitassem a integridade física do condenado, deixando ao verdugo a tarefa de eliminá-lo.”
(Murilo Rubião, no conto “Botão-de-Rosa”, no livro “O Convidado”)



“Distante da rotina, seu raciocínio emperrava, sobretudo se estavam em jogo pessoas de condição social acima da sua.”
(Murilo Rubião, no conto “Epidólia”, no livro “O Convidado”)



“Sabia do seu egoísmo, omitindo-se dos problemas futuros da filha. Talvez a estimasse pela obrigação natural que têm os pais de amar os filhos.”
(Murilo Rubião, no conto “O Bloqueio”, no livro “O Convidado”)



“— Já temos vadios de sobra nesta localidade. O que veio fazer aqui? — perguntou o policial.
— Nada.
— Então é você mesmo. Como é possível uma pessoa ir a uma cidade desconhecida sem nenhum objetivo? A menos que seja um turista.”
(Murilo Rubião, no conto “A Cidade”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“— O comunicado do setor de segurança é claro e diz textualmente: 'O homem chegará dia 15, isto é, hoje, e pode ser reconhecido pela sua exagerada curiosidade.

O policial encerrou os interrogatórios, declarando que os depoimentos ali prestados eram suficientes para incriminar o acusado, porém, não desejava precipitar-se. Aguardaria o aparecimento de alguém que reunisse contra si indícios de maior culpabilidade e eximisse Cariba das acusações que lhe pesavam.
— Quer dizer que permanecerei preso esse tempo todo?
A resposta do delegado desanimou-o: ficaria encarcerado até a captura do verdadeiro criminoso.
E se o culpado não existisse?”
(Murilo Rubião, no conto “A Cidade”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Cariba sente o imenso poder daquela prisão.
Caminha, dentro da noite, de um lado para outro. E, ao avistar o guarda, cumprindo sua ronda noturna, a examinar se as celas estão em ordem, corre para as grades internas, impelido por uma débil esperança:
— Alguém fez hoje alguma pergunta?
— Não. Ainda é você a única pessoa que faz perguntas nesta cidade?”
(Murilo Rubião, no conto “A Cidade”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Hoje sou funcionário público e este não é o meu desconsolo maior.
Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se às vicissitudes, através de um processo lento e gradativo de dissabores.
Tal não aconteceu comigo.”
(Murilo Rubião, no conto “O Ex-Mágico Da Taberna Minhota”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“O que poderia responder, nessa situação, uma pessoa que não encontrava a menor explicação para sua presença no mundo? Disse-lhe que estava cansado. Nascera cansado e entediado.”
(Murilo Rubião, no conto “O Ex-Mágico Da Taberna Minhota”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“O gerente do circo, a me espreitar de longe, danava-se com a minha indiferença pelas palmas da assistência. Notadamente se elas partiam das criancinhas que me iam aplaudir nas matinês de domingo. Por que me emocionar, se não me causavam pena aqueles rostos inocentes, destinados a passar pelos sofrimentos que acompanham o amadurecimento do homem?”
(Murilo Rubião, no conto “O Ex-Mágico Da Taberna Minhota”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Com o crescimento da popularidade a minha vida tornou-se suportável.”
(Murilo Rubião, no conto “O Ex-Mágico Da Taberna Minhota”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Urgia encontrar solução para o meu desespero. Pensando bem, concluí que somente a morte poria termo ao meu desconsolo.
Firme no propósito, tirei dos bolsos uma dúzia de leões e, cruzando os braços, aguardei o momento em que seria devorado por eles. Nenhum mal me fizeram. Rodearam-me, farejaram minhas roupas, olharam a paisagem, e se foram.
Na manhã seguinte regressaram e se puseram, acintosos, diante de mim.
— O que desejam, estúpidos animais?! — gritei, indignado.
Sacudiram com tristeza as jubas e imploraram-me que os fizesse desaparecer:
— Este mundo é tremendamente tedioso — concluíram.”
(Murilo Rubião, no conto “O Ex-Mágico Da Taberna Minhota”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Uma frase que escutara por acaso, na rua, trouxe-me nova esperança de romper em definitivo com a vida. Ouvira de um homem triste que ser funcionário público era suicidar-se aos poucos. Não me encontrava em condições de determinar qual a forma de suicídio que melhor me convinha: se lenta ou rápida. Por isso empreguei-me numa Secretaria de Estado.”
(Murilo Rubião, no conto “O Ex-Mágico Da Taberna Minhota”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Quando era mágico, pouco lidava com homens — o palco me distanciava deles. Agora, obrigado a constante contato com meus semelhantes, necessitava compreendê-los, disfarçar a náusea que me causavam.”
(Murilo Rubião, no conto “O Ex-Mágico Da Taberna Minhota”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Fui ao chefe da seção e lhe declarei que não podia ser dispensado, pois tendo dez anos de casa, adquirira estabilidade no cargo.
Fitou-me por algum tempo em silêncio. Depois, fechando a cara, disse que estava atônito com meu cinismo. Jamais poderia esperar de alguém, com um ano de trabalho, ter a ousadia de afirmar que tinha dez.
Para lhe provar não ser leviana a minha atitude, procurei nos bolsos os documentos que comprovavam a lisura do meu procedimento. Estupefato, deles retirei apenas um papel amarrotado — fragmento de um poema inspirado nos seios da datilógrafa.
Revolvi, ansioso, todos os bolsos e nada encontrei.
Tive que confessar minha derrota. Confiara demais na faculdade de fazer mágicas e ela fora anulada pela burocracia.”
(Murilo Rubião, no conto “O Ex-Mágico Da Taberna Minhota”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Meus senhores: na luta vence o mais forte e o momento é de decisões supremas. Os que desejarem sobreviver ao tempo tirem os seus chapéus!”
(Murilo Rubião, no conto “O Pirotécnico Zacarias”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Sem cor jamais quis viver.”
(Murilo Rubião, no conto “O Pirotécnico Zacarias”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Discutiram em seguida outras soluções e, por fim, consideraram que me lançar ao precipício, um fundo precipício, que margeava a estrada, limpar o chão manchado de sangue, lavar cuidadosamente o carro, quando chegassem a casa, seria o alvitre mais adequado ao caso e o que melhor conviria a possíveis complicações com a polícia, sempre ávida de achar mistério onde nada existe de misterioso.”
(Murilo Rubião, no conto “O Pirotécnico Zacarias”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Não fosse o ceticismo dos homens, recusando-se aceitar-me vivo ou morto, eu poderia abrigar a ambição de construir uma nova existência.”
(Murilo Rubião, no conto “O Pirotécnico Zacarias”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Só um pensamento me oprime: que acontecimentos o destino reservará a um morto se os vivos respiram uma vida agonizante? E a minha angústia cresce ao sentir, na sua plenitude, que a minha capacidade de amar, discernir as coisas, é bem superior à dos seres que por mim passam assustados.”
(Murilo Rubião, no conto “O Pirotécnico Zacarias”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Os primeiros dragões que apareceram na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes.”
(Murilo Rubião, no conto “Os Dragões”, no livro “O Pirotécnico Zacarias”)



“Começava a ter medo dos outros. Aprendia que a nossa solidão nasce da convivência humana.”
(Nelson Rodrigues, no livro “O Óbvio Ululante”)



“Ivan Iákovlievitch, como todo artesão russo honrado, era um tremendo beberrão. E embora barbeasse o queixo dos outros todos os dias, o seu próprio estava eternamente sem barbear.”
(Nicolai Gogol, no conto “O Nariz”)



“Não se pode comparar de nenhuma maneira os assessores de colegiatura que recebem esse título por meio de certificados acadêmicos com aqueles assessores de colegiatura que se fazem no Cáucaso. São duas espécies completamente diferentes. Os assessores de colegiatura acadêmicos... Ah! Mas a Rússia é uma terra tão maravilhosa que, se você falar de um assessor de colegiatura, todos os assessores de colegiatura, de Riga até Kamtchátka, imediatamente se sentirão atingidos. O mesmo se diga de todos os outros cargos e graus.”
(Nicolai Gogol, no conto “O Nariz”)



“O major Kovalióv não teria nada contra o casamento, desde que acontecesse de a noiva ter uma fortuna de 200 mil rublos.”
(Nicolai Gogol, no conto “O Nariz”)



“O comissário era um grande admirador de todas as artes e manufaturas, mas preferia um bom dinheirinho a tudo o mais. 'Isto aqui, sim', dizia sempre, 'não há nada melhor do que isto: não pede comida, ocupa pouco espaço, sempre cabe no bolso, se cair, não quebra'.”
(Nicolai Gogol, no conto “O Nariz”)



“É necessário notar que Kovalióv era uma pessoa excessivamente suscetível. Era capaz de perdoar tudo o que dissessem a seu respeito, mas nunca desculparia se isso se referisse ao seu grau ou ao seu cargo. Chegava a achar que nas peças de teatro se podia deixar passar tudo o que se referisse aos oficiais subalternos, mas jamais deveriam atacar os oficiais superiores.”
(Nicolai Gogol, no conto “O Nariz”)



“'Acredite o senhor', disse o médico com uma voz nem muito alta, nem muito baixa, mas extremamente persuasiva e magnética, 'nunca atendo por interesse. Isso vai contra meus princípios e minha arte. É bem verdade que cobro as visitas, mas é simplesmente para não causar ofensa com minha recusa. É claro que eu poderia recolocar o seu nariz, mas juro pela minha honra, se é que não acredita na minha palavra, que isso será muito pior. É melhor deixar por obra da própria natureza. Lave com mais frequência com água fria e asseguro-o que sem nariz o senhor será tão saudável quanto se o tivesse. Quanto ao nariz, eu o aconselho a colocá-lo num frasco com álcool, ou, melhor ainda, ponha duas colheres e vodca e vinagre quente... e assim poderá conseguir um bom dinheiro por ele. Até eu poderia comprá-lo, se é que o senhor não vai pedir muito caro.'
'Não, não! Não o vendo por nada!', gritou desesperado o major Kovalióv. 'Melhor que pereça!'
'Queira desculpar!', disse o médico despedindo-se. 'Eu só quis ser-lhe útil... Mas, que fazer! Ao menos, o senhor viu o meu esforço.' Dito isso, o médico saiu do quarto com ar magnânimo. Kovalióv nem sequer reparara em seu rosto e, numa profunda impassibilidade, vira apenas os punhos da camisa branca e limpa como a neve que despontava das mangas de seu fraque negro. ”
(Nicolai Gogol, no conto “O Nariz”)



“Uma pequena minoria de gente respeitável e bem-intencionada estava extremamente descontente. Um senhor dizia, com indignação, não entender como no atual século esclarecido se propalavam invenções tão absurdas, e admirava-se de que o governo não tomasse providências. Esse senhor, pelo visto, pertencia àquela categoria de pessoas que gostariam de envolver o governo em tudo, até mesmo nas suas brigas diárias com a esposa.”
(Nicolai Gogol, no conto “O Nariz”)



“Todos estamos deitados na sarjeta, só que alguns estão olhando para as estrelas.”
(Oscar Wilde, no livro “O Leque de Lady Windermere”)



“El niño estaba contento y - en la forma en que sólo un niño sabe hacerlo - agradeció el estar vivo. Estaba seguro de que no había perdido su tiempo, pues había aprendido a contemplar y a reverenciar a la Naturaleza.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Escribe: un guerrero de la luz presta atención a los ojos de un niño. Porque ellos saben ver el mundo sin amargura. Cuando él desea saber si la persona que está a su lado es digna de confianza, procura verla como lo haría un niño.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Él jamás se había creído un guerrero de la luz. La mujer pareció adivinar su pensamiento.
— Todos son capazes de esto. Y nadie se considera un guerrero de la luz, aun cuando todos lo sean.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“El guerrero sabe que es libre para elegir lo que desee; sus decisiones son tomadas con valor, desprendimiento y - a veces - con una cierta dosis de locura.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“No te avergüence retirarte provisionalmente del combate si percibes que tu enemigo es más fuerte; lo importante no es la batalla aislada, sino el final de la guerra.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“'Es curioso - comenta para sí el guerrero de la luz. Cuánta gente he conocido que en la primera oportunidad intenta mostrar lo peor de sí mismo. Esconden la fuerza interior detrás de la agresividad; disfrazan el miedo a la soledad con aires de independencia. No creen en su propia capacidad, pero viven pregonando a los cuatro vientos sus virtudes.'
El guerrero lee estos mensajes en muchos hombres y mujeres que conoce. Nunca se deja engañar por las apariencias y permanece en silencio cuando intentan impresionarlo. Pero usa la ocasión para corregir sus propios fallos, ya que las personas son siempre un buen espejo.
Un guerrero aprovecha toda y cualquier oportunidad para enseñarse a sí mismo.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Un guerrero de la luz respeta la principal enseñanza del I Ching: 'La perseverancia es favorable'.
Él sabe que la perseverancia no tiene nada que ver con la insistencia.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“En estos momentos, el guerrero reflexiona: 'Una guerra prolongada termina también destruyendo la victoria'.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“'¡Ya pasé por esto!', se queja él a su corazón.
'Realmente tú ya lo pasaste - responde el corazón -, pero nunca lo sobrepasaste.'
El guerrero entonces comprende que las experiencias repetidas tienen una única finalidad: enseñarle lo que no quiere aprender.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“No siempre están seguros de lo que están haciendo aquí. Muchas veces pasan noches en vela, creyendo que sus vidas no tienen sentido.
Por eso son guerreros de la luz. Porque se equivocan. Porque se preguntan. Porque buscan una razón - y con seguridad la encontrarán.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“El guerrero parece loco, pero esto es apenas un disfraz.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Dice un poeta: 'El guerrero de la luz escoge a sus enemigos'.
Él sabe de lo que es capaz; no necesita andar por el mundo contando sus cualidades y virtudes. Sin embargo, a cada momento aparece alguien queriendo probar que es mejor que él.
Para el guerrero, no existe 'mejor' o 'peor'; cada uno tiene los dones necesarios para su camino individual.
Pero ciertas personas insisten. Provocan, ofenden, hacen todo lo posible para irritarlo. En este momento, su corazón dice: 'No aceptes las ofensas, ellas no aumentarán tu habilidad. Te cansarás inútilmente'.
Un guerrero de la luz no pierde su tiempo escuchando provocaciones; él tiene un destino que debe ser cumplido.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“'Fui yo quien decidió seguir por aqui'.
En esta frase está todo su poder: él escogió la senda por donde camina ahora, y no tiene motivo para protestar.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“El guerrero, sin embargo, no está encargado de juzgar los sueños del prójimo, y no pierde tiempo criticando las decisiones ajenas.
Para tener fe en su propio camino, no necesita probar que el camino del otro está equivocado.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Es peligroso pedir un consejo. Y mucho más arriesgado darlo.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Un guerrero, cuando sufre una injusticia, generalmente procura quedarse solo, para no mostrar su dolor a los otros.
Es un comportamiento bueno y malo al mismo tiempo.
Una cosa es dejar que su corazón cure lentamente las propias heridas. Otra cosa es permanecer todo el día en meditación profunda, con miedo a parecer débil.
Dentro de cada uno de nosotros existe un ángel y un demonio, y sus voces son muy parecidas.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Un guerrero de la luz usa la soledad, pero no es usado por ella.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“En esto reside la fuerza del agua; jamás puede ser quebrada por un martillo, ni herida por un cuchillo. La más poderosa espada del mundo es incapaz de dejar una cicatriz sobre su superficie.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Los dos mayores errores de una estrategia son: el actuar antes de hora y el dejar que la oportunidad pase de largo. Para evitar esto, el guerrero trata cada situación como si fuera única y no aplica fórmulas ni recetas ni opiniones ajenas.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Y el guerrero reflexiona: '¿Por qué hablaré tanto, si muchas veces no soy capaz de hacer todo lo que digo?'.
El corazón responde: 'Cuando tú defiendes públicamente tus ideas, debes esforzarte para vivir de acuerdo con ellas'.
Y porque piensa que él es lo que habla, el guerrero acaba transformándose en lo que dice.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Cada vez que el guerrero saca su espada, la utiliza.
Puede servir para abrir un camino, ayudar a alguien, o alejar un peligro. Pero una espada es caprichosa, y no le gusta ver su lámina expuesta sin razón.
Por eso el guerrero jamás amenaza. Puede atacar, defenderse, o huir, cualquiera de estas actitudes forma parte del combate. Lo que no forma parte del combate es desperdiciar la fuerza de un golpe hablando sobre él.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Recuerda esto (...): lo que ahoga a alguien no es la inmersión, sino el hecho de permanecer bajo el agua.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Un guerrero responsable no es el que coloca sobre sus hombros el peso del mundo, sino aquel que aprendió a luchar contra los desafíos del momento.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Un guerrero es simple como las palomas y prudente como las serpientes.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Analiza cada estrategia, y pregunta: '¿Qué haría yo si tuviera que luchar conmigo mismo?'. Así, descubre sus puntos flacos.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Aquellos que miran la miseria con indiferencia son los más miserábles.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“Un guerrero no procura ser coherente; él aprende a vivir con sus contradicciones.
(Paulo Coelho, no livro “Manual Del Guerrero De La Luz”)



“'Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.' Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.
Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura ao crepúsculo — a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“(...) é comum o erro sensato de julgar melhores famílias as mais ricas (...)”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“A família é o amor no lar, o estado é a segurança civil; o mestre, com amor forte que ensina e corrige, prepara-nos para a segurança íntima inapreciável da vontade.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Uma coisa o entristeceu, um pequenino escândalo. Seu filho Jorge, na distribuição dos prêmios, recusara-se a beijar a mão da princesa, como faziam todos ao receber a medalha. Era republicano o pirralho! Tinha já aos quinze anos as convicções ossificadas na espinha inflexível do caráter! Ninguém mostrou perceber a bravura. Aristarco, porém, chamou o menino à parte. Encarou-o silenciosamente e — nada mais. E ninguém mais viu o republicano! Consumira-se naturalmente o infeliz, cremado ao fogo daquele olhar!”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Sua diplomacia dividia-se por escaninhos numerados, segundo a categoria de recepção que queria dispensar. Ele tinha maneiras de todos os graus, segundo a condição social da pessoa. As simpatias verdadeiras eram raras. No âmago de cada sorriso, morava-lhe um segredo de frieza que se percebia bem. E duramente se marcavam distinções políticas, distinções financeiras, distinções baseadas na crônica escolar do discípulo, baseadas na razão discreta das notas do guarda-livros.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Ah! meus amigos, conclui ofegante, não é o espírito que me custa, não é o estudo dos rapazes a minha preocupação... É o caráter! Não é a preguiça o inimigo, é a imoralidade!”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Nenhum mestre é mau para o bom discípulo (...).”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“(...) vivo só e vejo de longe; mas vejo.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Era assim o colégio. Que fazer da matalotagem dos meus planos?
Onde meter a máquina dos meus ideais naquele mundo de brutalidade, que me intimidava com os obscuros detalhes e as perspectivas informes, escapando à investigação da minha inexperiência?”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Estava aclimado, mas eu me aclimara pelo desalento, como um encarcerado no seu cárcere.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Depois que sacudi fora a tranca dos ideais ingênuos, sentia-me vazio de ânimo; nunca percebi tanto a espiritualidade imponderável da alma: o vácuo habitava-me dentro.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Quanto a mim, o que sobretudo me maravilhava era a coragem com que Aristarco fisgava os astros, quando todos sabem que apontar estrelas faz criar verrugas.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“A mais terrível das instituições do Ateneu não era a famosa justiça do arbítrio, não era ainda a cafua, asilo das trevas e do soluço, sanção das culpas enormes. Era o Livro das notas.
(...)
Do livro aberto, como as sombras das caixas encantadas dos contos de maravilha, nascia, surgia, avultava, impunha-se a opinião do Ateneu. Rainha caprichosa e incerta, tiranizava essa opinião sem corretivo como os tribunais supremos. O temível noticiário, redigido ao sabor da justiça suspeita de professores, muita vez despedidos por violentos, ignorantes, odiosos, imorais, erigia-se em censura irremissível de reputações. O julgador podia ser posto fora por uma evidenciação concludente dos seus defeitos; a difamação estampada era irrevogavél.
E pior é que lavrava o contágio da convicção e surpreendia-se cada um consecutivamente de não haver reparado que era mesmo tão ordinário tal discípulo, tal colega, reforçando-se passivamente o conceito, até consumar-se a obra de vilipêndio quando, por último, o condenado, sem mais uma sugestão de revolta, achava aquilo justo e baixava a cabeça. A opinião é um adversário infernal que conta com a cumplicidade, enfim, da própria vítima”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Durante este período de depressão contemplativa uma coisa apenas magoava-me: não tinha o ar angélico do Ribas, não cantava tão bem como ele. Que faria se morresse, entre os anjos, sem saber cantar?”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Havia na minha febre religiosa certo número de reservas, que pareciam o germe de futuro libertino, como dizem os padres mineiros; eu não admitia a confissão, não pensava em comunhão, estranhava os exageros do culto público, votava antipatia aos homens de batina.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Comecei a achar a religião de insuportável melancolia. Morte certa, hora incerta, inferno para sempre, juízo rigoroso; nada mais negro!”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Demais, eu tinha por vezes tentado dar boa conta, estudando um pouco e rezando muitíssimo, com um pequeno jejum ainda por cima; ao dia seguinte, nota má! Era um descrédito para o favor divino. Que custava à suma Onipotência modificar em lição sabida uma ignorância sofrível, como transmutara em fartura sem conta uma miséria de cinco pães?”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Desenvolveu-se nas alturas uma antipatia por mim, que me lisonjeava como uma das formas da consideração. Chegava eu assim, por trajeto muito diferente do que sonhara, à desejada personificação moral de pequeno homem.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Este foi o caráter que mantive, depois de tão várias oscilações. Porque parece que às fisionomias do caráter chegamos por tentativas, semelhante a um estatuário que amoldasse a carne no próprio rosto, segundo a plástica de um ideal; ou porque a individualidade moral a manifestar-se, ensaia primeiro o vestuário no sortimento psicológico das manifestações possíveis.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“O meio, filosofemos, é um ouriço invertido: em vez da explosão divergente dos dardos — uma convergência de pontas ao redor. Através dos embaraços pungentes cumpre descobrir o meato de passagem, ou aceitar a luta desigual da epiderme contra as puas. Em geral, prefere-se o meato.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Os fortes constituem realmente uma fidalguia de privilégios no internato. No tumulto da existência em comum, fundem-se as distinções de classe na democracia do coleguismo: as cambiantes de fortuna apagam-se no figurino geral das blusas pardas. Os títulos de superioridade prevalecem primitivamente no critério semibárbaro dos verdes anos; o punho válido chega a fazer vantagem sobre a própria vantagem do favoritismo.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Encheu-se de bancos e cadeiras austríacas o vastíssimo salão. Ao centro, em frente, a mesa da diretoria; à esquerda, os convidados; à direita, os outros alunos, o resto, como se diz das maiorias, sem voz ativa.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“A arte significa a alegria do movimento, ou um grito de suprema dor nas sociedades que sofrem.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Muitos gesticulavam de pé; havia estudantes gritando em cima dos bancos. Os insultos voavam como pelouros; os protestos rangiam como escudos feridos; havia mãos pelo ar que pediam espadas.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Para que o indivíduo perdure, momento genésico da existência especifica no tempo, é indispensável adaptar-se às imposições do meio universal. O rio a correr não despreza o detalhe do mais insignificante remanso, nem pode sofismar o obstáculo do menor rochedo no alvéu. O critério inconsciente do instinto é o guia da adaptação.
O esforço da vida humana, desde o vagido do berço até o movimento do enfermo, no leito de agonia, buscando uma posição mais cômoda para morrer, é a seleção do agradável.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Sonho, sentimento artístico ou contemplação, é o prazer atento da harmonia, da simetria, do ritmo, do acordo das impressões, com a vibração da sensibilidade nervosa. É a sensação transformada.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Ainda mais, segundo um traçado naturalíssimo de filiação, o sentimento da simetria, trasladado para a esfera das relações sociais, serviu de plano à organização das religiões, filhas do pavor, e das moralidades, invenção das maiorias de fracos. Com o predomínio insensato das religiões, o amor deixou de ser um fenômeno, passou a ser um ridículo ou uma coisa obscena.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“A arte é primeiro espontânea, depois intencional.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“O coração é o pêndulo universal dos ritmos.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“O estilo derribou o verso. As estrofes medem-se pelos fôlegos do espírito, não com o polegar da gramática.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“A arte é uma consequência e não um preparativo (...). A poesia é a interpretação de sentimentos nossos. Não tem por fim agradar.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Além de inútil, a arte é imoral. A moral é o sistema artístico da harmonia transplantado para as relações de coletividade. Arte sui generis. Se é possível eficazmente o regime social das simetrias da justiça e da fraternidade, o futuro há de provar. Em todo caso é arte diferente e as artes não se combinam senão em produtos falsos, de convenção.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Cruel, obscena, egoísta, imoral, indômita, eternamente selvagem, a arte é a superioridade humana — acima dos preceitos que se combatem, acima das religiões que passam, acima da ciência que se corrige; embriaga como a orgia e como o êxtase.
E desdenha dos séculos efêmeros.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Chegou na frente o Tonico, meninote nervoso, de São Fidélis, especialista invicto da carreira, corredor de prática e princípios, que de cada exame da Instrução Pública fugia duas vezes à chamada, entendendo que a fuga é a expressão verdadeira da força, e a bravura uma invenção artificial dos que não podem correr.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Murmuraram as brisas; as fontes correram; tomaram a palavra os sabiás; surgiram palmeiras em repuxo; houve revoadas de juritis, de beija-flores; todas essas coisas, de que se alimentam versos comuns e de que morrem à fome os versejadores.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Discutiu a questão do internato. Divergia do parecer vulgar, que o condena.
É uma organização imperfeita, aprendizagem de corrupção, ocasião de contato com indivíduos de toda origem? O mestre é a tirania, a injustiça, o terror? O merecimento não tem cotação, cobrejam as linhas sinuosas da indignidade, aprova-se a espionagem, a adulação, a humilhação, campeia a intriga, a maledicência, a calúnia, oprimem os prediletos do favoritismo, oprimem os maiores, os mais fortes, abundam as seduções perversas, triunfam as audácias dos nulos? A reclusão exacerba as tendências ingênitas?
Tanto melhor: é a escola da sociedade.
Ilustrar o espírito é pouco; temperar o caráter é tudo. É preciso que chegue um dia a desilusão do carinho doméstico. Toda a vantagem em que se realize o mais cedo.
A educação não faz almas: exercita-as. E o exercício moral não vem das belas palavras de virtude, mas do atrito com as circunstâncias.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Ensaiados no microcosmo do internato, não há mais surpresas no grande mundo ali fora, onde se vão sofrer todas as convivências, respirar todos os ambientes; onde a razão da maior força é a dialética geral, e nos envolvem as evoluções de tudo que rasteja e tudo que morde, porque a perfídia terra-terra é um dos processos mais eficazes da vulgaridade vencedora; onde o aviltamento é quase sempre a condição do êxito, como se houvesse ascensões para baixo; onde o poder é uma redoma de chumbo sobre as aspirações altivas; onde a cidade é franca para as dissoluções babilônicas do instinto; onde o que é nulo, flutua e aparece, como no mar as pérolas imersas são ignoradas, e sobrenadam ao dia as algas mortas e a espuma.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“E não se diga que é um viveiro de maus germens, seminário nefasto de maus princípios, que hão de arborescer depois. Não é o internato que faz a sociedade; o internato a reflete. A corrupção que ali viceja, vai de fora. Os caracteres que ali triunfam, trazem ao entrar o passaporte do sucesso, como os que se perdem, a marca da condenação.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“O educador é como a música do futuro, que se conhece em um dia para se compreender no outro: a posteridade é que havia de julgar.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“O monumento prescinde do herói, não o conhece, demite-o por substituição, sopeia-o, anula-o.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Salvar o momento presente. A regra moral é a mesma da atividade. Nada para amanhã, do que pode ser hoje; salvar o presente. Nada mais preocupe. O futuro é corruptor, o passado é dissolvente, só a atualidade é forte. Saudade, uma covardia, apreensão outra covardia. O dia de amanhã transige; o passado entristece e a tristeza afrouxa.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Quanto à linha de conduta: para diante. É a honesta lógica das ações.
Para diante, na linha do dever, é o mesmo que para cima. Em geral, a despesa de heroísmo é nenhuma. Pensa nisto. Para que a mentira prevaleça, é mister um sistema completo de mentiras harmônicas. Não mentir é simples.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Aqui suspendo a crônica das saudades. Saudades verdadeiramente? Puras recordações, saudades talvez se ponderarmos que o tempo é a ocasião passageira dos fatos, mas sobretudo — o funeral para sempre das horas.”
(Raul Pompéia, no livro “O Ateneu”)



“Uma conversa abafada cessou com a minha chegada. Meu pai me examinou da cabeça aos pés e demonstrou sua aprovação à minha aparência em seu melhor estilo: apenas sem fazer nenhuma crítica.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“Precisei usar todo o meu autocontrole para contar essa mentira com o rosto impassível. Eu me sentia humilhada fazendo tal confissão. Até parece que a ambição realmente iria me levar a comportamentos tão extremos! Aquilo fazia com que eu me sentisse desprezível e superficial. Mas, como eu desconfiava, era algo que os alquimistas entenderiam.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“Fui para a cama me sentindo melancólica; queria ter sido capaz de colocar para fora todos os meus medos e inseguranças para a minha mãe. Não era isso que mães e filhas normais faziam? Eu sabia que ela teria gostado. Era eu que tinha dificuldades em me abrir.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“Então percebi que Keith estava paralisado ao meu lado. Ele tinha afirmado que era capaz de 'suportar' a proximidade com os Moroi, mas parece que isso significava ficar encarando, de queixo caído e sem proferir nenhuma palavra.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“Claro que, se eu repetisse isso para mim mesma muitas vezes, se tornaria realidade.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“A história é importante porque nos ensina a respeito do passado. E, ao aprender sobre o passado, nós entendemos o presente, para podermos tomar decisões embasadas a respeito do futuro.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Sou magra demais... comparada a elas — Jill argumentou.
— Todo mundo tem alguma coisa — Eddie retrucou. — Aquela menina ali tem uma tonelada de sardas. Aquele cara raspou a cabeça. Não existe essa coisa de 'normal'.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Nós estamos criando uma área cinzenta aqui que vai acabar nos trazendo confusão. Nós podemos manter tudo preto no branco e proibir que ela saia com alguém enquanto estiver aqui.
Aquele sorriso seco voltou.
— Tudo é tão preto no branco com vocês, alquimistas, não é mesmo? Vocês acham que realmente podem impedir que ela faça qualquer coisa? Você devia saber que as coisas não funcionam assim.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— É falta de educação escutar a conversa dos outros (...).
— É falta de educação ser um imbecil igual a ele (...).”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Você não listou os passos dos rituais e dos encantos — ela observou alguns momentos depois. — Só fez um resumo em poucas linhas.
Bom, era verdade, aquele era o objetivo de fazer anotações.
— Eu citei todos os números das páginas — eu disse. — Se precisar checar os componentes específicos, a senhora tem uma referência fácil.
— Não... retorne e coloque todos os passos e os ingredientes nas anotações. Quero ter tudo no mesmo lugar.
A minha vontade era dizer: está tudo no mesmo lugar. No livro. As anotações eram uma condensação do material, não a repetição do texto original, palavra por palavra.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“E os alquimistas não tinham nenhuma regra específica contra beber. Nós tínhamos crenças religiosas fortes em relação ao que significava levar uma vida boa e pura, e a bebida costumava ser desprezada. Mas se era proibida? Não. Era um hábito que eu considerava significante. Se ele não considerava, a escolha era dele.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Mesmo que seja uma fantasia, talvez seja melhor assim (...). Isso lhe dá conforto. Quer dizer, mais ou menos. Ter algo concreto para detestar é o que permite que ele aguente. Senão, ele simplesmente iria se entregar ao desespero. Ele não faz mal a ninguém com as teorias dele.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“—O que está acontecendo? Qual é o problema?
Jill olhou para mim com o rosto sombrio e os olhos arregalados de medo.
— É Adrian. Você precisa salvá-lo.
— Dele mesmo?
Não consegui me segurar. A piada já tinha saído antes que eu me desse conta.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“Atravessei uma sala de estar que servia como alerta do que iria acontecer caso Jill perdesse toda a noção de organização e respeito próprio. O lugar era um desastre.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Me diga uma coisa, Sage — ele disse sem se virar para mim. — Por que diabos alguém coloca um prédio perto do mar e não faz as sacadas viradas para a água? Estas (sacadas) foram feitas para dar vista para as montanhas atrás de nós. A menos que os vizinhos comecem a fazer algo interessante, estou pronto para declarar que esta estrutura é um desperdício total.
Cruzei os braços e olhei cheia de raiva para as costas dele.
— Fico muito contente de ter a sua opinião tão valiosa a esse respeito. Vou me assegurar de fazer essa observação quando entrar com a minha queixa no conselho municipal sobre a insuficiência de vistas para o mar.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Você parece confusa — Adrian disse.
Eu sacudi a cabeça e suspirei.
— Acho que só estou pensando demais em tudo.
Ele assentiu, solene.
— É por isso que eu nunca tento fazer isso.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Por acaso a ideia não deixa você um pouco apavorado? Quer dizer, agora você sabe no que deve prestar atenção. Outros Moroi. Strigoi. Eles se destacam. Mas você imagina um caçador de vampiros humano? — Fiz um gesto indicando os alunos reunidos na biblioteca. — Você não saberia distinguir uma ameaça.
Eddie sacudiu a cabeça.
— Na verdade, é bem fácil. Basta tratar todos como ameaça.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Será que não dá para você... sei lá. Encontrar um passatempo ou algo assim?
— Ser encantador é o meu passatempo — Adrian respondeu, obstinado. — Eu sou a vida de qualquer festa... mesmo sem beber. Não fui feito para ficar sozinho.
— Você podia arrumar um emprego — Eddie disse e se acomodou em uma cadeira de canto. Ele sorriu, surpreso com a própria esperteza. — Vai resolver ambos os seus problemas... Você pode ganhar algum dinheiro e estar perto de outras pessoas.
Adrian revirou os olhos.
— Cuidado, Castile. Só há um comediante nesta família.
Eu me endireitei.
— Na verdade, não é má ideia.
— É uma péssima ideia — Adrian disse e olhou de mim para Eddie.
— Por quê? — perguntei. — É esta a parte em que você nos diz que as suas mãos não foram feitas para executar trabalhos pesados?
— É mais a parte em que eu digo que não tenho nenhuma contribuição a oferecer para a sociedade — ele retrucou.
— Eu posso ajudar — ofereci.
— Você vai trabalhar e me dar o pagamento? — Adrian perguntou, cheio de esperança. — Porque isso realmente poderia ajudar.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Eu não posso de fato arrumar o emprego para você. — Repassei minha lista mental do que eu sabia sobre Adrian. — Acredito que você não tenha ideia do que realmente gostaria de fazer, tem?
— Quero algo divertido — ele respondeu. Ele pensou mais um pouco. — E quero ganhar muito dinheiro... mas trabalhando o mínimo possível.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Você sabe o quanto se arriscou? A nossa intenção aqui é não atrair atenção!
— A Sra. Carson não achou estranho.
— A Sra. Carson inventou uma desculpa fraca para se consolar! É isso que as pessoas fazem.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Realmente é assim tão terrível ficar perto de nós?
Corei.
— Não — respondi. — Mas... é complicado. Me ensinaram certas coisas a vida toda. É difícil me livrar delas.
— As maiores mudanças na história aconteceram porque as pessoas foram capazes de se livrar do que os outros lhes diziam para fazer.
Ele desviou o olhar e ficou olhando pela janela.
Aquela afirmação me incomodou. Parecia algo bom, claro. Era o tipo de coisa que as pessoas diziam o tempo todo sem entender as implicações. Seja você mesmo, lute contra o sistema! Mas as pessoas que falavam essas coisas — gente como Adrian — não tinham vivido a minha vida. Não tinham crescido com um sistema de crenças tão rígido quanto o meu; era como ser prisioneira. Elas não tinham sido forçadas a abrir mão de sua capacidade de pensar por si mesmas ou de fazer suas próprias escolhas. As palavras dele não só me incomodaram, percebi. Elas me deixaram irritada. Elas me deixaram com inveja.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Estou falando sério. Ela me perguntou qual era a minha maior força. Eu disse que era lidar bem com as pessoas.
— Isso não foi ruim — reconheci.
— Daí ela perguntou qual era a minha maior fraqueza. E eu disse: 'Por onde devo começar?'.
— Adrian!
— Pare de falar meu nome sem parar. Eu contei a verdade. Quando estava no quarto item, ela me disse que eu podia ir embora.
Eu soltei um grunhido e resisti à vontade de bater com a cabeça na direção.
— Eu devia ter orientado você. Essa é uma pegadinha padrão. Você tem que responder com coisas como 'me dedico demais ao trabalho' ou 'sou perfeccionista'.
Ele soltou uma gargalhada de desdém e cruzou os braços.
— Isso é uma besteira completa. Quem iria dizer uma coisa dessas?
— Pessoas que conseguem empregos.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“Você não levou nada a sério. Desperdiçou o tempo dessa gente e o meu, só porque não tinha nada melhor para fazer!
— Não é verdade — ele disse, mas parecia não ter certeza. — Eu quero, sim, um trabalho... mas não estes.
— Você não está em posição de ser exigente. Quer sair da casa de Clarence? Estas eram as suas chances. Poderia ter conseguido qualquer um desses empregos se você se esforçasse só um pouquinho(...). — Dei a partida no carro. — Para mim, chega.
— Você não entende — ele disse.
— Entendo que você esteja passando por um período difícil. Entendo que esteja magoado. — Eu me recusei a olhar para ele e coloquei toda a minha atenção na rua. — Mas isso não lhe dá o direito de ficar brincando com a vida das outras pessoas. Tente cuidar de si mesmo sozinho para variar.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“Ela começou a desfiar uma ladainha a respeito de como aquilo tinha sido perigoso e como eles tinham sido irresponsáveis.
— Se você queria sair em segredo e desrespeitar as regras, podia pelo menos ter contado para os seus irmãos. Eles estavam em pânico por sua causa.
Era quase engraçado ela dar um conselho sobre como desrespeitar as regras de maneira 'responsável'.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Aqueles que têm o domínio sobre o espírito podem tomar antidepressivos, não podem? Se ele está preocupado em se tornar um problema, então precisa tomar juízo e assumir o controle. Ele tem uma escolha. Não é impotente. Não há vítimas aqui.
Eddie me examinou durante vários segundos.
— E eu achei que a minha visão da vida era dura.
— Sua vida é dura — corrigi. — Mas ela é construída em torno da ideia de que você sempre precisa tomar conta de outras pessoas. Eu fui ensinada que isso às vezes é necessário, mas que, mesmo assim, todo mundo precisa cuidar de si mesmo.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Como é que vou saber que você não vai fazer a mesma coisa desta vez? Como vou saber que você não vai só desperdiçar o meu tempo de novo?
— Não tem como saber, Sage — ele reconheceu.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“Também percebi de repente que, por mais improvável que fosse, Adrian e eu tínhamos muito em comum. Nós dois vivíamos tolhidos pelas expectativas dos outros. Não fazia diferença se as pessoas esperavam tudo de mim e nada dele. Nós continuávamos iguais, ambos sempre tentando fugir dos limites que os outros tinham definido para nós e sermos donos do próprio nariz.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Acho que é meio bobo. Quer dizer, eu não tenho nenhuma experiência. E eu nem sei por que ela quer que eu participe. Talvez esteja procurando alguma coisa específica. Modelos bizarras ou algo assim.
Finalmente comi uma colherada de iogurte e então ergui os olhos para ela.
— Você não é bizarra, Jill. Você tem o tipo físico ideal para ser modelo. Isso é difícil de encontrar. Entre os humanos, pelo menos. — Tentei não pensar em como era difícil para nós, humanos, atingir a perfeição dos Moroi. Tentei não pensar sobre como, anos antes, meu pai tinha criticado a minha silhueta e dito: 'Se aqueles monstros conseguem, como é que você não consegue?'.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Isso é o que mais assusta você, não é? Receber elogios.
— Ah, não — respondi, sem jeito. — Quer dizer, acontece.
Ela tirou os óculos para me observar com mais atenção. A risada tinha desaparecido.
— Não, estou achando que não acontece. Não conheço a sua situação específica, mas já conheci muitos alunos como você... alunos que os pais despacharam desta maneira. Ao mesmo tempo que aprecio a preocupação pela educação superior, cada vez mais vejo que uma parcela muito grande de alunos estuda aqui porque seus pais simplesmente não têm tempo nem inclinação para se envolver... ou simplesmente para prestar atenção à vida dos filhos.
Estávamos lidando com uma daquelas áreas interpessoais que me deixavam constrangida, especialmente por haver um elemento de verdade inesperado ali.
— É mais complicado do que isso, senhora.
— Tenho certeza que sim — ela respondeu. Sua expressão ganhou sagacidade e ela ficou bem diferente da professora estabanada que eu conhecia. — Mas escute o que eu digo. Você é uma garota excepcional, talentosa e brilhante. Nunca deixe que ninguém a faça sentir inferior. Nunca deixe que ninguém faça com que você se sinta invisível. Não permita que ninguém... nem mesmo uma professora que a manda buscar café o tempo todo... mande em você.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“Era mais um lembrete de como o mundo era injusto, como eu não podia ter as coisas às quais os outros não davam valor.
Ele desdenhou.
— 'Me fazendo bem'? Fala sério, pare de bancar a minha mãe mais uma vez! Não é o seu trabalho me dizer como viver a vida. Se eu quiser os seus conselhos, eu peço.
— Certo — eu disse, e coloquei as mãos na cintura. — Não é minha função dizer a você como viver a vida... só é minha função facilitar ao máximo para você. Porque só Deus sabe como você não pode sofrer com nada que seja levemente inconveniente. O que aconteceu com todas aquelas coisas que você disse? Sobre como estava determinado a melhorar sua vida? Quando me pediu para acreditar em você?
— Parem com isso, pessoal — Eddie disse, sem jeito. — Não é a hora nem o lugar.
Adrian o ignorou.
— Você não tem nenhum problema em facilitar a vida de Jill o máximo possível.
— Esta é a minha função — resmunguei em resposta. — E ela ainda é uma menina. Eu não achava que um adulto como você precisasse dos mesmos cuidados que ela!”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Quem são 'elas'? — Adrian perguntou. — Eu me lembro de você ligar para uma tal de Dawn em Los Angeles, mas achei que fosse alguma das suas amigas gostosas da faculdade.
— São elas que fazem o nosso destino — Lee respondeu em tom sonhador.
— Que coisa deliciosamente enigmática e sem sentido — Adrian balbuciou.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“Eu não tinha o menor direito de julgar alguém por perder todo o raciocínio lógico ao se confrontar com seus maiores medos.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“— Você parece bonito demais para ser útil (...).
— Palavras mais verdadeiras jamais foram ditas (...).”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 1º livro: “Bloodlines”)



“A minha vida era uma luta constante para reprimir meu medo do inexplicável e tentar, desesperadamente, encontrar uma maneira de explicá-lo.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Aquele tipo de mensagem era condenável, por isso excluí a troca de e-mails — não que fizesse alguma diferença. Nenhum dado jamais se perdia realmente.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Me preocupar faz parte do meu trabalho. Tenho que garantir que todos estejam bem o tempo todo.
— De vez em quando não faz mal garantir que você também esteja. Aliás, você vai perceber que isso acaba ajudando os outros também.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Fico feliz que você esteja de volta — ela disse. — Foi boa a visita familiar?
— Sim, senhora. — Se por 'boa' ela quisesse dizer 'assustadora e inquietante'.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Ei, você está ficando com alguém?
Eu já ia dizer que não, mas então um pensamento surpreendente me passou pela cabeça. Eu costumava interpretar as coisas de um jeito muito literal. As minhas amigas de Amberwood, Kristin e Julia, estavam tentando me treinar nas sutilezas da vida social do colégio. Uma das principais lições era que aquilo que as pessoas diziam nem sempre era o que tinham em mente, ainda mais em questões amorosas.
— Você... está me chamando para sair? — perguntei, surpresa.
Era só o que me faltava. O que eu iria responder? Diria que sim? Que não? Não fazia ideia de que ajudá-lo com as lições de química poderia ser atraente. Eu devia ter mandado Trey fazer o trabalho sozinho.
Trey pareceu tão surpreso quanto eu com a ideia.
— Quê? Não, claro que não.
— Graças a Deus — respondi.
Eu gostava do Trey, mas não tinha o menor interesse em sair com ele, ou ter que descobrir um jeito delicado de dizer 'não'.
Ele me lançou um olhar contrafeito.
— Não precisa ficar tão aliviada.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Não acredito em alma gêmea — retruquei. — É estatisticamente improvável que exista uma única pessoa ideal para cada um no mundo.
Mesmo assim, por um milésimo de segundo, desejei que fosse possível. Seria bom ter alguém que entendesse algumas coisas que passavam pela minha cabeça.
— Tá — Trey disse, revirando os olhos. — Não uma alma gêmea. Que tal alguém com quem você poderia sair de vez em quando e se divertir?
— Não tenho tempo para isso.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Ah, vai. Está tudo bem. Você não precisa bancar o estoico comigo. Eu sei que não foi divertido para você.
— Estou aqui para cumprir minha função. Não importa se é divertido ou não.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“As palavras dele pretendiam ser um elogio, mas soaram parecidas demais com o que os alquimistas haviam me dito. E a Sra. Weathers. E Jill. Todo mundo achava que eu era tão admirável, tão responsável, tão controlada.
Mas, se eu era mesmo tão admirável, por que nunca tinha certeza se estava fazendo a coisa certa?”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Deve haver algum motivo para ele ter te reconhecido. Ele parece bem inofensivo.
Com isso, ela sorriu novamente.
— Ah, Sydney. Pensei que você já tivesse passado tempo suficiente conosco para saber.
— Saber o quê?
— Que nada é tão inofensivo quanto parece.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Você sabe latim? — perguntei.
— Claro — ele respondeu. — Quem não sabe?
— Só o resto do mundo — Trey murmurou, revirando os olhos.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Brayden sorriu. Sorri de volta. Sobrou um silêncio nervoso. Ele parecia tão inseguro quanto eu sobre o que fazer a seguir. Eu teria pensado como aquilo era fofo se não estivesse tão preocupada em não parecer ridícula.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Ninguém deveria ter esse tipo de poder sobre ninguém.
— Você se acha muito superior a algo que sequer experimentou — ela ironizou.
— Nem sempre é preciso experimentar para saber. Eu nunca matei ninguém, mas sei que é errado.
— Não faça pouco-caso desses feitiços. Eles podem ser uma defesa muito útil — ela disse, dando de ombros. — Talvez dependa de quem usa, assim como um revólver ou qualquer outra arma.
— Também não gosto nem um pouco de armas — respondi, fazendo cara feia.
— Exatamente por isso você devia achar a magia uma opção melhor.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Você sempre argumenta que é errado os humanos terem esse tipo de poder, certo?
— Certo — eu disse, cerrando os dentes. Tinha dito aquilo um milhão de vezes.
— Bem, essa é uma grande verdade... em relação a algumas pessoas. Você tem medo de que abusem desse tipo de poder, com razão. Isso acontece o tempo todo, e é por isso que precisamos de pessoas boas e virtuosas que possam se opor àquelas que usam a magia para fins egoístas e nefastos.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Fiquei fascinada pelos moinhos gigantes. Por mais que não tivessem a beleza e elegância dos carros de que eu tanto gostava, eu sentia o mesmo deslumbramento diante da engenharia que eles representavam. Alguns moinhos tinham mais de trinta metros de altura, com pás do tamanho de meio campo de futebol americano. Momentos como aquele me deixavam maravilhada com a engenhosidade humana. Quem precisava de magia se podíamos criar maravilhas como aquela?”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Você está errado. Talvez a energia eólica não seja tão eficiente quanto poderia ser, mas o simples fato de estar sendo desenvolvida já é um grande avanço em relação às fontes de energia arcaicas e ultrapassadas de que a nossa sociedade ainda depende. Esperar que o custo-benefício seja tão bom quanto o de uma outra que é usada há muito, muito tempo é uma ideia ingênua.
— Mas...
— Não se pode negar que os benefícios compensam os gastos. As mudanças climáticas estão se tornando um problema cada vez maior, e a redução das emissões de gás carbônico pela energia eólica pode ter um impacto significativo. Além disso, o mais importante é que o vento é renovável. As fontes baratas não valerão nada quando se esgotarem.
— Mas...
— Precisamos ser progressistas e pensar naquilo que irá nos salvar no futuro. Concentrar-se exclusivamente no custo-benefício que temos agora e ignorar as consequências demonstra falta de visão a longo prazo, o que acabará levando a espécie humana à destruição. Quem não considerar isso só estará perpetuando o problema, a menos que crie outras soluções. A maioria não faz isso. Só reclama. É por isso que você está errado.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Além disso, eu gosto daquele carro.
— É um carro legal mesmo — Adrian admitiu. — Mas nunca imaginei que você fosse o tipo de pessoa que corre atrás de símbolos de status.
— Eu não corro. Eu gosto porque é um carro interessante com uma longa história.
— Tradução: símbolo de status.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Você os viu juntos. Eu nunca tive a mínima chance. Não dá nem para comparar.
— E por que você tem que comparar?”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Por que você responde a toda e qualquer pergunta com alguma impertinência? — Nathan perguntou, cansado.
— Talvez a culpa seja das suas perguntas, pai.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Adrian está na faculdade — falei. — Assistindo a aulas de arte. Ele é muito talentoso.
Adrian me lançou um olhar intrigado, mas radiante. Algumas de suas obras eram realmente boas. Em outras, especialmente as que ele pintava quando estava bêbado, parecia que tinha derrubado tinta na tela sem querer. Eu já havia dito isso para ele diversas vezes.
Nathan não pareceu impressionado.
— Sim. Ele já tentou isso antes. Não durou muito.
— Mas agora o lugar e o tempo são outros — eu disse. — As coisas podem mudar. Pessoas podem mudar.
— Mas normalmente não mudam — Nathan opinou.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Um curto momento de paz em meio à escuridão do desespero. Era aquilo que eu queria e era aquilo que tinha conseguido. Tinha valido a pena? Esfreguei as pontas dos dedos umas nas outras, ainda sentindo aquele calor.
Sim, concluí. Tinha valido a pena.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Mesmo assim, aquela conversa ficou na minha cabeça e passei o resto do dia me perguntando o que podia fazer para deixar Adrian mais contente. Obviamente, eu não poderia arranjar outro pai para ele. Se pudesse, eu teria tentado conseguir um para mim mesma muitos anos antes.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Alguém sabe me dizer o que é isso? — perguntei a Eddie e Micah, que estavam sentados de um lado, e a Trey, que estava do outro.
— É um grupo que vem para a escola fazer apresentações sobre questões como drogas e sexo com segurança — Micah explicou.
Ele era bem ativo no grêmio estudantil, então não foi uma surpresa ele saber da pauta do dia.
— São assuntos bem importantes — eu disse. — Isso não é para durar uma hora? Não acho que vão conseguir tratar de tudo isso em tão pouco tempo.
— Acho que é só uma revisão geral bem rápida — Trey disse. — Não querem fazer nenhum seminário ou coisa assim.
— Pois deveriam — argumentei.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Nada poderia ter me preparado para o espetáculo que se desenrolou, sobretudo porque nem nos meus sonhos mais loucos eu imaginaria questões sociais de peso sendo tratadas em números musicais. O grupo que se apresentou chamava-se Katar Geral, e o uso inapropriado do K quase foi suficiente para me fazer sair dali na hora. Antes de cada música eles faziam um resumo rápido e completamente vago sobre o tópico ou, ainda pior, encenavam um esquete. Esses discursos rápidos sempre começavam com um 'Alô, criançada!'.
A primeira música se chamava 'DSTs não são pra vocês'. Foi então que comecei a fazer minha tarefa de matemática.
— Ah — Eddie me disse. — Não é tão ruim. E as pessoas precisam saber esse tipo de coisa.
— Exatamente — respondi, sem levantar os olhos. — Ao tentarem usar uma linguagem 'descolada' e 'acessível', estão transformando questões sérias em brincadeiras idiotas.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Aqueles dois... Numa luta, são mortíferos, mas perto um do outro se derretem todos.
— Você e Mikhail são assim? — perguntei, pensando que não havia tanto derretimento entre mim e Brayden, por mais que eu gostasse de estar com ele.
Ela voltou a sorrir e olhei para o céu, colorido em tons de laranja e azul.
— Não exatamente — ela disse. — Cada relacionamento é diferente. Cada um ama de um jeito.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“As pessoas sabem que você me conhece. Se virem você usando isso, minha carreira estará arruinada.
— É, porque minha roupa numa festa da escola é realmente um fator decisivo na sua carreira.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Esses ataques que você teve de enfrentar, com Strigoi e loucos com espadas, não são exatamente normais. Eu não acho que você tenha que se culpar por não conseguir combatê-los. A maior parte das pessoas não conseguiria.
— Mas eu deveria ser capaz — murmurei.
Seu olhar era compreensivo.
— Então aprenda. Essa mesma pessoa que adora me dar conselhos uma vez me disse para não me fazer de vítima. Então não se faça. Você aprendeu a fazer um milhão de coisas. Aprenda isso também. Faça um curso de defesa pessoal. Arranje uma arma. Você não pode se tornar guardiã, mas essa não é a única maneira de aprender a se proteger.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Você é sempre a voz da razão. Só tente ouvir a si mesma de vez em quando.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Eu imaginei que havia alguma coisa errada com você hoje (...). Especialmente no café da manhã, quando Angeline disse que o tomate era um legume e você não a corrigiu.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Nunca se pode subestimar um ataque. As pessoas que fazem isso se tornam descuidadas.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Ouçam o que eu vou dizer. Com um pouco de bom senso, vocês não precisam de armas. Ou punhos.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“E essa é a primeira regra de defesa pessoal. Não presuma nada. Você não precisa viver morrendo de medo de tudo, mas saiba o que está ao seu redor. Sejam espertos. Não entrem incautos em becos ou estacionamentos escuros. (...) Essa ideia se mostrou uma parte importantíssima da filosofia de Wolfe: evitar o perigo em primeiro lugar.
Mesmo quando finalmente passamos a discutir alguns golpes básicos, a ênfase era em usá-los para poder fugir, não para ficar e tentar derrotar o agressor.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Sabe, eu não bebo só para ficar bêbado. Quer dizer, faz parte, claro. Grande parte. Mas às vezes o álcool é a única coisa que me mantém lúcido.
— Isso não faz o menor sentido.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Você sabe como é sentir que tem alguma coisa corroendo seu cérebro?
Eu estava prestes a dizer que precisava ir, mas as palavras dele me deixaram aturdida. Lembrei o que Jill havia dito sobre a relação dele com o espírito.
— Não — respondi honestamente. — Não sei como é... mas, para mim, é uma das coisas mais assustadoras que posso imaginar. Meu cérebro... é quem eu sou. Acho que eu preferiria sofrer qualquer lesão a ter meu cérebro prejudicado.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Uma vez Rose me falou de um poema que havia lido. Tinha um verso que era: 'Se seus olhos não estivessem abertos, você não saberia a diferença entre sonhar e estar acordado'. Sabe do que eu tenho medo? De que algum dia, mesmo com os olhos abertos, eu não saiba.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Por que você fez isso? Por que fez isso por mim?
(...)
— Porque ele não foi justo com você. Porque você merece crédito pelo que faz. Porque ele precisa entender que você não é a pessoa que ele sempre pensou que você fosse. Ele precisa ver você como você realmente é, não pelas ideias e preconceitos que ele construiu em torno de você.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Ele ainda segurava a minha mão enquanto examinava a cruz.
— Sem ornamentos. Sem firulas. Sem símbolos secretos gravados.
— É por isso que gosto dela — eu disse. — Não precisa de enfeite.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Da próxima vez... Da próxima vez que você quiser conversar sobre alguma coisa comigo, qualquer coisa, não precisa beber para ganhar coragem. É só dizer.
— Falar é fácil.
— Fazer também.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Se eu fosse ele, teria dito que você é a criatura mais linda que já caminhou sobre a Terra.
Perdi o fôlego com o que ele disse e com o jeito que havia dito. Me senti estranha. Não sabia o que pensar, exceto que precisava sair dali, ir para longe de Adrian, para longe do que eu não conseguia entender. Me afastei dele e fiquei surpresa ao perceber que eu estava tremendo.
— Você ainda está bêbado — eu disse, colocando a mão na maçaneta.
Ele inclinou a cabeça, ainda me observando com aquele olhar desconcertante.
— Algumas coisas são verdade, bêbado ou sóbrio. Você devia saber disso.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— A parte de Defesa inclui vários amuletos de proteção e feitiços de fuga — ela me disse. — Por que você acha que eles vêm antes no livro?
— Porque o melhor jeito de vencer uma briga é evitar que ela aconteça — respondi imediatamente. — O resto é supérfluo.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Era uma concessão muito, muito grande. Eu definitivamente não queria fazer aquilo; ainda tinha os mesmos medos instintivos de dar meu sangue a um Moroi, mesmo que para fins científicos. No entanto, os acontecimentos do dia anterior, somados ao ataque no beco, me fizeram repensar minha visão de mundo. Os vampiros não eram os únicos monstros à solta. Mal se podia dizer que eles eram monstros, ainda mais se comparados aos tais caçadores. Como eu poderia julgar um inimigo com base na raça? Cada vez mais eu pensava que os humanos eram tão capazes de causar o mal quanto os vampiros — e que os vampiros também eram capazes de fazer o bem. O importante eram as ações (...).”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“As pessoas vivem mentindo umas para as outras.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Ele vai fazer o possível. Acho que ele está dividido agora, entre aquilo que ensinaram para ele durante a vida toda e o que ele está começando a ver por conta própria.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Já aconteceu isso com você? Não conseguir ter alguma coisa e isso só aumentar a vontade?
— Sim — ele respondeu, amargurado. — Acontece o tempo todo.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“E, de fato, aqueles caçadores eram bárbaros. Um dos guardas de Sonya a empurrou para a frente, fazendo com que ela caísse de joelhos, e forçou a cabeça dela contra a superfície do bloco de madeira, enquanto prendia suas mãos com as tiras de couro. Considerando como ela estava desorientada, não era preciso usar nem metade da força que ele empregou. Eu não podia acreditar que eram capazes de agir com tamanha certeza de serem os donos da verdade quando estavam prestes a pôr fim à vida de uma mulher que sequer conseguia oferecer alguma resistência.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Nós somos iguais, pensei. Os alquimistas e os guerreiros. Os anos nos separaram, mas chegamos ao mesmo lugar, tanto nos objetivos como nas atitudes cegas.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Ninguém duvidava da sua capacidade de argumentar e ganhar a causa. Era na capacidade dos guerreiros de ouvir e enxergar a razão que não acreditávamos.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“O amor verdadeiro não espera ninguém.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Mas talvez a melhor parte de tudo foi que eu, Sydney Katherine Sage, culpada de analisar constantemente o mundo todo ao meu redor, parei de pensar.
E foi maravilhoso.
Pelo menos até eu voltar a pensar.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Eu disse isto a você no Dia das Bruxas e eu estava falando sério: você é a criatura mais linda que já caminhou sobre a Terra. E você nem sabe. Você nem tem ideia da própria beleza ou do brilho da sua luz.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“— Você sabe o verdadeiro significado do lírio dourado? É uma promessa, um juramento a um modo de vida e a um conjunto de crenças. Você não pode jogar algo assim no lixo. Isto não iria deixar, nem mesmo se eu quisesse. E, para ser sincera, eu não quero! Eu acredito no que nós fazemos.
Calmamente, Adrian me observou (...).
— Esse 'modo de vida', esse 'conjunto de crenças' que você está defendendo só usou você, e continua usando. Eles tratam você como uma peça de uma máquina em que você não pode pensar... e você é melhor do que isso.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Ninguém foi feito para ficar deste ou daquele jeito — ele retorquiu. — Nós decidimos o que queremos ser.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 2º livro: “The Golden Lily”)



“Eu lidava com burocracias o tempo todo, mas voos com overbooking eram uma coisa que eu nunca havia entendido. Como isso podia acontecer? Eles sabiam muito bem o número de lugares.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Enfim, você sabe. Você está perdendo seu tempo comigo.
Ele se manteve firme.
— O tempo é meu. Eu faço o que quiser com ele.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“A expressão de Ian ficou sombria e protetora.
— Você não devia ter passado a noite aqui sozinha. Devia ter alguém para protegê-la.
— Eu posso cuidar de mim mesma — retruquei, um pouco mais áspera do que pretendia. Quer eu gostasse ou não, o treinamento da Sra. Terwilliger havia me fortalecido interna e externamente. Nossas sessões, somadas ao curso de defesa pessoal, tinham me ensinado a ficar atenta ao ambiente. A intenção de Ian podia ser boa, mas eu não gostava que ele, ou quem quer que fosse, achasse que eu precisava ser protegida.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Guarde suas opiniões para você. Independente da validade delas, somos convidados aqui e vamos nos comportar de maneira civilizada.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Levantamos os olhos e encontramos Adrian parado à nossa frente, elegante em seus vários tons de azul. Seu rosto era o retrato da polidez e do autocontrole, o que significava que algo desastroso estava prestes a acontecer.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Você está bem?
— Acho que sim. Só um pouco zonza pela queda de açúcar no sangue. — Devagar, fui pegando o espelho e a sacola. — Eu devia ter pedido para você trazer suco de laranja também.
— Talvez isso ajude. — Ele tirou do bolso do terno um cantil prateado e o estendeu para mim.
Era típico de Adrian oferecer álcool solicitamente.
— Você sabe que eu não bebo — eu disse.
— Alguns golinhos não vão deixar você bêbada, Sage. E esta é sua noite de sorte: é Kahlúa. Um licor cheio de açúcar, com sabor de café. Vai, experimenta.
Relutante, dei a sacola para ele e peguei o frasco enquanto começávamos a voltar para o hotel. Tomei um gole de má vontade e fiz uma careta.
— Isso não tem sabor de café. — Por mais que as pessoas enchessem as bebidas alcoólicas de firulas, eu sempre achava o gosto horrível. Não entendia como Adrian conseguia beber tanto.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Mas vou contar uma coisa que eu nunca disse antes sobre como as usuárias de magia sentem a presença umas das outras.
Eu havia aprendido ao longo dos anos que, quando alguém dizia 'vou contar uma coisa que eu nunca disse antes', nunca era algo bom. Me preparei para o pior.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Você entende a gravidade do que está me pedindo? — eu disse baixinho, voltando a tocar a granada. — Para fazer parte disso, eu vou precisar me expor à magia humana e vampírica. Tudo o que sempre tentei evitar.
A Sra. Terwilliger bufou e, pela primeira vez naquela noite, ela assumiu aquele seu ar irônico de costume.
— A menos que eu esteja enganada, você vem se expondo aos dois tipos de magia já faz um bom tempo. Então, não estará indo tanto assim contra os seus princípios. — Ela fez uma pausa enfática. — No máximo, vai contra os princípios alquimistas.
— Os princípios alquimistas são os meus princípios — retruquei rápido.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Ah, é? Eu esperava que seus princípios fossem os seus princípios.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Mas o que vocês realmente fazem? — Falar sobre rebeliões e operações secretas era uma coisa, mas fazer alguma mudança concreta era outra. Eu tinha visitado minha irmã Carly na faculdade uma vez e visto vários grupos de estudantes que queriam mudar o mundo. A maioria deles ficava sentada bebendo café, conversando muito e fazendo pouco.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Vocês dois estão agindo como idiotas — repreendi. Da próxima vez que eu não tivesse nada para fazer, eu pesquisaria em algum livro sobre comportamento causado por testosterona. Era um mistério para mim.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Quando você vai dar um nome pro seu carro? — perguntei quando já estávamos na estrada para Los Angeles.
— É um objeto inanimado — ele respondeu. — Nomes são para pessoas e bichinhos de estimação.
Fiz carinho no painel do Mustang.
— Não ouve o que ele está dizendo. — Depois me voltei para Adrian. — As pessoas vivem dando nome para barcos.
— Também não entendo isso, mas talvez compreendesse se meu velho me arranjasse a grana para um iate particular.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Eu nunca tinha frequentado fliperamas na vida e não entendia muito bem a graça deles. Não combinavam muito com os padrões de criação do meu pai. Era uma sobrecarga sensorial para a qual eu não estava preparada. O ar estava cheio do aroma de pizza ligeiramente queimada. Crianças e adolescentes animados corriam de um jogo para o outro. E, por todos os lados, tudo parecia piscar e apitar. Pestanejei, pensando que talvez meu pai estivesse certo em evitar esses lugares.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Era quase como voltar para o fliperama — uma enchente avassaladora de estímulos. A casa estava lotada e barulhenta; fumaça pairava no ar e o álcool estava por toda parte. Muitas pessoas nos ofereceram bebidas, e uma menina nos convidou — três vezes — para participar de um jogo estranho que envolvia uma bolinha de pingue-pongue e copos de cerveja, esquecendo que já tinha falado com a gente antes. Fiquei olhando assombrada, tentando disfarçar a repulsa.
— Que desperdício da mensalidade. Isso está arruinando todos os meus sonhos universitários — gritei para Adrian. — Tem alguma coisa pra fazer além de beber ou ser babaca?”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Fiquei olhando para o rosto dele enquanto ele pintava, fascinada pelo brilho em seus olhos. A arte era uma das poucas coisas que pareciam ancorá-lo no mundo e tirá-lo da escuridão que havia dentro dele. Ele parecia brilhar com uma luz interior que realçava ainda mais seu rosto já bonito. Era mais um daqueles vislumbres raros e tocantes da natureza intensa e passional que havia por trás das piadas que ele vivia fazendo. Essa natureza aparecia com a arte (...).”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Todos os visitantes são filmados quando passam pelas entradas de segurança — Wade disse. — Mesmo os ultrassecretos. Você só precisa roubar uma cópia desses vídeos. Estão todos armazenados nos computadores deles.
Aquelas pessoas tinham uma ideia muito diferente do significado da palavra 'só'.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Uma coisa que eu havia aprendido na minha educação social era que paquerar não era o mesmo que sair com alguém.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Sempre que alguém queria falar comigo, significava que algo estranho estava prestes a acontecer. Emergências de fato nunca tinham introdução. Elas eram ditas logo de cara. Já coisas premeditadas eram um mistério.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Uma coisa que sempre ajudava em questões alquimistas (e de feitiçaria também) era que as pessoas raramente imaginavam motivos sobrenaturais para comportamentos e fenômenos estranhos.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Já tenho treinamento — eu disse. Era verdade. Era obrigatório para todos os alquimistas. Eu tinha me saído bem, mas, como tinha mencionado a Adrian, eu não gostava nem um pouco de armas. Uma faca pelo menos tinha outras utilidades. Mas um revólver? Só servia para ferir e matar.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Você notou o tapa-olho dele?
Com dificuldade, tirei os olhos do arsenal.
— Hum, sim. Desde o dia em que o conhecemos.
— Não, não. Quer dizer, eu juro que ficava no outro olho da última vez.
— Não ficava, não — eu disse imediatamente.
— Tem certeza? — Adrian perguntou.
Percebi que eu não tinha.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Angeline tinha ficado completamente quieta até então. Olhei para ela, esperando que tivesse algum comentário engraçado sobre seu namorado sendo incentivado a virar modelo. Mas, para a minha surpresa, ela não estava prestando a mínima atenção à conversa. Tinha um livro de geometria aberto e tentava desesperadamente desenhar uns círculos à mão. Era torturante ver aquilo, mas, depois do comentário de Kristin de que Angeline poderia apunhalar alguém com o compasso, talvez fosse melhor desenhar à mão mesmo.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Me deseje sorte — eu disse.
— Você faz a sua própria sorte — ele respondeu.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— A senhora me fez invocar um dragão! — exclamei.
— Nada disso — ela respondeu. — Callistanas são um tipo de demônio.
Congelei.
— Demônio?
— Bom — ela emendou —, um demônio muito pequeno e normalmente benigno. — Não respondi por um tempo. — Sydney? Você ainda está aí?
— A senhora me fez invocar um demônio — respondi, com a voz dura. — Sabe como me sinto em relação ao sobrenatural. Passou esse tempo todo tentando me convencer de que usamos magia para o bem maior na batalha contra o mal e acabou me fazendo invocar uma criatura do inferno!
— Criatura do inferno? — Ela bufou. — Não mesmo. Você não sabe nada sobre demônios.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Fiz uma reserva para nós num restaurante de frutos do mar muito bom — ele disse. — É bem perto da base, então podemos ir para a cerimônia logo depois.
— Parece ótimo — eu falei. Eu nunca comia frutos do mar em um estado tão longe da costa.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Hesitei em tirar o casaco. Fazia com que me sentisse exposta (...). Assim que o vestido foi revelado outra vez, tive o prazer de ver Ian se derreter de novo. Eu me lembrei do conselho de Adrian sobre autoconfiança e abri um sorriso convencido, na esperança de dar a impressão de que estava fazendo um grande favor a Ian ao permitir que ele ficasse na minha presença. E, para a minha surpresa total e absoluta, pareceu funcionar. Inesperadamente me peguei com um pensamento perigoso: talvez não fosse o vestido que tinha poder ali.
Talvez fosse eu.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Eu me debrucei, pousando os cotovelos na mesa, e tive o prazer de ver os olhos dele descerem para o meu decote. Não era tão difícil. Para falar a verdade, eu não sabia por que não tinha começado a usar meus 'encantos femininos' muito antes. Claro, eu não sabia que tinha algum encanto feminino até aquele momento.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“A base alquimista em St. Louis ficava dentro de um complexo industrial gigantesco sob a fachada de uma fábrica. Instituições Moroi — a corte e suas escolas — normalmente fingiam ser universidades. Era irônico o fato de 'criaturas da noite' viverem em meio a jardins lindamente planejados, enquanto 'servos da luz', como nós, se escondiam em prédios feios e sem janelas.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Ian e eu nos sentamos perto do meio do auditório.
— Você não vai tirar seu casaco? — ele perguntou, esperançoso.
Eu é que não deixaria o vestido à mostra naquele retiro de cinza, marrons e colarinhos altos. Além do mais, se continuasse com o casaco, daria algo para ele esperar ansioso. Adrian se orgulharia da minha capacidade de manipular o sexo oposto... e não pude deixar de imaginar se ele seria capaz de resistir àquele vestido. Claramente, eu estava ficando autoconfiante demais com meu novo poder.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Concordei com boa parte da mensagem, mas ela não inspirou o mesmo ardor em mim como antigamente. E, quando o hierofante começou a falar com sua voz monótona sobre dever, obediência e o que era 'natural', comecei a me sentir desligada. Quase desejei que ele falasse mais sobre o divino, como aconteceria na cerimônia de uma igreja normal. Considerando tudo o que vinha acontecendo na minha vida, não seria mal ter uma ligação com uma força superior. Em alguns momentos, enquanto eu escutava o hierofante, pensava se tudo o que ele estava dizendo tinha sido simplesmente inventado por um bando de gente reunida na Idade Média, sem nenhuma ordem sagrada.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Às vezes vale a pena se demorar na jornada por um tempo antes de chegar ao destino.
Metáforas. Era o preço de ficar com um artista.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Não tem nada de errado em querer ficar com alguém — eu disse, diplomática. A menos que essa pessoa vire seu mundo de ponta-cabeça e faça você perder o controle.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Não tem nada de errado em querer controle — retruquei.
— Exceto que nem sempre dá para ter controle, e às vezes isso é bom. Ótimo, até — ela acrescentou.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Acho que já entendi. E quer saber? Acho que vocês não fazem nada. Quer dizer, descobriram uma informação impressionante... mas e agora? Vão ficar esperando? Vocês ficam fugindo e se escondendo. Como isso vai ajudar em alguma coisa? Suas intenções são boas... mas só são isso: intenções.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Você está desperdiçando seu tempo!
— O tempo é meu. Eu faço o que quiser com ele.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Sydney, por favor, não faça isso — ele pediu. — Por mais confiante que você se sinta, por mais cuidadosa que você pense que é, as coisas vão sair do seu controle.
— Elas já saíram — eu disse, abrindo a porta de passageiro. — E vou parar de lutar contra elas.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“— Vamos fugir para ficar com os Conservadores? — ele sugeriu.
— Claro que não — zombei. — Isso seria covarde e imaturo. E você nunca sobreviveria sem gel para cabelo, embora talvez goste dos destilados deles.
— Então o que vamos fazer?
— Vamos continuar mantendo isso em segredo.
Ele riu baixinho.
— E isso não é covarde?
— É emocionante e ousado — respondi.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Se existe uma coisa que se aprende ao ter a vida sob perigo constante é que você não pode desperdiçá-la.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 3º livro: “The Indigo Spell”)



“Eu não posso perder tempo com coisas bobas como pepperoni e cogumelos. Se você tivesse frequentado minha escola em Devonshire, entenderia. Em uma das matérias do segundo ano, nos deixaram sozinhos num pântano para aprendermos técnicas de sobrevivência. Depois que você passa três dias comendo galhos e arbustos, aprende a não discutir sobre a comida que vem até você.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Você conseguiria não fazer nada se tivesse o poder de ajudar alguém?
— Não. E é por isso que estou tentando ajudar você.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Estacionei na garagem de Amberwood depois de procurar diligentemente por uma vaga entre dois carros bem estacionados. Sério, qual era a dificuldade das pessoas para estacionar dentro das faixas?”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Na manhã seguinte, minhas emoções estavam mais controladas, especialmente porque tinha o que fazer.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Desde quando uma declaração de amor significa que estou aceitando sua ideia?
— É a lógica de Adrian Ivashkov. Não tente entender, só se deixe levar.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Neil está na equipe de luta livre. Ele é incrível. O melhor. Ganha todas as lutas.
Me recostei na cadeira, já sem escrúpulos para perseguir o cara se ela insistia em falar dele.
— Bom, claro que é. Qualquer dampiro vai vencer um humano. É natural.
Neil pensou sobre o assunto enquanto mastigava seu souvlaki.
— Suponho que sim — ele disse, finalmente.
— Não parece justo — continuei. — Quer dizer, eles têm categorias de peso, mas não há nenhuma regulamentação sobre isso. Você está competindo com pessoas que não têm como acompanhar você.
Jill me lançou um olhar de advertência e disse: — Bom, não há nada que ele possa fazer, se Amberwood não separa as equipes entre humanos e dampiros.
— Você sempre pode perder de propósito — falei para Neil.
Ele ficou pálido.
— Perder de propósito? Não posso fazer uma coisa dessas! Vai contra meu código de ética pessoal.
— E vencer pessoas que não têm chance contra você faz parte dessa ética? — perguntei. — Na minha opinião, essa é a verdadeira transgressão moral. — Queria que Sydney estivesse ali porque ela teria gostado de me ver usando a palavra 'transgressão'. — Mas, enfim, a vida é sua. Não julgo ninguém e, pra falar a verdade... — Ri baixinho. — Sempre costumo tender um pouquinho demais para o moralismo. É um dos meus poucos defeitos.
Nem mesmo Neil era bobo o bastante para cair nessa. Ele estreitou os olhos.
— Não sei como não percebi isso antes. Fale mais sobre suas opiniões morais.
Fiz um gesto de pouco-caso.
— Ah, não temos tanto tempo assim. Mas sabe com quem você deveria conversar? Castile. Esse sim é um cara que sabe a coisa certa a fazer. Ele até fingiu uma lesão no joelho pra escapar da maior parte da temporada de basquete; assim não teve que lidar com, hum, a ética de competir contra humanos. Anda sempre na linha, o Castile.
Eu ainda não tinha certeza de que Neil estivesse interessado em Jill, mas sabia, sem sombra de dúvida, que via Eddie como um rival na vida. Eddie não chegava a esse ponto, mas também tinha uma veia competitiva. Acho que só havia espaço para um dampiro alfa em Amberwood.
— Mentir também não é honrado — Neil disse, inflamado.
— Não, mas a humildade é. — Suspirei por Eddie com o mesmo ardor com que Jill suspirava por Neil. — Ele prefere enfrentar a humilhação de estar fora do jogo a colher louros não merecidos.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Você acha que, se fingir bem o suficiente, vai conseguir se convencer?
— Alguma coisa assim.
— Isso não faz nenhum sentido.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Nada fortalece o caráter como um teste de autocontrole.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Não existe objetivo mais elevado do que educar e formar as mentes de jovens para a grandeza.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Ele estuda arte em Carlton.
Wolfe ergueu as sobrancelhas.
— Arte? Sempre achei que ele fosse meio maluco, mas não sabia que era um caso perdido.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Qual é a primeira coisa que vem à cabeça quando você pensa em terra?
— Não usar branco.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Entendo. É claro que vou, Vossa Majestade.
— Não me chame assim. E não diga que você está fazendo isso só porque é meu súdito. Quero que você aceite por amizade... e porque é a coisa certa a fazer. — Havia um tom triste na voz dela. Devia ser difícil, pensei, quando as pessoas viam você mais como rainha do que como uma pessoa de verdade.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Enquanto Angeline e eu caminhávamos para a ala de ciências, eu disse:
— Sabe, da próxima vez que tiver problemas, pode vir falar comigo antes que o problema piore.
— Ah, não — ela disse, com um tom nobre. — Não quero incomodar.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Ninguém parecia saber o que dizer. Angeline apontou com a cabeça para os modelos e falou de repente:
— Causei um acidente.
Isso tirou Trey de seu estupor e ele abriu um sorriso. Enquanto as palhaçadas de Angeline quase me faziam arrancar os cabelos, ele as achava bonitinhas.
— Isso acontece bastante — ele disse.
— Não foi culpa minha — ela insistiu.
— Nunca é.
— Só tenho má sorte.
— Ou é encrenqueira.
— Você vê algum problema nisso?
— Problema nenhum — ele disse, baixinho.
— Ai, meu Deus — exclamei. — Você vai ajudar ou não?
Eu não sabia como, mas a tensão constrangedora tinha se transformado em tensão sexual e eu queria sair correndo dali.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Você tem... — Zoe olhou para mim, interrogativa. — Como era? 'Sonho de uma noite de verão'?
— Claro — Clarence disse. — Uma ótima peça sobre o amor.
Ironizei:
— Não sei, não. Está mais para uma série de desventuras malucas em um cenário mágico.
(...)
— Pela minha experiência — Clarence começou —, o amor costuma ser uma série de desventuras malucas.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Duzentos — ele disse.
— Você está louco — retruquei, pegando o rubi de volta. — Vale pelo menos o dobro disso. — Naquela hora, me ocorreu que, se eu não tivesse tomado o rum, teria controle total do espírito e poderia compelir o homem a me dar um preço mais alto. Me arrependi da ideia imediatamente. Até eu tinha princípios. Havia um motivo por que os Moroi proibiam o uso da compulsão.
O cara deu de ombros.
— Então faz um anúncio. Vende na internet. Mas, se quer dinheiro rápido, não vai conseguir mais do que isso.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— A maioria das pessoas não deixa uma marca no mundo com grandes milagres. Algumas sim — ela acrescentou rápido. — Mas, às vezes, o impacto maior é feito com uma série de pequenas coisas silenciosas. Você não vai conseguir fazer nada se estiver...
— ... internado ou morto? — completei, repetindo as palavras de Sydney. Jill teve um sobressalto.
— Não vamos pensar nesses termos. Não tem por que se preocupar com o que não aconteceu. Vamos trabalhar no que você consegue controlar agora.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Depois, ele parou de perguntar como eu me sentia quando ficava deprimido e quis saber como eu me sentia quando ficava alegre. Ele pareceu especialmente interessado nas minhas compras impulsivas e em 'comportamentos incomuns'. Quando esgotamos esse tópico, ele me deu um monte de questionários com variações das mesmas perguntas.
— Cara — eu disse, devolvendo os papéis. — Eu não fazia ideia de que era tão difícil se qualificar como louco. — Entrevi uma faísca divertida nos olhos dele.
— 'Louco' é um termo usado demais e de maneira incorreta. Cria um estigma e tem um caráter final. — Ele apontou para a própria cabeça. — Nós somos todos substâncias químicas, Adrian. Nosso corpo, nosso cérebro. É um sistema simples, mas incrivelmente sofisticado e, de vez em quando, alguma coisa dá errado. Uma mutação celular. Um neurônio que dispara na hora errada. A falta de um neurotransmissor.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Voltei a me sentar e fiquei olhando inexpressivo para a receita.
— Isso vai acabar com a minha criatividade, não vai? Sem meus sentimentos, eu não vou conseguir pintar como antes.
— É o medo de todos os artistas — Einstein disse, com a expressão mais grave. — Talvez afete algumas coisas, mas sabe o que realmente vai interferir na sua capacidade de pintar? Ficar deprimido demais para sair da cama. Acordar na cadeia depois de uma noite regada a álcool. Se suicidar. Essas coisas é que vão acabar com sua criatividade.
Era surpreendentemente parecido com o que Sydney havia dito sobre como eu conseguiria ter sucesso nas coisas.
— Eu vou ser normal — resmunguei.
— Você vai ser saudável — ele corrigiu. — Com isso, você pode se tornar extraordinário.
— Eu gosto da minha arte do jeito que ela é. — Eu sabia que estava parecendo uma criança. Einstein encolheu os ombros e se recostou na cadeira.
— Então você vai ter que decidir o que é mais importante pra você.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“A ideia era tão tentadora que abri o frasco e coloquei um dos comprimidos na mão.
Mas não consegui tomar. Estava com muito medo — medo de perder o controle e medo de assumi-lo.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Na mesma hora, chegou o garçom para nos oferecer água e chá, e meu pai devolveu o cardápio para ele.
— Esse é o cardápio de jantar. Pode trazer o de almoço?
— A hora do almoço acabou — o garçom respondeu, com educação. — Já estamos trabalhando com o jantar.
Meu pai o olhou diretamente nos olhos.
— Você está dizendo que três e meia é hora de jantar?
— Não... — Hesitante, o garçom olhou de um lado para o outro do restaurante, vazio exceto por dois executivos bebendo no balcão. — Na verdade não é hora de nada.
— Então, nesse caso, não vejo por que eu deveria pagar o preço do jantar. Me traga o cardápio de almoço.
— Mas o almoço acaba às duas.
— Então me traga o gerente.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Talvez, em vez de ficar atrás de Angeline, você devesse sair com outra pessoa.
Ele suspirou.
— E você acha que eu não tentei? Não tem comparação. Você pode até não acreditar, mas não tem ninguém nessa escola como ela.
— Ah, eu acredito — eu disse, me lembrando da vez em que ela tinha esquecido a combinação do armário e tentou arrombá-lo com um machado. Ninguém sabia direito onde ela tinha conseguido um.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Eu não pude deixar de abrir um sorriso para ela. Não era difícil para mim ser sorridente e charmoso com as pessoas. Mas gostar e admirar alguém de verdade era raro, e Jackie havia atingido esses dois níveis na minha estima. Boa parte do motivo era que ela gostava muito de Sydney e faria qualquer coisa por ela. Eu adorava Jackie por isso. E também adorava que ela só precisava saber metade da história para querer ajudar. Era uma das vantagens de já estar envolvida em questões sobrenaturais: ela tinha uma excelente capacidade para se deixar levar por complicações novas e inexplicáveis.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— E você deve ser Neil. — Vossa Majestade. — Neil fez uma reverência tão exagerada que sua testa tocou o chão. Ao seu lado, Adrian revirou os olhos.
— Vai com calma, Lancelot — Adrian disse. — Acho que não precisa fazer reverência quando ela está de jeans e pantufas de coelhinho.
Neil se ergueu sem perder a elegância.
— O poder de uma rainha não varia com seus trajes.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Ele colocou os materiais em uma mesa grande. Examinei um por um com olhar crítico e assenti, satisfeita.
— Está tudo aqui.
— O que você precisa que a gente faça? — ele perguntou.
— Não me atrapalhem.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Você consegue fazer ou não? — perguntei. Bateu um vento mais forte, derrubando alguns flocos de neve de uma árvore próxima.
— Ah, posso fazer agora mesmo — ele disse, alegre. — A questão é: o que eu ganho em troca?
Soltei um suspiro.
— Eu sabia que chegaria a esse ponto. Sempre tem que haver alguma vantagem? Você não pode fazer as coisas só por gentileza?
— Minha querida, eu faço muitas coisas por gentileza. O que eu não faço é deixar escapar uma chance dessas. Você acha que eu cheguei até onde estou dando de mão beijada coisas que podem resultar em poder e conhecimento?”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Você me acha manipulador e ardiloso, Sra. Sage? É tudo pelo bem deles. Pelo bem dos meus entes queridos, em primeiro lugar. Do meu povo, em segundo. E, sim, também pelo meu próprio bem, mas não pense por um segundo que eu não me sacrificaria se pudesse salvar alguém que eu amo. E não pense, por um instante, que eu não faria coisas terríveis e abomináveis para salvar alguém que eu amo.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Nem se compara com o que aqueles caras fazem. E você não era você mesmo.
Ele balançou a cabeça.
— Era eu mesmo, sim... bêbado. Eu podia não estar num estado racional, mas foi decisão minha ficar daquele jeito. Eu sou responsável por isso.
— Já passou. Você não é mais a pessoa que era naquela época. Poderia ter sido muito pior, sim, mas você teve sorte e não houve quase nenhuma consequência. O mais importante é que você aprendeu com aquilo.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Nenhum ferimento de verdade. Tínhamos batido contra um pinheiro, esmagando a frente do carro, mas o impacto não teve força suficiente para nos esmagar também. Eu não passava muito tempo pensando em forças superiores, mas, se uma delas tinha sido responsável pela nossa salvação, eu estava grato.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Eu não mereço isso — murmurei. Levantei as mãos para envolver o rosto dela. — Não depois do que já fiz na vida.
— Eu já disse: esse capítulo da sua vida é passado — ela falou. — Não somos mais as mesmas pessoas. Estamos sempre mudando, sempre ficando melhores. Só o fato de você ter tomado o remédio... enfim, a questão não é só o que ele pode fazer. É a coragem que você teve para dar esse passo.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Eu fiz você chorar — eu disse. Essa lembrança sempre seria uma ferida no meu peito.
— Eu chorei porque amo você e não sabia como ajudar. — Ela ergueu a mão e passou a ponta dos dedos nos meus lábios. O mundo estava girando à minha volta. — Esse foi meu erro. Você mesmo se ajudou. Não precisava de mim.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— É surreal — ela disse. — Parece que tudo foi esculpido em diamante. É difícil acreditar que o mundo pode voltar ao normal depois disso.
Apertei o abraço.
— Eu sei — eu disse. — Eu sei.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Então o toque repentino de mensagem no celular normal me assustou.
— Ignore — Adrian disse, com o olhar inflamado e a respiração ofegante.
— E se aconteceu alguma crise na escola? — perguntei. — E se Angeline 'sem querer' roubou um ônibus do campus e entrou com ele na biblioteca?
— Por que ela faria uma coisa dessas?
— Você acha que ela não faria?”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Eu quero o que for melhor para o nosso povo. Tudo o que estamos fazendo agora é esperar... o que é o mesmo que nada. Se isso der certo, pode ser a grande descoberta de que todo mundo vive falando.
Precisei desviar os olhos. Era uma ideia maluca... mas fazia um pouco de sentido.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Pra que tudo isso?
— Pra uma amiga.
— Uma amiga que vai pra cama com você?
— Uma amiga que não é da sua conta.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Abri um sorriso, mas aquela nuvem de melancolia continuou pairando sobre mim, por maior que fosse a felicidade de estar deitado com ela. Eu nunca tinha pensado que poderia amar uma pessoa daquele jeito. Também nunca tinha pensado que teria tanto medo de perder alguém. Será que todos os apaixonados se sentiam assim? Abraçavam a pessoa amada com força e acordavam aterrorizados no meio da noite, com medo de ficar sozinhos? Era uma sensação inevitável quando se amava alguém tão profundamente? Ou éramos só nós dois, que andávamos à beira de um precipício, que convivíamos com esse pânico?”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Eu pude ver a minha morte nos olhos dele, e não foi medo que senti, mas tristeza, uma tristeza enorme e avassaladora por todas as coisas que eu nunca faria.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Não importa o que eles fizeram. Se eles querem colocar a vida em risco, é problema deles. Mas uma princesa como você não tem o direito de se meter em perigo.
— Uma princesa como eu não tem o direito de ficar parada quando seus súditos estão em perigo.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“A vida e a morte eram tão próximas, e oscilávamos entre elas. Mas, naquela noite, vencemos a morte. Estávamos vivos e o mundo era belo. A vida era bela, e eu me recusava a desperdiçar a minha.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Plano de fuga nº 73 — eu disse. — Abrir um restaurante de panquecas na Suécia.
— Por que na Suécia?
— Porque eles não têm panquecas lá.
— Na verdade, têm sim.
— Viu, você já conhece o mercado.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“— Como Vossa Majestade mandar. — Percebi que ela estava prestes a desligar. — Ah, sua cara-metade mais feia está por aí? Preciso pedir uma coisa pra ele.
Um brilho de surpresa surgiu em seus olhos. Christian e eu não éramos muito amigos nos últimos tempos.
— Claro. Na verdade, ele está bem aqui. — Eu a vi se levantar e sair e, um segundo depois, Christian apareceu na tela com seu sorriso sarcástico de sempre.
— E aí? — ele perguntou. — Está querendo dicas pra arrumar o cabelo?
(...)
— Dicas que você roubou de mim? Não, obrigado. Mas ouvi dizer que você tem uma ótima receita de bolo de carne com bacon.
Valeu a pena ver a surpresa no rosto dele.
— Desde quando você cozinha? — ele finalmente conseguiu balbuciar.
— Ah, sabe. Sou um homem renascentista. Faço de tudo. Se tiver, me manda e tento fazer. Aviso se fizer alguma melhoria.
Ele reabriu o sorriso sarcástico.
— Você está tentando impressionar uma garota?
— Cozinhando? — Apontei para o meu rosto. — Só preciso disso aqui, Ozera.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“Já estavam começando os jogos mentais dos alquimistas. Eu não sabia o que esperar da reeducação. Ela ficava envolta em mistério, sem dúvida para inspirar medo. No entanto, torturas físicas e mentais pareciam conclusões óbvias. Quando se quer modificar uma pessoa, é preciso acabar com ela antes.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“De repente, uma luz brilhante se acendeu. Depois da escuridão, o choque me fez gritar e cobrir os olhos.
— Dói, não é? — a voz perguntou. — Depois de viver nas trevas, é difícil voltar para a luz.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 4º livro: “The Fiery Heart”)



“A droga no ar me mantinha sonolenta o tempo todo, mas eles também mandavam alguma espécie de estimulante que garantia que eu ficasse acordada quando queriam, por mais exausta que eu estivesse. O resultado era que eu nunca me sentia descansada de verdade, o que era exatamente o objetivo deles. Pressão psicológica funcionava melhor contra uma mente cansada.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“Você não precisa que seu subconsciente diga o que seu consciente já sabe.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“— Deve ser triste para você — continuou a voz — saber que partiu o coração do seu pai.
(...)
— Meu pai não tem coração.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“'Enlouquecer' é uma palavra feia, disse uma voz na minha cabeça. Pense que você está ganhando um novo olhar para a realidade.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“— E como exatamente você vai pra casa? — Trey perguntou.
— Quem disse que vou pra casa? — repliquei.
— Eu. Você não tem nada que sair pra beber. Está um lixo.
— Você é a segunda pessoa que me diz isso hoje.
— Bom, então acho que está na hora de começar a ouvir.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“— Eu simplesmente não entendo — ela disse. — As pessoas parecem ter medo de mim. Quer dizer, falam que não, mas eu percebo. Ficam me evitando.
— O espírito ainda assusta muita gente, é só isso. Uma coisa que posso te dizer, depois de ter convivido com Moroi, dampiros e humanos, é que as pessoas têm medo do que não entendem. — Enfatizei minha fala erguendo o mexedor do drinque. — E a maioria é preguiçosa ou ignorante demais pra tentar aprender.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“— Você já tentou falar com ela durante sonhos?
Charlotte fez que sim, se acalmando um pouco.
— Ela sempre diz que está bem e que só precisa de mais tempo.
— Bom, então é isso. Minha mãe dizia a mesma coisa quando estava presa. Às vezes as pessoas precisam resolver seus problemas sozinhas.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“Quanto a mim, assumi um papel que eu não assumia fazia séculos, e me senti praticamente um rei na minha própria corte. Uma coisa que eu tinha aprendido ao longo dos anos era que a autoconfiança tinha um forte efeito nas pessoas e que, se você agisse como se merecesse a atenção delas, elas acreditavam.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“— Sinto muito pelo que ele falou pra você.
— Tudo bem — ela disse, encolhendo os ombros. — Estou acostumada.
— Isso não significa que seja certo — eu disse.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“Embora a casa tivesse uma cozinha e a minha suíte não, o espaço total [da casa] era muito menor que o meu no prédio de hóspedes. Sonya e Mikhail tinham decorado bem a casa, que ganhara um ar aconchegante, mas, mesmo assim, parecia errado que um nobre de visita como eu recebesse acomodações mais luxuosas do que um guardião que trabalhava duro e estava sempre arriscando a vida. O pior era que eu sabia que essa era uma das maiores casas de guardiões que existiam, porque Mikhail era casado. Guardiões solteiros moravam em quartinhos minúsculos.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“— Talvez, se Neil voltar, Olive também volte — Charlotte disse. O encontro com Sonya tinha deixado Charlotte visivelmente abalada, mas pensar em Olive a animou um pouco.
— Talvez — eu disse, não me sentindo tão confiante, considerando as coisas que Charlotte me contara nos últimos dias. — Mas acho que você seria um motivo maior para Olive voltar do que um garoto que ela mal conhece.
— É, mas ela gosta mesmo dele. — Charlotte ficou mexendo na ponta da toalha por um momento e então me encarou. — Se apaixonar por alguém leva as pessoas a fazer coisas que o amor por um parente não leva.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“— Tem muita gente que se importa com você. — Dimitri ainda era o retrato da tranquilidade. — Não vire as costas para elas.
— Como elas viraram as costas pra mim?”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“Eu já tinha sido responsável por muitas situações de constrangimento ao longo da vida, mas essa era a primeira vez que eu deixava uma sala inteira completamente sem palavras. Olhos se arregalaram. Queixos caíram. Até os rostos impassíveis de alguns guardiões demonstraram espanto.
— Não falem todos ao mesmo tempo — ironizei.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 5º livro: “Silver Shadows”)



“ntão, eu e a voz de tia Tatiana passamos a conversar na minha mente. Às vezes, essa presença ilusória me aterrorizava, e eu me perguntava quanto tempo levaria até enlouquecer de vez. Às vezes eu levava na boa, e a ideia de que eu estava passando a ver isso como normal me assustava ainda mais.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 6º livro: “The Ruby Circle”)



“Respirei fundo enquanto encarava a porta, criando coragem.
— Não vai ficar mais fácil se você deixar pra depois — Neil falou, nada prestativo.
— Eu sei — respondi.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 6º livro: “The Ruby Circle”)



“— Rose Hathaway e Dimitri Belikov — Lana completou. Seus olhos então recaíram em mim e Sydney, e ela arqueou a sobrancelha. — E Adrian Ivashkov e sua famosa esposa humana. Eu já fui à Corte. Sei quem são as celebridades.
— Nós não somos celebridades — assegurei, colocando o braço em volta de Sydney e apontando com a cabeça para Rose e Dimitri. — Não como esses dois.
Os cantos dos olhos de Lana se enrugaram quando ela sorriu para nós.
— Não? O casamento de vocês é fonte de muita especulação.
— Eu acho que isso nos torna mais um motivo de fofoca do que celebridades. — Mas, quando as palavras saíram da minha boca, me perguntei qual era a diferença entre as duas categorias.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 6º livro: “The Ruby Circle”)



“Mas quem sou eu para julgar? Estamos todos lutando nossas próprias batalhas da melhor maneira possível.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 6º livro: “The Ruby Circle”)



“— Nate não fala mais comigo. Ninguém fala. Preciso conseguir todas as informações por fofocas de segunda mão. — Ele parecia terrivelmente incomodado com isso. Deu para ver que era o tipo de pessoa que sentia muita pena de si mesmo.
— Talvez você devesse pensar a respeito disso — Adrian retrucou. — Se 'ninguém' fala com você, talvez o problema não sejam eles. Talvez seja você.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 6º livro: “The Ruby Circle”)



“Eles [os bebês] são incríveis mesmo, né? — ele pensou em voz alta, admirando Declan dormir em meus braços. — Uma pessoinha tão pequena... com tanto potencial. Para o bem ou para o mal. Atos grandiosos ou pequenos. O que ele vai ser? O que vai se tornar?”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 6º livro: “The Ruby Circle”)



“Acredite em mim, inteligência e 'técnicas de fuga' são ótimas se forem tudo o que você tiver, mas, se tem a chance de ser a mais forte e violenta, sempre seja a mais forte e violenta.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 6º livro: “The Ruby Circle”)



“Eu não tinha notado nada de diferente no comportamento dos dois no combate. Porém Wayne, o escolhido, era maior e mais musculoso. Algo me dizia que os guerreiros se importavam muito com a aparência física, provavelmente acreditando que aquele que parecia mais forte seria mais forte.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 6º livro: “The Ruby Circle”)



“— Você ainda está incomodado porque aquela menina enganou você? Eu diria que ela merece mais crédito. Precisamos de mais gente inteligente por aqui.
— Mas não muitos. — Esse era mestre Ortega.
— Não, claro que não — mestre Angeletti disse.”
(Richelle Mead, na série "Bloodlines", 6º livro: “The Ruby Circle”)



“O cavaleiro era conhecido por sua armadura.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Tão ávido estava, na verdade, que algumas vezes cavalgava em várias direções ao mesmo tempo, o que não é proeza das mais fáceis.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Pouco a pouco, sua família se esqueceu de sua aparência sem a armadura.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Também amava sua armadura, porque ela revelava a todos quem ele era — um cavaleiro bondoso, gentil e amoroso.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“— Estou com um problema.
— Você é um problema, senhor.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Percebeu que a armadura realmente o impedia mesmo de sentir muita coisa, e ele a usava há tanto tempo que tinha esquecido como era a vida sem ela.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Estamos todos presos em algum tipo de armadura. Apenas mais fácil de ver é a sua.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Quando da armadura você se livrar, a dor dos outros também sentirá.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“— Há meses que estou perdido.
— Toda a sua vida — corrigiu o mago (...).
— Não vim de tão longe para ser insultado.
— Quem sabe você sempre tenha considerado a verdade um insulto.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Você é um grande felizardo. Está fraco demais para fugir. (...) Uma pessoa não pode fugir e aprender ao mesmo tempo. Ela precisa permanecer algum tempo no mesmo lugar.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Você é tão medroso (...). É claro, é por isso que veste essa armadura.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Todos os dias, ele fazia a mesma pergunta a Merlin: 'Quando vou sair desta armadura?'. Todos os dias, Merlin respondia: 'Paciência! Faz muito tempo que você a usa. Não dá para se livrar dela da noite para o dia'.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Você não compreende porque tenta compreender com a mente, mas a mente é limitada.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Se você era realmente bondoso, gentil e amoroso, por que precisava provar isso?”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“— Por que você sempre responde com outra pergunta?
— E por que você sempre busca nos outros as respostas às suas perguntas?”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“— Não consigo enxergar muito bem com esta viseira na minha frente.
— Não tenho dúvida disso — replicou o esquilo, sem qualquer ressentimento na voz. — É por isso que você tem de ficar pedindo desculpas às pessoas depois de machucá-las. ”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“— Mas os animais não falam — disse o cavaleiro.
— Oh, com certeza falamos — disse o esquilo. — As pessoas é que não escutam.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Como você pode tomar conta deles se nem consegue tomar conta de si mesmo?”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Um presente, para ser um presente, tem que ser aceito. Caso contrário, torna-se um obstáculo entre as pessoas.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“— Este foi o caminho que você percorreu para chegar a esta floresta.
— Não percorri nenhum caminho — disse o cavaleiro. — Estive perdido durante meses.
— É comum as pessoas não terem consciência do caminho que estão seguindo — replicou Merlin.
— Você quer dizer que este caminho estava aqui, mas eu não conseguia vê-lo?
— Sim.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“A tristeza que ele sentira fora tão profunda que a armadura não pudera protegê-lo dela. Muito pelo contrário, suas lágrimas haviam começado a romper o aço que o circundava.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Quando você aprender a aceitar em vez de ter expectativas, seus desapontamentos serão menores.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“— Ouvi falar que o senhor estava numa cruzada.
— É isso que eu digo sempre que viajo pelo Caminho da Verdade — o rei explicou. — É mais fácil para meus súditos entenderem.
O cavaleiro parecia intrigado.
— Todos entendem as cruzadas — disse o rei —, mas muito poucos entendem a verdade.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“— A maioria de nós está aprisionada no interior de uma armadura — declarou o rei.
— O que o senhor quer dizer? — perguntou o cavaleiro.
— Nós levantamos barreiras para proteger quem pensamos ser. Então um dia ficamos presos atrás das barreiras e não conseguimos mais sair.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Ficar em silêncio significa mais do que não falar.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“A viagem pelo Caminho da Verdade nunca termina. Cada vez que volto aqui encontro novas portas, enquanto minha compreensão se expande.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Ele sentou no chão e continuou a pensar. Logo irrompeu em sua mente que, durante toda a sua vida, perdera tempo falando sobre o que tinha feito e o que iria fazer. Nunca desfrutara o que estava realmente acontecendo.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“— Agora preste atenção — disse o cavaleiro —, vivi todos esses anos sem ouvir uma única palavra sua. Agora que ouço, a primeira coisa que diz é que você é o meu eu verdadeiro. Por que não se manifestou antes?
— Tenho estado por perto há anos — replicou a voz —, mas esta é a primeira vez que você fica quieto o bastante para me escutar.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Nunca mais comeria pombos ou qualquer outra ave ou carne outra vez, porque compreendeu que fazer isso seria literalmente ter amigos no jantar.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“O silêncio é para um; o conhecimento, para todos.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“O pranto do cavaleiro se intensificou quando ele compreendeu que, se não se amava, não poderia realmente amar os outros.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Agradeceu a Merlin por aparecer, mesmo sem ter sido chamado.
— Tudo bem — disse o mago —, às vezes a gente não sabe quando é hora de pedir ajuda.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“O verdadeiro conhecimento não é dividido em compartimentos.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“A ambição do coração é pura. Ela não compete com ninguém nem fere ninguém. De fato, ela o serve de tal maneira que serve os outros ao mesmo tempo.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Você, como a maioria das pessoas, deseja possuir uma porção de coisas boas, mas é necessário separar necessidade de ganância.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“As decisões são simples de tomar, quando não há outra alternativa.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“A simpatia pode enfraquecer o ser humano.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Daquele momento em diante, não mais culparia qualquer pessoa ou qualquer coisa fora dele por seus erros e infortúnios. O reconhecimento de que ele era a causa, não o efeito, lhe deu um novo sentimento de poder. Agora não tinha mais medo.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Quase morri pelas lágrimas que deixei de chorar.”
(Robert Fisher, no livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”)



“Breve, porém, o viajante parisiense se sente chocado com certo ar de contentamento próprio e de suficiência misturado a não sei quê de limitado e de pouco inventivo. Sabe-se, enfim, que o talento daquele homem se limita a fazer pagar com toda a exatidão o que lhe devem, e a pagar, o mais tarde possível, o que ele próprio deve.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Tal inovação custaria ao imprudente proprietário uma reputação eterna de má cabeça, e estaria perdido para sempre no conceito das pessoas sensatas e moderadas que distribuem a consideração no Franco Condado.
De fato, essas pessoas sensatas exercem ali o fastidioso despotismo; é por causa desse nome feio que a estada nas pequenas cidades é insuportável para quem viveu nessa grande república a que chamam Paris. A tirania da opinião - e que opinião! - é tão estúpida nas pequenas cidades da França como nos Estados Unidos da América!”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Proporcionar lucro é a razão que decide tudo nessa pequena cidade que vos parecia tão bonita. O forasteiro que chega, seduzido pela beleza dos frescos e profundos vales que a circundam, imagina a princípio que os seus habitantes são sensíveis ao belo; falam constantemente da beleza de sua terra: não se pode dizer que não liguem grande importância a isso; mas é porque essa beleza atrai alguns forasteiros, cujo dinheiro enriquece os estalajadeiros, o que, pelo mecanismo do imposto de entrada, proporciona lucro à cidade.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“A essas palavras, a fisionomia do prefeito se transtornou. Contudo tornou a si, e, depois de uma hábil palestra de duas longas horas, na qual nem uma palavra foi dita ao acaso, a esperteza do camponês venceu a esperteza do homem rico que não precisa dela para viver.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Espantado por não ter apanhado, Julien apressou-se a sair. Mal se viu, porém, fora das vistas do seu terrível pai, afrouxou o passo. Achou que seria útil à sua hipocrisia dar um pulo à igreja.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Por que não seria amado por alguma [mulher], como Bonaparte, pobre ainda, fora amado pela brilhante senhora de Beauharnais? Muitos anos depois, Julien não passava talvez uma hora da sua vida sem dizer que Bonaparte, tenente obscuro e sem fortuna, se tornara o senhor do mundo com a espada. Essa ideia consolava-o das suas infelicidades, que ele julgava grandes, e dobrava-lhe a alegria, quando a tinha.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Tal é o efeito da graça perfeita, sempre que é natural e, sobretudo, quando a pessoa que ela ornamenta nem sonha em possuí-la.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Sentiu-se tranquilizada com a presença de Julien; enquanto o examinava, esquecia-se de ter medo.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“A senhora de Rênal encontrara em si bastante senso para esquecer logo, como absurdo, tudo quanto aprendera no convento; mas não retificou noção nenhuma e acabou por não saber nada.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Muito altiva para falar nesse gênero de desgostos, mesmo à sua amiga senhora Derville, ela imaginou que todos os homens eram como o seu marido, o senhor Valenod e o subprefeito Charcot de Maugiron. A grosseria, a mais brutal insensibilidade a tudo o que não fosse interesse de dinheiro ou de hierarquia, o ódio cego a qualquer ideia que os contrariasse - parecem-lhe coisas tão naturais a esse sexo como usar botas e chapéu de feltro.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Tinha a alma nas nuvens, e, contudo, não podia sair do mais vexatório dos silêncios.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Inteiramente absorvida, antes da chegada de Julien, por aquela massa de trabalho que, longe de Paris, constitui a sorte de uma boa mãe de família, a senhora de Rênal pensava nas paixões como nós pensamos na loteria: logro certo e felicidade buscada por loucos.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Um sono de chumbo se apoderou de Julien, mortalmente fatigado dos combates em que se haviam empenhado, durante todo o dia, em seu coração, a timidez e o orgulho.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Nada mais feio do que aquele homem importante, que tinha mau gênio e se julgava no dever de externá-lo.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Essa emoção, porém, era um prazer e não uma paixão. Ao reentrar no quarto, ele só pensava numa ventura, a de retomar o seu livro favorito; aos vinte anos a ideia do mundo e a preocupação do efeito a produzir sobre ele vencem a tudo o mais.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'Só um tolo', pensou, 'se encoleriza com os outros: a pedra cai porque é pesada. Continuarei a ser uma criança? Quando terei contraído o belo hábito de entregar minha alma a tal gente, e justamente pelo seu dinheiro? Se pretendo ser prezado por eles e por mim mesmo, devo mostrar-lhes que, de fato, a minha pobreza está em transação comercial com a riqueza deles, mas que o meu coração está a mil léguas da sua insolência e colocado em esfera muito alta para ser atingido pelas suas demonstraçãozinhas de desdém ou de favor.'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Como Hércules, ele se encontrava não entre o vício e a virtude, mas entre a mediocridade de um bem-estar assegurado e todos os sonhos heroicos da sua mocidade. 'Portanto, eu não tenho uma verdadeira firmeza', pensava ele; e era essa a dúvida que mais o torturava. 'Não sou da massa de que se fazem os grandes homens, uma vez que tenho medo que oito anos empregados em ganhar o meu pão me tirem essa energia sublime que leva a realizar coisas extraordinários.'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Há três dias, a única distração da senhora de Rênal fora cortar e mandar fazer a toda a pressa por Elisa um vestido de verão de uma linda fazenda muito em voga. Mal esse trabalho foi terminado, poucos instantes depois da chegada de Julien, e já a senhora de Rênal o vestiu. A amiga não teve mais dúvidas. 'Ela ama, a desgraçada!', pensou a senhora Derville. Reconheceu todos os estranhos sintomas da sua doença.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“O fato de ele saber a Bíblia de cor e, além disso, em latim havia enchido os habitantes de Verrières de uma admiração que durará talvez um século.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“A pureza de alma, a ausência de qualquer emoção de rancor, prolongam, sem dúvida, a duração da mocidade.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Julien esteve de mau humor toda a noite; até então só sentira raiva do acaso e da sociedade; depois que Fouqué lhe oferecera um meio ignóbil para chegar à fartura, era de si mesmo que tinha raiva.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Certa da afeição de Julien, talvez a sua virtude houvesse encontrado forças contra ele. Temerosa de perdê-lo para sempre, a paixão desvairou-a (...).”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Ele tinha medo da senhora de Rênal por causa daquele vestido tão lindo.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'(...) Não se pode amar sem igualdade...' E o espírito se lhe desperdiçou em lugares-comuns sobre a igualdade.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Estava naquele estado de espanto e de inquieta turbação em que tomba a alma que acaba de obter o que desejou por muito tempo. Está habituada a desejar, já não tem o que desejar, e, contudo, não tem ainda recordações.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Ela é boa e suave, gosta bastante de mim, mas foi criada no campo inimigo. Sobretudo, eles devem ter medo dessa classe de homens de valor que, depois de uma boa educação, não têm dinheiro suficiente para fazer carreira. Que seria desses nobres se pudéssemos combatê-los com armas iguais!”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Outrora, no Convento do Sagrado Coração, ela amara a Deus com paixão; mesmo então temera-o. Os combates que lhe dilaceravam a alma eram tanto mais pavorosos quanto menos razão existia para tal pavor.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Surgiu-lhe uma ideia muito sensata, mas a execução requeria uma energia de caráter bem superior à pouca que o pobre homem tinha.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Acho que você está lúcida e cega, ao mesmo tempo, pelo amor.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“A sua resposta foi perfeita e, sobretudo, longa como uma pastoral; deu tudo a entender, contudo nada dizia claramente (...). Nunca um ministro eloquente que resolve utilizar-se de um fim de sessão em que a Câmara parece querer despertar disse menos em maior número de palavras.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'Que gente!', pensava Julien, 'ainda que me dessem metade de tudo o que roubam, eu não desejaria viver com eles. Um belo dia, eu seria capaz de trair-me; não poderia reter a expressão do desdém que eles me inspiram.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“A marcha normal do século XIX é que, quando um ser poderoso e nobre encontra um homem de coração, mata-o, exila-o, encarcera-o ou humilha-o de tal forma que o outro comete a tolice de morrer de pesar.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Mas o viandante que acaba de subir uma montanha com rapidez senta-se ao cume e encontra, no repouso, um prazer perfeito. Se a gente o obrigasse a repousar sempre, seria ele feliz?”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Estranho efeito do casamento tal como o fez o século XIX! O tédio da vida matrimonial faz perecer o amor seguramente, quando o amor precedeu o casamento. E entretanto, dizia um filósofo, entre as pessoas muito ricas que não precisam trabalhar, muito cedo ele leva a um cansaço de todos os prazeres tranquilos.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Dou-lhe a minha palavra de honra – disse Julien com a plenitude de coração de um homem de bem.
Pela primeira vez, o diretor do seminário sorriu.
– Essa frase não tem lugar entre nós – disse ele –, lembra muito a honra vã da gente do mundo que a leve a tantos erros e às vezes aos crimes.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Tal era a gente em meio da qual era preciso distinguir-se; mas o que Julien não sabia, o que tinham o cuidado de lhe ocultar, era que ser o primeiro nos diversos cursos de dogma, de história eclesiástica, etc. etc., que seguem no seminário, nada mais era aos olhos deles do que um pecado esplêndido. Depois de Voltaire, depois do governo das duas Câmaras, que, no fundo, nada mais é do que suspeita e exame pessoal e dá ao espírito dos povos o mau hábito de suspeitar, a Igreja da França parece ter compreendido que os livros são os seus verdadeiros inimigos. A submissão do coração é que é tudo para ela. Vencer nos estudos, mesmo sacros, é suspeito, e com razão. Quem poderá impedir o homem superior de passar para o outro lado, como Sieyès ou Gregório? A Igreja abalada agarra-se ao papa como única esperança de salvação. Só o papa pode tentar paralisar o exame pessoal e, pelas piedosas pompas das cerimônias da sua corte, impressionar o espírito entediado e doente dos mundanos.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'Que presunçoso eu era em Verrières', pensava Julien, 'quando supunha que estava vivendo; estava apenas a preparar-me para a vida; finalmente, eis-me no mundo, tal como o hei de ver até o fim dos meus dias, cercado de verdadeiros inimigos. Que dificuldade imensa', acrescentava, 'nesta hipocrisia de todos os minutos; faz dos trabalhos de Hércules uma verdadeira brincadeira.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Que é que a gente ganha – repetiam eles frequentemente entre si – em brigar com um 'grande'?
É a palavra dos vales do Jura para indicar um homem rico. Julgue-se, por aí, o respeito deles pelo ser mais rico de todos: o governo!
O fato de não sorrir respeitosamente à simples enunciação das palavras 'senhor prefeito' passa, aos olhos dos camponeses do Franco Condado, por imprudência; ora, a imprudência do pobre é imediatamente punida pela falta de pão.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'E mesmo que eu tivesse sucesso', pensava ele, 'ter de passar toda uma vida em tão má companhia! (...) Leio em toda parte que a vontade do homem é poderosa; mas é bastante para superar semelhante desgosto? A tarefa dos grandes homens foi fácil; por terrível que fosse o perigo, eles o achavam belo; e, a não ser eu, quem poderá compreender quanto é feio o que me rodeia?'
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Expondo as opiniões deles melhor do que eles próprios, desagradou-lhes. O senhor Chélan fora imprudente para Julien como era para si mesmo. Depois de lhe haver dado o hábito de raciocinar com justeza e de não se deixar levar por palavras vãs, esquecera-se de dizer-lhe que para o indivíduo menos considerável semelhante hábito é um crime: todo bom raciocício ofende.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“É menos bela uma estrada, porque há espinhos nas sebes que a marginam? Os viandantes seguem o seu caminho e deixam os espinhos malvados apodrecendo no seu lugar.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Em lugar dessas sensatas reflexões, a alma de Julien, exaltada por aqueles sons tão vigorosos e tão cheios, pôs-se a errar nos espaços imaginários. Nunca havia de ser um bom padre, nem um bom administrador. As almas que se comovem assim servem, quando muito, para fazer um artista.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Está bem, meu filho! eu gosto de ti. Sabe Deus que é bem contra a minha vontade. Eu devia ser justo e não ter ódio nem amor por ninguém. A tua carreira vai ser penosa. Vejo em ti alguma coisa que ofende o vulgo. A inveja e a calúnia hão de te perseguir. Onde quer que a Providência te coloque, os teus companheiros não te poderão ver sem te odiar; e quando eles fingirem que gostam de ti, será para te traírem com mais segurança. Para isso só há um remédio: recorre unicamente a Deus, que te deu, para te punir dessa presunção, a fatalidade de ser odiado; que a tua conduta seja pura; é o único recurso que vejo para ti. Se te ativeres à verdade com uma tenacidade invencível, cedo ou tarde os teus inimigos serão confundidos.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“O invariável princípio do severo jansenista Pirard era o seguinte: 'Quando um homem tem mérito aos vossos olhos, opondo-lhe obstáculo a tudo quanto deseja e a tudo quanto empreende. Se o mérito é real, ele saberá pôr abaixo ou contornar os obstáculos'.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“A história da Inglaterra me serve de espelho para o nosso futuro. Há de haver sempre um rei querendo aumentar as suas prerrogativas (...).”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Não posso mais sair de manhã para gozar a beleza das nossas montanhas, sem ter um aborrecimento que me arranca aos meus pensamentos e me lembra os homens e a maldade deles.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Todas as verdadeiras paixões só cuidam de si. É por isso, ao que me perece, que as paixões são ridículas em Paris, onde o vizinho pretende sempre que a gente pense muito nele.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Parece-me – disse Julien enrubescendo muito – que eu nem devia responder a um homem que me despreza.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Com essa coisa indefinível, pelo menos para mim, que há no seu caráter, se o senhor não fizer fortuna, vai ser perseguido: não há meio-termo. Não vá errar. Os homens veem que não lhe dão prazer quando falam com o senhor; e num país de sociabilidade como este o senhor estará destinado à desgraça se não conquistar o respeito dos demais.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Poucos minutos depois, Julien estava sozinho numa magnífica biblioteca; foi um momento delicioso. Para não ser surpreendido na sua emoção, foi se esconder num cantinho escuro; dali contemplava extasiado as lombadas brilhantes dos livros: 'Posso ler tudo isso', pensava. 'Como é que posso me aborrecer aqui?'.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Os homens reunidos naquele salão pareceram ter, aos olhos de Julien, alguma coisa de triste e de constrangido; em Paris fala-se baixo e não se exageram as pequenas coisas.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Quase ao mesmo tempo viu uma jovem, extremamente loura e muito bem-feita, que se foi sentar diante dele. Contudo, não lhe agradou: fitando-a atentamente, ele pensou que nunca tinha visto olhos tão bonitos; denunciavam eles, porém, uma grande frieza de alma. A seguir, achou Julien que eles tinham a expressão do tédio que examina, mas que se lembra da obrigação de ser imponente (...). Julien não tinha bastante prática para distinguir que era o ardor do espírito que brilhava de quando em quando nos olhos da senhorita Mathilde, como a ouvira chamar.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“O abade Pirard partira para o seu curato. 'Se Julien for um frágil caniço, que desapareça; se for um homem de juízo, que se faça por si', pensava ele.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Havia muito orgulho e muito tédio no fundo do caráter dos donos da casa; estavam muito habituados a ofender por desfastio e para conseguir verdadeiros amigos.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Contanto que não pilheriassem com Deus, nem com os padres, nem com o rei, nem com as pessoas de posição, nem com os artistas protegidos pela corte, nem com tudo o que está consagrado; contanto que não falassem bem do Béranger, nem dos jornais da oposição, nem de Voltaire, nem de Rousseau, nem de todos os que se permitiam certa linguagem franca, contanto, sobretudo, que nunca falassem em política, podiam comentar tudo livremente.
Não há cem mil escudos de renda nem condecoração que possam lutar contra tal código de salão. A menor ideia viva parecia uma grosseria. Apesar do bom-tom, da perfeita cortesia, do desejo de agradar, lia-se o aborrecimento em todos os semblantes.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“(...) ele não chegava a compreender como se pudesse escutar a sério a conversa habitual daquele salão tão magnificamente dourado. Por vezes olhava os interlocutores para ver se eles mesmos não estavam fazendo troça do que diziam.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Esses nobres personagens não escondiam o desprezo sincero por tudo o que não provinha de gente que houvesse subido nas carruagens do rei. Julien notou que a palavra 'cruzado' era a única que lhes dava ao semblante a expressão de profunda seriedade mesclada de respeito. O respeito habitual tinha sempre uma nuança de complacência.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Mas na expansão franca e sincera do homem de bem que não guarda nada no coração é que ele brilha mais. Essa manobra se manifesta quando ele tem um favor a pedir.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Eu sou independente – dizia ele a um senhor que carregava três crachás e do qual aparentemente zombava. – Por que é que hão de querer que eu seja hoje da mesma opinião de há seis semanas? Nesse caso a minha opinião seria o meu tirano.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Bilioso, jansenista e acreditando na obrigação da caridade cristã, a sua vida em sociedade era um combate.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“O que talvez mais faltasse àquele pobre conde de Thaler era a faculdade de querer. Por esse prisma do seu caráter, ele teria sido rei muito dignamente. Aconselhando-se sempre com todo mundo, não tinha a coragem de seguir nenhuma opinião até o fim.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'Assim', pensava Julien, ouvindo-os rir na escada, 'foi-me dado ver o outro extremo da minha situação! Não tenho vinte luíses de renda por ano, e encontrei-me lado a lado com um homem que tem vinte luíses de renda por hora, e ainda assim riam dele... Um espetáculo como esse cura a gente da inveja.'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“O abade Pirard levara-o a diversas sociedades jansenistas. Julien ficou admirado; no seu espírito, a ideia da religião estava indissoluvelmente ligada à da hipocrisia e à da esperança de ganhar direito.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Sem dúvida, na província se pode censurar um tom vulgar ou pouco polido, mas sempre nos respondem com algum calor. No Palácio de La Mole, o amor-próprio de Julien nunca era ferido, mas, frequentemente, no fim do dia, ele tinha vontade de chorar. Na província, um garçom de café se interessa pela gente se, ao entrarmos no estabelecimento, nos acontece um acidente; se esse acidente, porém, oferecer algo de desagradável para o amor-próprio, ele, lamentando o caso, há de repetir dez vezes a palavra que nos tortura. Em Paris há o cuidado de se esconderem para rir, mas a gente é sempre um estranho.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Distribuía centenas de luíses e discutia em juízo por centenas de francos. Os homens ricos que têm coração desprendido buscam prazer e não resultado nos negócios.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Onde encontrar uma testemunha? Não tinha um amigo sequer. Fizera vários conhecimentos; mas, ao cabo de seis semanas de relações, invariavelmente se afastavam dele. 'Sou um insociável, e sofro cruelmente as consequências disso.'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Aqueles senhores faziam alusões a anedotas picantes que Julien e a sua testemunha, o tenente do 96°, ignoravam absolutamente. Julien não cometeu a tolice de pretender sabê-las; confessou de boa mente a sua ignorância.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“O conde Norbert só via o pai rapidamente; estavam muito bem um com o outro, mas não tinham nada a dizer-se.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Você é predestinado, meu caro Sorel – diziam-lhe; – você tem, muito naturalmente, esse ar frio e de quem está a mil léguas da sensação presente que nós tanto procuramos adquirir.
– Você não compreendeu o seu século – dizia-lhe o príncipe Korasoff: – faça sempre o contrário do que esperam de nós. Aí está, realmente, a única religião da época. Não seja doido nem afetado, pois nesse caso esperariam de você loucuras e afetação, e o preceito não seria cumprido.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– A ideia mais útil aos tiranos é a de Deus – dissera-lhe Vane.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Primeiro: o inglês mais ajuizado – disse Julien: – é louco uma hora por dia; é visitado pelo demônio do suicídio, que é o deus do país. Segundo: o espírito e o gênio perdem vinte e cinco por cento do seu valor ao desembarcarem na Inglaterra. Terceiro: não há nada, no mundo, tão bonito, admirável e enternecedor como as paisagens inglesas.
– Agora falo eu – disse o marquês. – Primeiro: por que foi você dizer no baile da embaixada russa que há na França trezentos mil jovens de vinte e cinco anos que desejam apaixonadamente a guerra? Acredita que isso seja agradável aos reis?
– A gente não sabe como fazer quando fala com os nossos grandes diplomatas – disse Julien. – Eles têm a mania de estabelecer discussões sérias. Se nos limitamos aos lugares-comuns dos jornais, passamos por idiotas. Se nos permitimos alguma coisa que seja verdadeira e nova, eles ficam espantados, não sabem o que responder, e no dia seguinte, às sete horas, nos mandam dizer pelo primeiro secretário da embaixada que fomos inconvenientes.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– O senhor é um sábio – respondeu ela com um interesse mais acentuado. – O senhor vê estas festas, estes bailes, como um filósofo, como J. J. Rousseau. Essas loucuras o espantam sem o seduzirem.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'Acho que só a condenação à morte é que distingue um homem', pensou Mathilde. 'É a única coisa que não se compra. Ah! é uma bela frase esta que eu acabo de pensar! Que pena que não tenha surgido num momento em que me trouxesse vantagem!”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'a sorte me deu todas as vantagens: ilustração, fortuna, mocidade, tudo, exceto a felicidade. Os mais duvidosos dos meus dotes são ainda esses de que me falaram toda a noite. No espírito, eu creio, pois evidentemente eu meto medo a todos eles. Se eles ousam abordar um assunto sério, no fim de cinco minutos de conversa chegam sem fôlego, e como quem descobriu a pólvora, a uma conclusão que eu lhes venho repetindo há uma hora.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– É o espírito de partido – tornou Altamira. – Não há mais paixões verdadeiras no século XIX, é por isso que a gente se aborrece tanto na França. Praticam-se as maiores crueldades, mas sem crueldade.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Tem razão – dizia Altamira –, fazemos tudo sem prazer e sem guardar recordação, mesmo os crimes. Posso mostrar-lhe neste baile talvez dez homens que irão para o inferno como assassinos. Eles já o esqueceram, e o mundo também.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Que lindo baile! – disse ao conde. – Não falta nada.
– Falta o pensamento – respondeu Altamira.
E sua fisionomia traía esse desprezo, que é tanto mais picante quanto se vê que a polidez impõe o dever de ocultá-lo.
– O senhor está aqui, senhor conde. Não é o pensamento, e ainda por cima conspirador?
– Estou aqui por causa do meu nome. Mas nestes salões odeia-se o pensamento (...). Tudo o que tem algum valor, aqui, pelo espírito, a Congregação entrega à polícia correcional; e toda a boa sociedade aplaude. É porque esta sociedade envelhecida preza antes de tudo as conveniências...”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'Eles foram crianças orgulhosas e tagarelas... como eu!', exclamou de súbito Julien como que despertando em sobressalto.
'Que fiz eu de difícil que me dê o direito de julgar pobres-diabos, que enfim, uma vez na vida, ousaram e começaram a agir? (...)'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“A hipocrisia, para ser útil, deve ocultar-se (...).”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'Esta é a vantagem enorme que eles [os nobres] têm sobre nós', conjeturou Julien, quando ficou sozinho no jardim. 'A história de seus antepassados eleva-os acima dos sentimentos vulgares, e eles não têm de pensar continuamente na própria subsistência! Que miséria!', acrescentava com azedume, 'sou indigno de raciocinar sobre esses grandes assuntos. Minha vida não passa duma sequência de hipocrisias, porque eu não tenho mil francos de renda para o pão.'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Se eu tenho de indispor-me, não é melhor que seja da primeira vez, defendendo os justos direitos do meu orgulho, do que repelindo as mostras de desprezo que logo se seguirão à menor concessão no tocante à minha dignidade pessoal?”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Os salões da aristocracia são agradáveis quando se pertence a eles, mas é só; a polidez não tem valor por si mesma senão nos primeiros dias. Julien o percebia; depois do primeiro encantamento, o primeiro espanto. 'A polidez', pensava ele, 'não é senão a ausência da cólera que a má educação não saberia evitar.'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“(...) ele não passará nunca de um duque meio ultra, meio liberal, uma criatura indecisa, sempre afastada dos extremos, e por isso mesmo sempre em segundo lugar. 'Haverá alguma grande ação que não seja um extremo no momento em que é levada a efeito? Só depois de realizada é que ela parece possível às crianças comuns (...).'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“E será culpa minha que os jovens da corte sejam tão extremados partidários do conveniente, e empalideçam à simples ideia da menor aventura um pouco diferente? Uma pequena viagem à Grécia ou à África é para eles o cúmulo da audácia, e ainda por cima eles não sabem andar senão em bandos. Uma vez sozinhos, têm medo, não da lança do beduíno, mas do ridículo, e esse medo os enlouquece.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Está doente, meu amigo? – perguntou-lhe Mathilde com um arzinho sério. – É preciso que esteja bastante mal para responder com moral a simples brincadeiras. Moral! será que pretende um lugar de prefeito?”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“(...) a senhorita de La Mole tinha sido objeto das mais excessivas adulações no Convento do Sagrado Coração. Isso é um mal que nunca encontra compensação. Persuadiam-na de que por causa de todos os seus dotes de nascimento, de fortuna, etc., ela deveria ser mais feliz do que qualquer outra. Essa é a origem do tédio dos príncipes e de todas as suas loucuras.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Haverá alguma coisa mais divertida do que achar que haja profundeza ou perversidade no caráter parisiense?”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“(...) eu, recusar um prazer que se me oferece. Uma fonte límpida que vem estancar minha sede no deserto, escaldante da mediocridade que atravesso tão penosamente! Não serei tão idiota; cada um por si nesse deserto de egoísmo que se chama vida!”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“[Na corte de Henrique III] A vida de um homem era uma sequência de acasos. Agora a civilização afastou o acaso, não há mais imprevisto. Se ele se manifesta nas ideias, cobrem-no de epigramas; se se manifesta nos acontecimentos, nenhuma vileza está acima de nosso medo. Qualquer que seja a loucura que o medo nos leve a cometer, é desculpada. Século degenerado e enfadonho!”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Por que não o confessar? Ele tinha medo. Como estivesse resolvido a agir, abandonava-se a tal sentimento sem vergonha alguma. 'Contanto que no momento de agir eu tenha a coragem de que necessito', pensava ele, 'que importa o que eu possa sentir agora?'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Senhores, um romance é um espelho que é levado por uma grande estrada. Umas vezes ele reflete para os nossos olhos o azul dos céus, e outras a lama da estrada. E ao homem que carrega o espelho nas costas vós acusareis de imoral! O espelho reflete a lama e vós acusais o espelho! Acusai antes a estrada em que está o lodaçal, e mais ainda o inspetor das estradas que deixa a água estagnar-se e formar-se o charco.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Essas recordações da felicidade passada apoderaram-se de Julien e destruíram em breve toda a obra da razão.
A razão luta em vão contra as recordações desse gênero; suas severas tentativas não fazem mais do que lhes aumentar o feitiço.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– A política – respondeu o autor – é uma pedra amarrada ao pescoço da literatura, e que em menos de seis meses a submerge. A política no meio dos interesses da imaginação é como que um tiro no meio de um concerto. É um ruído que é cruel sem ser enérgico. Não se harmoniza com o som de nenhum instrumento. Essa política irá ofender mortalmente metade dos leitores, e aborrecer a outra, que a viu de uma forma muito mais interessante e enérgica nos jornais da manhã...”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– É preciso finalmente que haja na França dois partidos – tornou o senhor de La Mole; – mas dois partidos não somente de nome, dois partidos bem nítidos, bem definidos. Saibamos o que é preciso esmagar. Dum lado, os jornalistas, os eleitores, a opinião, numa palavra: a juventude e todos os que a admiram. Enquanto ela se atordoa com o ruído de suas palavras vãs, nós temos a vantagem certa de consumir o orçamento.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Nem que me dessem todo o reino de Nápoles – dizia o cantor – eu renunciaria neste momento à volúpia de dormir.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Você está com uma cara de trapista – disse ele a Julien; – você exagera o princípio de gravidade que eu lhe recomendei em Londres. Um ar triste não pode ser de bom-tom; um ar aborrecido é que se deve ter. Quando estamos tristes é porque alguma coisa nos falta ou alguma coisa nos falhou. É uma demonstração de inferioridade. Quando estamos aborrecidos, pelo contrário, a inferioridade está em quem tentou inutilmente agradar-nos. Compreenda, meu caro, a gravidade do seu equívoco.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“(...) não se mostre a seus olhos frio e ofendido; não esqueça o grande princípio de seu século: aparentemos o contrário do que esperam de nós.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“(...) e por isso duas cartas por dia.
– Nunca, nunca – disse Julien desanimado –, mais facilmente me deixaria moer num almofariz do que compor três frases. Eu sou um cadáver, meu caro; não espere mais nada de mim. Deixe-me morrer à beira da estrada.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“(...) eram realmente quase tão anfigúricas quanto as do jovem senhor russo. O vago era completo. Queriam dizer tudo sem nada dizer. 'É a harpa eólia do estilo', pensou Julien. 'Em meio aos mais elevados pensamentos sobre o nada, sobre a morte, sobre o infinito, etc., eu não vejo de real senão um medo abominável do ridículo.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“O inimigo só me obedecerá enquanto me tiver medo; só assim é que então ele não ousará desprezar-me.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Um viajante inglês conta a intimidade em que vivia com um tigre; tinha-o criado e o acariciava, mas sobre a mesa sempre havia uma pistola armada.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Deve-se renunciar a qualquer prudência. Este século está destinado a confundir tudo, e nós marchamos para o caos!”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Depois do envenenamento moral, precisa-se de remédios físicos e vinho de Champagne. Julien se julgaria um covarde se recorresse a isso.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'É singular', pensava Julien, um dia em que Mathilde saía da sua prisão, 'que uma paixão tão viva e de que sou objeto me deixe tão insensível! No entanto, há dois meses, eu a adorava! Li alhures que a aproximação da morte desinteressa de tudo, mas é horrível a gente sentir-se ingrato e não poder modificar-se. Serei um egoísta?' A esse respeito ele se fazia as mais humilhantes censuras.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“É preciso concordar, minha amiga, que as paixões são um acidente na vida, mas também que esses acidentes só se encontram nas almas superiores...”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Ele tem apenas estirpe e bravura, e essas simples qualidades, que completavam um homem em 1729, são um anacronismo um século mais tarde, e só dão pretensões.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'Permita-me que te diga', acrescentou ele depois de muitas outras frases preparatórias, 'daqui a quinze anos olharás como uma loucura desculpável, mas sempre como uma loucura, o amor que me dedicaste...'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Morre-se como se pode, e eu não quero pensar na morte senão à minha maneira.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“(...) é singular que eu só tenha conhecido a arte de gozar a vida depois de ver tão próximo o seu termo.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Meu crime é atroz e foi premeditado. Mereço, pois, a morte, senhores jurados. Mas, mesmo que eu fosse menos culpado, vejo homens que, sem contemplação para o que a minha juventude possa merecer de piedade, hão de querer punir em mim e desencorajar para sempre os jovens que, oriundos de uma classe inferior e de qualquer forma oprimidos pela pobreza, têm a felicidade de conseguir uma boa educação, e a audácia de imiscuir-se naquilo que o orgulho da gente rica denomina boa sociedade.
Este é o meu crime, senhores, e ele será punido com maior severidade pelo fato de eu não ser julgado pelos meus pares. Não vejo no banco dos jurados nenhum camponês enriquecido, mas unicamente burgueses indignados...”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“O conde de Altamira contava-me que, na véspera da morte, dizia Danton com o seu vozeirão: 'É singular, o verbo guilhotinar não pode ser conjugado em todos os tempos; pode-se dizer: eu serei guilhotinado, tu serás guilhotinado, mas não se diz: 'eu fui guilhotinado'.
'Por que não', tornou Julien, 'se há uma outra vida?... Palavra, se eu encontrar o Deus dos cristãos, estou perdido: é um déspota, e como tal é cheio de ideias de vingança; sua Bíblia só fala de punições atrozes. Nunca o amei; nunca quis mesmo acreditar que o amassem sinceramente. Ele não tem piedade.' E lembrava-se de várias passagens da Bíblia. 'Ele me punirá de maneira abominável...
'Mas se eu puder encontrar o Deus de Fénelon! Talvez ele me diga então: 'Muito te será perdoado, porque muito amaste...'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“– Não se conhecem as nascentes do Nilo – dizia consigo Julien; – não foi dado aos olhos do homem ver o rei dos rios em estado de simples córrego; assim também nenhum ser humano verá Julien fraco, e antes de tudo porque ele não o é. Mas eu tenho um coração fácil de comover; a mais simples palavra, se for dita com um acento verdadeiro, pode enternecer minha voz e mesmo fazer correrem minhas lágrimas. Quantas vezes os corações áridos não me desprezaram justamente por causa desse defeito! Acreditavam que eu pedia misericórdia: eis o que não se deve suportar nunca.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'A pior coisa na prisão', pensou ele, 'é a gente não poder fechar a porta.'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Há muito que seu pai lhe anunciava uma visita; nesse dia, quando Julien dormia, o velho carpinteiro de cabelos brancos apareceu no cárcere.
Julien sentia-se fraco, e esperava as mais desagradáveis censuras. Para completar sua penosa sensação nessa manhã experimentava o vivo remorso de não amar o pai.
'O acaso nos colocou lado a lado na terra', pensava ele, enquanto o guarda punha um pouco de ordem no calabouço, 'e nós nos fizemos quase todo o mal possível. Ele vem, no momento de minha morte, dar-me o último golpe.'”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Não há direito natural: esse termo é apenas uma antiga tolice (...). Não há direito senão quando há uma lei que proíba fazer tal coisa, sob pena de punição. Antes da lei, só há de natural a força do leão, ou a necessidade da criatura que tem fome, que tem frio, a necessidade, numa palavra...”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Eu amei a verdade... Onde está ela?... Por toda parte hipocrisia, ou pelo menos charlatanismo, mesmo entre os mais vituosos, mesmo entre os maiores.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Ele foi agitado por todas as recordações da Bíblia, que sabia de cor... Mas como, desde que se trata de três pessoas numa só, acreditar nesse grande nome de DEUS, depois do enorme abuso que dele fizeram os nossos padres?”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Estou isolado aqui neste cárcere; mas não vivi isolado na terra; tinha a poderosa ideia do dever. O dever que eu me tinha prescrito, com ou sem razão... foi como o tronco de uma árvore sólida ao qual eu me apoiava durante as tempestades; eu vacilava, era agitado. Afinal de contas eu era apenas um homem... mas não era arrebatado.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“E por que ser ainda hipócrita, maldizendo a hipocrisia?”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“'... Um caçador dá um tiro na floresta, a presa cai e ele se lança para apanhá-la. Tropeça num formigueiro de dois pés de altura, destrói a habitação das formigas, espalha as formigas e os seus ovos... Mesmo as mais filósofas dentre as formigas não poderão nunca compreender aquele corpo negro, imenso, terrível; a bota do caçador, que de súbito penetrou em sua morada com uma incrível rapidez, e precedida de um ruído medonho, acompanhado de chispas de fogo avermelhado.
'... Assim também a morte, a vida, a eternidade, coisas muito simples para quem tivesse órgãos bastante amplos para concebê-las.
'Uma efêmera nasce às nove da manhã de um lindo dia de verão, para morrer às cinco horas da tarde; como poderia ela compreender a palavra noite? 'Deem-lhe cinco horas mais de vida, e ela verá e compreenderá o que é a noite.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“(...) o ódio que sucede ao desprezo é em geral furioso.”
(Stendhal, no livro “O Vermelho E O Negro”)



“Nancy Clutter está sempre apressada, mas tem sempre tempo. E isto é ser uma grande pessoa.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“A Sra. Clutter, mesmo que não estivesse descontraída, possuía uma qualidade repousante como em geral acontece com as pessoas indefesas que não representam ameaça alguma.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“— As coisas pequenas pertencem mesmo à gente (...). Não precisam ser abandonadas. Podem ser levadas numa caixa de sapatos.
— Levadas para onde?
— Para onde quer que você vá, ora essa! Você pode ficar fora muito tempo. (...) Ou então você não volta nunca para casa. E é sempre importante ter com a gente uma coisa só nossa. Uma coisa nossa de verdade.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Mais cento e cinquenta quilômetros e sai-se do 'Cinturão Bíblico', aquela faixa assombrada pelo Evangelho no território norte-americano, na qual um homem deve, nem que seja por negócios, encarar sua religião com a mais séria das caras (...).”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“(...) estava presidindo uma reunião no Clube dos 4-H (4-H significa Head, Heart, Hands, Health). 'Aprendemos a fazer fazendo' é o seu lema. Trata-se de uma organização nacional com filiais em outros países, cujo propósito é ajudar aqueles que habitam as áreas rurais - principalmente as crianças - a desenvolver suas habilidades práticas e seu caráter moral.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“O inesperado acontece. As coisas mudam.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Você é forte, mas tem uma falha e, a não ser que aprenda a controlá-la, a falha acabará mais forte que sua força e o derrotará.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“A liberdade os separara, como homens livres não tinham mais nada em comum.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Quando os homens do imposto de renda aparecem, os canhotos dos cheques são nossos melhores amigos.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“A sensação que um homem tem colocando sua vida no seguro não é muito diferente da que tem alguém assinando o testamento. Pensar na morte era comum.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“O Sr. Cuttler talvez fosse muito severo em certas coisas (religião, etc.), mas nunca fazia a gente se sentir errada e ele certo.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Certa vez, a Sra. Riggs, professora de inglês, devolvera um tema com o seguinte comentário: 'Bom. Mas por que três estilos diferentes de letra?'. Nancy respondera: 'Porque ainda não sou crescida o bastante para ser uma pessoa com uma só assinatura'.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Que diferença faz? Para a eternidade, tanto faz. Lembre-se: se um pássaro carregasse todos os grãos de areia de uma praia, um por um, através do oceano, quando tivesse levado todos para o outro lado, não teria passado nem um minuto da eternidade.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Mas quem odiava os Clutter? Nunca ouvi uma palavra contra eles. Eram populares à beça e se uma coisa dessas acontece com eles, quem está a salvo?”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Eu disse ao meu gerente que estava com o cheque do pagamento do seguro, mas ainda não tinha descontado e perguntei o que me aconselhava. Bem, era uma situação delicada. Parece que legalmente nós não teríamos de pagar a indenização. Mas moralmente isso era outro assunto. Claro que nos decidimos pela solução moral.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Caíra de cara em cima da cama, como se o sono fosse uma arma que o houvesse atacado por trás.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“É doloroso para nós, é doloroso para eles. Quando se trata de um crime, não se pode respeitar a dor. Ou a reserva de cada um. Ou sentimentos pessoais. Temos de fazer perguntas. Algumas doem fundo.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Resumindo, Nye soube apenas isto: de todas as pessoas no mundo, os Clutter eram as menos prováveis de serem assassinadas”.
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“A imaginação, é claro, abre qualquer porta: dê a volta à chave e deixe entrar o terror.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“As coisas não iriam tão longe se não tivesse sido com os Clutter mas com outros que não fossem tão respeitados, prósperos e seguros. Mas aquela família representava por aqui tudo a que as pessoas dão valor e respeitam, e uma coisa dessas acontecer com eles - é como ouvir dizer que Deus não existe.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“A tranquilidade de seu tom sublimava a malícia da resposta.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“— (...) A respeito dessa história de pressentimento. Me diz uma coisa: se você tinha tanta certeza de que ia se arrebentar, por que não parou? Não teria acontecido se você não estivesse na moto, certo?
Era um enigma que Perry já tentara desvendar. Pensava que tinha resolvido, mas a solução, embora simples, era algo obscura.
— Não. Uma vez que uma coisa está predeterminada, você só pode é torcer para que não aconteça. Ou que aconteça, depende. Enquanto você viver, haverá sempre algo esperando e, mesmo que seja ruim e você saiba que é ruim, o que é que você vai fazer? Você não pode parar de viver. Feito aquele sonho que eu tenho. Desde garoto que tenho o mesmo sonho. (...) Estou andando entre as árvores em direção a uma árvore isolada. (...) Tem folhas azuis e diamantes pendurados em tudo quanto é galho. (...) Para isso estou lá: para apanhar um cesto de diamantes. Mas eu sei que no instante em que eu tentar, no minuto em que eu estender a mão, uma cobra vai cair em cima de mim. Uma cobra que toma conta da árvore. (...) Isso eu já sei de antemão, entende? E eu não sei lutar com cobras. Mas eu penso assim: vou me arriscar. Enfim, eu tenho mais cobiça dos diamantes do que medo da cobra.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“De qualquer modo, não me interessa quem fez aquilo. Não vem ao caso. Minha amiga partiu. Saber quem a matou não a trará de volta.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Invejava o fato de Dick ter-se casado duas vezes e ser pai de três filhos. Esposa, filhos: experiências 'que um homem deveria ter', mesmo que 'não o fizessem bem', conforme acontecia com Dick.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Tudo isso somado dá uma conta redonda: zero.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Jesus nunca nos prometeu que jamais sofreremos dor ou angústia, mas disse-nos que estaria sempre presente para nos ajudar a suportar a dor e o sofrimento.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Há muito ressentimento nesta comunidade. (...) Cheguei mesmo a escutar, em mais de uma ocasião, que o homem, quando encontrado, deveria ser enforcado na árvore mais próxima. Não pensemos assim. O fato está consumado e tirar mais uma vida não o alterará. Vamos ao invés perdoar, como Deus gostaria que fizéssemos. É errado acalentarmos a ira em nossos corações.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“— (...) Deve haver alguma coisa de errado com a gente. Pra fazer o que fizemos. (...)
— (...) Eu sou normal - e Dick falava a sério. Achava-se um sujeito equilibrado. Tanto como qualquer outro, talvez apenas um pouco mais esperto que os demais.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Quando Perry disse: 'Deve haver alguma coisa de errado com a gente', admitia algo que 'odiava ter de admitir'. Afinal, 'era doloroso imaginar que não se é normal' - particularmente se a 'coisa errada' não fosse culpa da 'gente', mas 'uma coisa nascida com a gente'.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Nossos fregueses gostam daqui. Têm de gostar. Não há outro lugar.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Sua malícia, malícia meio divertida de bebê, sugeria uma espécie de cupido maligno atirando flechas envenenadas.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Quando eu era menina (...), tinha tanta certeza de que as árvores e as flores eram como os pássaros e as pessoas. Que pensavam coisas e conversavam umas com as outras. E que se a gente tentasse conseguiria escutá-las. Era apenas uma questão de tirar da cabeça todos os outros sons. Ficar bem quieta e escutar com atenção. Às vezes ainda acredito nisso. Mas nunca se consegue esse silêncio...”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Todos nós temos a liberdade de falar e fazer aquilo que desejamos - contanto que esta 'liberdade' de palavra e ação não prejudique os nossos semelhantes.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Poucas pessoas podem demonstrar um princípio de ética comum quando sua deliberação é inflamada de emoções.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Há uma considerável hipocrisia nas convenções. Qualquer pessoa que pensa conhece o paradoxo. Mas ao lidar com pessoas convencionais é sempre vantajoso tratá-las como se não fossem hipócritas. Não se trata de infidelidade aos próprios conceitos. Trata-se de uma concessão para que se possa continuar a ser um índivíduo livre da ameaça constante das pressões convencionais.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Nada mais fácil do que compartilhar nossos fracassos com os outros, da mesma maneira que é comum esquecer os que colaboraram para nossas vitórias.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“A inveja não o deixava nunca. O inimigo era todo aquele que fosse 'alguém' que ele queria ser ou que possuísse 'algo' que ele quisesse.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Perry O'Pearsons morrera sem ter vivido.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Depois de um mês, a amizade entre o namorado e a melhor amiga da vítima esfriou. (...) O mal estava em que ambos se esforçavam a lamentar e lembrar aquilo que, na realidade, queriam esquecer.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Conversa de presidiário não é prova de nada. Prova é pegada, impressão digital, testemunha, confissão.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Eu entendo de inferno. Já estive lá. Talvez exista o céu também. Uma porção de gente rica acredita nele.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Os ricos nunca são enforcados. Só os pobres e sem amigos.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Os soldados não sofrem de insônia. Matam e ganham medalhas por terem matado. Este bom povo do Kansas quer me matar (condenando à pena de morte) - e algum carrasco terá prazer em executar o trabalho. É fácil matar - bem mais fácil que passar um cheque sem fundos.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“(...) a exposição da criança a estímulos esmagadores, antes que os possa controlar, está intimamente ligada a defeitos precoces na formação do ego e, mais tarde, a graves perturbações no controle dos impulsos.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“(...) o sistema de apelos que invade a jurisprudência norte-americana é quase uma roleta - um jogo de azar agindo, de certa forma, a favor do criminoso.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”)



“Que é que se pode dizer da pena de morte? Não sou contra. É vingança só, mas não há nada errado com a vingança. É muito importante. Se eu fosse parente de alguma vítima, não ficaria em paz até que os responsáveis tivessem morrido. (...) Eu acredito na forca. Contanto que não seja eu o enforcado.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”, reproduzindo trecho de entrevista de um condenado à morte por enforcamento.)



“Só queria dizer que não guardo rancores. Vocês estão me mandando para um mundo bem melhor do que este.”
(Truman Capote, no livro “A Sangue Frio”, reproduzindo a última declaração de um condenado à morte antes de ser enforcado.)



“Outra noite, pelo telefone, ao perguntar eu se você estava cuidando de sua saúde, você me interpelou: '— Você tem medo de morrer, Poesia?' '— Medo normal, meu Maria' — respondi. '— Pois olhe: eu não tenho nenhum' — retorquiu você sem qualquer bravata na voz. '— Só queria que não doesse demais, como na primeira crise. Aquela dor, Poesia, desmoraliza'.”
(Vinícius de Moraes, na crônica “Morrer Num Bar - Na Morte de Antônio Maria”)



“Um operário parte de um monte de tijolos, sem significação especial senão serem tijolos para - sob a orientação de um construtor que por sua vez segue os cálculos de um engenheiro obediente ao projeto de um arquiteto - levantar uma casa. Um monte de tijolos é um monte de tijolos. Não existe nele beleza específica. Mas uma casa pode ser bela, se o projeto de um bom arquiteto tiver a estruturá-lo os cálculos de um bom engenheiro e a vigilância de um bom construtor no sentido do bom acabamento, por um bom operário, do trabalho em execução.
Troquem-se tijolos por palavras, ponha-se o poeta, subjetivamente, na quádrupla função de arquiteto, engenheiro, construtor e operário, e aí tendes o que é poesia. A comparação pode parecer orgulhosa, do ponto de vista do poeta, mas, muito pelo contrário, ela me parece colocar a poesia em sua real posição diante das outras artes: a de verdadeira humildade. O material do poeta é a vida, e só a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e sublime. Seu instrumento é a palavra. Sua função é a de ser expressão verbal rítmica ao mundo informe de sensações, sentimentos e pressentimentos dos outros com relação a tudo o que existe ou é passível de existência no mundo mágico da imaginação. Seu único dever é fazê-lo da maneira mais bela, simples e comunicativa possível, do contrário ele não será nunca um bom poeta, mas um mero lucubrador de versos.”
(Vinícius de Moraes, na crônica “Sobre Poesia”)



“E não é outra a razão pela qual a poesia tem dado à História, dentro do quadro das artes, o maior, de longe o maior número de santos e de mártires. Pois, individualmente, o poeta é, ai dele, um ser em constante busca de absoluto e, socialmente, um permanente revoltado. Daí não haver por que estranhar o fato de ser a poesia, para efeitos domésticos, a filha pobre na família das artes, e um elemento de perturbação da ordem dentro da sociedade tal como está constituída.”
(Vinícius de Moraes, na crônica “Sobre Poesia”)



“Mas para o burguês comum a poesia não é coisa que se possa trocar usualmente por dinheiro, pendurar na parede como um quadro, colocar num jardim, como uma escultura, pôr num toca-discos como uma sinfonia, transportar para a tela como um conto, uma novela ou um romance, nem encenar, como um roteiro cinematográfico, um balé ou uma peça de teatro. Modigliani - que se fosse vivo seria multimilionário como Picasso - podia, na época em que morria de fome, trocar uma tela por um prato de comida: muitos artistas plásticos o fizeram antes e depois dele. Mas eu acho difícil que um poeta possa jamais conseguir o seu filé em troca de um soneto ou uma balada. Por isso me parece que a maior beleza dessa arte modesta e heroica seja a sua aparente inutilidade. Isso dá ao verdadeiro poeta forças para jamais se comprometer com os donos da vida. Seu único patrão é a própria vida: a vida dos homens em sua longa luta contra a natureza e contra si mesmos para se realizarem em amor e tranquilidade.”
(Vinícius de Moraes, na crônica “Sobre Poesia”)



“(...) Não têm juízo?

Quem não tem
Juízo? O que pergunta ou o que responde?
O que quer dar um pouco do que é seu
Ou o que tinha juízo e que perdeu
E que nem sabe onde?”
(Vinícius de Moraes, na peça “Orfeu da Conceição”)



“A confiança é o pior inimigo dos mortais.”
(William Shakespeare, na peça “Macbeth”)



“Estou resolvido! Vou esticar todos os músculos de meu ser para esta terrível façanha. Vamos e sejam apresentadas aos olhos do mundo as belas aparências... Um rosto falso deve esconder o que sabe um falso coração.”
(William Shakespeare, na peça “Macbeth”)



“Potências misericordiosas, refreai em mim os pensamentos malditos aos quais a Natureza dá passagem durante o sono!”
(William Shakespeare, na peça “Macbeth”)